Os leitores em sociedade
e os
leitores de ficção

Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba (UERJ)

 

Como se sabe, Wolfgang Iser construiu uma teoriaTeoria do efeito estéticoque descreve o fenômeno da interação do leitor com o discurso ficcional durante o ato de leitura. Nesse empreendimento, o teórico apresenta, em seu livro The act of reading: a theory of äesthetic response [1978], uma ampla e complexa grade conceitual, a fim de descrever conceitualmente a leitura como ato comunicativo, caracterizando o pólo artístico, correlato à obra, o pólo estético, correlato ao leitor, e as ocorrências do trânsito entre esses dois pólos. Para tratar dos diferentes aspectos que compõem a Teoria do efeito estético em sua integralidade, Iser valeu-se de reflexões e conceitos pensados em disciplinas várias tais como: a Sociologia do conhecimento, a Psicologia da gestalt, a Psicologia social, a Psicanálise da comunicação, a Pragmática.

Como o assunto desenvolvido emLeitores em sociedade e leitores de ficção” compreende um recorte temático nas reflexões de Iser, é preciso delimitar também esse conjunto de disciplinas constituintes dos pressupostos da Teoria do efeito estético. O que se pretende então agora é discutir alguns pontos específicos e intercalados da Pragmática e da Psicologia social que permitem estabelecer um paralelo entre as ocorrências envolvendo interlocutores nos contextos sociais e o modo como os estudos sobre os fenômenos inerentes às trocas lingüísticas cotidianas podem ilustrar a teoria sobre a interação comunicativa que o leitor estabelece com os textos ficcionais.

No livro How to do things with words , o filósofo da linguagem John Langshaw Austin [1980][1] classifica os proferimentos socialmente produzidos em atos de fala, contribuindo sobremaneira para se refletir sobre os fatores que contribuem para o sucesso ou o fracasso de uma comunicação lingüística. Como se pode verificar, trata-se de uma abordagem pautada menos na análise dos enunciados do que em noções voltadas para as condições extralingüísticas em que ocorrem tais proferimentos. Este novo ângulo de investigação acarreta conseqüências várias. Dentre elas, a idéia de que a Pragmática está interessada em investigar o próprio uso da língua através de aspectos que dizem respeito ao modo como os participantes interagem, à reação entre eles, à noção de sinceridade etc. Por essa via, Austin classificou os atos de fala em atos ilocucionários e perlocucionários, em função das forças potenciais intrínsecas ao discurso e das atualizações performáticas desses discursos, orientado por alguns pressupostos como: a) quem diz algo age no mundo, ou ainda, falar é um modo de agir em sociedade; b) os proferimentos do sujeito social contêm, potencialmente, uma força ilocucionária que se reveste do fenômeno de propulsão para uma atitude; c) para que o ato ilocucionário resulte num ato perlocucionário, é preciso que os atores sociais compartilhem de convenções, normas ou valores que norteiam seus convívios. Quanto a este último princípio, cabe lembrar que é a presença ou a ausência desse repertório que faz com que um mesmo proferimento possa ou não resultar num ato perlocucionário; possa ou não resultar em atitudes bem sucedidas; possa ou não provocar reações satisfatórias entre interlocutores. A título de ilustração, diríamos ser possível que a reação de um interlocutor “x” corresponda à intenção de “y” ao dizer algo, mas que essa correlação depende, em grande parte, do grau de convenções compartilhadas e aceitas entre eles.

Se por um lado, somente por esses dados, se pode observar o quanto muda a perspectiva de investigação do uso da língua quando se parte de pressupostos da Pragmática, por outro, não se pode dizer que é exclusivo dessa disciplina examinar aspectos extralingüísticos determinadores de diferenciações fundamentais em termos de compreensão conquistada do que é dito ou escrito. A simples idéia de enunciação como distinta da de enunciado prevê a consideração dos elementos contextuais, modificando decisivamente os significados de enunciados, mesmo em frases usuais como, por exemplo, “Ele é bem capaz disso”. Desse enunciado, tanto se pode extrair um significado positivo, se aquele que a pronuncia ou a escreve estiver se referindo ao “elecomo alguém que se reveste de qualidades apreciativas, quanto um significado negativo, se a situação for inversa. No entanto, basta que se lembre de alguns conceitos previstos pela Pragmática como atos de sinceridade, compartilhamento de convenções, força ilocucionária de certos verbos, indeterminações entre interlocutores, para se constatar que este campo do saber é capaz de aprofundar explicações que interferem decisivamente nos nossos modos de dizer e nos nossos modos de fazer em sociedade.

Como pretendemos articular as reflexões da Pragmática com as da Psicologia social, de início nos limitaremos a definir brevemente algumas das noções de Austin (Pragmática), para que posteriormente elas sejam devidamente aprofundadas. O conceito de convenção remete para um conhecimento compartilhado de mundo, para uma idéia de correspondência verticalizada entre o significado das frases e respectivos referentes no mundo e, em certa medida, para a escala hierárquica de normas e valores sociais. os procedimentos aceitos orientam a aplicação dessas convenções à situação referencial, desde que os agentes sociais se disponibilizem para atuar, tendo em vista uma efetiva comunicação. Se os proferimentos se vêem condicionados a essa situação na qual são produzidos e, se nesse contexto é possível ocorrerem tentativas de esclarecimento sobre o que estiver em aberto, este vazio, que é próprio de qualquer interação, pode ser preenchido pelos agentes no mesmo momento de troca lingüística, embora isso dependa da interferência de fatores como: vocabulário, sintaxe, tipos de implícito, posto, pressuposto, pacto de sinceridade, vontade dos sujeitos para adequarem a ação lingüística à situação. Aliados ao quadro de referência, todos esses dados contribuem para que as indeterminações sejam resolvidas, uma vez que os interlocutores de um contexto face a face podem se indagar sobre as ambigüidades, as incertezas, as dúvidas e estranhezas que daí emergem.

Vejamos, agora, de que forma uma outra disciplina, a Psicologia social, compôs sua grade nocional nas reflexões que promoveu acerca da interação entre sujeitos no contexto pragmático, a fim de que depois possamos pensar sobre as maneiras pelas quais essa disciplina e a Pragmática contribuíram para que Iser conceituasse a interação do leitor com texto ficcional.

Em Foundations of social psychology, Edward Jones e Harold B. Gerard [1967] apresentam um quadro nocional acerca da interação diádica, iniciando sua exposição através de considerações sobre a diversidade de aspectos que envolvem uma conversação tais como ódio, riso, afeto, rejeição. O objetivo dos estudos desses teóricos sobre as relações interpessoais não visam à verificação do significado propriamente dito resultante do contacto entre interlocutores. O que de mais significativo eles propõem é o exame das condições pelas quais se processa a conversação entre sujeitos no plano de ação, revelando, assim, um aspecto em comum com a Pragmática. Para eles, a fala cotidiana é tomada como uma complexa troca social e para que melhor seja compreendida, exige que se observe a rede de aspectos que a envolve: os objetivos presentes, as atitudes dos interlocutores entre si, a ação desses mesmos interlocutores em relação à situação face a face, os diferentes tipos de interferência etc. Quando a conversação é analisada por esses dados, uma das perguntas norteadoras da reflexão seria, na verdade, o quanto do comportamento de cada indivíduo é afetado pelo outro numa interação diádica. Trata-se de saber, portanto, de que modo ocorrem os processos de influência mútua ou de que forma esses processos estimulam modificações nas atitudes dos sujeitos, alterando ou não seus planos, em função das contingências, ou seja, daquilo que emerge da própria situação.

