Os
leitores
em
sociedade
e os
leitores
de
ficção
Maria Antonieta Jordão de
Oliveira Borba (UERJ)
Como se sabe, Wolfgang Iser construiu uma
teoria –
Teoria do
efeito
estético –
que descreve o
fenômeno da
interação do
leitor
com o
discurso ficcional
durante o
ato de
leitura. Nesse
empreendimento, o
teórico apresenta,
em
seu
livro The act of reading: a theory of äesthetic
response [1978], uma
ampla e
complexa
grade
conceitual, a
fim de
descrever conceitualmente a
leitura
como
ato
comunicativo, caracterizando o
pólo
artístico, correlato à
obra, o
pólo
estético, correlato ao
leitor, e as
ocorrências do
trânsito
entre
esses
dois
pólos.
Para
tratar dos
diferentes
aspectos
que compõem a
Teoria do
efeito
estético
em
sua
integralidade, Iser valeu-se de
reflexões e
conceitos pensados
em
disciplinas várias
tais
como: a
Sociologia do
conhecimento, a
Psicologia da gestalt, a
Psicologia
social, a
Psicanálise da
comunicação, a
Pragmática.
Como o
assunto
desenvolvido
em “Leitores
em
sociedade e
leitores de
ficção” compreende
um recorte
temático nas
reflexões de Iser, é
preciso
delimitar
também
esse
conjunto de
disciplinas
constituintes dos pressupostos da
Teoria do
efeito
estético. O
que se pretende
então
agora é
discutir
alguns
pontos
específicos e intercalados da
Pragmática e da
Psicologia
social
que permitem
estabelecer
um
paralelo
entre as
ocorrências envolvendo
interlocutores
nos
contextos
sociais e o
modo
como os
estudos
sobre os
fenômenos
inerentes às
trocas
lingüísticas cotidianas podem
ilustrar a
teoria
sobre a
interação
comunicativa
que o
leitor estabelece
com os
textos ficcionais.
No
livro How to do things with words , o
filósofo da
linguagem John Langshaw Austin [1980]
classifica os proferimentos
socialmente produzidos
em
atos de
fala, contribuindo
sobremaneira
para se
refletir
sobre os
fatores
que contribuem
para o
sucesso
ou o
fracasso de uma
comunicação
lingüística.
Como se pode
verificar, trata-se de uma
abordagem pautada
menos na
análise dos
enunciados do
que
em
noções voltadas
para as
condições extralingüísticas
em
que ocorrem
tais proferimentos.
Este
novo
ângulo de
investigação acarreta
conseqüências várias.
Dentre
elas, a
idéia de
que a
Pragmática está interessada
em
investigar o
próprio
uso da
língua
através de
aspectos
que dizem
respeito ao
modo
como os participantes interagem, à
reação
entre
eles, à
noção de
sinceridade etc.
Por essa
via, Austin classificou os
atos de
fala
em
atos ilocucionários e perlocucionários,
em
função das
forças
potenciais intrínsecas ao
discurso e das atualizações performáticas desses
discursos, orientado
por
alguns pressupostos
como: a)
quem diz
algo age no
mundo,
ou
ainda,
falar é
um
modo de
agir
em
sociedade; b) os proferimentos do
sujeito
social contêm,
potencialmente, uma
força ilocucionária
que se reveste do
fenômeno de
propulsão
para uma
atitude; c)
para
que o
ato ilocucionário resulte num
ato perlocucionário, é
preciso
que os
atores
sociais compartilhem de
convenções,
normas
ou
valores
que norteiam
seus
convívios.
Quanto a
este
último
princípio, cabe
lembrar
que é a
presença
ou a
ausência desse
repertório
que faz
com
que
um
mesmo proferimento possa
ou
não
resultar num
ato perlocucionário; possa
ou
não
resultar
em
atitudes
bem sucedidas; possa
ou
não
provocar
reações satisfatórias
entre
interlocutores. A
título de
ilustração, diríamos
ser
possível
que a
reação de
um
interlocutor “x” corresponda à
intenção de “y” ao
dizer
algo,
mas
que essa
correlação depende,
em
grande
parte, do
grau de
convenções compartilhadas e aceitas
entre
eles.
Se
por
um
lado,
somente
por
esses
dados,
já se pode
observar o
quanto
muda a
perspectiva de
investigação do
uso da
língua
quando se
parte de pressupostos da
Pragmática,
por
outro,
não se pode
dizer
que é
exclusivo dessa
disciplina
examinar
aspectos extralingüísticos determinadores de
diferenciações
fundamentais
em
termos de
compreensão conquistada do
que é
dito
ou
escrito. A
simples
idéia de
enunciação
como
distinta da de
enunciado
já prevê a
consideração dos
elementos
contextuais, modificando
decisivamente os
significados de
enunciados,
mesmo
em
frases
usuais
como,
por
exemplo, “Ele é
bem
capaz disso”. Desse
enunciado,
tanto se pode
extrair
um
significado
positivo, se
aquele
que a pronuncia
ou a escreve estiver se referindo ao “ele”
como
alguém
que se reveste de
qualidades apreciativas,
quanto
um
significado
negativo, se a
situação for inversa. No
entanto,
basta
que se lembre de
alguns
conceitos
previstos
pela
Pragmática
como
atos de
sinceridade, compartilhamento de
convenções,
força ilocucionária de
certos
verbos,
indeterminações
entre
interlocutores,
para se
constatar
que
este
campo do
saber é
capaz de
aprofundar
explicações
que interferem
decisivamente
nos
nossos
modos de
dizer e
nos
nossos
modos de
fazer
em
sociedade.
Como pretendemos
articular as
reflexões da
Pragmática
com as da
Psicologia
social, de
início
nos limitaremos a
definir
brevemente algumas das
noções de Austin (Pragmática),
para
que
posteriormente
elas sejam
devidamente aprofundadas. O
conceito de
convenção remete
para
um
conhecimento compartilhado de
mundo,
para uma
idéia de
correspondência verticalizada
entre o
significado das
frases e
respectivos
referentes no
mundo e,
em
certa
medida,
para a
escala
hierárquica de
normas e
valores
sociais.
Já os procedimentos aceitos orientam
a
aplicação dessas
convenções à
situação referencial,
desde
que os
agentes
sociais se disponibilizem
para
atuar, tendo
em
vista uma
efetiva
comunicação. Se os proferimentos se vêem
condicionados a essa
situação na
qual
são produzidos e, se nesse
contexto é
possível ocorrerem
tentativas de esclarecimento
sobre o
que estiver
em
aberto,
este
vazio,
que é
próprio de
qualquer
interação, pode
ser preenchido
pelos
agentes no
mesmo
momento de
troca
lingüística,
embora
isso dependa da
interferência de
fatores
como:
vocabulário,
sintaxe,
tipos de
implícito,
posto, pressuposto,
pacto de
sinceridade,
vontade dos
sujeitos
para adequarem a
ação
lingüística à
situação.
Aliados ao
quadro de
referência,
todos
esses
dados contribuem
para
que as
indeterminações sejam resolvidas, uma
vez
que os
interlocutores de
um
contexto
face a
face podem se
indagar
sobre as
ambigüidades, as
incertezas, as
dúvidas e estranhezas
que daí emergem.
Vejamos,
agora, de
que
forma uma
outra
disciplina, a
Psicologia
social, compôs
sua
grade nocional nas
reflexões
que promoveu
acerca da
interação
entre
sujeitos no
contexto
pragmático, a
fim de
que
depois possamos
pensar
sobre as
maneiras pelas
quais essa
disciplina e a
Pragmática contribuíram
para
que Iser conceituasse a
interação do
leitor
com
texto ficcional.
Em Foundations of
social psychology, Edward Jones e
Harold B. Gerard [1967] apresentam
um
quadro nocional
acerca da
interação diádica, iniciando
sua
exposição
através de
considerações
sobre a
diversidade de
aspectos
que envolvem uma
conversação
tais
como
ódio,
riso,
afeto, rejeição. O
objetivo dos
estudos desses
teóricos
sobre as
relações
interpessoais
não visam à
verificação do
significado propriamente
dito
resultante do contacto
entre
interlocutores. O
que de
mais
significativo
eles propõem é o
exame das
condições pelas
quais se
processa a
conversação
entre
sujeitos no
plano de
ação, revelando,
assim,
um
aspecto
em
comum
com a
Pragmática.
