HIPERTEXTUALIDADE E LEITURA
UM OLHAR SOBRE O JORNAL ESPANHOL EL PAÍS

Greice da Silva Castela (UFRJ e UERJ)

O HIPERTEXTO

O hipertexto (HTML - Hypertext Markup Language), apesar de ser uma estrutura possível em qualquer suporte, é melhor realizado quando os textos estão digitalizados e disponíveis em redes de computadores. Trata-se não só de um artifício gráfico, mas de uma maneira diferente de leitura.

De acordo com Smith (1988:51), o hipertexto tem sido definido como:

uma abordagem para o gerenciamento de informação no qual os dados são armazenados em uma rede de nodos conectados por ligações. Os nodos podem conter texto, gráficos, som, vídeo, assim como código fonte ou outras formas de dados.

Lévy (1993/1996/2000) constata que o hipertexto engloba os nós de uma rede (gráficos, palavras e textos) que se conectam e aumentam os modos de articulação das idéias, já que reúne textos e redes de significações aos quais os indivíduos vinculam outras redes de significado.

O hipertexto se refere a textos conectados uns aos outros dando maior sentido a eles próprios, conseqüentemente das conexões emerge o sentido. Snyder (1997) corrobora essa concepção ao apresentar como metáfora do texto eletrônico um labirinto, cujo arranjo de informações e construção do significado se formam a partir dos links.

Para caracterizar o hipertexto, Lévy recorre a princípios como: metamorfose (a rede de significações está em permanente transformação, a cada nova conexão ela se altera trazendo um novo sentido), heterogeneidade (há uma diversidade de conexões que podem ser estabelecidas entre temas ou objetos), multiplicidade e encaixe das escalas (qualquer link é composto por toda uma rede), exterioridade (permanente abertura da rede hipertextual e do conhecimento em construção), topologia (as mensagens não circulam livremente) e mobilidade dos centros (as redes não têm um único centro, há mobilidade de centros de interesses momentâneos).

Snyder <http://www.dca.fee.unicamp.br/projects/sapiens/Reports/rf2000/node40.html>distingue quatro tipos principais de hipertextos, podemos verificar que todos estão integrados à versão eletrônica do jornal El País:

1) Hypercard ou cartões eletrônicos: comportam escrita e áudio e/ou vídeo. O jornal engloba esses recursos e também dispõe de outros recursos multimídia como animações.

2) Cd-roms: possibilitam somente a leitura de textos relacionados através de links. Integra a estrutura do próprio jornal, que possibilita a leitura de suas notícias e seções a partir de links e do uso do buscador. Também existe para comercialização o cd-rom com todo conteúdo vinculado pelo jornal nos últimos dois anos.

3) Hipertextos exploratórios: sistemas de distribuição de hipertextos, como a WWW, dentro dos quais uma quantidade imensa de textos e dados podem ser acessada simultaneamente por muitos usuários. Os assinantes do jornal podem acessar em tempo síncrono as informações armazenadas no site, que contém cerca de 6 milhões de arquivos, abarcando todas as edições do jornal desde sua fundação.

4) Hipertextos abertos: permitem aos usuários adicionarem textos ou novos links aos textos disponíveis em rede, possibilitam-lhes assumir simultaneamente os papéis de leitor e autor. Os leitores do ‘El País’ podem escrever nas seções ‘foro’, ‘Chat’, ‘frases do muro’, ‘entrevistas diretas’ e ‘cartas ao diretor’. Além disso, podem selecionar suas notícias e/ou seções preferidas e armazená-las em uma pasta pessoal criada dentro da versão on-line do jornal.

A LEITURA NO HIPERTEXTO

A forma de um texto em suas diversas modalidades de difusão contribui para sua diversidade de significações. Por tanto, textos que não surgiram com estrutura hipertextual devem ser preservados em seu suporte original para assegurar a compreensão e o registro dos diferentes suportes da escrita.

