INSPIRAÇÕES
HOFFMANNIANAS
Ulysses Maciel
O
enredo do
conto de
Hoffmann Os
autômatos
(HOFFMANN, 1993) localiza-se
em
torno das
sentenças
enigmáticas –
como as de
um
oráculo – proferidas
por
um
boneco
mecânico, o
Turco. Os
personagens
Ferdinando e Ludwig concordam
que a
construção do
mecanismo
que faz o
Turco se
movimentar e
falar exigiria do
criador do
engenho
grandes
conhecimentos
de
acústica e
mecânica.
Entretanto, a
linguagem da
física
não é
suficiente
para
eles lidarem
com o
caráter
oracular das
respostas,
que manifestam
a
relação
misteriosa
pela
qual o
futuro se
encadeia ao
presente.
A
solução do
enigma
não é apontada
por Hoffmann
no
diálogo
entre os
dois
personagens.
Através da
narrativa, o
criador do
engenho
mostra às
outras
personagens e
ao
leitor as
engrenagens
que movem o
autômato. O
narrador
não explica o
fato de
um
boneco
mecânico
ouvir
perguntas,
interpretá-las,
adivinhar o
passado a
que
elas se
referem e
transmitir,
através de uma
espécie de
fala,
respostas
que predizem o
futuro. Existe
apenas uma
suposição de
que haveria
uma
ligação
psíquica
entre o
Turco e os
consulentes.
Hoffmann,
decididamente,
não pretende
desvendar a
técnica.
As
respostas de
Hoffmann
são
como as do
Turco:
sussurros
que levam a
muitas outras
perguntas. Os
autômatos
hoffmannianos permanecem
objetos
ambíguos,
situados no
limite
entre a
arte e a
técnica,
entre o
humano e o
inumano,
entre a
magia e a
razão,
entre o
real e a
sua
representação.
Nessa
zona
fronteiriça
em
que se
desenvolve o
discurso
literário
desse
autor, o
objeto
técnico é o
desencadeador da
ambigüidade e da
ilusão
que levam a
redefinições
sobre o
valor das
partes
que compõem o
conto, as
palavras,
estruturadas a
partir de
então
como
metáforas e
não
mais
encadeadas
segundo as
formas de
apreensão do
senso
comum. Cria-se
um
entrecruzamento
entre os
significados
da
técnica e os
da
literatura. Hoffmann
(1993),
nos
contos
O
homem
da
areia e
Os
autômatos,
explora a impossibilidade de
que,
juntando-se
partes (ou
membros), se
possa
imitar
com
perfeição o
corpo
humano.
Nas
obras
que
serão
apontadas
como aquelas
em
que o
jogo
com o
leitor tem
por
regra o
imaginário
sobre a
técnica,
Hoffmann introduz uma
leitura dos
autômatos,
situando-os no
jogo da
semelhança e da
dessemelhança
com os
seres
humanos
que
eles imitam,
fora de
qualquer
objetividade
ou
utilidade.
Eles figuram,
na
ficção
hoffmanniana,
como
peças de uma
articulação,
engrenagens de
um ludus
que refaz o
saber da
própria
arte.
Esse
jogo vai
constituir os
autômatos
como
significados
na
literatura. Hoffmann
define
um
sentido
para os
seus
autômatos,
um
papel
para
eles na
narrativa.
Um
conjunto de
regras é
elaborado,
ou seja,
estrutura-se uma
linguagem
que rege o
jogo de
trocas
simbólicas
entre
personagens
seres
humanos e
personagens
objetos
técnicos.
Uma dessas
regras de
negociação dos
significados é
a
magia. O
mesmo
personagem
Ludwig, no
conto
Os
autômatos,
relata
que,
quando
criança,
possuíra
um
quebra-nozes –
uma
alavanca, uma
máquina
simples –
que
representava
um homenzinho.