Para
eles, a
fala
cotidiana é
tomada
como uma
complexa
troca
social e
para
que
melhor seja compreendida, exige
que se observe a
rede de
aspectos
que a envolve: os
objetivos
aí
presentes, as
atitudes dos
interlocutores
entre
si, a
ação desses
mesmos
interlocutores
em
relação à
situação
face a
face, os
diferentes
tipos de
interferência etc.
Quando a
conversação é analisada
por
esses
dados, uma das
perguntas norteadoras da
reflexão seria, na
verdade, o
quanto do
comportamento de
cada
indivíduo é
afetado
pelo
outro numa
interação diádica. Trata-se de
saber,
portanto, de
que
modo ocorrem os
processos de
influência
mútua
ou de
que
forma
esses
processos estimulam modificações nas
atitudes dos
sujeitos, alterando
ou
não
seus
planos,
em
função das
contingências,
ou seja, daquilo
que emerge da
própria
situação.
Como se
vê,
já
aqui se delineiam duas
categorias básicas pelas
quais Jones e Gerard desenvolvem
suas
observações
sobre as
relações
interpessoais. A
contingência se definiria
por
aquilo
que,
intrínseco ao
processo interacional, é
potencialmente
capaz de
produzir
um
efeito
nos
sujeitos
sociais envolvidos, podendo
suscitar
estratégias de
posicionamento e mobilização interpretativas.
Simultaneamente,
quando se inicia uma
interação,
cada
um de
seus
membros se põe nesse
contato
em
função de
algum
objetivo,
com uma
certa
idéia de
como
isso pode
ser atingido e
por
um
certo
padrão de
atitude
com
relação ao
outro. A
esse
último
conjunto de
variantes corresponde o
plano,
que é
definido
antes do contacto
interpessoal e
que,
junto à
noção de
contingência, compõe a
base
conceitual da
análise das
ocorrências próprias da
interação diádica. Jones e Gerard
dizem
ainda
que os
graus
diversos de imprevisibilidade do
processo interacional (tudo o
que
constituir
contingência) advêm do
fato de se instaurarem
estímulos autoproduzidos e
socialmente produzidos,
em
função das
respostas e
perguntas dos
interlocutores.
A
partir dessas duas
noções –
plano
ou
objetivo
prévio de
cada
interlocutor e
contingência
ou
incidentes
típicos do contacto –, os
psicólogos propõem uma
tipologia
para
classificar
quatro
modos de
situação: pseudocontingência,
contingência assimétrica,
contingência
reativa e
contingência
mútua. Se
nos ativermos
somente à
idéia de
que
contingência é o
dado
imprevisível, podemos
achar
estranho o
fato de,
nos
quatro
tipos de
relação,
estar
presente essa
palavra “contingência”.
No
entanto, se
nos reportarmos a Iser (ISER, 1978: 164),
entendemos
por
que é
possível
nomear
formas de
interação, usando,
em todas
elas, a
mesma
nomenclatura (contingência),
já
que esta
noção é
definida
como
determinante da
interação
por
ser
intrínseca ao contacto, ao
passo
que os
planos
são formulados previamente.
A pseudocontingência refere-se
àquela
situação
em
que prevalecem acentuadamente os
planos dos
interlocutores e,
por
isso,
quase
nada do
que
surgir
como
dado
imprevisto (contingente)
irá
modificar as
relações
entre os
sujeitos. Na pseudocontingência, os
estímulos
sociais
são de
tal
forma reduzidos
em possibilidades de
níveis de
interferência,
que a
interação praticamente se neutraliza
ou
só
aparentemente se faz
notar.
Isto
porque a
resposta de
cada
interlocutor é
intensamente pré-determinada
pelo
seu
próprio
plano, passando
portanto a
significar
somente
um
sinal,
por
assim
dizer,
para
que a
relação se mantenha
ou continue do
mesmo
jeito
pelo
qual se iniciou. A
relação manifesta-se
por
este
modo
tanto nas
situações
em
que os
interlocutores reciprocamente conhecem
seus
próprios
planos e os dos
outros,
quanto naquelas
em
que os
planos
são ignorados
por
ambos os
parceiros.
Em boa
parte dos
tipos de
cerimônias
como,
por
exemplo,
casamento,
posse de
autoridades,
aulas magnas etc., prevalece,
via de
regra, a pseudocontingência. Numa
primeira
modalidade da pseudocontingência –
em
que os
interlocutores conhecem
seus
planos e os dos
outros,
cada
um é
capaz de
prever o
conteúdo e a
seqüência de
respostas, o
que configura a
situação
como
altamente ritualizada. Na
segunda
modalidade –
quando os
agentes
sociais
não se importam
sequer
com
seus
próprios
planos – , a
resposta de
um
parceiro “x” é
apenas esperada
para
que o
parceiro “y” manifeste a
sua,
já
por
ele
prevista,
independente,
portanto, da
resposta
anterior. As
situações
em
que
atores contracenam
em
peças
teatrais –
um
exemplo do
primeiro
caso,
semelhante ao das
cerimônias – e aquelas
em
que
pacientes
psicóticos se encontram numa
conversação –
caso
em
que
nada importa o
que o
outro diz
porque
sempre prevalecerá
qualquer
fala
que se queira – constituem,
respectivamente,
ilustrações das duas
variantes da pseudocontingência.
O
segundo
tipo de
contingência na
enumeração dos
teóricos da
Psicologia
social é denominado
contingência assimétrica.
Ela se caracteriza
pelo
fato de a
resposta de
um
interlocutor x
só
ser
relevante na
interação, na
medida
em
que serve
para a
realização do
projeto de y. Trata-se,
portanto, de uma
desistência,
por
parte de
um dos
parceiros, de
seu
próprio
plano, daquilo
que
qualquer
um de
nós traz previamente concebido.
Enquanto as
respostas de
um
são decorrentes de
estímulos e
planos autoproduzidos, as do
outro
são determinadas
pelos
estímulos
sociais suscitados
pelo
primeiro.
Via de
regra,
aquele
que traz de
antemão
respostas e
planos pré-determinados se beneficia da
situação, uma
vez
que as
respostas
variáveis do
outro configuram
um
modo
interativo
em
que
este acaba
por se
submeter aos
propósitos daquele.
Há
ainda uma
terceira
forma de
contingência
que, na
interação diádica, recebe a
denominação
contingência
reativa.
Sua delimitação
mais
precisa remete
para uma
situação, cujas
respostas praticamente se restringem à
referência
em
que
são produzidas, numa
seqüência
em
que se verifica a
alternância
reativa de uma
resposta
dada
após a
outra.
Isso implica
ou uma
ausência do
plano de
cada
interlocutor,
ou,
pelo
menos, a
renúncia de
sua
manifestação.
Além disso, se a
resposta de x é
amplamente
determinada
pela de y e deste
pela de x
em
cadeia
sucessiva, é
porque se instaura uma
situação
em
que, na
seqüência de
respostas de
cada
um isoladamente, a
influência da
seguinte
sobre a
anterior é
secundária, se comparada ao
estímulo,
meramente
reativo,
que a
resposta do
outro exerceu
sobre
ela.
Aquilo
que representa na
fala a
reação de
um
só tem a
ver
com a
fala
também
reativa e
momentânea do
outro. Forma-se,
então, uma
espécie de
seqüência
em
ziguezague,
em
que o
que ficou
para
trás (resposta
e
plano
individuais)
em
nada participa da continuidade do
processo. Dessa
vez, os
teóricos da
Psicologia
social
não ilustram a
contingência
reativa
por uma
situação
concreta do
plano de
ação
lingüístico,
mas
através de
um
contexto
comparativo. Os iniciantes do
jogo de
xadrez costumam
limitar
suas
atuações
em
função das
regras
fundamentais e dos
valores das
peças, o
que resulta numa
interferência tipicamente
reativa,
independente,
portanto, da
combinação do
movimento dessas
peças a
partir de
um
plano,
pelo
qual
que se tenha pensado, a priori, uma
variedade
ampla de
possíveis
arranjos no
tabuleiro.