O efeito produzido pela forma possibilita que a mesma matéria editorial, veiculada em suporte impresso e eletrônico, possua organização e estrutura de recepção distintas, de modo que atinja diferentes públicos e propicie diversas leituras. Chartier (1999: 77) ao considerar que “a leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados”, ratifica a pluralidade de leituras que o texto permite.

Acredita-se que novas linguagens consolidarão novas formas textuais, como aponta Chartier (1999: 128) “novos leitores criam textos novos, cujas significações dependem diretamente de suas novas formas” e “a forma do objeto escrito dirige sempre o sentido que os leitores podem dar àquilo que lêem”.

Esse autor adverte que ler um texto vendo onde está inserido dentro de um jornal e os artigos que o acompanham, ou seja, o contexto em que originalmente foi publicado, é diferente de lê-lo em um banco de dados eletrônico, pois o sentido é construído também pelo conjunto de textos publicados na mesma edição e pelo projeto editorial e intelectual do periódico.

O hipertexto modifica a relação do leitor com o texto, já que o leitor tende a ser mais veloz e com menos tempo para uma leitura em profundidade e paralelamente os textos tornam-se cada vez mais reduzidos. Muda a interação do escritor e do leitor em relação ao conteúdo e em relação à construção de sentidos e significados estabelecidos pelo autor.

O JORNALISMO ELETRÔNICO

O jornal em sua versão on-line surge do interesse público por notícias recentes, o primeiro do mundo foi o ‘New York Times’, no Brasil o ‘JB On Line’ e na Espanha ‘El País Digital’, que é o atual ‘El País’. Há menos espaço para regionalismos - uma notícia pode ser lida em qualquer lugar do mundo - e para posições partidárias - pois o navegador pode facilmente clicar em outro jornal e comparar as notícias.

Moura (2002) reflete sobre o processo digitalizado em que o jornal impresso é elaborado e ressalta que todas as suas versões são produzidas no computador, embora com estruturas distintas e são pensadas para facilitar a visualização no suporte a que se destinam.

Além disso, Moura (2002: 38) diferencia hipertexto de texto digital:

É hora , então, de deixar para trás a definição de hipertexto como texto digital. O texto de um jornal, antes de se transformar em fotolito para a impressão, não deixa de ser digital- atualmente as redações estão todas informatizadas- e está longe de ser um hipertexto. O hipertexto é apenas o texto lincável e dinâmico, funcional num website competente.

Dessa maneira, todo hipertexto é um texto digital, mas a recíproca não é necessariamente verdadeira.

O jornal on-line tenta seduzir os usuários com interatividade, promoções, download e mais informações, agregando valor útil e de prazer. Ao mesmo tempo, consolida sua credibilidade como formador de opinião, fonte segura para pesquisas, possuidor de tecnologia a serviço da informação e reunião de mídias.

Além das características do jornalismo em qualquer suporte apresenta grande interatividade, maior contextualização e velocidade, textos curtos com links e recursos multimídia. A página principal do site geralmente tem poucas fotos e muitos textos com pequenas manchetes atualizadas, oferecendo ao internauta muitas opções.

Moura (2002:49) caracteriza o conteúdo na Internet pela possibilidade de ser aprofundado pelo leitor, pela rapidez da publicação on-line e afirma que “ a Internet, como visto, fica cada vez mais com o papel de dar os ‘furos’. E os jornais impressos se dedicam cada vez mais a matérias de comportamento.” Enquanto na versão impressa há periodicidade, na virtual o importante é veicular as notícias, o mais rápido possível.

Calvino (1990) aponta como características do conteúdo na Internet: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência, cada uma delas pode ser identificada no site do jornal ‘El País’.

Na leveza importa como o leitor vai compreender a mensagem através da forma do texto, que deve apresentar navegação fluida, sem poluição visual, organização contextualizada com o auxílio de ícones, animações, cores, fotos e mensagem simplificada pela elaboração de textos e parágrafos pequenos.

Na rapidez é relevante a transmissão da informação no momento do acontecimento independente de tempo ou espaço, para isso se atualiza constantemente o site.

