Variação em sujeitos referenciais de 3a pessoa
no português falado contemporâneo

Vera Lúcia Paredes Silva (UFRJ)
Bianca da Silva Simões
(UFRJ)
Lina Arao
(UFRJ)

Introdução

Esta pesquisa faz parte de um estudo maior sobre a variação no uso do pronome sujeito no português falado não-culto carioca. Segue, portanto, os princípios e métodos da Teoria da Variação e Mudança Linguística Laboviana. Os resultados que aqui apresentamos dizem respeito a um estudo de painel, visando a investigar a mudança linguística no indivíduo. Ou seja, utilizamos dois conjuntos de entrevistas sociolinguísticas, realizadas com um intervalo de aproximadamente vinte anos, recontactando os mesmos falantes (16 pessoas). Todos fazem parte do corpus formado para o Projeto Censo da Variação Lingüística no Rio de Janeiro, iniciado na década de 80 e que deu origem ao Projeto PEUL/UFRJ.

Consideramos, para esta pesquisa, a variação de sujeitos referenciais de 3a pessoa, que podem ser expressos por pronome ou zero, além da retomada por sintagma nominal. Através do quadro abaixo, podemos verificar a percentagem de cada variante na amostra Censo e na amostra Recontato. Observe-se que, de cada entrevista, foi retirada uma média de 50 ocorrências de sujeito variável de 3a.pessoa.

Quadro geral da variação na 3a pessoa
  Censo Recontato
Pronome 396 50% 346 45%
SN’s 100 13% 105 13%
Zeros 291 37% 323 42%
Total 787   774  

Distribuição das três variantes nas duas amostras.

A gramática tradicional define o pronome como um substituto do nome. Sabemos que essa definição não se aplica igualmente à 1a., 2a. e 3a. pessoa, já que as duas primeiras é que são as verdadeiras pessoas do discurso, enquanto participantes da interlocução. A 3a. pessoa _ a não-pessoa, conforme Benveniste (1975) _ tem, como sabemos, características semelhantes ao nome, como flexão de número e gênero. Por essa razão, seria mais plausível tratar apenas o pronome de 3a.pessoa como um substituto do nome.

Note-se, entretanto, que, para que essa substituição possa ocorrer, é preciso que o referente já tenha sido introduzido no discurso, i.e., não represente informação nova, mas sim informação que já foi dada (evocada) ou, pelo menos, seja inferível do contexto (cf. Prince 1981). Isso propiciaria um tipo de cadeia SN-Pronome-zero que, de fato, nem sempre se encontra. O exemplo 1 ilustra, em parte, esse tipo de seqüência:

(1) (...) a minha mãe trabalha demais, sabe? Bem, ela começou a trabalhar, assim, não profissionalmente, mas por prazer, vamos dizer assim, com uns dez anos de idade. Diz ela que Æ fazia vestidinho de papel, para boneca de papel, colchinha, é..travesseiro, fronha, essas coisinha para boneca. Quando Æ era menorzinha. Quando ela foi ficando maior, ela fazia tricô (...) (San Censo, l.3-7, p.1)

O exemplo (1) ilustra inicialmente uma situação típica: a introdução do referente por SN, sua primeira retomada por pronome e posterior anáfora zero, que volta a alternar com o pronome.

Para verificar e quantificar a real concorrência entre nomes e pronomes como sujeitos de 3a.pessoa no uso coloquial falado, fizemos diversos tipos de combinações, nas rodadas do programa computacional VARBRUL. O programa permite jogar com as três alternativas, tomando cada uma das variantes como aplicação da regra. Assim, trabalhamos com SN vs. zero, pronome vs. zero e SN vs. pronome. Também foi feita uma rodada com SN + pronome vs. zero, ou seja, opondo-se preenchimento a não-preenchimento.