Quando usado
para
quebrar uma
noz, o
homenzinho arregalava e girava os
olhos de
forma
burlesca. O
personagem
afirma: “Nas
minhas
mãos
ele
se tornava uma verdadeira mandrágora” (HOFFMANN, 1993:
96).
Como se sabe,
a mandrágora possui
propriedades
mágicas, de
acordo
com
autores
medievais.
Essa
planta, no
contexto do
conto,
alude ao
poder dos
objetos
mecânicos
que
representam o
ser
humano de
despertarem,
nos
que os vêem
em
ação,
sensações
diferentes
daquelas transmitidas
pelos
meros
sentidos,
sensações
inexplicáveis
pelo
discurso da
técnica.
Regulada
pela
magia, a
linguagem dos
contos de
Hoffmann conecta mandrágoras
com
quebra-nozes,
e os
autômatos
concedem aos
personagens
que os
constroem
poderes
que excedem o
conhecimento
comum.
Tais
poderes povoam
a
mente das
personagens e
do
leitor,
nos
espaços
abertos
pela
ambigüidade dos
autômatos:
perguntas e
mais
perguntas a
que Hoffmann
não responde.
Na
leitura dos
contos de
Hoffmann,
não seremos
esclarecidos
sobre os
poderes
mágicos e os
conhecimentos
misteriosos
que os
construtores dos
autômatos
possuem.
Uma
outra
regra do
jogo é a da
a-historicidade. Os
bonecos
mecânicos
não
são mostrados
na
sua
construção
ou
produção,
ou
mesmo numa
linha de
montagem.
Não têm
história.
São
dados
em
um
momento e
por
isso
são
objetos
simbólicos
que concentram
em
si
toda a
significação da
técnica
contemporânea
a
eles.
Não
são explicados
como
objetos
técnicos,
não
são
analisados:
só
são
técnicos
enquanto dão
ensejo às
características
técnicas do
enredo e das
personagens
circundantes.
São
tão
somente
técnicos,
enquanto
pensamento
simbólico
sobre a
técnica.
Ainda
pela
regra da
a-historicidade, os
autômatos de
Hoffmann
não estão
ligados a outras
máquinas
que os
precederam e às
quais
eles
suplantem. Olímpia (de O
homem
da
areia)
apenas tem uma
origem
remota na
alquimia de
Copelius e nas
suas
práticas
místicas,
mas
sem uma
ligação
direta
com
elas.
Esse
autômato
não tem uma
história
que comprove o
quanto de
ciência há
nele
ou
que ateste
ser
ele uma
grande
conquista da
técnica. O
que está
em
jogo na
narrativa é a
ambigüidade de Olímpia,
sua
semelhança e
sua
dessemelhança
com o
ser
humano,
ser uma
criação
artística, no
âmbito
específico da
arte
como
expressão
simbólico-imaginária,
ou uma
criação
técnica,
expressão da
arte
mecânica.
Postos na
ordem da
literatura pelas
regras da
a-historicidade e da
magia,
portanto, os
autômatos
hoffmannianos
são
objetos
ambíguos.
Como
representação
do
ser
humano,
afastam-se da experimentação
científica e
ficam a
meio
caminho
entre o
que entendemos
como
técnico e o
que entendemos
como
humano,
ou o
que entendemos
como
mágico. Essas
máquinas,
mais do
que
influenciadas
pela
narrativa,
influenciam-na. Contaminam todas as
demais
personagens,
colocando-as na negociação dos
significados
entre o
texto, a
técnica e a
magia.
A
causa da
eficácia dos
autômatos no
enredo
não é a
técnica
vista
como
avanço do
conhecimento.
Os
autômatos
não
são explicados
e
não explicam
nada.
Eles
são
transcritos
diretamente da
sua
existência
para o
enredo.
Sua
representação,
nos
contos de
Hoffmann,
não se dá
pela
imitação
eficaz do
corpo
humano.