A
quarta
forma de
interação diz
respeito
àquilo
que, na classificação da
Psicologia
Social, se costuma
designar
por
contingência
mútua.
Como o
nome
já indicia, a
situação se reveste de
um
bom
equilíbrio
entre os
planos e as
respostas.
Aqui, a
resposta de
um
agente é
parcialmente
determinada
tanto pelas
respostas do
outro,
quanto
por
suas próprias
respostas, no
sentido de estas decorrerem de
estímulos
internos.
Isso significa
dizer
que há
sempre
um
plano orientando a
resposta de
cada
interlocutor,
embora o
plano esteja continuamente
sujeito à reformulação
face à
reação do
parceiro,
ou às
circunstâncias do
contexto.
A
contingência
mútua é aquela
que
melhor permite
configurar a
noção de
interação propriamente
dita, de
acordo
com as
formulações da
Psicologia
social.
Ela cumpre
um dos
requisitos
fundamentais,
que é o
que John L. Austin (1980) nomeia, no
campo da
Pragmática,
por
disponibilidade
dos participantes
. Se
cada
interlocutor realiza
seu
plano levando
em
consideração o do
parceiro
por
este manifestado,
isto contribui
para
que a
interação se configure
como
um
ato
comunicativo,
sem
importar o
valor “bom”
ou “ruim”
que atribuímos ao
resultado,
quer
dizer,
mesmo
que esta
situação venha a
acarretar
hostilidade
ou enriquecimento
recíprocos.
Independente, no
entanto, do
conteúdo da
interação deste
tipo,
sua
base é constituída de
um
misto de
resistências e mudanças mútuas. E é
esse
caráter constitutivo
por
parte
tanto dos
interlocutores
quanto da
situação
que irá
compor o
processo de ajustamento e
reconstrução,
em
decorrência da
interação e do
momento
em
que
ela se realiza.
No
capítulo “Assimetry between text and reader” do
The act of reading, Iser se reporta aos
estudos de Jones e Gerard
em Foundations of
social psychology, limitando-se a
um
breve
comentário
acerca dos
tipos de
contingência,
já
que o
que
lhe interessa
logo
ressaltar é a
conseqüência metodológica acarretada
pela classificação dos
teóricos da
Psicologia
social: se a
tipologia das
condutas da
interação resulta do
modo
como a
contingência é explorada,
isso permite
deduzir
que a
contingência
não pode
ser
entendida
como
causa de
um
efeito,
mas
como
um
constituinte
mesmo da
interação.
A
contingência,
como
constituinte
da
interação,
deriva da
própria
interação,
pois os
planos de
conduta
respectivos
dos
parceiros
são concebidos
separadamente, e,
portanto, é o
efeito
imprevisível
sobre o
outro
que provoca
tanto as
interpretações
estratégicas e
táticas
quanto os
ajustamentos. (ISER,
1978:164)
A
importância
para a
literatura
resultante dessas
conclusões reside no
fato de Iser
entender a
leitura
por
um
caráter fenomenológico,
em
que as
ocorrências se caracterizam
como
contingentes da
interação do
texto
com o
leitor,
ou
melhor,
como
efeitos de
planos concebidos separadamente:
de
um
lado, o do
texto; do
outro, o do
leitor. Essa
noção de
leitura
como
acontecimento,
como
algo
contingente,
semelhante ao
que ocorre no
contexto
pragmático, permite
estabelecer
certas
analogias
entre os
dois
tipos de
relação –
pragmático e ficcional –,
desde
que se
parta das
concepções de
pólos
em Iser (a
obra e o
leitor)
com
seus
respectivos desdobramentos.
Além disso,
também na
caracterização do
leitor
com o ficcional,
serão aproveitas e transformadas as
noções da
Pragmática
que tratam de: verticalidade
entre
linguagem e
mundo,
repertório
hierarquizado de
convenções (ou
normas) aceitas,
disponibilidade dos participantes
em contacto no
contexto de
ação.
Para o
teórico da
Escola alemã,
significado e
obra concretizam-se no
trânsito
entre
dois
pólos: o
artístico –
pólo do
texto – e o
estético – o do
leitor, sendo
que
cada
um deles encontra-se
respectivamente relacionado à
estrutura
verbal e `a
estrutura de
afeto.
A
estrutura de
afeto,
que tem
suas
bases
nos
atos de
compreensão do
leitor, promove a concretização do
que a
linguagem do
texto
lhe
reserva.
Como essa
ação se dá
durante a
leitura, o
processo
comunicativo tem
início no
pólo
estético, no
momento
em
que o
leitor
passa a
preencher os
vazios do
texto.
Por
outro
lado, a
estrutura
verbal,
cuja
fonte é o
texto
literário, constitui-se
pelo
repertório e pelas
estratégias. O
repertório diz
respeito às variadas
referências
textuais,
que podem se
apresentar
sob a
forma de
normas
sociais e históricas,
alusões literárias,
menções ao
contexto cultural,
enfim, a
todo
tipo de
realidade extratextual. No
entanto, o
texto
literário,
para
compor
seu
repertório, apropria-se das
normas
sociais, de
que
trata a
Pragmática,
não
para serem endossadas,
mas
para serem questionadas, e
isso se faz
pela
relação
entre o
repertório e o
modo
como a
ficção incorpora e apresenta o
sistema de
mundo. Vejamos a
esse
respeito o
que ocorre
em
sociedade e na
ficção.
Em
toda
época, há
um
sistema
social e de
pensamento
que se revela
dominante
sobre
outros
sistemas considerados,
por
isso
mesmo,
subsistemas. O
sistema
dominante possui uma
estrutura de
aspectos
reguladores, estabelecendo uma
ordem
hierárquica
vertical,
em
que algumas
normas
são aceitas, outras negadas e outras
mais, neutralizadas.
Face às
incertezas do
mundo, os
sujeitos
em
sociedade necessitam
promover
esse
acordo
que se reflete
em
tal
estrutura
hierárquica.
Como a
literatura se apropria das
convenções
sociais (ou
normas,
ou
valores) e as apresenta na
ficção
sob a
forma de
estranha de
combinação, a
hierarquia aceita na referencialidade é
posta
em
questão. O
que Iser
quer
dizer
por “forma
estranha de
combinação” pode
ser explicado da
seguinte
forma: as
informações das
perspectivas
textuais,
isto é, do narrador, das
personagens, do
enredo, do
leitor
fictício,
instauram
um
embate de
valores
divergentes, provocando uma
estranheza,
pelo
fato de
tal
confronto
permanecer na
obra
como está. Essa
permanência do
confronto, proveniente do
desaparecimento da
hierarquia
vertical, é denominada
por Iser
reorganização
horizontal das
normas.
Paralelamente, o
conflito
entre os
valores instaurado e
não resolvido faz
com
que o
leitor
perca a
familiaridade
com as
normas,
já
que essas
normas ficam desprovidas da
validade
que possuíam no
contexto referencial. A
conseqüência da despragmatização
ou desfamiliarização do
familiar é a
provocação suscitada
pelo
universo ficcional no
sentido de o
leitor
examinar o
espectro de
convenções aos
quais se
vê submetido
em
sociedade. O
leitor se
vê mobilizado
para
refletir
sobre o
vazio
que emerge da
não
resolução do
conflito de
valores. É
por
isso
que Iser diz
que as
estratégias (perspectivas
textuais) organizam
tanto o
material do
texto
quanto as
condições pelas
quais o
leitor estabelece
ligações
entre os
elementos do
repertório,
quer
dizer, o
modo
como o
material é
comunicado. Daí as
perspectivas assumirem
um
papel dos
mais
significativos na
interação do
leitor
com o
texto.
