PSIU! DO PORTUGUÊS L1 AO PORTUGUÊS L2
A INTERJEIÇÃO
COMO FATOR DE IDENTIDADE CULTURAL
Adriana Leite do Prado Rebello (PUC-RJ)
As gramáticas tradicionais tendem a vincular as interjeições somente às emoções, quando, na verdade, um elemento interjetivo expressa muito mais que estados emotivos de um falante. Desejos, pensamentos e estratégias de persuasão podem ser representados pelas interjeições, que, com seu poder de transmitir um sentido completo, também atuam como uma das formas de expressão da cultura do falante - suas idéias, crenças e costumes.
Visto que os elementos interjetivos consistem em uma forma de manifestação de estados emotivos do falante, atribuímos à emoção um valor discursivo - seguindo as idéias de Rom Harre (1998). Em outras palavras, constatamos que, ao eleger um elemento interjetivo para manifestar um sentimento, o falante também exerce um papel comunicativo, realizando atos sociais como, por exemplo, arrepender-se, desculpar-se, aprovar algo, entre muitos outros. Assim, a emoção passa a ser o resultado de um julgamento complexo feito pelo falante, a respeito de uma situação vivida, considerando seus valores e questões de ordem moral (Harre, 1998).
Uma vez que as interjeições consistem em uma forma de expressão da cultura de um indivíduo, constatamos que tais elementos podem tanto revelar o grau de formalidade de uma determinada situação comunicativa, como também caracterizar um falante social e regionalmente (Infante, 1996). Estes aspectos, entre outros, caracterizam o nível baixo de cultura subjetiva de uma comunidade, ou seja, deixam claras diferenças entre indivíduos e grupos que compartilham uma mesma cultura subjetiva - características psicológicas de um grupo de indivíduos (Bennett, 1998).
Baseamo-nos, principalmente, nas contribuições de Anna Wierzbicka para o estudo das interjeições, uma vez que a autora reconhece os elementos interjetivos como características marcantes das culturas. Assim, como nosso estudo visa à descrição da língua portuguesa como L2, sob um enfoque cultural, tomamos como base as idéias de Wierzbicka para apresentar as interjeições como uma das formas significativas e eficientes de comunicação de uma comunidade lingüística À classificação estabelecida por Wierzbicka acrescentamos, porém, o grupo das persuasivas, devido à constatação de que certos elementos coletados representam um específico ato mental do falante - o de persuadir, convencer e induzir (Wierzbicka, 1991). Para chegar a essa divisão, tomamos como base os critérios da autora, no que diz respeito à definição do termo interjeição: ela pode ser utilizada por ela mesma; expressa um significado específico; refere-se ao estado mental corrente do falante ou ato mental. No entanto, por entendermos que o conjunto de elementos interjetivos deve ser considerado de forma mais ampla, alargamos alguns critérios e consideramos, então, que a interjeição: pode incluir outros signos lingüísticos (tendo assim o conceito de locução interjetiva); pode ser homófona a outro item lexical e é um termo invariável.
As interjeições e locuções interjetivas coletadas em nosso dados - as crônicas do Jornal O Dia, do Estado do Rio de Janeiro - estão divididas em 4 grandes grupos, a saber: emotivas, volitivas, cognitivas e persuasivas. Através de nossa análise, pudemos constatar que o grupo das interjeições emotivas apresentou-se, em nosso corpus, como o mais numeroso (33 elementos), em oposição aos demais grupos (volitivas, com 12 elementos; cognitivas, com 15 elementos; persuasivas, com 17 elementos). Tal fato revela claramente o caráter emotivo do povo brasileiro como característica marcante e predominante de sua cultura, cujo comportamento expressivo é valorizado, e não desencorajado (Wierzbicka, 1991).