Não existe
nesses
autômatos
um
conteúdo de
cultura
humanística. Os
autômatos
presentes no
texto
são
criados
por
personagens
como Copelius
e o
professor Spalanzani
para serem
mais do
que
máquinas,
mas
menos
que
humanos. A
magia e a a-historicidade
afastam Olímpia e o
Turco da
cultura e os
aproximam do primitivismo da
natureza, das
mandrágoras e do
primitivo
sopro de
vida.
Ler o
significado
deles é
ler o
que
nunca foi
escrito.
Essa
aproximação
entre a
criação
técnica e a
natureza é
encontrada
em uma
outra
passagem do
conto
Os
autômatos.
Hoffmann
fala da
relação
entre a
música e a
técnica.
Ele afirma
que o
instrumento
musical
perfeito seria
aquele
que imitasse
com
perfeição os
sons da
natureza:
A
mecânica
superior,
aplicada à
música,
deveria
buscar
analisar os
sons
mais
originais da
natureza,
estudar os
acordes
que habitam os
corpos
mais
heterogêneos e
fixar essa misteriosa
música
em
um
instrumento
que obedecesse
à
vontade do
homem e soasse
a
seu
contato.
(HOFFMANN, 1993: 105)
O
objetivo da
mecânica
superior
aplicada à
música seria,
então...
descobrir
sons
cada
vez
mais
perfeitos
[sendo o
som
mais
perfeito
aquele
que estiver]
mais
próximo das
misteriosas preciosidades da
natureza.
Construir
autômatos,
então,
mais do
que
imitar
com
perfeição a
natureza do
ser
humano, é
traduzi-la
pela
técnica, o
que impõe a
estruturação de uma
linguagem. O
caminho
que vai da
imitação da
natureza
até a
linguagem é
expresso
por Walter
Benjamin
em
sua
obra
Teoria
das
semelhanças.
(BENJAMIN, 1992: 59) Benjamin afirma
que a
linguagem
seria a
utilização
superior da
faculdade mimética:
um medium
no
qual as
faculdades
primitivas de
percepção das
semelhanças
penetraram
tão
profundamente,
que
ela
agora funciona
como o
canal no
qual as
coisas se
encontram e se relacionam
entre
si,
já
não
diretamente
como
outrora, no
espírito do
vidente
ou do
sacerdote,
mas nas
suas
substâncias
mais
fugazes e
sutis,
mesmo
nos
aromas.
(BENJAMIN, 1992: 64)
Hoffmann,
pelo
efeito da
a-historicidade e da
magia,
busca
representar no
autômato a
natureza do
ser
humano de uma
forma
sutil,
nos
sentidos
interpretados
por Natanael e
nas
exalações do
hálito do
Turco. Os
outros
personagens,
Clara,
noiva de
Natanael, os
amigos de
Ludwig e Ferdinando, perdem-se na
contemplação
do
objeto
técnico, na
impossibilidade de
imitar
com
perfeição
esse
ser (ainda
que maquínico)
que constitui
os
autômatos.
Estas
personagens
racionais,
contrapontos à
irracionalidade
de Natanael e de Ferdinando,
não enxergam a
ambigüidade
como
possibilidade de
representação
da
natureza.
Essa é a
regra
pela
qual se dá a
representação
do
ser
humano no
autômato: as
partes
são reunidas
de
acordo
com a
responsabilidade
do
criador,
que reflete no
objeto o
que
ele será
depois de
pronto, a
sua
plenitude.
Hoffmann,
quando esculpe
seus
autômatos
com o
cinzel da
ambigüidade, forma-os
personagens
eficazes da
não-resposta, do não-escrito, da
mesma
semelhança / dessemelhança
entre
autômatos e
seres
humanos
que remete à
representação.
A
relação de
semelhança
pela
dessemelhança
enseja uma
linguagem, uma
regra
segundo a
qual se
lê e se
vê. A
relação
entre o
autômato e o
ser
humano é
semelhante à
que se
verifica
entre as
palavras
faladas e
seus
significados.
O
som
não engendra o
significado,
mas
tampouco é
arbitrário.