Quando se considera como aplicação da regra SN vs. ÆÆ ou pronome vs. ÆÆ (ou seja, preenchimento vs. não preenchimento), a primeira variável selecionada pelo VARBRUL é a conexão discursiva (Cf. Paredes Silva 2002). O que está subjacente a isso é o princípio da predizibilidade - isto é, quanto mais predizível (esperado) um referente, maior a probabilidade de ser representado pela anáfora zero (ÆÆ).

Nesta exposição, entretanto, vamos nos concentrar na discussão da influência de fatores como a ambigüidade (tradicionalmente associada ao uso explícito do pronome sujeito) e o caráter animado ou inanimado do referente do sujeito.

Destacamos, então, a relevância do traço animacidade para a preferência pela forma pronominal (sendo que o traço inanimado favorece a expressão do sujeito de 3a pessoa pelo SN) e da ambigüidade contextual na escolha entre SN e pronome.

Quando se considera a oposição pronome vs. zero, o traço +animado do referente é selecionado pelo VARBRUL para as amostras Censo e Recontato. Antes de mais nada, observe-se que a ocorrência de sujeitos animados é mais do que dez vezes maior do que a de inanimados. Isso só confirma a hierarquia mencionada em Givón (1984), que afirma ser o discurso humano é egocêntrico, vindo em segundo lugar a 2a pessoa, e depois a 3a, na qual os seres animados têm precedência sobre os inanimados.

As tabelas 1 e 2 apontam a relevância do traço de animacidade na escolha de sujeitos pronominais. Na aplicação pronome vs. zero, essa variável é sempre selecionada, com resultados bastante polarizados, como se vê na tabela 1.

Na aplicação SN vs. pronome, é o traço inanimado do referente que mais aumenta as chances de ocorrência de um nome, sendo esta variável a primeira na ordem de seleção do VARBRUL. (cf. Tabela 2)

Amostra Censo Amostra Recontato

  Apl/T % Peso rel. Apl/T % Peso rel.
Inanimado 12/52 23% .12 25/58 43% .33
Animado 396/649 61% .54 331/621 53% .52

Tabela 1: Efeito da animacidade nas duas amostras

(pronome vs zero)

Amostra Censo Amostra Recontato

  Apl/T % Peso rel. Apl/T % Peso rel.
Inanimado 30/42 71% .90 44/66 67% .87
Animado 70/459 15% .45 61/385 16% .42

Tabela 2: Efeito da animacidade nas duas amostras (SN vs pronome)

A propósito, vejamos alguns exemplos:

(2) F - (...) Vamos citar um caso: os esgotos. Antigamente, raramente, a senhora via uma casa, aí, da rua para baixo. Essas rua - essas casas que tem na rua para baixo, não há condição de jogar um esgoto para cima. Porque o esgoto não sobe, o esgoto desce. Então esse esgoto vai para o mar. Já não é a mesma coisa que era há quarenta anos atrás. Se a pessoa comia um peixe, uma ostra e um marisco, já não é a mesma, como era antigamente. Esse esgoto já deve influir alguma coisa. (Jan Censo, l.6-13, p.8)

Neste exemplo, vemos um caso de retomada de referente inanimado que evita o pronome e também o zero, dando preferência à repetição do SN.

(3) F - (...) Então, passei a infância toda com o gesso nas pernas. (...) A gente se acostuma, não é? Aí o pé foi (inint), foi ficando - tanto que meus sapatos já gastam mais para o lado, meu pé fica assim, não é? Eles gastam mais para o lado. (Leo Censo, l11-14, p.3)

Já no exemplo 3, apesar de seu caráter inanimado, o referente sapatos é retomado por pronome, o que não é a situação mais frequente (cf. nas tabelas acima que há apenas 12 casos de inanimados com pronome no Censo e 25 no Recontato).