Como se , aqui se delineiam duas categorias básicas pelas quais Jones e Gerard desenvolvem suas observações sobre as relações interpessoais. A contingência se definiria por aquilo que, intrínseco ao processo interacional, é potencialmente capaz de produzir um efeito nos sujeitos sociais envolvidos, podendo suscitar estratégias de posicionamento e mobilização interpretativas. Simultaneamente, quando se inicia uma interação, cada um de seus membros se põe nesse contato em função de algum objetivo, com uma certa idéia de como isso pode ser atingido e por um certo padrão de atitude com relação ao outro. A esse último conjunto de variantes corresponde o plano, que é definido antes do contacto interpessoal e que, junto à noção de contingência, compõe a base conceitual da análise das ocorrências próprias da interação diádica. Jones e Gerard dizem ainda que os graus diversos de imprevisibilidade do processo interacional (tudo o que constituir contingência) advêm do fato de se instaurarem estímulos autoproduzidos e socialmente produzidos, em função das respostas e perguntas dos interlocutores.

A partir dessas duas noçõesplano ou objetivo prévio de cada interlocutor e contingência ou incidentes típicos do contacto –, os psicólogos propõem uma tipologia para classificar quatro modos de situação: pseudocontingência, contingência assimétrica, contingência reativa e contingência mútua. Se nos ativermos somente à idéia de que contingência é o dado imprevisível, podemos achar estranho o fato de, nos quatro tipos de relação, estar presente essa palavracontingência”. No entanto, se nos reportarmos a Iser (ISER, 1978: 164), entendemos por que é possível nomear formas de interação, usando, em todas elas, a mesma nomenclatura (contingência), que esta noção é definida como determinante da interação por ser intrínseca ao contacto, ao passo que os planos são formulados previamente.

A pseudocontingência refere-se àquela situação em que prevalecem acentuadamente os planos dos interlocutores e, por isso, quase nada do que surgir como dado imprevisto (contingente) irá modificar as relações entre os sujeitos. Na pseudocontingência, os estímulos sociais são de tal forma reduzidos em possibilidades de níveis de interferência, que a interação praticamente se neutraliza ou aparentemente se faz notar. Isto porque a resposta de cada interlocutor é intensamente pré-determinada pelo seu próprio plano, passando portanto a significar somente um sinal, por assim dizer, para que a relação se mantenha ou continue do mesmo jeito pelo qual se iniciou. A relação manifesta-se por este modo tanto nas situações em que os interlocutores reciprocamente conhecem seus próprios planos e os dos outros, quanto naquelas em que os planos são ignorados por ambos os parceiros. Em boa parte dos tipos de cerimônias como, por exemplo, casamento, posse de autoridades, aulas magnas etc., prevalece, via de regra, a pseudocontingência. Numa primeira modalidade da pseudocontingênciaem que os interlocutores conhecem seus planos e os dos outros, cada um é capaz de prever o conteúdo e a seqüência de respostas, o que configura a situação como altamente ritualizada. Na segunda modalidadequando os agentes sociais não se importam sequer com seus próprios planos – , a resposta de um parceiro “x” é apenas esperada para que o parceiro “y” manifeste a sua, por ele prevista, independente, portanto, da resposta anterior. As situações em que atores contracenam em peças teatraisum exemplo do primeiro caso, semelhante ao das cerimônias – e aquelas em que pacientes psicóticos se encontram numa conversaçãocaso em que nada importa o que o outro diz porque sempre prevalecerá qualquer fala que se queira – constituem, respectivamente, ilustrações das duas variantes da pseudocontingência.

O segundo tipo de contingência na enumeração dos teóricos da Psicologia social é denominado contingência assimétrica. Ela se caracteriza pelo fato de a resposta de um interlocutor x ser relevante na interação, na medida em que serve para a realização do projeto de y. Trata-se, portanto, de uma desistência, por parte de um dos parceiros, de seu próprio plano, daquilo que qualquer um de nós traz previamente concebido. Enquanto as respostas de um são decorrentes de estímulos e planos autoproduzidos, as do outro são determinadas pelos estímulos sociais suscitados pelo primeiro. Via de regra, aquele que traz de antemão respostas e planos pré-determinados se beneficia da situação, uma vez que as respostas variáveis do outro configuram um modo interativo em que este acaba por se submeter aos propósitos daquele.

ainda uma terceira forma de contingência que, na interação diádica, recebe a denominação contingência reativa. Sua delimitação mais precisa remete para uma situação, cujas respostas praticamente se restringem à referência em que são produzidas, numa seqüência em que se verifica a alternância reativa de uma resposta dada após a outra. Isso implica ou uma ausência do plano de cada interlocutor, ou, pelo menos, a renúncia de sua manifestação. Além disso, se a resposta de x é amplamente determinada pela de y e deste pela de x em cadeia sucessiva, é porque se instaura uma situação em que, na seqüência de respostas de cada um isoladamente, a influência da seguinte sobre a anterior é secundária, se comparada ao estímulo, meramente reativo, que a resposta do outro exerceu sobre ela. Aquilo que representa na fala a reação de um tem a ver com a fala também reativa e momentânea do outro. Forma-se, então, uma espécie de seqüência em ziguezague, em que o que ficou para trás (resposta e plano individuais) em nada participa da continuidade do processo. Dessa vez, os teóricos da Psicologia social não ilustram a contingência reativa por uma situação concreta do plano de ação lingüístico, mas através de um contexto comparativo. Os iniciantes do jogo de xadrez costumam limitar suas atuações em função das regras fundamentais e dos valores das peças, o que resulta numa interferência tipicamente reativa, independente, portanto, da combinação do movimento dessas peças a partir de um plano, pelo qual que se tenha pensado, a priori, uma variedade ampla de possíveis arranjos no tabuleiro.

A quarta forma de interação diz respeito àquilo que, na classificação da Psicologia Social, se costuma designar por contingência mútua. Como o nome indicia, a situação se reveste de um bom equilíbrio entre os planos e as respostas. Aqui, a resposta de um agente é parcialmente determinada tanto pelas respostas do outro, quanto por suas próprias respostas, no sentido de estas decorrerem de estímulos internos. Isso significa dizer quesempre um plano orientando a resposta de cada interlocutor, embora o plano esteja continuamente sujeito à reformulação face à reação do parceiro, ou às circunstâncias do contexto.

A contingência mútua é aquela que melhor permite configurar a noção de interação propriamente dita, de acordo com as formulações da Psicologia social. Ela cumpre um dos requisitos fundamentais, que é o que John L. Austin (1980) nomeia, no campo da Pragmática, por disponibilidade dos participantes[2] . Se cada interlocutor realiza seu plano levando em consideração o do parceiro por este manifestado, isto contribui para que a interação se configure como um ato comunicativo, sem importar o valorbomouruimque atribuímos ao resultado, quer dizer, mesmo que esta situação venha a acarretar hostilidade ou enriquecimento recíprocos. Independente, no entanto, do conteúdo da interação deste tipo, sua base é constituída de um misto de resistências e mudanças mútuas. E é esse caráter constitutivo por parte tanto dos interlocutores quanto da situação que irá compor o processo de ajustamento e reconstrução, em decorrência da interação e do momento em que ela se realiza.