Seu
desempenho é preponderante
para
que o
leitor
passe
pelo
efeito
estético,
quando
ele promove,
através de
seu
ponto de
vista
movente,
um
arranjo ideativo de
constantes
formulações e reformulações
em
função das
diferentes e conflituosas
informações do narrador,
enredo,
personagens,
leitor
fictício. A
melhor
forma de se
entender a
importância das
estratégias é
imaginar uma
situação
em
que
elas
são
retiradas.
Basta
lembrar as
experiências
em
que
oralmente
alguém relata o
que leu num
romance. A
narrativa perde o
caráter de
conduzir ao
efeito
estético, destituída
que se
encontra da
função das
estratégias.
Além disso, uma das
razões
que explica a multiplicidade
interpretativa é a
diversidade
intrínseca ao
arranjo ideativo
por
parte do
leitor, o
que,
por
sua
vez, vai
depender do
modo
como
ele,
enquanto
sujeito de
sociedade
ou
leitor
real, articula
seu
plano à
sua
função de
leitor do
texto.
Partindo,
então, do
princípio de
que o
processo de
leitura é
um
tipo de
interação diádica, o
objetivo
agora é
fazer
considerações
sobre o
leitor à
luz do
tipo de
contingência
mútua da
Psicologia
social. Numa
analogia do
trânsito
entre
leitor e
obra
com o
contexto de
ação, pudemos
acima
supor o
plano do
texto
como
repertório e
estratégias, e o
plano do
leitor
como
conjunto de
normas,
valores,
convenções de
um
sujeito
em
sociedade, o
leitor
real. Essa mobilização do
plano –
direcionamento de
respostas e
constante reformulação
face às
ocorrências de
tais
respostas – permite
supor
um
tipo de
interação do
leitor
com o
texto,
semelhante ao
que Iser descreve
como
efetiva
comunicação no
processo de
leitura. De
fato, uma
situação
como esta
só se configura
quando o
leitor cumpre
certas
condições de possibilidade.
Para
que o
leitor se ponha
como
agente desta
construção,
precisa
estar,
antes de
tudo,
disponível
para
adaptar
seu
plano
enquanto
leitor
real
àquilo
que o
texto
lhe apresenta, o
que
só pode se
dar
em implicitude.
(...) guiado
pelos
signos do
texto, o
leitor é
induzido a
construir o
objeto
imaginário.
Segue daí
que o
envolvimento do
leitor é
essencial
para o preenchimento do
texto,
já
que,
materialmente,
este existe
somente
como uma
realidade
potencial –
ele requer
um ’sujeito’
(isto
é,
um
leitor)
para
que o
potencial seja
realizado. O
texto
literário,
portanto,
existe,
inicialmente,
como
um
meio de
comunicação,
enquanto o
processo de
leitura é
basicamente
um
tipo de
interação
diádica. (ISER, 1978:66)
Um dos
fenômenos
mais
significativos
resultantes dessa
disponibilidade é o da
formação de correlatos de
sentenças.
São
eles
que conduzem à
produção de
unidades de
sentença
ou
conjunto de
vocábulos estruturantes de
informações
capazes de
mobilizar o
leitor
para a decodificação: A decodificação se origina de ‘pedaços
grossos’ (chunks) e
não de
unidades
simples de
palavras e
estes ‘chunks’ correspondem a
unidades sintáticas de uma
sentença. (ISER, (1978:110)
Sujeitas
que estão à operacionalização do
leitor, as
fronteiras de
tais
unidades
não coincidem necessariamente
com aquelas
que, numa
conceituação tradicional,
diriam de uma
estrutura dotada de
sentido, e
sim
com
tudo o
que,
por
decisão do
leitor, seja
capaz de
produzir
um
sentido. Dessa
distinção, decorre o
fato de serem
mais
bem configuradas
pela
denominação correlatos de
sentença.
Os
correlatos de
sentenças
são formados
pelo
leitor
por
conta das
informações
cambiantes das
perspectivas
textuais (informações
diferenciadas do narrador, das
personagens etc).
Face a
um
conjunto de
informações advindas de uma
perspectiva, o
leitor retém
alguns
dados
pela
memória e,
como
decorrência disso,
projeta
outros
que imagina virem
acontecer. O
dinamismo do
processo, no
entanto, permite a instauração de
circunstâncias pelas
quais o
leitor se
vê
diante de
outra(s)
informação (s) – seja
oriunda da
mesma
perspectiva, seja de outras –
que
tanto pode (m)
confirmar
ou
negar as
já formuladas.
Em
qualquer
um dos
dois
casos, o
leitor produz
um
novo correlato (que
acarretará
novo correlato),
por
intensidade
ou
mudança, seja
porque as
informações recebidas responderam
positivamente àquelas
já registradas
pela
memória – o correlato ratificador – seja
porque
tais
informações negaram os
dados
já retidos:
Cada correlato
de
sentenças
contém o
que se pode
denominar
por uma
seção
oca,
que vislumbra
o
novo correlato, e uma
seção
retrospectiva,
que responde
às
expectativas
da
sentença
precedente (agora
parte do ‘background’
lembrado). (ISER, 1978:12)
Este
processo de
formulação de correlato ocorre
simultaneamente ao percurso de
divisões no
texto, promovido
pelo
ponto de
vista movente (wandering point of
view do
leitor),
já
que é
através dele
que o
leitor
marca a
interseção
entre as
informações
referentes à
expectativa e à
memória. Trata-se,
portanto, de
um
processo dialético
entre
esses
dois
fenômenos
conjugados, transmitindo
um
horizonte
futuro
ainda a
ser
ocupado,
paralelamente a
um
horizonte (continuamente
fugidio)
passado
já preenchido. (ISER, 1978:12)
Como se pode
verificar,
então, as
estratégias
responsáveis
pela
movimentação das
perspectivas
textuais exigem
que o
leitor,
pelo
seu
ponto de
vista, estabeleça
constantes
cisões no
texto numa
estrutura,
também
constante, de
expectativa e
memória. Essa
divisão,
por
sua
vez, acarreta a instauração de
um
outro
fenômeno
pelo
qual o
leitor une
aquilo
que o
ponto de
vista
nômade separou. É o
que Iser denomina de
processo de
formação de
síntese.
O
texto
em
si (...)
não é
nem
expectativa
nem
memória – é o
leitor
quem deve
juntar o
que o
seu
ponto de
vista
nômade dividiu.
Isto conduz à
formação de
sínteses,
através das
quais as
conexões
entre
signos podem
ser identificadas e
suas
equivalências
representadas. (ISER, 1978: 135)
A
formulação de
sínteses é o
fenômeno
que
bem ilustra a
interação na
dependência do
binômio
texto/leitor. As
sínteses
nem se encontram expressas no
texto,
nem
são produzidas unicamente
pela
imaginação do
leitor.
São dirigidas
pelos
signos e emergem da
mente do
leitor
quando os
signos nela se projetam.
Como o
elemento
básico da
síntese é a
imagem, e
ainda,
como o
significado é imagético,
não fica
difícil
concluir
que o
leitor
só
passa
pelo
efeito desse
significado (experiência
estética) se a
interação
com o
texto se
revestir de
exigências
semelhantes àquelas previstas na
contingência
mútua do
contexto
pragmático:
movimentação adequada
entre
plano e
resposta. De
fato, tendo
como pressuposto
que o
texto se organiza
em
condições de
interação –
repertório e
estratégia
ou
plano
sujeito à
construção –, esta
interação
por
parte do
leitor
em uma
espécie de
contingência
mútua vai se
concretizar
através da
adaptação do
plano desse
sujeito (leitor
real), ao
formular
respostas
para
aquilo
que a
estrutura
lhe apresenta.
Isso requer
que o
leitor
implícito atue
pelo
seu
ponto de
vista, use de
sua
capacidade de
memória e
projeção, forme correlatos e formule
sínteses. É
através desse
processo
que o
leitor
mais
ativamente participa na
realização do
texto. Daí resulta a
própria
experiência
estética,
segundo a
concepção de uma
teoria
que descreve a fenomenologia das
etapas de
efeito de
significado e da
resposta a
esse
efeito, a
saber, a significação.