F - “Cinderela”, né? É Cinderela que teve. Vi, vi um outro (filme) com a minha neta, mas eu não consigo me lembrar, que eu falei pra você, que ela eram duas mulheres. Uma se separou do marido e ela, a outra ficou vivendo com o marido dessa, essa teve câncer. Elas ficam amigas, porque ela descobre que a mulher do, a ex-mulher do homem que ela está vivendo estava com câncer. Aí, ela fica amiga pra dar força a ela e tudo. Mas eu não me lembro desse filme. (Nad Recontato, l.25-30, p.15)

O exemplo 4 acima ilustra a preferência por pronome quando o ser é animado, mesmo que disso possa resultar falta de clareza. Nesse caso, parece que o falante se dá conta de que seu discurso pode ter ficado confuso e faz adendos ou reparos. Percebemos a dificuldade de compreensão resultante, especialmente considerando que o exemplo foi produzido na fala. Como leitores e dispondo de mais tempo para processar o texto, conseguimos recuperar as referências, fazendo uso de nosso conhecimento pragmático.

Já a ambigüidade é um fator forte na escolha entre SN e ÆÆ, não funcionando tão bem no caso do SN vs. pronome (foi selecionado pelo VARBRUL no Recontato, mas não no Censo). Foram codificados como ambíguos os contextos em que mais de um referente se apresentava como candidato em potencial a sujeito do verbo em questão. As tabelas 3 e 4 mostram um total de ocorrências ambíguas bem menor do que o de não ambíguas. Isso se deve à tendência de se poder esclarecer a ambigüidade através do contexto. Desse modo, permanece marcado como ambíguo um número relativamente pequeno de casos.

Nas rodadas de SN vs. zero, a ambigüidade é sempre selecionada, com boa polarização de pesos relativos. Assim, a presença do SN parece estar fortemente associada ao esclarecimento de alguma ambigüidade.

Amostra Censo Amostra Recontato

  Apl/T % Peso rel. Apl/T % Peso rel.
não ambíguo 74/349 21% .46 68/366 19% .44
ambíguo 26/42 62% .78 37/54 69% .85

Tabela 3: Efeito da ambigüidade nas duas amostras (SN vs zero)

Amostra Censo Amostra Recontato

  Apl/T % Peso rel. Apl/T % Peso rel.
não ambíguo 336/613 55% .47 305/608 50% .48
ambíguo 72/88 82% .69 51/71 72% .64

Tabela 4: Efeito da ambigüidade nas duas amostras (Pronome vs zero)

Retomando o exemplo 4, vemos que o uso do pronome sujeito de 3a.pessoa no feminino singular na oração ela descobre cria uma construção potencialmente ambígua. Em princípio, espera-se que o pronome retome o referente mais proximamente mencionado_ no caso, essa na oração essa teve câncer. No entanto, não é o que ocorre, sendo necessário avançar no discurso e deslindar o emaranhado de relações entre as pessoas para dar conta da referência do pronome.

Vejamos agora outro exemplo:

(5)E - Certo. E quantos netos a senhora tem?

F - Ai, quer (inint) não tenho muito não. Era para ter mais. Mas vou te contar. Tem três, seis, quatro, dez - eu tenho uns quinze.

E - Quinze netos?

I - Uns quinze neto, já?

F - E tenho pouco, porque minhas filha - se todas elas fosse casada, não é, já aí tinha mais. Se tivesse filho, já tinha mais, que a minha filha mais nova - mais velha tem quase quarenta ano. (Jos Censo, l.39-46, p.4)

No exemplo (5), a oração se tivesse filho retrata um caso em que a manutenção do sujeito zero gera uma ambigüidade: não sabemos a quem se refere a hipótese de ter filhos (se todas as filhas fossem casadas e tivessem filhos, se a falante também tivesse filhos homens, enfim, são dúvidas que se esclarecem no contexto maior da entrevista.). Trata-se de um caso raro, este de permanência da ambiguidade. Em geral o conhecimento de mundo se encarrega de esclarecê-la, quando a sintaxe segue rumos inesperados.