No capítulo “Assimetry between text and reader” do The act of reading, Iser se reporta aos estudos de Jones e Gerard em Foundations of social psychology, limitando-se a um breve comentário acerca dos tipos de contingência, que o que lhe interessa logo ressaltar é a conseqüência metodológica acarretada pela classificação dos teóricos da Psicologia social: se a tipologia das condutas da interação resulta do modo como a contingência é explorada, isso permite deduzir que a contingência não pode ser entendida como causa de um efeito, mas como um constituinte mesmo da interação.

A contingência, como constituinte da interação, deriva da própria interação, pois os planos de conduta respectivos dos parceiros são concebidos separadamente, e, portanto, é o efeito imprevisível sobre o outro que provoca tanto as interpretações estratégicas e táticas quanto os ajustamentos. (ISER, 1978:164)

A importância para a literatura resultante dessas conclusões reside no fato de Iser entender a leitura por um caráter fenomenológico, em que as ocorrências se caracterizam como contingentes da interação do texto com o leitor, ou melhor, como efeitos de planos concebidos separadamente: de um lado, o do texto; do outro, o do leitor. Essa noção de leitura como acontecimento, como algo contingente, semelhante ao que ocorre no contexto pragmático, permite estabelecer certas analogias entre os dois tipos de relaçãopragmático e ficcional –, desde que se parta das concepções de pólos em Iser (a obra e o leitor) com seus respectivos desdobramentos. Além disso, também na caracterização do leitor com o ficcional, serão aproveitas e transformadas as noções da Pragmática que tratam de: verticalidade entre linguagem e mundo, repertório hierarquizado de convenções (ou normas) aceitas, disponibilidade dos participantes em contacto no contexto de ação.

Para o teórico da Escola alemã, significado e obra concretizam-se no trânsito entre dois pólos: o artístico pólo do texto – e o estético – o do leitor, sendo que cada um deles encontra-se respectivamente relacionado à estrutura verbal e `a estrutura de afeto.

A estrutura de afeto, que tem suas bases nos atos de compreensão do leitor, promove a concretização do que a linguagem do texto lhe reserva. Como essa ação se dá durante a leitura, o processo comunicativo tem início no pólo estético, no momento em que o leitor passa a preencher os vazios do texto. Por outro lado, a estrutura verbal, cuja fonte é o texto literário, constitui-se pelo repertório e pelas estratégias. O repertório diz respeito às variadas referências textuais, que podem se apresentar sob a forma de normas sociais e históricas, alusões literárias, menções ao contexto cultural, enfim, a todo tipo de realidade extratextual. No entanto, o texto literário, para compor seu repertório, apropria-se das normas sociais, de que trata a Pragmática, não para serem endossadas, mas para serem questionadas, e isso se faz pela relação entre o repertório e o modo como a ficção incorpora e apresenta o sistema de mundo. Vejamos a esse respeito o que ocorre em sociedade e na ficção.

Em toda época, há um sistema social e de pensamento que se revela dominante sobre outros sistemas considerados, por isso mesmo, subsistemas. O sistema dominante possui uma estrutura de aspectos reguladores, estabelecendo uma ordem hierárquica vertical, em que algumas normas são aceitas, outras negadas e outras mais, neutralizadas. Face às incertezas do mundo, os sujeitos em sociedade necessitam promover esse acordo que se reflete em tal estrutura hierárquica. Como a literatura se apropria das convenções sociais (ou normas, ou valores) e as apresenta na ficção sob a forma de estranha de combinação, a hierarquia aceita na referencialidade é posta em questão. O que Iser quer dizer porforma estranha de combinação” pode ser explicado da seguinte forma: as informações das perspectivas textuais, isto é, do narrador, das personagens, do enredo, do leitor fictício[3], instauram um embate de valores divergentes, provocando uma estranheza, pelo fato de tal confronto permanecer na obra como está. Essa permanência do confronto, proveniente do desaparecimento da hierarquia vertical, é denominada por Iser reorganização horizontal das normas. Paralelamente, o conflito entre os valores instaurado e não resolvido faz com que o leitor perca a familiaridade com as normas, que essas normas ficam desprovidas da validade que possuíam no contexto referencial. A conseqüência da despragmatização ou desfamiliarização do familiar é a provocação suscitada pelo universo ficcional no sentido de o leitor examinar o espectro de convenções aos quais se submetido em sociedade. O leitor se mobilizado para refletir sobre o vazio que emerge da não resolução do conflito de valores. É por isso que Iser diz que as estratégias (perspectivas textuais) organizam tanto o material do texto quanto as condições pelas quais o leitor estabelece ligações entre os elementos do repertório, quer dizer, o modo como o material é comunicado. Daí as perspectivas assumirem um papel dos mais significativos na interação do leitor com o texto. Seu desempenho é preponderante para que o leitor passe pelo efeito estético, quando ele promove, através de seu ponto de vista movente[4], um arranjo ideativo de constantes formulações e reformulações em função das diferentes e conflituosas informações do narrador, enredo, personagens, leitor fictício. A melhor forma de se entender a importância das estratégias é imaginar uma situação em que elas são retiradas. Basta lembrar as experiências em que oralmente alguém relata o que leu num romance. A narrativa perde o caráter de conduzir ao efeito estético, destituída que se encontra da função das estratégias. Além disso, uma das razões que explica a multiplicidade interpretativa é a diversidade intrínseca ao arranjo ideativo por parte do leitor, o que, por sua vez, vai depender do modo como ele, enquanto sujeito de sociedade ou leitor real, articula seu plano à sua função de leitor do texto.

Partindo, então, do princípio de que o processo de leitura é um tipo de interação diádica, o objetivo agora é fazer considerações sobre o leitor à luz do tipo de contingência mútua da Psicologia social. Numa analogia do trânsito entre leitor e obra com o contexto de ação, pudemos acima supor o plano do texto como repertório e estratégias, e o plano do leitor como conjunto de normas, valores, convenções de um sujeito em sociedade, o leitor real. Essa mobilização do planodirecionamento de respostas e constante reformulação face às ocorrências de tais respostas – permite supor um tipo de interação do leitor com o texto, semelhante ao que Iser descreve como efetiva comunicação no processo de leitura. De fato, uma situação como esta se configura quando o leitor cumpre certas condições de possibilidade. Para que o leitor se ponha como agente desta construção, precisa estar, antes de tudo, disponível para adaptar seu plano enquanto leitor real àquilo que o texto lhe apresenta, o que pode se dar em implicitude.

