INSERÇÕES PARENTÉTICAS
NA FALA CULTA DE SÃO PAULO
Paulo de Tarso Galembeck (UEL)
PRELIMINARES
Este trabalho discute a configuração formal das inserções parentéticas e o papel por elas exercidos na construção do texto falado. A exposição compõe-se de duas partes: a fundamentação teórica, na qual se trata dos processos de construção da língua falada (ativação, reativação, desativação), dos processos de desativação no plano da seqüência tópica (parênteses e digressões) e do conceito de tópico e ruptura tópica. Na segunda parte, as ocorrências são classificadas a partir de três variáveis: a configuração formal das inserções, as marcas formais da frase que “hospeda” o segmento parentético; o elemento ao qual se voltam as inserções.
O córpus do trabalho é constituído pelos inquéritos no 062, 333, 343, 360, pertencentes ao arquivo do Projeto NURC/SP e publicados e Castilho e Preti, 1987. Esses inquéritos pertencem ao tipo D2 (diálogos entre dois informantes e de cada um foi extraído um trecho correspondente a trinta minutos de gravação).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Processos constitutivos do texto
Castilho, 1995, menciona três processos que constituem a língua falada: a construção, a reconstrução (ou reformulação) e a descontinuação. Em um texto mais recente (Castilho, 1999), o mesmo Autor denomina esses processos de construção por ativação, construção por reativação e construção por desativação.
A construção por ativação (ou, simplesmente, construção), processo discursivo central, consiste na seleção das palavras para a constituição do texto e suas unidades e das sentenças e sua estrutura, tendo ambos uma dada representação fonológica.
A construção por reativação (ou reconstrução) é a volta ao que foi dito, por meio da retomada ou repetição de formas e/ou de conteúdos. A repetição (recorrência de expressões) e a paráfrase (recorrência de conteúdo) constituem as manifestações desse processo; ambas têm por finalidade reiterar e reforços assuntos do texto. Acrescente-se que Castilho, ao contrário de Barros, 1993, não inclui a correção entre os processos de reativação.
A construção por desativação (descontinuação) é a ruptura na elaboração do texto e da sentença. A forma mais radical de ruptura no nível do texto é o abandono do tópico em andamento; outras formas mais “brandas” são a digressão e os parênteses. No plano da sentença, a ruptura é assinalada pelas interrupções, pausas, hesitações, inserção de elementos discursivos, anacolutos.
O tópico e suas propriedades
Como o objetivo desta pesquisa é estudar um dos processos de ruptura na seqüência tópica (os parênteses), cabe definir tópico e expor suas prioridades.
Brown e Yule, 1983 definem tópico como “aquilo acerca de que se está falando”. O tópico é, pois, uma questão de conteúdo, e sua construção constitui um processo colaborativo, já que nela estão envolvidos os participantes do ato interacional.
Fávero, 1993, menciona, como prioridades do tópico, a centração e a organicidade. A primeira define-se como a propriedade do tópico pela qual os falantes têm a atenção voltada para um determinado assunto, implicando a utilização de referentes explícitos ou inferidos. Quando muda a centração, tem-se necessariamente um novo tópico. A organicidade, por sua vez, refere-se às relações (no plano vertical) entre as unidades tópicas mais gerais (supertópicos, tópicos) e as mais particulares (subtópicos) e, igualmente, à própria sucessão de tópicos e subtópicos.
Lembre-se, ainda, que a noção de tópico é essencialmente dinâmica, sobretudo na interação simétrica: mais que um dado prévio, o tópico é algo que se cria (ou se recria) no decorrer da conversação.
Descontinuidade tópica
Castilho, 1999, assinala que, no plano do texto, a construção por desativação é caracterizada pela descontinuidade tópica, ou seja, por um desvio momentâneo na progressão temática. Por alguns momentos, abandona-se a estrutura temática do texto para a inserção de fragmentos em relação à seqüência tópica; o mesmo Autor (ib) classifica esses fragmentos em duas classes de fenômenos: digressões e parênteses.
Dascal e Katriel, 1982, definem a digressão como uma porção do texto que não se acha diretamente relacionada com o tópico em andamento. É o que pode ser verificado no fragmento a seguir:
(1) L2 (...) e por aí a gente vê por fora... como a coisa está difícil ( ) por isso eu vejo pelo meu marido... como eu falei para vocês ele faz seleção de pessoal né?... então... ele diz que para... por exemplo cada cem engenheiros que é pedido... ele funciona do seguinte modo as firmas precisam... de um em/ de um cara então ah por exemplo (ah) um:: um banco precisa de um diretor de um banco chega pra ele diz assim “eu preciso de um diretor de banco para tal tal área para fazer isso assim assim assim assim” ... então ele vai procurar... certo?... ou “preciso um:: um gerente de::... de produção:: o um gerente ( ) “normalmente é um engenheiro isso isso isso então eu estava explicando... ... é um pedido UM advogado... quer dizer a desproporção é inCRÍvel...
[
L1 ( )
L2 é incrível mesmo... os médicos também muito pouco...