Considerações finais

O tratamento variacionista da referência à terceira pessoa nas duas amostras (dos anos 80 e de 2000) não revelou indícios de mudança neste intervalo de tempo: as taxas de uso das variantes se mantiveram semelhantes e também as variáveis que se mostraram mais influentes foram as mesmas nas duas épocas. Esses resultados, ainda, guardaram semelhanças com os de estudo feito na escrita informal, em 1988 (cf. Paredes Silva 1988)

Além disso, mais uma vez os resultados atestaram que a cadeia SN- pronome- zero, sugerida pela gramática, não se confirma no uso. A retomada de um referente de 3a. pessoa, na fala coloquial é, de forma predominante, feita pelo pronome, mas a probabilidade de um nome aumenta se está em jogo um referente de traço inanimado ou se há risco de ambigüidade.

Note-se, ainda, que a fala não planejada, como a que analisamos aqui, não faz restrições à repetição próxima de itens léxicos, o que se pôde comprovar pela influência do fator paralelismo, também atestada nesta análise. Já a escrita, como ensina escola, pede , no mínimo, a substituição de um termo por um sinônimo e aconselha que se evite a repetição de pronomes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENVENISTE, E. Problemas de linguística general. Traducción de Juan Almela. México, Siglo Veinteuno, 1975.

OMENA, N. Pronome pessoal de 3a.pessoa: suas formas variantes em função acusativa. Dissertação de Mestrado. PUC/RJ, 1978.

PAREDES SILVA, V. L. (1988) Cartas cariocas: a variação do sujeito na escrita informal. Tese de Doutorado .Faculdade de Letras/ UFRJ, 1988.

------. Motivações funcionais no uso do sujeito pronominal: uma análise em tempo real. In: PAIVA, M.C & DUARTE, M.E.L. (orgs.) Mudança linguística em tempo real. Rio de Janeiro, Contr Capa/ FAPERJ, 2002.

PRINCE, E. On the given and new distinction. Chicago, Linguistic Society 15, 1981

Variação em sujeitos referenciais de 3a pessoa

no português falado contemporâneo

Vera Lúcia Paredes Silva (UFRJ)

Bianca da Silva Simões (UFRJ)

Lina Arao (UFRJ)

Introdução

Esta pesquisa faz parte de um estudo maior sobre a variação no uso do pronome sujeito no português falado não-culto carioca. Segue, portanto, os princípios e métodos da Teoria da Variação e Mudança Linguística Laboviana. Os resultados que aqui apresentamos dizem respeito a um estudo de painel, visando a investigar a mudança linguística no indivíduo. Ou seja, utilizamos dois conjuntos de entrevistas sociolinguísticas, realizadas com um intervalo de aproximadamente vinte anos, recontactando os mesmos falantes (16 pessoas). Todos fazem parte do corpus formado para o Projeto Censo da Variação Lingüística no Rio de Janeiro, iniciado na década de 80 e que deu origem ao Projeto PEUL/UFRJ.

Consideramos, para esta pesquisa, a variação de sujeitos referenciais de 3a pessoa, que podem ser expressos por pronome ou zero, além da retomada por sintagma nominal. Através do quadro abaixo, podemos verificar a percentagem de cada variante na amostra Censo e na amostra Recontato. Observe-se que, de cada entrevista, foi retirada uma média de 50 ocorrências de sujeito variável de 3a.pessoa.

Quadro geral da variação na 3a pessoa
  Censo Recontato
Pronome 396 50% 346 45%
SN’s 100 13% 105 13%
Zeros 291 37% 323 42%
Total 787   774  

Distribuição das três variantes nas duas amostras.

A gramática tradicional define o pronome como um substituto do nome. Sabemos que essa definição não se aplica igualmente à 1a., 2a. e 3a. pessoa, já que as duas primeiras é que são as verdadeiras pessoas do discurso, enquanto participantes da interlocução. A 3a. pessoa _ a não-pessoa, conforme Benveniste (1975) _ tem, como sabemos, características semelhantes ao nome, como flexão de número e gênero. Por essa razão, seria mais plausível tratar apenas o pronome de 3a.pessoa como um substituto do nome.