(...) guiado pelos signos do texto, o leitor é induzido a construir o objeto imaginário. Segue daí que o envolvimento do leitor é essencial para o preenchimento do texto, que, materialmente, este existe somente como uma realidade potencial ele requer umsujeito’ (isto é, um leitor) para que o potencial seja realizado. O texto literário, portanto, existe, inicialmente, como um meio de comunicação, enquanto o processo de leitura é basicamente um tipo de interação diádica. (ISER, 1978:66)

Um dos fenômenos mais significativos resultantes dessa disponibilidade é o da formação de correlatos de sentenças. São eles que conduzem à produção de unidades de sentença ou conjunto de vocábulos estruturantes de informações capazes de mobilizar o leitor para a decodificação: A decodificação se origina de ‘pedaços grossos’ (chunks) e não de unidades simples de palavras e estes ‘chunks’ correspondem a unidades sintáticas de uma sentença. (ISER, (1978:110)

Sujeitas que estão à operacionalização do leitor, as fronteiras de tais unidades não coincidem necessariamente com aquelas que, numa conceituação tradicional[5], diriam de uma estrutura dotada de sentido, e sim com tudo o que, por decisão do leitor, seja capaz de produzir um sentido. Dessa distinção, decorre o fato de serem mais bem configuradas pela denominação correlatos de sentença.

Os correlatos de sentenças são formados pelo leitor por conta das informações cambiantes das perspectivas textuais (informações diferenciadas do narrador, das personagens etc). Face a um conjunto de informações advindas de uma perspectiva, o leitor retém alguns dados pela memória e, como decorrência disso, projeta outros que imagina virem acontecer. O dinamismo do processo, no entanto, permite a instauração de circunstâncias pelas quais o leitor se diante de outra(s) informação (s) – seja oriunda da mesma perspectiva, seja de outras – que tanto pode (m) confirmar ou negar as formuladas. Em qualquer um dos dois casos, o leitor produz um novo correlato (que acarretará novo correlato), por intensidade ou mudança, seja porque as informações recebidas responderam positivamente àquelas registradas pela memória – o correlato ratificador – seja porque tais informações negaram os dados retidos:

Cada correlato de sentenças contém o que se pode denominar por uma seção oca, que vislumbra o novo correlato, e uma seção retrospectiva, que responde às expectativas da sentença precedente (agora parte do ‘background’ lembrado). (ISER, 1978:12)

Este processo de formulação de correlato ocorre simultaneamente ao percurso de divisões no texto, promovido pelo ponto de vista movente (wandering point of view do leitor), que é através dele que o leitor marca a interseção entre as informações referentes à expectativa e à memória. Trata-se, portanto, de um processo dialético entre esses dois fenômenos conjugados, transmitindo um horizonte futuro ainda a ser ocupado, paralelamente a um horizonte (continuamente fugidio) passado preenchido. (ISER, 1978:12)

Como se pode verificar, então, as estratégias responsáveis pela movimentação das perspectivas textuais exigem que o leitor, pelo seu ponto de vista, estabeleça constantes cisões no texto numa estrutura, também constante, de expectativa e memória. Essa divisão, por sua vez, acarreta a instauração de um outro fenômeno pelo qual o leitor une aquilo que o ponto de vista nômade separou. É o que Iser denomina de processo de formação de síntese.

O texto em si (...) não é nem expectativa nem memória – é o leitor quem deve juntar o que o seu ponto de vista nômade dividiu. Isto conduz à formação de sínteses, através das quais as conexões entre signos podem ser identificadas e suas equivalências representadas. (ISER, 1978: 135)

A formulação de sínteses é o fenômeno que bem ilustra a interação na dependência do binômio texto/leitor. As sínteses nem se encontram expressas no texto, nem são produzidas unicamente pela imaginação do leitor. São dirigidas pelos signos e emergem da mente do leitor quando os signos nela se projetam. Como o elemento básico da síntese é a imagem, e ainda, como o significado é imagético, não fica difícil concluir que o leitor passa pelo efeito desse significado (experiência estética) se a interação com o texto se revestir de exigências semelhantes àquelas previstas na contingência mútua do contexto pragmático: movimentação adequada entre plano e resposta. De fato, tendo como pressuposto que o texto se organiza em condições de interaçãorepertório e estratégia ou plano sujeito à construção –, esta interação por parte do leitor em uma espécie de contingência mútua vai se concretizar através da adaptação do plano desse sujeito (leitor real), ao formular respostas para aquilo que a estrutura lhe apresenta. Isso requer que o leitor implícito atue pelo seu ponto de vista, use de sua capacidade de memória e projeção, forme correlatos e formule sínteses. É através desse processo que o leitor mais ativamente participa na realização do texto. Daí resulta a própria experiência estética, segundo a concepção de uma teoria que descreve a fenomenologia das etapas de efeito de significado e da resposta a esse efeito, a saber, a significação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUSTIN, John Langshaw. How to do things with words. Oxford: Oxford University Press, 1980

BORBA, M. Antonieta Jordão de O. Tópicos de teoria para a investigação do discurso literário. Dissertação de Mestrado. RJ: 7 Letras, 2003.

––––––. Teoria do efeito estético. Niterói: EDUFF, 2003.

GADAMER, Hans Georg. Truth and method. Tradução W. Gen-Doepel. London: Sheed and Ward (Ed.) John Cumming and Gerret Barden, 1979.

GOFFMANN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Tradução Maria Célia Santos Raposo. Petrópolis: Vozes, 1983.

GOMBRICH, Ernest H. Arte e ilusão. Um estudo da psicologia da representação pictórica. Tradução Raul de Sá Barbosa. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Sobre os interesses cognitivos. Terminologia básica e métodos de uma ciência da literatura fundada na Teoria da Ação. In: COSTA LIMA, Luiz (Ed.). A literatura e o leitor. Textos de Estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 189-211.

ISER, Wolfgang. The act of reading: a theory of äesthetic response. London, Henley: Routledge & Kegan Paul, 1978.

JAUSS, Hans Robert. De l’Iphigénie de Racine à celle de Goethe; avec une postface sur le caractère partiel de l’esthétique de la réception. In: Pour une esthétique de la réception. Paris: Gallimard, 1975, p. 221-262.

TOMPKINS, J. Reader-response criticism: from formalism to poststructuralism. Baltimore, London: J. Hopkins University Press, 1980.


 

[1] A tradução do livro de J.L. Austin feita pelo Professor Danilo Marcondes Souza Filho vem com o título Quando dizer é fazer. Palavra e ação [1990] e, por se indicia a articulação aqui pretendida.

[2] A noção de “disponibilidade de participantes” de AUSTIN é explicada no capítuloCondições para performativos felizes”, do livro Quando dizer é fazer. Palavra e ação, de Danilo Marcondes Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990, tradução do livro de John Langshaw Austin , How to do things with words. Oxford: Oxford University Press, 1980.

[3] Na p. 153, ISER (1978) escreve o seguinte: “Ele (o leitor fictício) incorpora as visões e expectativas históricas, mas somente para que estas se submetam às influências modificadoras de todas as outras perspectivas que com ela (a do leitor fictício) inter-relacionam”.Iser lembra ainda que o “leitor fictício é menos uma pessoa do que uma perspectiva” e que, por ele, se apresentam as normas da época para que o leitor as reconheça, perceba o embate dessas normas com as outras (de outras perspectivas) e encontre nisso um dado que suscita o questionamento daquilo que, antes, ele tinha por assentado.

[4] Significa, em resumo, o percurso promovido pela mente do leitor ao selecionar, no texto, as informações das perspectivas, em função das sínteses e dos correlatos formulados, conforme será visto adiante.