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Os
leitores
em
sociedade
e os
leitores
de
ficção
Maria Antonieta Jordão de
Oliveira Borba (UERJ)
Como se sabe, Wolfgang Iser construiu uma
teoria –
Teoria do
efeito
estético –
que descreve o
fenômeno da
interação do
leitor
com o
discurso ficcional
durante o
ato de
leitura. Nesse
empreendimento, o
teórico apresenta,
em
seu
livro The act of reading: a theory of äesthetic
response [1978], uma
ampla e
complexa
grade
conceitual, a
fim de
descrever conceitualmente a
leitura
como
ato
comunicativo, caracterizando o
pólo
artístico, correlato à
obra, o
pólo
estético, correlato ao
leitor, e as
ocorrências do
trânsito
entre
esses
dois
pólos.
Para
tratar dos
diferentes
aspectos
que compõem a
Teoria do
efeito
estético
em
sua
integralidade, Iser valeu-se de
reflexões e
conceitos pensados
em
disciplinas várias
tais
como: a
Sociologia do
conhecimento, a
Psicologia da gestalt, a
Psicologia
social, a
Psicanálise da
comunicação, a
Pragmática.
Como o
assunto
desenvolvido
em “Leitores
em
sociedade e
leitores de
ficção” compreende
um recorte
temático nas
reflexões de Iser, é
preciso
delimitar
também
esse
conjunto de
disciplinas
constituintes dos pressupostos da
Teoria do
efeito
estético. O
que se pretende
então
agora é
discutir
alguns
pontos
específicos e intercalados da
Pragmática e da
Psicologia
social
que permitem
estabelecer
um
paralelo
entre as
ocorrências envolvendo
interlocutores
nos
contextos
sociais e o
modo
como os
estudos
sobre os
fenômenos
inerentes às
trocas
lingüísticas cotidianas podem
ilustrar a
teoria
sobre a
interação
comunicativa
que o
leitor estabelece
com os
textos ficcionais.
No
livro How to do things with words , o
filósofo da
linguagem John Langshaw Austin [1980]
classifica os proferimentos
socialmente produzidos
em
atos de
fala, contribuindo
sobremaneira
para se
refletir
sobre os
fatores
que contribuem
para o
sucesso
ou o
fracasso de uma
comunicação
lingüística.
Como se pode
verificar, trata-se de uma
abordagem pautada
menos na
análise dos
enunciados do
que
em
noções voltadas
para as
condições extralingüísticas
em
que ocorrem
tais proferimentos.
Este
novo
ângulo de
investigação acarreta
conseqüências várias.
Dentre
elas, a
idéia de
que a
Pragmática está interessada
em
investigar o
próprio
uso da
língua
através de
aspectos
que dizem
respeito ao
modo
como os participantes interagem, à
reação
entre
eles, à
noção de
sinceridade etc.
Por essa
via, Austin classificou os
atos de
fala
em
atos ilocucionários e perlocucionários,
em
função das
forças
potenciais intrínsecas ao
discurso e das atualizações performáticas desses
discursos, orientado
por
alguns pressupostos
como: a)
quem diz
algo age no
mundo,
ou
ainda,
falar é
um
modo de
agir
em
sociedade; b) os proferimentos do
sujeito
social contêm,
potencialmente, uma
força ilocucionária
que se reveste do
fenômeno de
propulsão
para uma
atitude; c)
para
que o
ato ilocucionário resulte num
ato perlocucionário, é
preciso
que os
atores
sociais compartilhem de
convenções,
normas
ou
valores
que norteiam
seus
convívios.
Quanto a
este
último
princípio, cabe
lembrar
que é a
presença
ou a
ausência desse
repertório
que faz
com
que
um
mesmo proferimento possa
ou
não
resultar num
ato perlocucionário; possa
ou
não
resultar
em
atitudes
bem sucedidas; possa
ou
não
provocar
reações satisfatórias
entre
interlocutores. A
título de
ilustração, diríamos
ser
possível
que a
reação de
um
interlocutor “x” corresponda à
intenção de “y” ao
dizer
algo,
mas
que essa
correlação depende,
em
grande
parte, do
grau de
convenções compartilhadas e aceitas
entre
eles.
Se
por
um
lado,
somente
por
esses
dados,
já se pode
observar o
quanto
muda a
perspectiva de
investigação do
uso da
língua
quando se
parte de pressupostos da
Pragmática,
por
outro,
não se pode
dizer
que é
exclusivo dessa
disciplina
examinar
aspectos extralingüísticos determinadores de
diferenciações
fundamentais
em
termos de
compreensão conquistada do
que é
dito
ou
escrito. A
simples
idéia de
enunciação
como
distinta da de
enunciado
já prevê a
consideração dos
elementos
contextuais, modificando
decisivamente os
significados de
enunciados,
mesmo
em
frases
usuais
como,
por
exemplo, “Ele é
bem
capaz disso”. Desse
enunciado,
tanto se pode
extrair
um
significado
positivo, se
aquele
que a pronuncia
ou a escreve estiver se referindo ao “ele”
como
alguém
que se reveste de
qualidades apreciativas,
quanto
um
significado
negativo, se a
situação for inversa. No
entanto,
basta
que se lembre de
alguns
conceitos
previstos
pela
Pragmática
como
atos de
sinceridade, compartilhamento de
convenções,
força ilocucionária de
certos
verbos,
indeterminações
entre
interlocutores,
para se
constatar
que
este
campo do
saber é
capaz de
aprofundar
explicações
que interferem
decisivamente
nos
nossos
modos de
dizer e
nos
nossos
modos de
fazer
em
sociedade.
Como pretendemos
articular as
reflexões da
Pragmática
com as da
Psicologia
social, de
início
nos limitaremos a
definir
brevemente algumas das
noções de Austin (Pragmática),
para
que
posteriormente
elas sejam
devidamente aprofundadas. O
conceito de
convenção remete
para
um
conhecimento compartilhado de
mundo,
para uma
idéia de
correspondência verticalizada
entre o
significado das
frases e
respectivos
referentes no
mundo e,
em
certa
medida,
para a
escala
hierárquica de
normas e
valores
sociais.
Já os procedimentos aceitos orientam
a
aplicação dessas
convenções à
situação referencial,
desde
que os
agentes
sociais se disponibilizem
para
atuar, tendo
em
vista uma
efetiva
comunicação. Se os proferimentos se vêem
condicionados a essa
situação na
qual
são produzidos e, se nesse
contexto é
possível ocorrerem
tentativas de esclarecimento
sobre o
que estiver
em
aberto,
este
vazio,
que é
próprio de
qualquer
interação, pode
ser preenchido
pelos
agentes no
mesmo
momento de
troca
lingüística,
embora
isso dependa da
interferência de
fatores
como:
vocabulário,
sintaxe,
tipos de
implícito,
posto, pressuposto,
pacto de
sinceridade,
vontade dos
sujeitos
para adequarem a
ação
lingüística à
situação.
Aliados ao
quadro de
referência,
todos
esses
dados contribuem
para
que as
indeterminações sejam resolvidas, uma
vez
que os
interlocutores de
um
contexto
face a
face podem se
indagar
sobre as
ambigüidades, as
incertezas, as
dúvidas e estranhezas
que daí emergem.
Vejamos,
agora, de
que
forma uma
outra
disciplina, a
Psicologia
social, compôs
sua
grade nocional nas
reflexões
que promoveu
acerca da
interação
entre
sujeitos no
contexto
pragmático, a
fim de
que
depois possamos
pensar
sobre as
maneiras pelas
quais essa
disciplina e a
Pragmática contribuíram
para
que Iser conceituasse a
interação do
leitor
com
texto ficcional.
Em Foundations of
social psychology, Edward Jones e
Harold B. Gerard [1967] apresentam
um
quadro nocional
acerca da
interação diádica, iniciando
sua
exposição
através de
considerações
sobre a
diversidade de
aspectos
que envolvem uma
conversação
tais
como
ódio,
riso,
afeto, rejeição. O
objetivo dos
estudos desses
teóricos
sobre as
relações
interpessoais
não visam à
verificação do
significado propriamente
dito
resultante do contacto
entre
interlocutores. O
que de
mais
significativo
eles propõem é o
exame das
condições pelas
quais se
processa a
conversação
entre
sujeitos no
plano de
ação, revelando,
assim,
um
aspecto
em
comum
com a
Pragmática.