Note-se, entretanto, que, para que essa substituição possa ocorrer, é preciso que o referente já tenha sido introduzido no discurso, i.e., não represente informação nova, mas sim informação que já foi dada (evocada) ou, pelo menos, seja inferível do contexto (cf. Prince 1981). Isso propiciaria um tipo de cadeia SN-Pronome-zero que, de fato, nem sempre se encontra. O exemplo 1 ilustra, em parte, esse tipo de seqüência:

(1) (...) a minha mãe trabalha demais, sabe? Bem, ela começou a trabalhar, assim, não profissionalmente, mas por prazer, vamos dizer assim, com uns dez anos de idade. Diz ela que Æ fazia vestidinho de papel, para boneca de papel, colchinha, é..travesseiro, fronha, essas coisinha para boneca. Quando Æ era menorzinha. Quando ela foi ficando maior, ela fazia tricô (...) (San Censo, l.3-7, p.1)

O exemplo (1) ilustra inicialmente uma situação típica: a introdução do referente por SN, sua primeira retomada por pronome e posterior anáfora zero, que volta a alternar com o pronome.

Para verificar e quantificar a real concorrência entre nomes e pronomes como sujeitos de 3a.pessoa no uso coloquial falado, fizemos diversos tipos de combinações, nas rodadas do programa computacional VARBRUL. O programa permite jogar com as três alternativas, tomando cada uma das variantes como aplicação da regra. Assim, trabalhamos com SN vs. zero, pronome vs. zero e SN vs. pronome. Também foi feita uma rodada com SN + pronome vs. zero, ou seja, opondo-se preenchimento a não-preenchimento.

Quando se considera como aplicação da regra SN vs. ÆÆ ou pronome vs. ÆÆ (ou seja, preenchimento vs. não preenchimento), a primeira variável selecionada pelo VARBRUL é a conexão discursiva (Cf. Paredes Silva 2002). O que está subjacente a isso é o princípio da predizibilidade - isto é, quanto mais predizível (esperado) um referente, maior a probabilidade de ser representado pela anáfora zero (ÆÆ).

Nesta exposição, entretanto, vamos nos concentrar na discussão da influência de fatores como a ambigüidade (tradicionalmente associada ao uso explícito do pronome sujeito) e o caráter animado ou inanimado do referente do sujeito.

Destacamos, então, a relevância do traço animacidade para a preferência pela forma pronominal (sendo que o traço inanimado favorece a expressão do sujeito de 3a pessoa pelo SN) e da ambigüidade contextual na escolha entre SN e pronome.

Quando se considera a oposição pronome vs. zero, o traço +animado do referente é selecionado pelo VARBRUL para as amostras Censo e Recontato. Antes de mais nada, observe-se que a ocorrência de sujeitos animados é mais do que dez vezes maior do que a de inanimados. Isso só confirma a hierarquia mencionada em Givón (1984), que afirma ser o discurso humano é egocêntrico, vindo em segundo lugar a 2a pessoa, e depois a 3a, na qual os seres animados têm precedência sobre os inanimados.

As tabelas 1 e 2 apontam a relevância do traço de animacidade na escolha de sujeitos pronominais. Na aplicação pronome vs. zero, essa variável é sempre selecionada, com resultados bastante polarizados, como se vê na tabela 1.