[5] Muitas das concepções pré-iserianas, as seqüências entre os vazios se encontram no texto. Em Iser, contrariamente, os correlatos dependem do fenômeno conjugado em memória/ expectativa.

Os leitores em sociedade
e os
leitores de ficção

Maria Antonieta Jordão de Oliveira Borba (UERJ)

 

Como se sabe, Wolfgang Iser construiu uma teoriaTeoria do efeito estéticoque descreve o fenômeno da interação do leitor com o discurso ficcional durante o ato de leitura. Nesse empreendimento, o teórico apresenta, em seu livro The act of reading: a theory of äesthetic response [1978], uma ampla e complexa grade conceitual, a fim de descrever conceitualmente a leitura como ato comunicativo, caracterizando o pólo artístico, correlato à obra, o pólo estético, correlato ao leitor, e as ocorrências do trânsito entre esses dois pólos. Para tratar dos diferentes aspectos que compõem a Teoria do efeito estético em sua integralidade, Iser valeu-se de reflexões e conceitos pensados em disciplinas várias tais como: a Sociologia do conhecimento, a Psicologia da gestalt, a Psicologia social, a Psicanálise da comunicação, a Pragmática.

Como o assunto desenvolvido emLeitores em sociedade e leitores de ficção” compreende um recorte temático nas reflexões de Iser, é preciso delimitar também esse conjunto de disciplinas constituintes dos pressupostos da Teoria do efeito estético. O que se pretende então agora é discutir alguns pontos específicos e intercalados da Pragmática e da Psicologia social que permitem estabelecer um paralelo entre as ocorrências envolvendo interlocutores nos contextos sociais e o modo como os estudos sobre os fenômenos inerentes às trocas lingüísticas cotidianas podem ilustrar a teoria sobre a interação comunicativa que o leitor estabelece com os textos ficcionais.

No livro How to do things with words , o filósofo da linguagem John Langshaw Austin [1980][1] classifica os proferimentos socialmente produzidos em atos de fala, contribuindo sobremaneira para se refletir sobre os fatores que contribuem para o sucesso ou o fracasso de uma comunicação lingüística. Como se pode verificar, trata-se de uma abordagem pautada menos na análise dos enunciados do que em noções voltadas para as condições extralingüísticas em que ocorrem tais proferimentos. Este novo ângulo de investigação acarreta conseqüências várias. Dentre elas, a idéia de que a Pragmática está interessada em investigar o próprio uso da língua através de aspectos que dizem respeito ao modo como os participantes interagem, à reação entre eles, à noção de sinceridade etc. Por essa via, Austin classificou os atos de fala em atos ilocucionários e perlocucionários, em função das forças potenciais intrínsecas ao discurso e das atualizações performáticas desses discursos, orientado por alguns pressupostos como: a) quem diz algo age no mundo, ou ainda, falar é um modo de agir em sociedade; b) os proferimentos do sujeito social contêm, potencialmente, uma força ilocucionária que se reveste do fenômeno de propulsão para uma atitude; c) para que o ato ilocucionário resulte num ato perlocucionário, é preciso que os atores sociais compartilhem de convenções, normas ou valores que norteiam seus convívios. Quanto a este último princípio, cabe lembrar que é a presença ou a ausência desse repertório que faz com que um mesmo proferimento possa ou não resultar num ato perlocucionário; possa ou não resultar em atitudes bem sucedidas; possa ou não provocar reações satisfatórias entre interlocutores. A título de ilustração, diríamos ser possível que a reação de um interlocutor “x” corresponda à intenção de “y” ao dizer algo, mas que essa correlação depende, em grande parte, do grau de convenções compartilhadas e aceitas entre eles.

Se por um lado, somente por esses dados, se pode observar o quanto muda a perspectiva de investigação do uso da língua quando se parte de pressupostos da Pragmática, por outro, não se pode dizer que é exclusivo dessa disciplina examinar aspectos extralingüísticos determinadores de diferenciações fundamentais em termos de compreensão conquistada do que é dito ou escrito. A simples idéia de enunciação como distinta da de enunciado prevê a consideração dos elementos contextuais, modificando decisivamente os significados de enunciados, mesmo em frases usuais como, por exemplo, “Ele é bem capaz disso”. Desse enunciado, tanto se pode extrair um significado positivo, se aquele que a pronuncia ou a escreve estiver se referindo ao “elecomo alguém que se reveste de qualidades apreciativas, quanto um significado negativo, se a situação for inversa. No entanto, basta que se lembre de alguns conceitos previstos pela Pragmática como atos de sinceridade, compartilhamento de convenções, força ilocucionária de certos verbos, indeterminações entre interlocutores, para se constatar que este campo do saber é capaz de aprofundar explicações que interferem decisivamente nos nossos modos de dizer e nos nossos modos de fazer em sociedade.

Como pretendemos articular as reflexões da Pragmática com as da Psicologia social, de início nos limitaremos a definir brevemente algumas das noções de Austin (Pragmática), para que posteriormente elas sejam devidamente aprofundadas. O conceito de convenção remete para um conhecimento compartilhado de mundo, para uma idéia de correspondência verticalizada entre o significado das frases e respectivos referentes no mundo e, em certa medida, para a escala hierárquica de normas e valores sociais. os procedimentos aceitos orientam a aplicação dessas convenções à situação referencial, desde que os agentes sociais se disponibilizem para atuar, tendo em vista uma efetiva comunicação. Se os proferimentos se vêem condicionados a essa situação na qual são produzidos e, se nesse contexto é possível ocorrerem tentativas de esclarecimento sobre o que estiver em aberto, este vazio, que é próprio de qualquer interação, pode ser preenchido pelos agentes no mesmo momento de troca lingüística, embora isso dependa da interferência de fatores como: vocabulário, sintaxe, tipos de implícito, posto, pressuposto, pacto de sinceridade, vontade dos sujeitos para adequarem a ação lingüística à situação. Aliados ao quadro de referência, todos esses dados contribuem para que as indeterminações sejam resolvidas, uma vez que os interlocutores de um contexto face a face podem se indagar sobre as ambigüidades, as incertezas, as dúvidas e estranhezas que daí emergem.

Vejamos, agora, de que forma uma outra disciplina, a Psicologia social, compôs sua grade nocional nas reflexões que promoveu acerca da interação entre sujeitos no contexto pragmático, a fim de que depois possamos pensar sobre as maneiras pelas quais essa disciplina e a Pragmática contribuíram para que Iser conceituasse a interação do leitor com texto ficcional.