Através das conclusões parciais, pudemos ver que, em vários momentos, uma mesma interjeição ou locução interjetiva esteve presente em grupos distintos e, até mesmo, em diferentes subgrupos de um mesmo grupo. Tal fato comprova o papel relevante - mas não determinante - do contexto e da entoação na classificação de um elemento interjetivo, pois, como afirma Wierzbicka (1991), cada um deles carrega consigo um significado específico. Assim, diante de uma lista de interjeições, o falante não elege aleatoriamente um destes elementos para manifestar suas emoções, desejos, pensamentos ou para persuadir seu interlocutor De acordo com sua cultura subjetiva, ele faz suas escolhas, considerando: o grau de formalidade da situação, sua faixa etária, seu estado emocional, entre outros aspectos (Bennett, 1998). Assim, procuramos deixar clara a importância do conhecimento pelo aprendiz estrangeiro da cultura subjetiva de uma comunidade, durante o aprendizado de uma determinada língua.
Como afirmamos anteriormente, este trabalho dedicou-se a pesquisar as interjeições mais utilizadas pelos falantes do registro informal do dialeto do Estado do Rio de Janeiro. Acreditamos que seus resultados muito contribuirão para o desenvolvimento de outras pesquisas que enfoquem diferentes sistemas interjetivos de outras comunidades do português, abrangendo outros dialetos sociais e/ou regionais e, até mesmo, cruzando-os com outras línguas, a fim de traçar um perfil do cruzamento cultural entre o Português do Brasil e outros idiomas.
A relevância deste trabalho evidencia-se diante da escassez de meios disponíveis através dos quais o estudante do português L2 possa aprender como e quando usar as interjeições. Todo indivíduo possui emoções, idéias e desejos, e, por isso, tem o direito de saber manifestá-los corretamente na língua que deseja aprender. Desta forma, acreditamos estar contribuindo, através desta pesquisa, para que o aprendiz do português L2 tenha à sua disposição meios de expressar-se melhor em Português, atingindo, portanto, uma maior comunicabilidade.
A seguir, disponibilizamos os quadros classificatórios das interjeições:
BIBLIOGRAFIA
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed., Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
BENNETT, Milton J. “Intercultural communication: a current perspective”. In: Basic Concepts of intercultural communication: selected readings. Yarmouth: Intercultural Press, 1998.
CÉSAR, Guilhermino. Sistema do imperfeito & outros poemas. Porto Alegre: Globo, 1977. p.17.
CUNHA, Celso, CINTRA, Lindley. Nova gramática do Português contemporâneo. 2ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
CUNHA, Celso. Gramática de base. 4ª ed., Rio de Janeiro: FAE, 1986.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio - o dicionário da língua portuguesa - séc. XXI. 3ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
HARRE, Rom. “Emotions across cultures”. In: Innovation: The European Journal of Social Sciences, mar 98, vol.11, issue 1, p 43, 10 p. (
www.tandf.co.uk/journals/default.html)HUTCHINSON, Amélia P., LLOYD, Janet. Portuguese: an essential grammar. London/New York: Routledge, 1996.
INFANTE, Ulisses. Curso de gramática aplicada aos textos. 5ª ed., São Paulo: Scipione, 1996.
LAROCA, Maria Nazaré de Carvalho, BARA, Nadime, PEREIRA, Sonia Maria da Cunha. Aprendendo Português do Brasil. Campinas: Pontes, 1992.
LIMA, Emma Eberlein O. F., IUNES, Samira Abirad. Português - um curso avançado para estrangeiros. São Paulo: EPU, 1990.
LIMA, Emma Eberlein O. F. et al. Avenida Brasil 1. São Paulo: EPU, 1991.
LIMA, Emma Eberlein O. F., BERGWEILER, Cristián González, ISHIHARA, Tokiko. Avenida Brasil 2. São Paulo: EPU, 1995.
LIMA, Emma Eberlein O. F., IUNES, Samira A. Falar ... Ler ... Escrever Português - um curso para estrangeiros. São Paulo: EPU, 1999.
MARCHANT, Mercedes. Português para estrangeiros. 28ª ed., Porto Alegre: AGE, 1994.
------. Português para estrangeiros - infanto-juvenil. Porto Alegre: AGE, 1994.
------. Português para estrangeiros - nível avançado. Porto Alegre: AGE, 1997.
PATROCÍNIO, Elizabeth Fontão do.; COUDRY, Pierre. Fala Brasil. 5ª ed., São Paulo: Pontes, 1994.