Na
origem da
fala, podemos
supor
que
tudo fosse
imitação de
sons da
natureza,
como
braços,
pernas e
olhos do
autômato
são
imitações das
partes do
corpo
humano.
Mas se
hoje os
significados
das
palavras
não estão
mais
diretamente
ligados aos
sons da
natureza,
também podemos
dizer
que, na
obra de
representação,
o
autômato
adquiriu
um
significado
próprio
que ultrapassa
a
mera
junção de
partes
que imitam o
corpo
humano. A
natureza das
máquinas
representadas nessas
obras
pertence a uma
unidade
que ultrapassa
a
junção das
partes, possui
algo
mais do
que
humano.
Elas
são
mais perfeitas
do
que o
ser
humano,
como os
andróides do
filme
Blade Runner
(Caçador de
Andróides),
de Rydley Scott,
que devem
ser eliminados,
porque têm
capacidade de
desenvolver
sentimentos
...
humanos.
Essa
teia de
significados
que os
objetos
técnicos
engendram, uma
vez
postos na
literatura, afasta o
que é
natural e
imitado – o
corpo
humano – do
que o imita,
significando-o – a
máquina. Essa
articulação,
até
agora neste
texto
referindo-se a
objetos
artesanais, se
dá de
forma
diferente,
quando se
trata da
representação
das
máquinas
sofisticadas da modernidade,
embora
seguindo as mesmas
regras de
a-historicidade e de
magia. É o
que ocorre
em
relação às
personagens
Lola e Pope do
conto
Um e
outro,
de
Lima
Barreto.
Devido à
distância
colocada
entre Lola,
que é a
amante do
chauffeur, e o
automóvel, chamado Pope,
só é
possível
relacioná-los
através de uma
rede de
significados,
na
qual o
chauffeur é a
teia
que conecta
Lola ao
automóvel.
O chauffeur é uma
personagem
que encarna a
ambigüidade no
conto de
Lima Barreto,
sendo
ora
homem,
ora
máquina,
conforme a
imaginação de
Lola perceba as
semelhanças /
dessemelhanças
entre as
faculdades
primitivas do
homem e o
arrojamento
mecânico da
máquina. No
conto de
Lima mantém-se
a
ambigüidade do
objeto
técnico,
segundo as
regras da
a-historicidade e da
magia,
mas estas
passam a
viger num
lugar
literário
distante da
presença
física da
máquina.
A
associação
entre
signos
técnicos e
signos
humanos é
necessariamente
mais simbólica
nesse
conto,
porque o
objeto
técnico
personagem da
obra é
um
ser
mecânico
possível,
um
automóvel, encontrável no
dia-a-dia. O
automóvel do
conto
só
não é
trivial,
porque se
trata de
um
portento da
indústria
automobilística,
um
bem caríssimo. O
lugar do
encontro
entre a
máquina e o
ser
humano
já
não é o
salão
onde Natanael
dança
com Olímpia
ou a
sala
onde o
Turco dá
suas
consultas.
Esse
lugar
passa a
ser a
imaginação da
personagem
Lola,
onde
ela funde Pope
e chauffeur nas mesmas
características
de
beleza,
imponência,
potência.
Na
imaginação de
Lola, o
automóvel se
torna uma
verdadeira mandrágora,
fonte dos
poderes
extra-conhecimento
que libertam
Lola da
sua
vida
anterior, da
sociedade conservadora, do
estatismo dos
móveis, do
medo da
morte. De
um
lado havia o
amante
regular,
que a enfarava
com
seus “hábitos
quase
conjugais”,
que a levava a
ter uma
vida
com “aquele
ar
burguês,
aquela regularidade,
aquele
equilíbrio
que
lhe davam a
impressão de
estar cumprindo
pena” (BARRETO,
L. Op. cit., p.1.). Do
outro
lado havia “o
chauffeur do “Seu”
Pope, o
seu
último
amor, o
ente
sobre-humano
que
ela
via coado
através da
beleza daquele “carro”
negro,
arrogante,
insolente,
cortando a
multidão das
ruas,
orgulhoso
como
um
deus” (Id.,
ibid., p. 3).