Na exatidão se considera a apresentação do conteúdo de forma objetiva, concisa e impactante, em seções e com links, de modo a auxiliar a navegação e a compreensão da informação, dando credibilidade ao canal. O jornal oferece a possibilidade de utilização de vários recursos multimídia juntamente com o texto e diversos modos de relacionar as informações através de links, que remetem a notícias relacionadas anteriores ou do mesmo dia e a lugares (seção do jornal ou outro site) para aprofundar a informação.

A visibilidade permite levar a mensagem até o local onde se encontra o leitor através: do envio, por e-mail, de notícias ou manchetes de seções selecionadas pelo internauta, da personalização do conteúdo, da materialização da notícia através da impressão e da visualização das notícias mais acessadas.

A multiplicidade permite atender a um público de leitores diversificado, que co-participam e interagem como emissores de informação e comentários sobre os fatos, nas seções destinadas à opinião e ao diálogo entre leitores ou entre esses e o jornal.

AS CARACTERÍSTICAS DO JORNAL EL PAÍS

O jornal eletrônico espanhol ‘El País’´, foi o primeiro jornal on-line implantado na Espanha e é o mais difundido nesse país, tendo vendido em 2002 um total de 433.617 exemplares.

De acordo com o anuário - que realiza um balanço do ano de 2002 na Espanha e no mundo, através de pesquisas apresentadas em 775 tabelas divididas em 10 seções com várias categorias - publicado pelo periódico, o perfil da maioria dos leitores do ‘El País’ em sua versão impressa é constituído por homens solteiros, com idade entre 25 e 40 anos, pertencentes à classe média alta, com nível superior, residentes em Madri, empregados e com renda superior a 50.000 euros anuais.

O jornal não divulgou o perfil dos leitores da versão on-line, porque está passou a ser por assinatura a partir do final de 2002. No entanto, sabemos que é possível assinar e acessar esse jornal todo o mundo e que todos os assinantes da versão impressa têm acesso gratuito a versão eletrônica.

A seguir ressalto algumas de suas características, a fim de corroborar sua hipertextualidade, a interatividade e, conseqüentemente, os tipos de leitura que possibilita aos seus assinantes:

· A leitura pode ser linear ou não linear; o texto não é apresentado em colunas (exceto na versão pdf) e o tipo de letra é diferente;

· Todas as fotos são coloridas e há uma fotogaleria;

· Há um maior número de seções e estas são de fácil localização;

· As manchetes aparecem em cores diferentes e as notícias são mais curtas;

· Permite a interação com outros leitores (chat, foro) e entre os leitores e o jornal. Podem-se comentar as noticia e as idéias e opiniões passam a integrar o espaço do jornal, podendo ser lidas por qualquer assinante;

· As notícias remetem a outras relacionadas e publicadas anteriormente no jornal;

· Buscador de notícias desde a fundação do jornal (procura por autor, título, período em que foram publicadas, assunto e versão);

· Visualização do número de pessoas que acessaram a notícia, enviaram-na a outros, imprimiram-na e/ou recomendaram-na;

· Permite enviar a notícia para qualquer pessoa por e-mail, recomendá-la, responder e ver o resultado de uma pesquisa;

· O leitor pode escolher o formato dos textos (somente texto, on-line, pdf, animação, só manchetes) e comparar a versões das notícias;

· Utiliza recursos multimídia como áudio, animações, gráficos e imagens;

· Remete a outros sites através de propaganda e links;

· Disponibiliza informações enciclopédicas sobre pessoas famosas, grandes empresas, países, partidos políticos espanhóis, etc na seção ‘A fondo’;

· Contém um foro, que embora seja um espaço destinado à opinião, é controlado/mediado pelo jornal;

· Abriga um chat com 27 canais, alguns destinados exclusivamente à discussão de notícias do jornal e outros de tema livre;

· Disponibilização de serviços como compra de produtos em uma loja virtual, realização da assinatura e contato direto com o jornal;