PONCE, Maria Harumi Otuki de. BURIM, Silvia R. B. Andrade, FLORISSI, Susanna.Bem-Vindo! - a língua portuguesa no mundo da comunicação. São Paulo: SBS, 1999.
PRISTA, Alexander da R.. Essential Portuguese Grammar. New York: Dover, 1966.
RAMALHETE, Raquel. Tudo Bem 1 - Português do Brasil. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1984.
------. Tudo Bem 2 - Português do Brasil. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985.
ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 28ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.
RODRIGUES, Daniele M. Grannier, EL-DASH, Linda Gentry, LOMBELLO, Leonor Cantareiro. Brasilian Portuguese - your questions answered. 3ª ed., Campinas: UNICAMP, 1992.
SAVEDRA, M. M. G. Aquisição de competência lingüistica e comunicativa em LE: uma questão de abordagens e métodos. Boletim Cultural, Rio de Janeiro, Associação de Professores de Alemão do Rio de Janeiro (APA - Rio), (1): 3-6, jul./ago./set., 1993.
THOMAS, Earl W.. A grammar of spoken brazilian Portuguese. Nashville: Vanderbilt University Press, 1974.
WIDDOWSON, H. G.. O ensino de línguas para a comunicação. Campinas: Pontes, 1991.
WILLIAMS, Edwin B.. An introductory Portuguese grammar. New York: Dover, 1976.
WIERZBICKA, Anna. Cross-cultural pragmatics - the semantics of human interaction. Berlin-New York: Mouton de Gruyter, 1991.
------. Emotions across languages and cultures - diversity and universals. New York: Cambridge University Press, 1999.
EMOTIVAS | Alegria e satisfação | Dor | Espanto e surpresa | Raiva e indignação | Medo/Receio e Terror | Alívio | Cansaço | Lamentação | Impaciência |
Ah! | Ai! | Espanto | Raiva | Medo/Receio | Ufa! | Ufa! | Ih! | Ah! | |
Ai! | Ui! | Cruzes! | Ai! | Ai! | Até que enfim! | Oh! | Ai! | ||
Ê ! (contínuo) | Cruz credo! | Droga! | Credo! | Puxa! | Poxa! | Caramba! | |||
Oba! | Nossa Senhora! | Pô! | Xi! | Ai! | Puxa! | Ô! | |||
Oh! | Surpresa | Ih! | Terror | Ora! | |||||
Deus é pai! | Caramba! | Indignação | Credo! | Ora bolas! | |||||
Cacilda! | Puxa! | Cruzes! | Ora essa! | ||||||
Céus! | Droga! | Nossa! | Ué! | ||||||
Poxa! | Sacanagem! | Deus! | |||||||
Nossa! | Pombas! | Meu Deus do Céu! | |||||||
Meu Deus do Céu! | Ui! | ||||||||
Ah! | Uh! | ||||||||
Ah! (contínuo) | |||||||||
Ué! | |||||||||
Uau! | |||||||||
Não! |
COGNITIVAS | Discordância | Aprovação | Incredulidade | Descoberta | Aplauso | Ironia |
Uma ova! | É isso aí! | É ruim ! | Arrá! | Viva! | Ah! | |
Que nada! | Genial! | Ora! | Ah! | Bravo! | Legal! | |
O escambau! | Legal! | Ih! | Maravilha! | Ora essa! | ||
Maneiro! | Xi! |
PERSUASIVAS | Silêncio | Afugentamento | Suspensão | Chamamento | Advertência | Aplauso | Socorro |
Psiu! | Rapa fora! | Alto lá! | Alô! | Cuidado! | Bis! | Socorro! | |
Xi! | Arreda! | Alto! | Ei! | ||||
Silêncio! | Fora! | Basta! | Oi! | ||||
Chega! | Ô! | ||||||
Psiu! |
VOLITIVAS | Desejo | Não desejo |
Ah! | Deus me livre! | |
Quem dera! | É ruim! | |
Quem me dera! | Nem que a vaca tussa! | |
Tomara! | O escambau! | |
Oxalá! | Nem pensar! | |
Oh! | Nada disso! | |
Queira Deus! | De jeito nenhum! | |
Uh! (contínuo) |