O
automóvel / mandrágora
funciona
como
um
filtro
mágico do
amor: faz
com
que
ela enxergue
no
grotesco
chauffeur a
beleza da
máquina e se
apaixone
por
ele.
Como
filtro
mágico
social, faz
Lola
ler a
sociedade de
forma
crítica e
por
isso
libertadora. O
automóvel,
como o
quebra-nozes,
não é
apreendido
como
utensílio. A
utilização de
um e de
outro está
além da
velocidade do
automóvel
ou da
força
aumentada
pela
alavanca.
Quando Lola
usa o
automóvel,
ele
não é
burlesco
como o
quebra
nozes de
Ludwig,
mas assume uma
outra
aparência
mágica.
Ele se
converte
em
símbolo do
poder de Lola
para
afrontar a
sociedade
que
ela
vê
como
hostil.
Símbolo
também
para a
sociedade,
que
passa a
ver Lola
como
proprietária
do
automóvel de
luxo.
Lima Barreto é
a-histórico:
cria Lola
já amando o
chauffeur
que,
para
ela, é
algo
único,
algo
como
um
quebra-nozes
que se
contorcesse
como
um homenzinho.
Também
sintoma da
a-historicidade, o Pope
não
figura numa
série
em
que
um
modelo 1930 substitui o
modelo 1929. O
modelo
em
questão se constitui
em
um
objeto
único
individualizado,
sedutor,
posto no
jogo da
troca
simbólica. O Pope
em
nenhum
momento se
assemelha ao
primitivo
boneco de
barro. A
magia
posta no
carro,
que
possibilita o
amor de Lola e
a
sua
consciência
libertadora,
não equivale
ao
sopro
divino.
Suas
características
humanas (o
ente
sobre-humano,
arrogante,
insolente,
orgulhoso
como
um
deus)
confundem-se na
mente de Lola
com as
características
que
ela atribui ao
chauffeur. A
imagem dos
dois
era “de
suprema
beleza, tendo ao
seu
dispor a
força
e a
velocidade do
vento” (Id.,
ibid., p. 3).
Lima Barreto
não faz o
leitor
passear no Pope.
Este
só é
apresentado no
enredo
através da
imaginação de
Lola.
Sem essa
distância
entre
leitor e
personagem
máquina a
regra da
a-historicidade se perderia, ao se
trazer
para a
literatura uma
máquina
que sai da
linha de
montagem
para
circular nas
ruas do
Rio de
Janeiro do
início do
século XX. Os
autômatos
são
seres
únicos; o
automóvel torna-se
único na
imaginação de
Lola e do
leitor,
quando
Lima Barreto o
batiza de Pope. A
fantasia,
quanto às
realizações do
automóvel – a
regra da
magia, no
conto de
Lima Barreto –
entretanto, se
baseia no
imaginário
que o
automóvel
cria,
por
suas
possibilidades
técnicas: uma
noção de
velocidade e de
encurtamento das
distâncias.
Lima Barreto,
então,
não
mostra
para o
leitor as
entranhas
mecânicas do
Pope.
Elas
não
são formadoras
do
mistério e seriam, ao
contrário, a
prova de
que o Pope,
apesar da
imaginação de
Lola, é
um
objeto. Se há
algo
natural no
conto de
Lima Barreto é
o
imaginário
que a
modernidade criou a
respeito das
máquinas, do
qual o
conto
não explica a
origem.
Lima Barreto
faz o
automóvel
soprar
em Lola os
significados
que a
constituem ser-moderno.
Por
fim o
chauffeur
deixa o Pope e
vai
dirigir
um
táxi. Rompe-se
a
ligação
entre Lola e o
Pope, na
mesma
medida
em
que se rompera
a
relação
metonímica
entre
homem e
máquina,
motorista e
motor, chauffer e
automóvel
de
luxo..