Em Foundations of social psychology, Edward Jones e Harold B. Gerard [1967] apresentam um quadro nocional acerca da interação diádica, iniciando sua exposição através de considerações sobre a diversidade de aspectos que envolvem uma conversação tais como ódio, riso, afeto, rejeição. O objetivo dos estudos desses teóricos sobre as relações interpessoais não visam à verificação do significado propriamente dito resultante do contacto entre interlocutores. O que de mais significativo eles propõem é o exame das condições pelas quais se processa a conversação entre sujeitos no plano de ação, revelando, assim, um aspecto em comum com a Pragmática. Para eles, a fala cotidiana é tomada como uma complexa troca social e para que melhor seja compreendida, exige que se observe a rede de aspectos que a envolve: os objetivos presentes, as atitudes dos interlocutores entre si, a ação desses mesmos interlocutores em relação à situação face a face, os diferentes tipos de interferência etc. Quando a conversação é analisada por esses dados, uma das perguntas norteadoras da reflexão seria, na verdade, o quanto do comportamento de cada indivíduo é afetado pelo outro numa interação diádica. Trata-se de saber, portanto, de que modo ocorrem os processos de influência mútua ou de que forma esses processos estimulam modificações nas atitudes dos sujeitos, alterando ou não seus planos, em função das contingências, ou seja, daquilo que emerge da própria situação.

Como se , aqui se delineiam duas categorias básicas pelas quais Jones e Gerard desenvolvem suas observações sobre as relações interpessoais. A contingência se definiria por aquilo que, intrínseco ao processo interacional, é potencialmente capaz de produzir um efeito nos sujeitos sociais envolvidos, podendo suscitar estratégias de posicionamento e mobilização interpretativas. Simultaneamente, quando se inicia uma interação, cada um de seus membros se põe nesse contato em função de algum objetivo, com uma certa idéia de como isso pode ser atingido e por um certo padrão de atitude com relação ao outro. A esse último conjunto de variantes corresponde o plano, que é definido antes do contacto interpessoal e que, junto à noção de contingência, compõe a base conceitual da análise das ocorrências próprias da interação diádica. Jones e Gerard dizem ainda que os graus diversos de imprevisibilidade do processo interacional (tudo o que constituir contingência) advêm do fato de se instaurarem estímulos autoproduzidos e socialmente produzidos, em função das respostas e perguntas dos interlocutores.

A partir dessas duas noçõesplano ou objetivo prévio de cada interlocutor e contingência ou incidentes típicos do contacto –, os psicólogos propõem uma tipologia para classificar quatro modos de situação: pseudocontingência, contingência assimétrica, contingência reativa e contingência mútua. Se nos ativermos somente à idéia de que contingência é o dado imprevisível, podemos achar estranho o fato de, nos quatro tipos de relação, estar presente essa palavracontingência”. No entanto, se nos reportarmos a Iser (ISER, 1978: 164), entendemos por que é possível nomear formas de interação, usando, em todas elas, a mesma nomenclatura (contingência), que esta noção é definida como determinante da interação por ser intrínseca ao contacto, ao passo que os planos são formulados previamente.

A pseudocontingência refere-se àquela situação em que prevalecem acentuadamente os planos dos interlocutores e, por isso, quase nada do que surgir como dado imprevisto (contingente) irá modificar as relações entre os sujeitos. Na pseudocontingência, os estímulos sociais são de tal forma reduzidos em possibilidades de níveis de interferência, que a interação praticamente se neutraliza ou aparentemente se faz notar. Isto porque a resposta de cada interlocutor é intensamente pré-determinada pelo seu próprio plano, passando portanto a significar somente um sinal, por assim dizer, para que a relação se mantenha ou continue do mesmo jeito pelo qual se iniciou. A relação manifesta-se por este modo tanto nas situações em que os interlocutores reciprocamente conhecem seus próprios planos e os dos outros, quanto naquelas em que os planos são ignorados por ambos os parceiros. Em boa parte dos tipos de cerimônias como, por exemplo, casamento, posse de autoridades, aulas magnas etc., prevalece, via de regra, a pseudocontingência. Numa primeira modalidade da pseudocontingênciaem que os interlocutores conhecem seus planos e os dos outros, cada um é capaz de prever o conteúdo e a seqüência de respostas, o que configura a situação como altamente ritualizada. Na segunda modalidadequando os agentes sociais não se importam sequer com seus próprios planos – , a resposta de um parceiro “x” é apenas esperada para que o parceiro “y” manifeste a sua, por ele prevista, independente, portanto, da resposta anterior. As situações em que atores contracenam em peças teatraisum exemplo do primeiro caso, semelhante ao das cerimônias – e aquelas em que pacientes psicóticos se encontram numa conversaçãocaso em que nada importa o que o outro diz porque sempre prevalecerá qualquer fala que se queira – constituem, respectivamente, ilustrações das duas variantes da pseudocontingência.

O segundo tipo de contingência na enumeração dos teóricos da Psicologia social é denominado contingência assimétrica. Ela se caracteriza pelo fato de a resposta de um interlocutor x ser relevante na interação, na medida em que serve para a realização do projeto de y. Trata-se, portanto, de uma desistência, por parte de um dos parceiros, de seu próprio plano, daquilo que qualquer um de nós traz previamente concebido. Enquanto as respostas de um são decorrentes de estímulos e planos autoproduzidos, as do outro são determinadas pelos estímulos sociais suscitados pelo primeiro. Via de regra, aquele que traz de antemão respostas e planos pré-determinados se beneficia da situação, uma vez que as respostas variáveis do outro configuram um modo interativo em que este acaba por se submeter aos propósitos daquele.

ainda uma terceira forma de contingência que, na interação diádica, recebe a denominação contingência reativa. Sua delimitação mais precisa remete para uma situação, cujas respostas praticamente se restringem à referência em que são produzidas, numa seqüência em que se verifica a alternância reativa de uma resposta dada após a outra. Isso implica ou uma ausência do plano de cada interlocutor, ou, pelo menos, a renúncia de sua manifestação. Além disso, se a resposta de x é amplamente determinada pela de y e deste pela de x em cadeia sucessiva, é porque se instaura uma situação em que, na seqüência de respostas de cada um isoladamente, a influência da seguinte sobre a anterior é secundária, se comparada ao estímulo, meramente reativo, que a resposta do outro exerceu sobre ela. Aquilo que representa na fala a reação de um tem a ver com a fala também reativa e momentânea do outro. Forma-se, então, uma espécie de seqüência em ziguezague, em que o que ficou para trás (resposta e plano individuais) em nada participa da continuidade do processo. Dessa vez, os teóricos da Psicologia social não ilustram a contingência reativa por uma situação concreta do plano de ação lingüístico, mas através de um contexto comparativo. Os iniciantes do jogo de xadrez costumam limitar suas atuações em função das regras fundamentais e dos valores das peças, o que resulta numa interferência tipicamente reativa, independente, portanto, da combinação do movimento dessas peças a partir de um plano, pelo qual que se tenha pensado, a priori, uma variedade ampla de possíveis arranjos no tabuleiro.

A quarta forma de interação diz respeito àquilo que, na classificação da Psicologia Social, se costuma designar por contingência mútua. Como o nome indicia, a situação se reveste de um bom equilíbrio entre os planos e as respostas. Aqui, a resposta de um agente é parcialmente determinada tanto pelas respostas do outro, quanto por suas próprias respostas, no sentido de estas decorrerem de estímulos internos. Isso significa dizer quesempre um plano orientando a resposta de cada interlocutor, embora o plano esteja continuamente sujeito à reformulação face à reação do parceiro, ou às circunstâncias do contexto.