Na aplicação SN vs. pronome, é o traço inanimado do referente que mais aumenta as chances de ocorrência de um nome, sendo esta variável a primeira na ordem de seleção do VARBRUL. (cf. Tabela 2)

Amostra Censo Amostra Recontato

  Apl/T % Peso rel. Apl/T % Peso rel.
Inanimado 12/52 23% .12 25/58 43% .33
Animado 396/649 61% .54 331/621 53% .52

Tabela 1: Efeito da animacidade nas duas amostras

(pronome vs zero)

Amostra Censo Amostra Recontato

  Apl/T % Peso rel. Apl/T % Peso rel.
Inanimado 30/42 71% .90 44/66 67% .87
Animado 70/459 15% .45 61/385 16% .42

Tabela 2: Efeito da animacidade nas duas amostras (SN vs pronome)

A propósito, vejamos alguns exemplos:

(2) F - (...) Vamos citar um caso: os esgotos. Antigamente, raramente, a senhora via uma casa, aí, da rua para baixo. Essas rua - essas casas que tem na rua para baixo, não há condição de jogar um esgoto para cima. Porque o esgoto não sobe, o esgoto desce. Então esse esgoto vai para o mar. Já não é a mesma coisa que era há quarenta anos atrás. Se a pessoa comia um peixe, uma ostra e um marisco, já não é a mesma, como era antigamente. Esse esgoto já deve influir alguma coisa. (Jan Censo, l.6-13, p.8)

Neste exemplo, vemos um caso de retomada de referente inanimado que evita o pronome e também o zero, dando preferência à repetição do SN.

(3) F - (...) Então, passei a infância toda com o gesso nas pernas. (...) A gente se acostuma, não é? Aí o pé foi (inint), foi ficando - tanto que meus sapatos já gastam mais para o lado, meu pé fica assim, não é? Eles gastam mais para o lado. (Leo Censo, l11-14, p.3)

Já no exemplo 3, apesar de seu caráter inanimado, o referente sapatos é retomado por pronome, o que não é a situação mais frequente (cf. nas tabelas acima que há apenas 12 casos de inanimados com pronome no Censo e 25 no Recontato).

F - “Cinderela”, né? É Cinderela que teve. Vi, vi um outro (filme) com a minha neta, mas eu não consigo me lembrar, que eu falei pra você, que ela eram duas mulheres. Uma se separou do marido e ela, a outra ficou vivendo com o marido dessa, essa teve câncer. Elas ficam amigas, porque ela descobre que a mulher do, a ex-mulher do homem que ela está vivendo estava com câncer. Aí, ela fica amiga pra dar força a ela e tudo. Mas eu não me lembro desse filme. (Nad Recontato, l.25-30, p.15)

O exemplo 4 acima ilustra a preferência por pronome quando o ser é animado, mesmo que disso possa resultar falta de clareza. Nesse caso, parece que o falante se dá conta de que seu discurso pode ter ficado confuso e faz adendos ou reparos. Percebemos a dificuldade de compreensão resultante, especialmente considerando que o exemplo foi produzido na fala. Como leitores e dispondo de mais tempo para processar o texto, conseguimos recuperar as referências, fazendo uso de nosso conhecimento pragmático.

Já a ambigüidade é um fator forte na escolha entre SN e ÆÆ, não funcionando tão bem no caso do SN vs. pronome (foi selecionado pelo VARBRUL no Recontato, mas não no Censo). Foram codificados como ambíguos os contextos em que mais de um referente se apresentava como candidato em potencial a sujeito do verbo em questão. As tabelas 3 e 4 mostram um total de ocorrências ambíguas bem menor do que o de não ambíguas. Isso se deve à tendência de se poder esclarecer a ambigüidade através do contexto. Desse modo, permanece marcado como ambíguo um número relativamente pequeno de casos.

Nas rodadas de SN vs. zero, a ambigüidade é sempre selecionada, com boa polarização de pesos relativos. Assim, a presença do SN parece estar fortemente associada ao esclarecimento de alguma ambigüidade.

