A SEMÂNTICA E O DISCURSO
Célia Maria Paula de Barros (UCB)
INTRODUÇÃO
É a ciência que estuda a significação
A significação são inúmeras e extremamente matizadas e vão desde o realismo dos que acreditam que a língua se superpõe como uma nomenclatura a um mundo em que as coisas existem objetivamente, até formas de relativismo extremado, segundo as quais é a estrutura da língua que determina nossa capacidade de perceber o mundo; desde a crença de que a significação de uma expressão fica cabalmente caracterizada pela tradução em outra expressão, até a crença de que qualquer tradução é impossível e para compreender a significação de uma palavra ou frase se exige a participação direta em atividades de um determinado tipo.
A palavra ciência evoca domínios de investigação claramente definidos, a respeito dos quais os cientistas aperfeiçoaram métodos de analise unanimemente aceitos e elaboram conhecimentos coerentemente articulados e fiéis aos fatos. Ao contrário disso, a semântica é um domínio de investigação de limites movediços; semanticistas de diferentes escolas utilizam conceitos e jargões sem medida comum, explorando em suas analises fenômenos cujas relações não são sempre claras: em oposição à imagem integrada que a palavra ciência evoca, a semântica aparece, em suma, não como um corpo de doutrina, mas como o terreno em que se debatem problemas cujas conexões não são óbvias.
No campo semântico as palavras-chaves passam ao leitor a intertextualidade interativa do que foi lido. O significado que essas palavras assumem entre si, proporcionam-lhe uma variedade de entendimentos, a consciência estrutural de sentimentos, temas diversos, a individualidade, as informações que são passadas, demonstram ao leitor o poder que tem uma palavra, quando o seu entendimento está interligado a um contexto.
CONTEXTUALIZAÇÃO NA LÍNGUA PORTUGUESA
Semântica
A palavra “Semântica” reporta-se fundamentalmente ao verbo grego semaíno, cujo o valor é significar, seria, pois a ciência das significações.
As primeiras discussões sobre o significado remontam aos gregos. Já antes de Platão, os gregos discutiam os problemas da relação entre a palavra e o ser, entre os signos e o universo. Uma primeira doutrina elaborada de semântica e lógica se encontra nos escritos de Aristóteles. Mas as fontes continuam firmes em seus princípios históricos.
A significação do processo que associa um objeto, um ser, uma coisa, uma noção ou um acontecimento a um signo capaz de os evocar.
Na verdade, há várias semânticas, mas a que é mais pesquisada é a semântica lingüística. Sausure chegou a conceber “um estudo geral dos signos simbólicos” - a Semiologia.
Bréal (1897), define-a como a ciência das significações. É para ele uma ciência das leis da significação.
Antes de Bréal, aqui no Brasil, Pacheco Jr. (1842 - 1899), usou a palavra Semântica (1883). O livro de Pacheco Jr., entretanto, só veio a ser editado em 1903, posterior a sua morte.
Do Século XIX ao século XX, como diz Kurt Baldinger, a evolução lingüística, não se levando em conta outros aspectos novos, caracterizou-se por duas tendências essenciais: deslocou-se do som para a palavra (da fonética histórica à lexicologia histórica) e, ao mesmo tempo, a maneira de considerar os problemas , inicialmente isolante-unidimensional tornou-se estrutural ou Unidimensional.
Não se pode falar de semântica sem que previamente se fale do signo. E, fundamentalmente, não se pode deixar de falar de Saussure.
Saussure, de origem genebraica, nasceu em 1857, por imposição paterna, a contra gosto, iniciou os estudos de física e química, contudo, não perdera seu referencial originário, a afeição pela filosofia e línguas.
No inverno de 1876/1877, ao se mudar para Leipzig, ocasião em que estudou com o grego, George Curtis, doutorou-se (1880), desenvolvendo um trabalho no campo da sintaxe, referente ao emprego do genitivo absoluto em sânscrito (grupo de línguas ou dialetos indo-árico antigos do Norte da Índia, sendo o védico e o sânscrito clássico os mais conhecidos).
Em Paris, contando 24 anos (1881), por dez anos, ocupou o cargo de conferencista de École de Hautes Études.
Segundo Saussure, o signo que nos interessa é produzido pelo homem, mais do que isso: o signo verbal tem por objeto comunicar alguma coisa a alguém de alguma coisa. Mas não é por aí que devemos defini-lo. É importante conhecer a sua natureza.
Platão, no brático, já chamava a atenção para isso.
O emprego dos signos é a primeira manifestação da mente que surge tão cedo na história biológica quanto o conhecido reflexo condicionado.
Quando se de signo verbal, vem-nos à mente a palavra como a mínima unidade fônica e semântica da linguagem.
Saussure faz uma comparação entre signo verbal e uma folha de papel, um lado da qual é a imagem fônica e o outro, o conteúdo conceptual.