Para
eles, a
fala
cotidiana é
tomada
como uma
complexa
troca
social e
para
que
melhor seja compreendida, exige
que se observe a
rede de
aspectos
que a envolve: os
objetivos
aí
presentes, as
atitudes dos
interlocutores
entre
si, a
ação desses
mesmos
interlocutores
em
relação à
situação
face a
face, os
diferentes
tipos de
interferência etc.
Quando a
conversação é analisada
por
esses
dados, uma das
perguntas norteadoras da
reflexão seria, na
verdade, o
quanto do
comportamento de
cada
indivíduo é
afetado
pelo
outro numa
interação diádica. Trata-se de
saber,
portanto, de
que
modo ocorrem os
processos de
influência
mútua
ou de
que
forma
esses
processos estimulam modificações nas
atitudes dos
sujeitos, alterando
ou
não
seus
planos,
em
função das
contingências,
ou seja, daquilo
que emerge da
própria
situação.
Como se
vê,
já
aqui se delineiam duas
categorias básicas pelas
quais Jones e Gerard desenvolvem
suas
observações
sobre as
relações
interpessoais. A
contingência se definiria
por
aquilo
que,
intrínseco ao
processo interacional, é
potencialmente
capaz de
produzir
um
efeito
nos
sujeitos
sociais envolvidos, podendo
suscitar
estratégias de
posicionamento e mobilização interpretativas.
Simultaneamente,
quando se inicia uma
interação,
cada
um de
seus
membros se põe nesse
contato
em
função de
algum
objetivo,
com uma
certa
idéia de
como
isso pode
ser atingido e
por
um
certo
padrão de
atitude
com
relação ao
outro. A
esse
último
conjunto de
variantes corresponde o
plano,
que é
definido
antes do contacto
interpessoal e
que,
junto à
noção de
contingência, compõe a
base
conceitual da
análise das
ocorrências próprias da
interação diádica. Jones e Gerard
dizem
ainda
que os
graus
diversos de imprevisibilidade do
processo interacional (tudo o
que
constituir
contingência) advêm do
fato de se instaurarem
estímulos autoproduzidos e
socialmente produzidos,
em
função das
respostas e
perguntas dos
interlocutores.
A
partir dessas duas
noções –
plano
ou
objetivo
prévio de
cada
interlocutor e
contingência
ou
incidentes
típicos do contacto –, os
psicólogos propõem uma
tipologia
para
classificar
quatro
modos de
situação: pseudocontingência,
contingência assimétrica,
contingência
reativa e
contingência
mútua. Se
nos ativermos
somente à
idéia de
que
contingência é o
dado
imprevisível, podemos
achar
estranho o
fato de,
nos
quatro
tipos de
relação,
estar
presente essa
palavra “contingência”.
No
entanto, se
nos reportarmos a Iser (ISER, 1978: 164),
entendemos
por
que é
possível
nomear
formas de
interação, usando,
em todas
elas, a
mesma
nomenclatura (contingência),
já
que esta
noção é
definida
como
determinante da
interação
por
ser
intrínseca ao contacto, ao
passo
que os
planos
são formulados previamente.
A pseudocontingência refere-se
àquela
situação
em
que prevalecem acentuadamente os
planos dos
interlocutores e,
por
isso,
quase
nada do
que
surgir
como
dado
imprevisto (contingente)
irá
modificar as
relações
entre os
sujeitos. Na pseudocontingência, os
estímulos
sociais
são de
tal
forma reduzidos
em possibilidades de
níveis de
interferência,
que a
interação praticamente se neutraliza
ou
só
aparentemente se faz
notar.
Isto
porque a
resposta de
cada
interlocutor é
intensamente pré-determinada
pelo
seu
próprio
plano, passando
portanto a
significar
somente
um
sinal,
por
assim
dizer,
para
que a
relação se mantenha
ou continue do
mesmo
jeito
pelo
qual se iniciou. A
relação manifesta-se
por
este
modo
tanto nas
situações
em
que os
interlocutores reciprocamente conhecem
seus
próprios
planos e os dos
outros,
quanto naquelas
em
que os
planos
são ignorados
por
ambos os
parceiros.
Em boa
parte dos
tipos de
cerimônias
como,
por
exemplo,
casamento,
posse de
autoridades,
aulas magnas etc., prevalece,
via de
regra, a pseudocontingência. Numa
primeira
modalidade da pseudocontingência –
em
que os
interlocutores conhecem
seus
planos e os dos
outros,
cada
um é
capaz de
prever o
conteúdo e a
seqüência de
respostas, o
que configura a
situação
como
altamente ritualizada. Na
segunda
modalidade –
quando os
agentes
sociais
não se importam
sequer
com
seus
próprios
planos – , a
resposta de
um
parceiro “x” é
apenas esperada
para
que o
parceiro “y” manifeste a
sua,
já
por
ele
prevista,
independente,
portanto, da
resposta
anterior. As
situações
em
que
atores contracenam
em
peças
teatrais –
um
exemplo do
primeiro
caso,
semelhante ao das
cerimônias – e aquelas
em
que
pacientes
psicóticos se encontram numa
conversação –
caso
em
que
nada importa o
que o
outro diz
porque
sempre prevalecerá
qualquer
fala
que se queira – constituem,
respectivamente,
ilustrações das duas
variantes da pseudocontingência.
O
segundo
tipo de
contingência na
enumeração dos
teóricos da
Psicologia
social é denominado
contingência assimétrica.
Ela se caracteriza
pelo
fato de a
resposta de
um
interlocutor x
só
ser
relevante na
interação, na
medida
em
que serve
para a
realização do
projeto de y. Trata-se,
portanto, de uma
desistência,
por
parte de
um dos
parceiros, de
seu
próprio
plano, daquilo
que
qualquer
um de
nós traz previamente concebido.
Enquanto as
respostas de
um
são decorrentes de
estímulos e
planos autoproduzidos, as do
outro
são determinadas
pelos
estímulos
sociais suscitados
pelo
primeiro.
Via de
regra,
aquele
que traz de
antemão
respostas e
planos pré-determinados se beneficia da
situação, uma
vez
que as
respostas
variáveis do
outro configuram
um
modo
interativo
em
que
este acaba
por se
submeter aos
propósitos daquele.
Há
ainda uma
terceira
forma de
contingência
que, na
interação diádica, recebe a
denominação
contingência
reativa.
Sua delimitação
mais
precisa remete
para uma
situação, cujas
respostas praticamente se restringem à
referência
em
que
são produzidas, numa
seqüência
em
que se verifica a
alternância
reativa de uma
resposta
dada
após a
outra.
Isso implica
ou uma
ausência do
plano de
cada
interlocutor,
ou,
pelo
menos, a
renúncia de
sua
manifestação.
Além disso, se a
resposta de x é
amplamente
determinada
pela de y e deste
pela de x
em
cadeia
sucessiva, é
porque se instaura uma
situação
em
que, na
seqüência de
respostas de
cada
um isoladamente, a
influência da
seguinte
sobre a
anterior é
secundária, se comparada ao
estímulo,
meramente
reativo,
que a
resposta do
outro exerceu
sobre
ela.
Aquilo
que representa na
fala a
reação de
um
só tem a
ver
com a
fala
também
reativa e
momentânea do
outro. Forma-se,
então, uma
espécie de
seqüência
em
ziguezague,
em
que o
que ficou
para
trás (resposta
e
plano
individuais)
em
nada participa da continuidade do
processo. Dessa
vez, os
teóricos da
Psicologia
social
não ilustram a
contingência
reativa
por uma
situação
concreta do
plano de
ação
lingüístico,
mas
através de
um
contexto
comparativo. Os iniciantes do
jogo de
xadrez costumam
limitar
suas
atuações
em
função das
regras
fundamentais e dos
valores das
peças, o
que resulta numa
interferência tipicamente
reativa,
independente,
portanto, da
combinação do
movimento dessas
peças a
partir de
um
plano,
pelo
qual
que se tenha pensado, a priori, uma
variedade
ampla de
possíveis
arranjos no
tabuleiro.