A contingência mútua é aquela que melhor permite configurar a noção de interação propriamente dita, de acordo com as formulações da Psicologia social. Ela cumpre um dos requisitos fundamentais, que é o que John L. Austin (1980) nomeia, no campo da Pragmática, por disponibilidade dos participantes[2] . Se cada interlocutor realiza seu plano levando em consideração o do parceiro por este manifestado, isto contribui para que a interação se configure como um ato comunicativo, sem importar o valorbomouruimque atribuímos ao resultado, quer dizer, mesmo que esta situação venha a acarretar hostilidade ou enriquecimento recíprocos. Independente, no entanto, do conteúdo da interação deste tipo, sua base é constituída de um misto de resistências e mudanças mútuas. E é esse caráter constitutivo por parte tanto dos interlocutores quanto da situação que irá compor o processo de ajustamento e reconstrução, em decorrência da interação e do momento em que ela se realiza.

No capítulo “Assimetry between text and reader” do The act of reading, Iser se reporta aos estudos de Jones e Gerard em Foundations of social psychology, limitando-se a um breve comentário acerca dos tipos de contingência, que o que lhe interessa logo ressaltar é a conseqüência metodológica acarretada pela classificação dos teóricos da Psicologia social: se a tipologia das condutas da interação resulta do modo como a contingência é explorada, isso permite deduzir que a contingência não pode ser entendida como causa de um efeito, mas como um constituinte mesmo da interação.

A contingência, como constituinte da interação, deriva da própria interação, pois os planos de conduta respectivos dos parceiros são concebidos separadamente, e, portanto, é o efeito imprevisível sobre o outro que provoca tanto as interpretações estratégicas e táticas quanto os ajustamentos. (ISER, 1978:164)

A importância para a literatura resultante dessas conclusões reside no fato de Iser entender a leitura por um caráter fenomenológico, em que as ocorrências se caracterizam como contingentes da interação do texto com o leitor, ou melhor, como efeitos de planos concebidos separadamente: de um lado, o do texto; do outro, o do leitor. Essa noção de leitura como acontecimento, como algo contingente, semelhante ao que ocorre no contexto pragmático, permite estabelecer certas analogias entre os dois tipos de relaçãopragmático e ficcional –, desde que se parta das concepções de pólos em Iser (a obra e o leitor) com seus respectivos desdobramentos. Além disso, também na caracterização do leitor com o ficcional, serão aproveitas e transformadas as noções da Pragmática que tratam de: verticalidade entre linguagem e mundo, repertório hierarquizado de convenções (ou normas) aceitas, disponibilidade dos participantes em contacto no contexto de ação.

Para o teórico da Escola alemã, significado e obra concretizam-se no trânsito entre dois pólos: o artístico pólo do texto – e o estético – o do leitor, sendo que cada um deles encontra-se respectivamente relacionado à estrutura verbal e `a estrutura de afeto.

A estrutura de afeto, que tem suas bases nos atos de compreensão do leitor, promove a concretização do que a linguagem do texto lhe reserva. Como essa ação se dá durante a leitura, o processo comunicativo tem início no pólo estético, no momento em que o leitor passa a preencher os vazios do texto. Por outro lado, a estrutura verbal, cuja fonte é o texto literário, constitui-se pelo repertório e pelas estratégias. O repertório diz respeito às variadas referências textuais, que podem se apresentar sob a forma de normas sociais e históricas, alusões literárias, menções ao contexto cultural, enfim, a todo tipo de realidade extratextual. No entanto, o texto literário, para compor seu repertório, apropria-se das normas sociais, de que trata a Pragmática, não para serem endossadas, mas para serem questionadas, e isso se faz pela relação entre o repertório e o modo como a ficção incorpora e apresenta o sistema de mundo. Vejamos a esse respeito o que ocorre em sociedade e na ficção.

Em toda época, há um sistema social e de pensamento que se revela dominante sobre outros sistemas considerados, por isso mesmo, subsistemas. O sistema dominante possui uma estrutura de aspectos reguladores, estabelecendo uma ordem hierárquica vertical, em que algumas normas são aceitas, outras negadas e outras mais, neutralizadas. Face às incertezas do mundo, os sujeitos em sociedade necessitam promover esse acordo que se reflete em tal estrutura hierárquica. Como a literatura se apropria das convenções sociais (ou normas, ou valores) e as apresenta na ficção sob a forma de estranha de combinação, a hierarquia aceita na referencialidade é posta em questão. O que Iser quer dizer porforma estranha de combinação” pode ser explicado da seguinte forma: as informações das perspectivas textuais, isto é, do narrador, das personagens, do enredo, do leitor fictício[3], instauram um embate de valores divergentes, provocando uma estranheza, pelo fato de tal confronto permanecer na obra como está. Essa permanência do confronto, proveniente do desaparecimento da hierarquia vertical, é denominada por Iser reorganização horizontal das normas. Paralelamente, o conflito entre os valores instaurado e não resolvido faz com que o leitor perca a familiaridade com as normas, que essas normas ficam desprovidas da validade que possuíam no contexto referencial. A conseqüência da despragmatização ou desfamiliarização do familiar é a provocação suscitada pelo universo ficcional no sentido de o leitor examinar o espectro de convenções aos quais se submetido em sociedade. O leitor se mobilizado para refletir sobre o vazio que emerge da não resolução do conflito de valores. É por isso que Iser diz que as estratégias (perspectivas textuais) organizam tanto o material do texto quanto as condições pelas quais o leitor estabelece ligações entre os elementos do repertório, quer dizer, o modo como o material é comunicado. Daí as perspectivas assumirem um papel dos mais significativos na interação do leitor com o texto. Seu desempenho é preponderante para que o leitor passe pelo efeito estético, quando ele promove, através de seu ponto de vista movente[4], um arranjo ideativo de constantes formulações e reformulações em função das diferentes e conflituosas informações do narrador, enredo, personagens, leitor fictício. A melhor forma de se entender a importância das estratégias é imaginar uma situação em que elas são retiradas. Basta lembrar as experiências em que oralmente alguém relata o que leu num romance. A narrativa perde o caráter de conduzir ao efeito estético, destituída que se encontra da função das estratégias. Além disso, uma das razões que explica a multiplicidade interpretativa é a diversidade intrínseca ao arranjo ideativo por parte do leitor, o que, por sua vez, vai depender do modo como ele, enquanto sujeito de sociedade ou leitor real, articula seu plano à sua função de leitor do texto.

Partindo, então, do princípio de que o processo de leitura é um tipo de interação diádica, o objetivo agora é fazer considerações sobre o leitor à luz do tipo de contingência mútua da Psicologia social. Numa analogia do trânsito entre leitor e obra com o contexto de ação, pudemos acima supor o plano do texto como repertório e estratégias, e o plano do leitor como conjunto de normas, valores, convenções de um sujeito em sociedade, o leitor real. Essa mobilização do planodirecionamento de respostas e constante reformulação face às ocorrências de tais respostas – permite supor um tipo de interação do leitor com o texto, semelhante ao que Iser descreve como efetiva comunicação no processo de leitura. De fato, uma situação como esta se configura quando o leitor cumpre certas condições de possibilidade. Para que o leitor se ponha como agente desta construção, precisa estar, antes de tudo, disponível para adaptar seu plano enquanto leitor real àquilo que o texto lhe apresenta, o que pode se dar em implicitude.