Amostra Censo Amostra Recontato

  Apl/T % Peso rel. Apl/T % Peso rel.
não ambíguo 74/349 21% .46 68/366 19% .44
ambíguo 26/42 62% .78 37/54 69% .85

Tabela 3: Efeito da ambigüidade nas duas amostras (SN vs zero)

Amostra Censo Amostra Recontato

  Apl/T % Peso rel. Apl/T % Peso rel.
não ambíguo 336/613 55% .47 305/608 50% .48
ambíguo 72/88 82% .69 51/71 72% .64

Tabela 4: Efeito da ambigüidade nas duas amostras (Pronome vs zero)

Retomando o exemplo 4, vemos que o uso do pronome sujeito de 3a.pessoa no feminino singular na oração ela descobre cria uma construção potencialmente ambígua. Em princípio, espera-se que o pronome retome o referente mais proximamente mencionado_ no caso, essa na oração essa teve câncer. No entanto, não é o que ocorre, sendo necessário avançar no discurso e deslindar o emaranhado de relações entre as pessoas para dar conta da referência do pronome.

Vejamos agora outro exemplo:

(5)E - Certo. E quantos netos a senhora tem?

F - Ai, quer (inint) não tenho muito não. Era para ter mais. Mas vou te contar. Tem três, seis, quatro, dez - eu tenho uns quinze.

E - Quinze netos?

I - Uns quinze neto, já?

F - E tenho pouco, porque minhas filha - se todas elas fosse casada, não é, já aí tinha mais. Se tivesse filho, já tinha mais, que a minha filha mais nova - mais velha tem quase quarenta ano. (Jos Censo, l.39-46, p.4)

No exemplo (5), a oração se tivesse filho retrata um caso em que a manutenção do sujeito zero gera uma ambigüidade: não sabemos a quem se refere a hipótese de ter filhos (se todas as filhas fossem casadas e tivessem filhos, se a falante também tivesse filhos homens, enfim, são dúvidas que se esclarecem no contexto maior da entrevista.). Trata-se de um caso raro, este de permanência da ambiguidade. Em geral o conhecimento de mundo se encarrega de esclarecê-la, quando a sintaxe segue rumos inesperados.

Considerações finais

O tratamento variacionista da referência à terceira pessoa nas duas amostras (dos anos 80 e de 2000) não revelou indícios de mudança neste intervalo de tempo: as taxas de uso das variantes se mantiveram semelhantes e também as variáveis que se mostraram mais influentes foram as mesmas nas duas épocas. Esses resultados, ainda, guardaram semelhanças com os de estudo feito na escrita informal, em 1988 (cf. Paredes Silva 1988)

Além disso, mais uma vez os resultados atestaram que a cadeia SN- pronome- zero, sugerida pela gramática, não se confirma no uso. A retomada de um referente de 3a. pessoa, na fala coloquial é, de forma predominante, feita pelo pronome, mas a probabilidade de um nome aumenta se está em jogo um referente de traço inanimado ou se há risco de ambigüidade.

Note-se, ainda, que a fala não planejada, como a que analisamos aqui, não faz restrições à repetição próxima de itens léxicos, o que se pôde comprovar pela influência do fator paralelismo, também atestada nesta análise. Já a escrita, como ensina escola, pede , no mínimo, a substituição de um termo por um sinônimo e aconselha que se evite a repetição de pronomes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENVENISTE, E. Problemas de linguística general. Traducción de Juan Almela. México, Siglo Veinteuno, 1975.

OMENA, N. Pronome pessoal de 3a.pessoa: suas formas variantes em função acusativa. Dissertação de Mestrado. PUC/RJ, 1978.

PAREDES SILVA, V. L. (1988) Cartas cariocas: a variação do sujeito na escrita informal. Tese de Doutorado .Faculdade de Letras/ UFRJ, 1988.

------. Motivações funcionais no uso do sujeito pronominal: uma análise em tempo real. In: PAIVA, M.C & DUARTE, M.E.L. (orgs.) Mudança linguística em tempo real. Rio de Janeiro, Contr Capa/ FAPERJ, 2002.

PRINCE, E. On the given and new distinction. Chicago, Linguistic Society 15, 1981