A
quarta
forma de
interação diz
respeito
àquilo
que, na classificação da
Psicologia
Social, se costuma
designar
por
contingência
mútua.
Como o
nome
já indicia, a
situação se reveste de
um
bom
equilíbrio
entre os
planos e as
respostas.
Aqui, a
resposta de
um
agente é
parcialmente
determinada
tanto pelas
respostas do
outro,
quanto
por
suas próprias
respostas, no
sentido de estas decorrerem de
estímulos
internos.
Isso significa
dizer
que há
sempre
um
plano orientando a
resposta de
cada
interlocutor,
embora o
plano esteja continuamente
sujeito à reformulação
face à
reação do
parceiro,
ou às
circunstâncias do
contexto.
A
contingência
mútua é aquela
que
melhor permite
configurar a
noção de
interação propriamente
dita, de
acordo
com as
formulações da
Psicologia
social.
Ela cumpre
um dos
requisitos
fundamentais,
que é o
que John L. Austin (1980) nomeia, no
campo da
Pragmática,
por
disponibilidade
dos participantes
. Se
cada
interlocutor realiza
seu
plano levando
em
consideração o do
parceiro
por
este manifestado,
isto contribui
para
que a
interação se configure
como
um
ato
comunicativo,
sem
importar o
valor “bom”
ou “ruim”
que atribuímos ao
resultado,
quer
dizer,
mesmo
que esta
situação venha a
acarretar
hostilidade
ou enriquecimento
recíprocos.
Independente, no
entanto, do
conteúdo da
interação deste
tipo,
sua
base é constituída de
um
misto de
resistências e mudanças mútuas. E é
esse
caráter constitutivo
por
parte
tanto dos
interlocutores
quanto da
situação
que irá
compor o
processo de ajustamento e
reconstrução,
em
decorrência da
interação e do
momento
em
que
ela se realiza.
No
capítulo “Assimetry between text and reader” do
The act of reading, Iser se reporta aos
estudos de Jones e Gerard
em Foundations of
social psychology, limitando-se a
um
breve
comentário
acerca dos
tipos de
contingência,
já
que o
que
lhe interessa
logo
ressaltar é a
conseqüência metodológica acarretada
pela classificação dos
teóricos da
Psicologia
social: se a
tipologia das
condutas da
interação resulta do
modo
como a
contingência é explorada,
isso permite
deduzir
que a
contingência
não pode
ser
entendida
como
causa de
um
efeito,
mas
como
um
constituinte
mesmo da
interação.
A
contingência,
como
constituinte
da
interação,
deriva da
própria
interação,
pois os
planos de
conduta
respectivos
dos
parceiros
são concebidos
separadamente, e,
portanto, é o
efeito
imprevisível
sobre o
outro
que provoca
tanto as
interpretações
estratégicas e
táticas
quanto os
ajustamentos. (ISER,
1978:164)
A
importância
para a
literatura
resultante dessas
conclusões reside no
fato de Iser
entender a
leitura
por
um
caráter fenomenológico,
em
que as
ocorrências se caracterizam
como
contingentes da
interação do
texto
com o
leitor,
ou
melhor,
como
efeitos de
planos concebidos separadamente:
de
um
lado, o do
texto; do
outro, o do
leitor. Essa
noção de
leitura
como
acontecimento,
como
algo
contingente,
semelhante ao
que ocorre no
contexto
pragmático, permite
estabelecer
certas
analogias
entre os
dois
tipos de
relação –
pragmático e ficcional –,
desde
que se
parta das
concepções de
pólos
em Iser (a
obra e o
leitor)
com
seus
respectivos desdobramentos.
Além disso,
também na
caracterização do
leitor
com o ficcional,
serão aproveitas e transformadas as
noções da
Pragmática
que tratam de: verticalidade
entre
linguagem e
mundo,
repertório
hierarquizado de
convenções (ou
normas) aceitas,
disponibilidade dos participantes
em contacto no
contexto de
ação.
Para o
teórico da
Escola alemã,
significado e
obra concretizam-se no
trânsito
entre
dois
pólos: o
artístico –
pólo do
texto – e o
estético – o do
leitor, sendo
que
cada
um deles encontra-se
respectivamente relacionado à
estrutura
verbal e `a
estrutura de
afeto.
A
estrutura de
afeto,
que tem
suas
bases
nos
atos de
compreensão do
leitor, promove a concretização do
que a
linguagem do
texto
lhe
reserva.
Como essa
ação se dá
durante a
leitura, o
processo
comunicativo tem
início no
pólo
estético, no
momento
em
que o
leitor
passa a
preencher os
vazios do
texto.
Por
outro
lado, a
estrutura
verbal,
cuja
fonte é o
texto
literário, constitui-se
pelo
repertório e pelas
estratégias. O
repertório diz
respeito às variadas
referências
textuais,
que podem se
apresentar
sob a
forma de
normas
sociais e históricas,
alusões literárias,
menções ao
contexto cultural,
enfim, a
todo
tipo de
realidade extratextual. No
entanto, o
texto
literário,
para
compor
seu
repertório, apropria-se das
normas
sociais, de
que
trata a
Pragmática,
não
para serem endossadas,
mas
para serem questionadas, e
isso se faz
pela
relação
entre o
repertório e o
modo
como a
ficção incorpora e apresenta o
sistema de
mundo. Vejamos a
esse
respeito o
que ocorre
em
sociedade e na
ficção.
Em
toda
época, há
um
sistema
social e de
pensamento
que se revela
dominante
sobre
outros
sistemas considerados,
por
isso
mesmo,
subsistemas. O
sistema
dominante possui uma
estrutura de
aspectos
reguladores, estabelecendo uma
ordem
hierárquica
vertical,
em
que algumas
normas
são aceitas, outras negadas e outras
mais, neutralizadas.
Face às
incertezas do
mundo, os
sujeitos
em
sociedade necessitam
promover
esse
acordo
que se reflete
em
tal
estrutura
hierárquica.
Como a
literatura se apropria das
convenções
sociais (ou
normas,
ou
valores) e as apresenta na
ficção
sob a
forma de
estranha de
combinação, a
hierarquia aceita na referencialidade é
posta
em
questão. O
que Iser
quer
dizer
por “forma
estranha de
combinação” pode
ser explicado da
seguinte
forma: as
informações das
perspectivas
textuais,
isto é, do narrador, das
personagens, do
enredo, do
leitor
fictício,
instauram
um
embate de
valores
divergentes, provocando uma
estranheza,
pelo
fato de
tal
confronto
permanecer na
obra
como está. Essa
permanência do
confronto, proveniente do
desaparecimento da
hierarquia
vertical, é denominada
por Iser
reorganização
horizontal das
normas.
Paralelamente, o
conflito
entre os
valores instaurado e
não resolvido faz
com
que o
leitor
perca a
familiaridade
com as
normas,
já
que essas
normas ficam desprovidas da
validade
que possuíam no
contexto referencial. A
conseqüência da despragmatização
ou desfamiliarização do
familiar é a
provocação suscitada
pelo
universo ficcional no
sentido de o
leitor
examinar o
espectro de
convenções aos
quais se
vê submetido
em
sociedade. O
leitor se
vê mobilizado
para
refletir
sobre o
vazio
que emerge da
não
resolução do
conflito de
valores. É
por
isso
que Iser diz
que as
estratégias (perspectivas
textuais) organizam
tanto o
material do
texto
quanto as
condições pelas
quais o
leitor estabelece
ligações
entre os
elementos do
repertório,
quer
dizer, o
modo
como o
material é
comunicado. Daí as
perspectivas assumirem
um
papel dos
mais
significativos na
interação do
leitor
com o
texto.