(...) guiado pelos signos do texto, o leitor é induzido a construir o objeto imaginário. Segue daí que o envolvimento do leitor é essencial para o preenchimento do texto, que, materialmente, este existe somente como uma realidade potencial ele requer umsujeito’ (isto é, um leitor) para que o potencial seja realizado. O texto literário, portanto, existe, inicialmente, como um meio de comunicação, enquanto o processo de leitura é basicamente um tipo de interação diádica. (ISER, 1978:66)

Um dos fenômenos mais significativos resultantes dessa disponibilidade é o da formação de correlatos de sentenças. São eles que conduzem à produção de unidades de sentença ou conjunto de vocábulos estruturantes de informações capazes de mobilizar o leitor para a decodificação: A decodificação se origina de ‘pedaços grossos’ (chunks) e não de unidades simples de palavras e estes ‘chunks’ correspondem a unidades sintáticas de uma sentença. (ISER, (1978:110)

Sujeitas que estão à operacionalização do leitor, as fronteiras de tais unidades não coincidem necessariamente com aquelas que, numa conceituação tradicional[5], diriam de uma estrutura dotada de sentido, e sim com tudo o que, por decisão do leitor, seja capaz de produzir um sentido. Dessa distinção, decorre o fato de serem mais bem configuradas pela denominação correlatos de sentença.

Os correlatos de sentenças são formados pelo leitor por conta das informações cambiantes das perspectivas textuais (informações diferenciadas do narrador, das personagens etc). Face a um conjunto de informações advindas de uma perspectiva, o leitor retém alguns dados pela memória e, como decorrência disso, projeta outros que imagina virem acontecer. O dinamismo do processo, no entanto, permite a instauração de circunstâncias pelas quais o leitor se diante de outra(s) informação (s) – seja oriunda da mesma perspectiva, seja de outras – que tanto pode (m) confirmar ou negar as formuladas. Em qualquer um dos dois casos, o leitor produz um novo correlato (que acarretará novo correlato), por intensidade ou mudança, seja porque as informações recebidas responderam positivamente àquelas registradas pela memória – o correlato ratificador – seja porque tais informações negaram os dados retidos:

Cada correlato de sentenças contém o que se pode denominar por uma seção oca, que vislumbra o novo correlato, e uma seção retrospectiva, que responde às expectativas da sentença precedente (agora parte do ‘background’ lembrado). (ISER, 1978:12)

Este processo de formulação de correlato ocorre simultaneamente ao percurso de divisões no texto, promovido pelo ponto de vista movente (wandering point of view do leitor), que é através dele que o leitor marca a interseção entre as informações referentes à expectativa e à memória. Trata-se, portanto, de um processo dialético entre esses dois fenômenos conjugados, transmitindo um horizonte futuro ainda a ser ocupado, paralelamente a um horizonte (continuamente fugidio) passado preenchido. (ISER, 1978:12)

Como se pode verificar, então, as estratégias responsáveis pela movimentação das perspectivas textuais exigem que o leitor, pelo seu ponto de vista, estabeleça constantes cisões no texto numa estrutura, também constante, de expectativa e memória. Essa divisão, por sua vez, acarreta a instauração de um outro fenômeno pelo qual o leitor une aquilo que o ponto de vista nômade separou. É o que Iser denomina de processo de formação de síntese.

O texto em si (...) não é nem expectativa nem memória – é o leitor quem deve juntar o que o seu ponto de vista nômade dividiu. Isto conduz à formação de sínteses, através das quais as conexões entre signos podem ser identificadas e suas equivalências representadas. (ISER, 1978: 135)

A formulação de sínteses é o fenômeno que bem ilustra a interação na dependência do binômio texto/leitor. As sínteses nem se encontram expressas no texto, nem são produzidas unicamente pela imaginação do leitor. São dirigidas pelos signos e emergem da mente do leitor quando os signos nela se projetam. Como o elemento básico da síntese é a imagem, e ainda, como o significado é imagético, não fica difícil concluir que o leitor passa pelo efeito desse significado (experiência estética) se a interação com o texto se revestir de exigências semelhantes àquelas previstas na contingência mútua do contexto pragmático: movimentação adequada entre plano e resposta. De fato, tendo como pressuposto que o texto se organiza em condições de interaçãorepertório e estratégia ou plano sujeito à construção –, esta interação por parte do leitor em uma espécie de contingência mútua vai se concretizar através da adaptação do plano desse sujeito (leitor real), ao formular respostas para aquilo que a estrutura lhe apresenta. Isso requer que o leitor implícito atue pelo seu ponto de vista, use de sua capacidade de memória e projeção, forme correlatos e formule sínteses. É através desse processo que o leitor mais ativamente participa na realização do texto. Daí resulta a própria experiência estética, segundo a concepção de uma teoria que descreve a fenomenologia das etapas de efeito de significado e da resposta a esse efeito, a saber, a significação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BORBA, M. Antonieta Jordão de O. Tópicos de teoria para a investigação do discurso literário. Dissertação de Mestrado. RJ: 7 Letras, 2003.

––––––. Teoria do efeito estético. Niterói: EDUFF, 2003.

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GUMBRECHT, Hans Ulrich. Sobre os interesses cognitivos. Terminologia básica e métodos de uma ciência da literatura fundada na Teoria da Ação. In: COSTA LIMA, Luiz (Ed.). A literatura e o leitor. Textos de Estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 189-211.

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JAUSS, Hans Robert. De l’Iphigénie de Racine à celle de Goethe; avec une postface sur le caractère partiel de l’esthétique de la réception. In: Pour une esthétique de la réception. Paris: Gallimard, 1975, p. 221-262.

TOMPKINS, J. Reader-response criticism: from formalism to poststructuralism. Baltimore, London: J. Hopkins University Press, 1980.


 

[1] A tradução do livro de J.L. Austin feita pelo Professor Danilo Marcondes Souza Filho vem com o título Quando dizer é fazer. Palavra e ação [1990] e, por se indicia a articulação aqui pretendida.

[2] A noção de “disponibilidade de participantes” de AUSTIN é explicada no capítuloCondições para performativos felizes”, do livro Quando dizer é fazer. Palavra e ação, de Danilo Marcondes Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990, tradução do livro de John Langshaw Austin , How to do things with words. Oxford: Oxford University Press, 1980.

[3] Na p. 153, ISER (1978) escreve o seguinte: “Ele (o leitor fictício) incorpora as visões e expectativas históricas, mas somente para que estas se submetam às influências modificadoras de todas as outras perspectivas que com ela (a do leitor fictício) inter-relacionam”.Iser lembra ainda que o “leitor fictício é menos uma pessoa do que uma perspectiva” e que, por ele, se apresentam as normas da época para que o leitor as reconheça, perceba o embate dessas normas com as outras (de outras perspectivas) e encontre nisso um dado que suscita o questionamento daquilo que, antes, ele tinha por assentado.

[4] Significa, em resumo, o percurso promovido pela mente do leitor ao selecionar, no texto, as informações das perspectivas, em função das sínteses e dos correlatos formulados, conforme será visto adiante.

[5] Muitas das concepções pré-iserianas, as seqüências entre os vazios se encontram no texto. Em Iser, contrariamente, os correlatos dependem do fenômeno conjugado em memória/ expectativa.