· Leitura é individual, mas pode ser seguida de discussão coletiva simultânea;

· Lugar de leitura restrito quando o texto está na tela devido ao suporte, mas ao ser impresso pode ser transportado mais facilmente e lido em outros lugares;

· Sem restrições espaciais, visto que a notícia pode ser lida em qualquer lugar do mundo desde que se tenha o suporte necessário (computador, linha telefônica, energia elétrica ou celular ou palm);

· Acesso rápido à informação e sem restrições temporais, já que permite comunicação síncrona no chat e nas entrevistas on-line, atualização constante (notícias apresentadas assim que os fatos ocorrem com a hora em que foram disponibilizadas no site) e acesso simultâneo a várias notícias e a mesma informação pelos leitores;

· Clicar substitui virar a página;

· Links (imagem ou títulos) como portadores de significado que dirigem, de certa forma, à leitura;

· Mudança na hierarquia interna do jornal, já que sons, fotos, animações e gráficos ocupam lugar de destaque;

· Texto maleável, que permite utilizar os recursos: imprimir ( qualquer versão do texto), salvar (no computador, em disquete ou numa pasta dentro do site), abrir várias janelas simultaneamente, recortar-colar, etc;

· A relação com o texto está mais ligada ao conteúdo que à forma, devido à virtualidade e ao suporte;

· Uso de meganautas: bonecos que interagem com o leitor e auxiliam a navegação, podem ser considerados uma tentativa de criar uma relação afetiva com o computador;

· Muda o contexto em que as notícias aparecem, já que podem ser visualizadas ao lado de notícias diferentes da versão impressa ou relacionadas ao mesmo assunto. Só na versão pdf se vê o contexto em que a notícia foi publicada.

O LEITOR-NAVEGADOR DO JORNAL

O leitor-navegador assume diversos papéis simultaneamente, podendo atuar como:

a) expectador e ouvinte (vê animações, ouve discursos, etc);

b) entrevistador ao enviar perguntas para os entrevistados em tempo real;

c) interlocutor e debatedor no Chat com outros leitores e no foro;

d) editor ao selecionar e guardar as notícias que desejar numa pasta pessoal dentro do site, montando seu próprio jornal

e) autor e construtor de um saber coletivo ao enviar comentários para o foro, ‘cartas ao diretor’ ou escrever no ‘muro’, já que estes textos podem ser lidos como todas as outras seções do jornal.

Desse novo tipo de leitor se espera todas as destrezas: compreensão leitora (textos em vários formatos, imagem estática (fotos, gráficos) e em movimento (animação, vídeo)), produção escrita (Chat, foro, perguntas, frases, cartas), compreensão auditiva (tv, rádio) e produção oral (auxilia na compreensão do Chat onde se pode utilizar MSN).

Além disso, é necessário que tenha conhecimento de mundo sobre a Espanha, lingüístico (espanhol), informático (uso do computador, da Internet, do site), noções de gêneros textuais e capacidade de estabelecer relações intra e intertextuais.

Através de todos os recursos oferecidos pelo jornal eletrônico o leitor interage, toma conhecimento da opinião de outros leitores sobre determinado assunto, pode comparar o modo de apresentação da notícia em diferentes versões e estabelecer vários critérios de leitura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador; conversações com Jean Lebrun. São Paulo : UNESP/IMESP, 1999.

LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. O Futuro do Pensamento na Era da Informática. São Paulo: Editora 34, 1993.

------. O que é o Virtual. São Paulo: Editora 34, 1996.

------. O que é cibercultura. 2ª ed. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2000.

MOURA, Leonardo. Como escrever na rede: manual de conteúdo e redação para Internet. Rio de Janeiro: Record, 2002.

SNYDER, Ilana Ariela. Hipertext The electronici Labyrinth. New York: University Press, 1997.

SMITH, J. B., WEISS, S. F. Hypertext, Communications of the ACM, Vol. 31, N.7, 1988, p. 816-819.