Usou os termos significante e significado, considerando o signo lingüístico uma entidade psíquica composta de uma imagem fônica e um conceito. Para Saussure, a um significante corresponde um significado. O significante provoca uma imagem mental.
Segundo, Damaso Alonso, o fenômeno entre significante e significado não é tão simples como Saussure apresenta. Vê os significantes transmitidos como conceitos, mas também complexos e funcionais. Um significante é produzido no falante com uma carga psíquica do tipo complexo, formada normalmente por um conceito e ainda acrescido por outros aspectos no psiquismo do ouvinte. Um significado é sempre complexo e que dentro dele se pode distinguir uma série de significados parciais.
Damaso com sua posição se enquadra num enfoque de semântica da frase.
Bernard Pottier, no seu livro Lingüística Geral ressalta que as pessoas emitem mensagens em certas circunstâncias, destacando os aspectos sócio-culturais, idade, sexo, classe, acarretando a escolha de registros, formas de tratamento de fraseologia, como também a atitude frente a frente de interlocutores.
Na visão de Bernard Pottier:
Comunicação = Contexto + mensagem Situação |
Para Weinreich e Chomsky, a sintaxe e a semântica, essas duas partes do processo lingüístico, se produzem simultaneamente, numa profunda intercomunicação, interpenetração.
A semântica da sintaxe é uma semântica diacrônica, a da palavra para uma semântica da frase.
A semântica analítica enriquece a semântica esquemática.
A semântica global é uma contínua reformulação do entendimento baseado em esquemas semânticos retidos.
A estrutura de compreensão serve para melhorar a compreensão do texto fechado e em alguns pontos esclarecer certos problemas de estrutura sintática.
A análise semântica não se pode desprezar o que ele chama de contextual, que é o que vai definir diferenças e estabelecer identidades.
No ensino da língua, a importância da semântica é ensinar a comunicar e compreender a comunicação.
A CONTEXTUALIZAÇÃO EM TEXTOS MUSICAIS
CANTA BRASIL
Alcyr Pires Vermelho e David Nasser
As selvas te deram nas noites ritmos bárbaros...
Os negros trouxeram de longe reservas de pranto...
Os brancos falaram de amores em suas canções...
E dessa mistura de vozes nasceu teu pranto....
Brasil
minha voz enternecida
Já durou os teus brazões
na expressão mais comovida
das mais ardentes canções
Também,
a beleza deste céu
onde o azul é mais azul
na aquarela do Brasil
eu cantei de Norte a Sul
mas agora o teu cantar,
Meu Brasil quero escutar:
nas preces da sertaneja
nas ondas do rio-mar...
oh!
Este rio-turbilhão.
Entre selvas e rojão
Continente a caminhar!
No céu!
No mar!
Na terra!
Canta Brasil!
ANÁLISE TEXTUAL
A etnia de um povo privilegiado pela natureza, que ao ser descoberto, o índio era o seu habitante natural, que com a chegada dos colonizadores foram levados à catequese e, por uma questão de sobrevivência, se submeteram aos ensinamentos religiosos.
Os ritmos foram se misturando, mas para os índios era difícil, pois seus costumes, tradições e sobrevivência buscavam na natureza. Os negros sem escolha se tornaram escravos dos brancos, iniciando, assim, cem anos de sofrimentos, barbáries indescritíveis. O homem escravizou o próprio homem.
Todas essas etnias, lingüisticamente, trouxeram para o país essa diversificação de falares da nossa língua Portuguesa, mas todo povo contextualiza os significados desses falares, independentemente do grau de escolaridade.
A influência lingüística influenciou à nossa formação cultural. O povo com sua criatividade, tão peculiar, foi associando termos e criando os seus falares diversos.
O texto “Canta Brasil”, sempre foi cantado em diversos ritmos, mesmo com toda imensidão desse país, o povo brasileiro, mesmo diante de secas, enchentes, calor em excesso, geadas... Festeja, acredita é esperançoso.
Segundo as estatísticas, somos mais de cento e setenta milhões de habitantes, mas sempre haverá espaço para quem acreditar na nossa evolução cultural.
O texto em questão foi escrito há mais de trinta anos e é uma exaltação ao povo, à natureza prodigiosa e ao misticismo de suas raças e crenças, tão presentes na nossa formação social, cultural e política.
Parabéns aos autores dessa canção por demonstrarem um espírito tão nacionalista, levando ao leitor a reflexão da beleza desse país tão promissor.
ASPECTOS MORFOLÓGICOS DO TEXTO
O eu-lírico é predominante no texto. O autor faz questão de declarar o seu amor pelo Brasil, através das adjetivações, exaltando as belezas naturais do país.
Na 1ª estrofe, o substantivo “selvas” representa a presença do índio, o adjetivo “bárbaros, comovidas e ardentes”, sintetizam a época escravidão. O substantivo “brazões” representa a presença dos colonizadores.