Outro
lugar, outras
questões. O
despedaçamento de Olímpia
pelos
seus
dois
criadores,
que disputam a
autoria de
cada uma de
suas
partes
diante dos
olhos
aterrados de Natanael, tem
um
conteúdo
dramático, se
comparado ao
rompimento
entre o Pope e
Lola. Olímpia
deixa de
existir,
quando
seu
corpo perde a
unidade e
passa a
ser
um amontoado
de
membros
isolados. No
conto de
Lima Barreto,
não é
necessário
separar fisicamente os
membros da
máquina
para
deixar o chauffeur
“horrendamente
mutilado” (Id.,
ibid., p. 7.), na
imaginação de
Lola. O
fim de Olímpia
representa o
fim de
Natanael, a
sua
loucura, o
desfecho do
conto. O
abandono do
Pope
pelo chauffeur,
que ocasiona o
rompimento
com Lola,
anuncia,
pela
forma
como
Lima Barreto
fecha o
enredo,
que na
mente de Lola
a
ideologia
formada
em
relação à
moderna
técnica
persistirá no relacionamento
com
um
outro Pope e
um
outro
chauffeur. Promovida a ser-moderno, Lola poderá facilmente
constituir a
um
objeto
único,
um
outro Pope,
para
ser “o
seu”.
As possibilidades de
vivências se
expandem
para Lola,
pela
presença da
máquina
moderna
por
excelência
que é o
automóvel.
Através da
intuição da modernidade,
Lima Barreto
reconfigura o
corpo de Lola
e a reinscreve na
sociedade
como
ser-moderno,
como
anunciadora da
velocidade, da
compressão do
tempo e do
espaço.
Os
textos de
ambos os
autores – o
alemão Hoffmann e o
brasileiro
Lima Barreto –
ultrapassam a
mera
utilidade dos
objetos
técnicos e
apontam
para
um
imaginário
que
possibilita a
expansão do
conhecimento
do
homem
sobre a
técnica,
escapando de uma
relação
direta e
apontando
para
sentidos
que extrapolam
o
conhecimento
comum. A
literatura e as
outra
formas de
arte representativa
expandem os
significados
presentes
nessa
zona
fronteiriça
entre o
humano e o
técnico,
constituindo os
objetos
técnicos
em
personagens
máquinas.
Lima Barreto e
Hoffman criam
pela
ambigüidade a
possibilidade de se
lidar
com a
técnica de uma
forma
diferente. O
objeto
técnico perde
sua
funcionalidade e adquire
significados.
A
técnica
deixa de
ser
um
meio
para
um
fim e
passa a
nos
dar as
regras de
formação de
um
imaginário,
que é o
modo
como o
ser
humano
lida
com
ela.
E
por
falar
em
ambigüidade,
quem é
mesmo o
herói do
filme
Caçador de
andróides?
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
HOFFMANN, E.T.A. Os
autômatos. In:
Contos
fantásticos.
Rio de
Janeiro:
Imago, 1993.
––––––. O
homem da
areia. In:
Contos
fantásticos.
Rio de
Janeiro:
Imago, 1993.
BENJAMIN, W.
Teoria das
semelhanças.
In:
Sobre
arte,
técnica,
linguagem
e
política.
Lisboa:
Relógio d’Água,
1992, p. 59.
BLADE Runner.
Direção: Ridley Scott.
Roteiro:
Hampton Fancher e David Peoples. Los Angeles: Warner Brothers, c1991.
Baseado na
novela “Do
androids dream of eletric sheep?”, de Philip K. Dick.
BARRETO, L.
Um e
outro.
www.ograndelimabarreto.hpg.ig.com.br
BLADE Runner.
Direção: Ridley Scott.
Roteiro:
Hampton Fancher e David Peoples. Los Angeles: Warner Brothers, c1991.
Baseado na
novela “Do
androids dream of eletric sheep?”, de Philip K. Dick.