Seu
desempenho é preponderante
para
que o
leitor
passe
pelo
efeito
estético,
quando
ele promove,
através de
seu
ponto de
vista
movente,
um
arranjo ideativo de
constantes
formulações e reformulações
em
função das
diferentes e conflituosas
informações do narrador,
enredo,
personagens,
leitor
fictício. A
melhor
forma de se
entender a
importância das
estratégias é
imaginar uma
situação
em
que
elas
são
retiradas.
Basta
lembrar as
experiências
em
que
oralmente
alguém relata o
que leu num
romance. A
narrativa perde o
caráter de
conduzir ao
efeito
estético, destituída
que se
encontra da
função das
estratégias.
Além disso, uma das
razões
que explica a multiplicidade
interpretativa é a
diversidade
intrínseca ao
arranjo ideativo
por
parte do
leitor, o
que,
por
sua
vez, vai
depender do
modo
como
ele,
enquanto
sujeito de
sociedade
ou
leitor
real, articula
seu
plano à
sua
função de
leitor do
texto.
Partindo,
então, do
princípio de
que o
processo de
leitura é
um
tipo de
interação diádica, o
objetivo
agora é
fazer
considerações
sobre o
leitor à
luz do
tipo de
contingência
mútua da
Psicologia
social. Numa
analogia do
trânsito
entre
leitor e
obra
com o
contexto de
ação, pudemos
acima
supor o
plano do
texto
como
repertório e
estratégias, e o
plano do
leitor
como
conjunto de
normas,
valores,
convenções de
um
sujeito
em
sociedade, o
leitor
real. Essa mobilização do
plano –
direcionamento de
respostas e
constante reformulação
face às
ocorrências de
tais
respostas – permite
supor
um
tipo de
interação do
leitor
com o
texto,
semelhante ao
que Iser descreve
como
efetiva
comunicação no
processo de
leitura. De
fato, uma
situação
como esta
só se configura
quando o
leitor cumpre
certas
condições de possibilidade.
Para
que o
leitor se ponha
como
agente desta
construção,
precisa
estar,
antes de
tudo,
disponível
para
adaptar
seu
plano
enquanto
leitor
real
àquilo
que o
texto
lhe apresenta, o
que
só pode se
dar
em implicitude.
(...) guiado
pelos
signos do
texto, o
leitor é
induzido a
construir o
objeto
imaginário.
Segue daí
que o
envolvimento do
leitor é
essencial
para o preenchimento do
texto,
já
que,
materialmente,
este existe
somente
como uma
realidade
potencial –
ele requer
um ’sujeito’
(isto
é,
um
leitor)
para
que o
potencial seja
realizado. O
texto
literário,
portanto,
existe,
inicialmente,
como
um
meio de
comunicação,
enquanto o
processo de
leitura é
basicamente
um
tipo de
interação
diádica. (ISER, 1978:66)
Um dos
fenômenos
mais
significativos
resultantes dessa
disponibilidade é o da
formação de correlatos de
sentenças.
São
eles
que conduzem à
produção de
unidades de
sentença
ou
conjunto de
vocábulos estruturantes de
informações
capazes de
mobilizar o
leitor
para a decodificação: A decodificação se origina de ‘pedaços
grossos’ (chunks) e
não de
unidades
simples de
palavras e
estes ‘chunks’ correspondem a
unidades sintáticas de uma
sentença. (ISER, (1978:110)
Sujeitas
que estão à operacionalização do
leitor, as
fronteiras de
tais
unidades
não coincidem necessariamente
com aquelas
que, numa
conceituação tradicional,
diriam de uma
estrutura dotada de
sentido, e
sim
com
tudo o
que,
por
decisão do
leitor, seja
capaz de
produzir
um
sentido. Dessa
distinção, decorre o
fato de serem
mais
bem configuradas
pela
denominação correlatos de
sentença.
Os
correlatos de
sentenças
são formados
pelo
leitor
por
conta das
informações
cambiantes das
perspectivas
textuais (informações
diferenciadas do narrador, das
personagens etc).
Face a
um
conjunto de
informações advindas de uma
perspectiva, o
leitor retém
alguns
dados
pela
memória e,
como
decorrência disso,
projeta
outros
que imagina virem
acontecer. O
dinamismo do
processo, no
entanto, permite a instauração de
circunstâncias pelas
quais o
leitor se
vê
diante de
outra(s)
informação (s) – seja
oriunda da
mesma
perspectiva, seja de outras –
que
tanto pode (m)
confirmar
ou
negar as
já formuladas.
Em
qualquer
um dos
dois
casos, o
leitor produz
um
novo correlato (que
acarretará
novo correlato),
por
intensidade
ou
mudança, seja
porque as
informações recebidas responderam
positivamente àquelas
já registradas
pela
memória – o correlato ratificador – seja
porque
tais
informações negaram os
dados
já retidos:
Cada correlato
de
sentenças
contém o
que se pode
denominar
por uma
seção
oca,
que vislumbra
o
novo correlato, e uma
seção
retrospectiva,
que responde
às
expectativas
da
sentença
precedente (agora
parte do ‘background’
lembrado). (ISER, 1978:12)
Este
processo de
formulação de correlato ocorre
simultaneamente ao percurso de
divisões no
texto, promovido
pelo
ponto de
vista movente (wandering point of
view do
leitor),
já
que é
através dele
que o
leitor
marca a
interseção
entre as
informações
referentes à
expectativa e à
memória. Trata-se,
portanto, de
um
processo dialético
entre
esses
dois
fenômenos
conjugados, transmitindo
um
horizonte
futuro
ainda a
ser
ocupado,
paralelamente a
um
horizonte (continuamente
fugidio)
passado
já preenchido. (ISER, 1978:12)
Como se pode
verificar,
então, as
estratégias
responsáveis
pela
movimentação das
perspectivas
textuais exigem
que o
leitor,
pelo
seu
ponto de
vista, estabeleça
constantes
cisões no
texto numa
estrutura,
também
constante, de
expectativa e
memória. Essa
divisão,
por
sua
vez, acarreta a instauração de
um
outro
fenômeno
pelo
qual o
leitor une
aquilo
que o
ponto de
vista
nômade separou. É o
que Iser denomina de
processo de
formação de
síntese.
O
texto
em
si (...)
não é
nem
expectativa
nem
memória – é o
leitor
quem deve
juntar o
que o
seu
ponto de
vista
nômade dividiu.
Isto conduz à
formação de
sínteses,
através das
quais as
conexões
entre
signos podem
ser identificadas e
suas
equivalências
representadas. (ISER, 1978: 135)
A
formulação de
sínteses é o
fenômeno
que
bem ilustra a
interação na
dependência do
binômio
texto/leitor. As
sínteses
nem se encontram expressas no
texto,
nem
são produzidas unicamente
pela
imaginação do
leitor.
São dirigidas
pelos
signos e emergem da
mente do
leitor
quando os
signos nela se projetam.
Como o
elemento
básico da
síntese é a
imagem, e
ainda,
como o
significado é imagético,
não fica
difícil
concluir
que o
leitor
só
passa
pelo
efeito desse
significado (experiência
estética) se a
interação
com o
texto se
revestir de
exigências
semelhantes àquelas previstas na
contingência
mútua do
contexto
pragmático:
movimentação adequada
entre
plano e
resposta. De
fato, tendo
como pressuposto
que o
texto se organiza
em
condições de
interação –
repertório e
estratégia
ou
plano
sujeito à
construção –, esta
interação
por
parte do
leitor
em uma
espécie de
contingência
mútua vai se
concretizar
através da
adaptação do
plano desse
sujeito (leitor
real), ao
formular
respostas
para
aquilo
que a
estrutura
lhe apresenta.
Isso requer
que o
leitor
implícito atue
pelo
seu
ponto de
vista, use de
sua
capacidade de
memória e
projeção, forme correlatos e formule
sínteses. É
através desse
processo
que o
leitor
mais
ativamente participa na
realização do
texto. Daí resulta a
própria
experiência
estética,
segundo a
concepção de uma
teoria
que descreve a fenomenologia das
etapas de
efeito de
significado e da
resposta a
esse
efeito, a
saber, a significação.
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