Na 2ª estrofe, o 1º verso enfatiza a diversificação de imigrantes e migrantes de Norte a Sul do país.
O verbo “querer”, no presente do indicativo, contextualiza a esperança de que o país jamais perderá os seus valores culturais.
Com o substantivo “preces” e a expressão adjetivada: “da sertaneja” é perceptível a religiosidade do povo brasileiro.
Nos últimos versos, a preocupação é exclusiva com a cultura, a natureza privilegiada, o folclore e a força que tem o brasileiro de lutar pela preservação de suas tradições.
BRASIL
George Israel / Nilo Romeu / Cazuza
Não me convidaram
Pra esta festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer.
Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta estacionando carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha
Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Não me convidaram
Pra esta festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
Não me sortearam a garota do fantástico
Não me subornaram
Será que é meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer “sim”, “sim”
Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim
Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
(não vou te trair)
(Ed. Warner Chappell)
ANÁLISE TEXTUAL
O autor é atuante no contexto, a 1ª pessoa do singular o declara como um defensor das classes sociais, menos favorecidas e insatisfeito com as injustiças sociais.
O “Brasil” relata os fatos sobre um cara pobre, normal, que vê, sem paternalismo, este 1% da população que vive privilegiadamente - e da qual o autor fazia parte.
O país é visto com ridicularidades é como se uma janela se abrisse e fosse visto um triste trópico.
Cada estrofe corresponde a uma parte, em que o tom do eu-lírico se modifica, há momentos de revolta, evocação, exaltação e também de uma profunda tristeza pelos preconceitos que a própria sociedade impõe.
Há momentos em que o autor mostra uma sociedade fantasiosa, egoísta, fingida, negligente, restringindo os espaços. O pronome indefinido “toda” no 5º verso generaliza os fatos. Para o verbo convidar, o sujeito é indeterminado, para o autor o descaso social não é individual, é geral.
O substantivo “homens” se torna um agente dos acontecimentos, vagos e indeterminados. As lamentações poderão ser contadas a ele que guardará segredo, pois os acontecimentos relatados não são novidades, é possível comprovar essa afirmação com a expressão: “a droga que já vem malhada antes de eu nascer...”
O Nacionalismo se torna sensível, os versos denotam os problemas do Brasil que parecem os mesmos desde o descobrimento: renda concentrada, a maioria da população sem acesso a nada... a classe média paga o ônus de morar num país, onde há uma grande população miserável, assuntos contínuos nos noticiários cotidianos.
A mentalidade do brasileiro é muito individualista adora levar vantagem em tudo. Educação é a única saída que poderá mudar este quadro.
O texto é como se fosse um hino à intolerância perante o pouco caso das pessoas que tomam as decisões no país.
Mesmo que essa pátria para “muitos” seja “desimportante”, para o autor não foi motivo para que seu amor, o seu nacionalismo; as suas ideologias o impedissem de expor a sua indignação a todo instante, quem sabe assim, um dia o país, que ele idealizou: prospero abra espaço a todos que têm a felicidade de ter nascido num lugar privilegiado pela natureza e que não rejeita raças, credos ou grau de conhecimento, mas rejeita a miséria, apresenta projetos “peneiras”, isto é, que tentou ultrapassar as barreiras sociais.
Portanto, nos deparamos todos os dias com este Brasil descrito por este poeta, que deixou tantos versos de amor, de rebeldia e, talvez, quem sabe tentou de alguma forma através das suas canções levar ao povo alegria, sentimento inconfundível entre os brasileiros.
É nossa responsabilidade, como cidadãos críticos e livres mostrar a nossa cara, fazer valer os nossos direitos democráticos, lutar... Para que todos possam ter condições de assistir TV a cores nas suas próprias tabas.
CONCLUSÃO
A finalidade é ressaltar a importância dos Estudos Semânticos na contextualização, pois compreende o valor do significante e significado, se tornar possível trabalhar com maior clareza a Sintaxe e a Morfologia.
É indiscutível, que ao dar ênfase especial a mudança de significado na estrutura do enunciado, a literatura e o entendimento do texto, tornar-se-ão mais interessantes e prazerosos para os nossos alunos e professores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bechara, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Ver. Rio de Janeiro: Lucena, 2001.
Câmara Jr., Joaquim Mattoso. Dicionário de Lingüística e gramática. 7a ed. Petrópolis: Vozes, 1977.
Cazuza e Lucinha Araújo. Preciso dizer que te amo. 2a ed. São Paulo: Globo, 2001.
Chomsky, Noam. Reflexões sobre a linguagem. São Paulo: Cultrix, 1980.
Geraldo, Ilari - João Wanderlei e Ilari - Semântica. 10ª ed. São Paulo: Ática, 2001.
Houaiss, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.