(NURC/SP, 360, 1.895-913)
O trecho sublinhado corresponde a uma digressão, pois a informante abandona o tópico em andamento (as atividades do marido na seleção de pessoal) e introduz um novo assunto, representado por um exemplo que ilustra o modo como é feita a seleção de pessoal. Há, pois, uma nova centração, o que caracteriza o fragmento digressivo.
Já nos parênteses, não há a introdução de um novo tópico. É o que se pode verificar no fragmento a seguir:
(2) Nos dois exemplos a seguir, L1 e L2 comenta o fato de o vendedor não ter horário rígido de trabalho.
L1 não... não pode perfeitamente [ausentar-se do trabalho] eu acho que:: essa:: essa:: ... essa responsabilidade... ela não é atribuída... inclusive:: dentro da profissão de vendas o que:: interessa é:: ... faturar... entende? para eles pouco importa:: as vezes a::
L2 o tempo de de trabalho né?
L1 como você utiliza o seu tempo de trabalho (...)
(Inq. 062, 1.259-264)
Jubran, 1996, não emprega o termo “digressão”, porém menciona duas modalidades de inserção, correspondentes ambas à digressão e aos segmentos parentéticos. Segundo a mesma Autora, a primeira modalidade de inserção tem maior extensão textual e possui estatuto tópico, já que instaura uma nova centração e provoca, desse modo, a divisão do segmento tópico em andamento em duas partes não contíguas. Na segunda modalidade, de menor extensão textual, o segmento encaixado não tem estatuto tópico, porque não há nova centração e não se desenvolve, pois, um dado tópico específico.
Adota-se, neste trabalho, a definição de parênteses exposta por Jubran (op.cit.): os parênteses definem-se “como breves desvios do quadro de referência tópica do segmento contextualizador que não afetam a coesão da unidade discursiva dentro da qual ocorrem, pois não promoveria cisão do tópico em porções textuais nitidamente separáveis, visto que a sua interação é momentânea e a retomada, imediata).
ANÁLISE DAS VARIÁVEIS
Natureza do segmento parentético
Esta variável diz respeito à constituição formal das inserções parentéticas, as quais podem apresentar diferentes configurações: marcador conversacional, sintagma (simples ou composto), frase simples, frase complexa.
(a) Marcador conversacional
Os marcadores conversacionais que constituem fragmentos inseridos são geralmente representados por sinais de envolvimento do ouvinte (veja bem), de opinião (eu acho) ou de busca de aprovação discursiva (certo?, entende?).
(3) (O informante fala das pessoas que só querem acumular diplomas.)
L2 você vê umas aberrações da natureza aí com o título de... doutor aí... ninguém quer saber por quê... grandes empresas... às vezes não quer saber onde você se formou... você é advogado...? normalmente não quer saber... certo?
(NURC/SP, 062. l. 1192-1197)
Com freqüência, o marcador conversacional de valor parentético aparece sob a forma de turno inserido (turno breve, produzido pelo ouvinte):
(4) (A informante discorre acerca de problemas ocorridos no concurso para procurador do Estado.)
L2 (...) mas ainda tem um número... de acho que uns trinta umas trinta pessoas mais ou menos... que entraram com um novo mandado de segurança
L1 sei...
L2 não sei exatamente alegando o quê mas entraram (...)
(NURC/SP, 360, l. 614-619)
(b) Sintagma
Incluem-se neste item sintagmas nominais (antecedidas ou não por preposições), sintagmas adjetivais e sintagmas adverbiais:
(5) (O informante trata das obras interrompidas da av. Paulista.)
L1 então quando foram fazer a Paulista... já tinham gastado três bi sei lá... cacetada de dinheiro
L2 [com aquele rebá/ aquele rebaixamento né?
L1 é
L2 uhn
L1 aí resolveu-se que a idéia não era boa né?(...)
(NURC/SP, 343, l. 376-382)
(c) Frase simples
Trata-se de uma oração independente. Em casos mais raros, aparece uma oração subordinada, sem a principal correspondente:
(6) L1 (...) não segui outras carreiras ah::... que o curso de Pedagogia daria possibilidade como o caso da Orientação Educacional... que:: no quarto ano eu poderia ter feito... e a Psicologia Clínica também que:: eu poderia ter feito no quarto ano como opção... entre a licenciatura... ou ou a licenciatura em Pedagogia ou a Psicologia Clínica sem vestibular naquele tempo era... possível... e:: eu não fiz por falta de tempo(...)
(NURC/SP, 360, l. 1579-1586)
(d) Frase complexa
Trata-se de um período curto que, na maior parte das ocorrências (78%), é formado por duas ou três orações que se estruturam pelo processo de subordinação.
(7) (A informe discorre acerca dos filmes nacionais a que assistiu).
L1 (...) aliás vi dois filmes... nacionais... a Rainha Diaba (...) e aquele tirado da... do Marques Rebelo A Estrela Sobe... que eu também achei magnífico... como retrato de uma época... como justiça que o cinema fez a um grande escritor... que foi Marques Rebelo... então são dois filmes... foram acho que foram os dois únicos filmes nacionais.
(NURC/SP, 333, l. 631-644)
O quadro a seguir expõe a distribuição das ocorrências na variável em estudo: