CAMINHOS E DESCAMINHOS
DO HEBRAICO AO
PORTUGUÊS

Isabel Arco Verde Santos (UERJ e UNESA)
Andréa de Melo Souza
(UERJ)

 

Se o lingüista americano Steven Roger Fischer vivesse no ano de 586 a.E.C. na região da Judéia, ele certamente seria mais um profeta apontando sobre o destino da língua hebraica. Afinal, por muito menos ele profetizou que o português no Brasil, dentro de 300 anos desapareceria tornando-se um portunhol, segundo entrevista à revista VEJA, de 5 de abril de 2000.

Ora, imaginem o cenário. Israel vivia um tempo de monarquia, dividido em dois reinos: Israel, o reino do norte e Judá, o reino do sul. O Império Assírio chegou devastador sobrepondo-se ao reino do norte, que se apresentava desgastado com gradativa decadência do governo. Isto aconteceu em 722 a.E.C. Judá resistiu por pouco mais de duzentos anos, antes de ser dominado pela Babilônia, império que se sobrepôs à Assíria.

O que é uma língua sem seu povo? O que é uma língua sem seu espaço?

O domínio Babilônio pôs abaixo o grande símbolo da unidade hebréia: o templo. Agora, dispersos, era preciso não deixar morrer a história, a promessa, o futuro. O que dizer então da língua? Quem poderia imaginar que hoje, mais de dois mil anos depois, o hebraico estivesse vivo e, mais que isso, que na profecia de Fischer ainda figurasse como uma das línguas que sobreviveriam dentro dos próximos 300 anos por sua significação religiosa.

O templo não tardou muito a ser reconstruído e a tornar-se o centro religioso na vida dos judeus. Mas em 70 E.C., o templo é pela segunda vez destruído, agora pelos romanos. Nova dispersão. O retorno parece mais difícil. A esperança de reconstrução também.

Desde a primeira dispersão muitos judeus se estabeleceram em diversos lugares e não retornaram. Preservar a identidade à distância, não é algo fácil. A dificuldade com relação à identidade é perceptível na primeira seção do livro de Provérbios, que alguns autores apontam do século VIII a.E.C. ou nos conflitos vividos por Daniel, no cativeiro babilônico. A religião unificava, mas também trazia outros conflitos, pois à medida que o povo se distanciava e mais distante ficava da língua, mais anseio tinha em rezar de forma que entendesse o que falava. Este reclame foi vivido aqui no Brasil, por exemplo, quando a Igreja Católica entendeu necessário abolir a missa em latim em favor do português.

Ora, se a liderança religiosa cedesse a este apelo das comunidades distantes, com certeza perderia o grande elo de união entre os judeus: a língua. Desta forma podemos dizer que o grande responsável, num primeiro momento pela preservação do povo não foi a religião, mas sim a língua. No entanto, não podemos negar que a religião também preservou a língua, afinal era na liturgia, sinagogal ou doméstica, onde a era exercitada, que a língua se mantinha viva.

E é esta língua litúrgica que permanece viva. É a partir desta língua litúrgica, do hebraico das rezas, que a literatura se desenvolve. É a partir desta língua litúrgica que surgem outras línguas, que num movimento dialógico com os diversos falares dos judeus vai tomando formas próprias, como é o ídish, o ladino, e outras que, representantes de um momento, não persistem como o judeu-eslávico, o judeu-grego, o judeu-francês e outras tantas.

Este diálogo filológico, que vai além do influenciar, chegando à criação de uma nova estrutura lingüística, evidencia a força que o hebraico tem. A força que o falante traz consigo.

Foi pensando nisto que resolvemos estudar as influências do hebraico no português.

Na introdução do seu livroBreve história dos judeus no Brasil”, Salomão Serebrenick afirma:

A história dos judeus no Brasil constitui um caso único; pois de nenhum outro país se pode dizer que nele os judeus tenham vivido ao longo de toda a sua existência, contribuindo substancialmente para o seu desenvolvimento econômico e social.

De fato, desde o descobrimento do país - evento este do qual participaram, tendo inclusive ajudado nos seus preparativos - até a época presente, os judeus, quase sem intermitência, aberta ou disfarçadamente, estiveram integrados nos processos de formação da nacionalidade. (SEREBRINICK, 1962)

É certo que, a princípio, não podemos deixar de lembrar que no Brasil a história dos judeus viveu a clandestinidade imposta pela Inquisição. E que a partir de 1770, quando parece saciada a voracidade inquisitorial poderíamos entender uma liberdade maior, ainda que comedida nos diversos setores da vida brasileira.

O que se tem levantado e divulgado com relação à presença e participação de judeus na história do Brasil é bem significativa. As relações com D. Pedro II, é outra questão que não é mais ignorada, inclusive pela presença dos pergaminhos da Torah que foram adquiridos pelo Imperador, de posse do Museu Histórico da Quinta da Boa Vista, evidenciando ainda mais seu interesse e simpatia para com a cultura judaica.

A partir disto poderíamos concluir que a influência da língua hebraica no português foi igualmente significativa, transformadora e influenciadora. Afinal, segundo Gladstone de Melo: “A língua é o reflexo mais direto, é o termômetro mais sensível da vitalidade e das oscilações de uma cultura.”(MELO, 1971) E foi nesta certeza que passamos a procurar esta confirmação, através de dicionários etimológicos.

O estudo etimológico de uma língua acaba revelando ao pesquisador a história de seu falante, história essa que transcende até mesmo o próprio falante. Foucalt, em sua Ordem do Discurso resgata esta idéia. Embora objetive falar sobre o discurso, ao pronunciar o desejo de que a palavra se estenda para além dele, diz:

Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível. Gostaria de perceber que no momento de falar uma voz me precedia há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse, sem ser percebido, em seus interstícios, como se ela me houvesse dado um sinal, mantendo-se, por um instante suspensa. (FOUCAULT, 2002:5)

Em se tratando de questões lingüísticas o estudo etimológico procura exatamente o que Foucault almeja no discurso: a palavra primeira, seu encadeamento, seu prosseguimento, seus interstícios.

Logo no primeiro dicionário consultado, poucas palavras foram levantadas apontadas pelo autor como de origem hebraica. E, na sua maioria, das palavras levantadas, pouquíssimas apresentavam uma fácil significação, devido ao uso raro apresentado. Como no primeiro dicionário, outros não trouxeram grandes diferenças. O que é, por exemplo, bato?

Bato vem da raiz bat, que seria uma medida de capacidade. Algumas referências a esta palavra são encontradas em I Reis 7:26, 38; 2 Crônicas 2:10; 4:5; Ezequiel 45:10, 11, 14; Isaías 5:10 e Esdras 7:22. De bato nós temos batométrico, batometria – medida das profundezas do mar.

O que é siclo?

Siclo vem da raiz shéqel e identificava a moeda dos hebreus uso hebreus em referência aos antigos judeus. Aliás, por curiosidade, a moeda de Israel hoje é o shéqel chadash (novo shéqel). Gênesis 23:15, 16, Êxodo21:32 e inúmeras outras referências.

O que é sidônio?

Natural da cidade de Sidon, na Fenícia. Vem de Tsidony, como se pode verificar em Deuteronômio 3:9, entre outros.

Claro que, por outro lado, temos palavras como aleluia, amém, hosana. Mas, mesmo para essas, que são muito usadas em ambiente litúrgico chegando até a extrapolá-lo, não temos, muitas vezes, uma certeza por parte das pessoas que as usam, quanto a seus significados.

É certo que, uma parte das palavras que aparecem nos dicionários apontando para uma origem hebraica, são de uso bíblico. Referem-se a nacionalidades, como moabita, filisteu, sidônio; outras fazem referência a objetos do antigo sacerdócio como o efode, urim e tumim ou entidades celestes como querubim e Serafim. Estas últimas palavras são transliterações, devido à dificuldade em defini-las.[1]

Outras palavras como jeovista ou javeísta ou javista, eloísta são adjetivos que dizem respeito a questões que envolvem os nomes das quais são origem. Da mesma forma como temos edênico, abraâmico, mosaico, adâmico, davídico, salomônico, aarônico.

Não é de se estranhar a inclusão destas palavras nos dicionários. Afinal, a Bíblia ainda bate o recorde de livro mais vendido, traduzido e lido no mundo; isto seria o suficiente para que se incluíssem todas as palavras de seu corpo em qualquer dicionário, pois sendo um livro de tamanha popularidade justificaria que seu vocabulário fosse devidamente desvendado por qualquer dicionário.

Por outro lado, mesmo as palavras de uso mais comum na liturgia carecem de melhor entendimento por parte dos fiéis. Afinal, o que é hissopo? Bem, os dicionários trazem como definição: “Planta medicinal da família das labiadas” (segundo o Aurélio). Mas, e daí? Quando se o salmo 51:7: “Purifica-me com hissopo e ficarei limpo”, até que ponto é possível entender o significado do texto com a definição apresentada pelo dicionário.

Segundo o dicionário de Dubois:

dois tipos de definição: (a) definição referencial (ou ostensiva), que é a que se faz por referência à coisa que o signo denota; (b) definição semântica (ou lógica), que é a que se faz por meio de signos que pertencem a um sistema construído, a uma língua artificial ou metalíngua. (DUBOIS, 1987)

Com isto, percebemos que mesmo ao se propor definir o termo, do que se esperaria obter o entendimento de seu contexto, as definições deixam a desejar, sendo necessário, como neste caso, consultar um dicionário de botânica para se perceber a utilização do hissopo e, assim compreender melhor seu uso no texto.

A partir disto entendemos que a inclusão destas palavras de origem bíblica no dicionário, não se dá por causa da influência judaica, mas por uma necessidade cristã, pois objetivam ajudar o leitor e estudioso da bíblia, ou teólogo, a fim de que compreenda melhor os termos usados no livro sagrado. Palavras estas que poderíamos acrescentar às citadas aba, adonai, jubileu, messias, levita, satã, semita entre outras.

Algumas palavras destas palavras, no entanto, alcançam significados outros, mesmo que relacionados à idéia primeira, conforme apresentada no texto bíblico. Um exemplo disto está na palavra babel. Se bem que no seu próprio uso bíblico indica confusão, bagunça, o que novamente nos aproximaria da intenção do autor bíblico. Por outro lado, amém, tem assumido nos dias de hoje um uso mais vulgar e corrente deixando de expressar somente a concordância dos fiéis às palavras elevadas ao Eterno, mas figurando hoje qualquer concordância a desejos e ânsias futuras. Da mesma forma, a palavra aleluia tem sido usada como interjeição de alívio.

Depois deste pequeno passeio, nas poucas palavras apontadas pelos dicionários de origem hebraica perguntamos: Como pode o judeu ter tanta expressão na história de nosso país e o hebraico não figurar como influenciador em potencial do português no Brasil? Por outro lado é notória e expressiva a influência do árabe em nossa língua.

Com relação a esta influência, eis a explicação:

O árabe foi um povo invasor e dominador, estava na plenitude de sua vitalidade, na fase expansionista da força nacional; a sua língua tinha um passado glorioso e rico, era instrumento de adiantada cultura e de opulenta literatura.(MELO, 1971)

A permanência árabe na Península Ibérica foi de oito séculos, a partir de 711. Ou seja, o português, como língua do conquistador, ao chegar ao Brasil o faz após um longo período de contato com o árabe. Mas este contato não chegou a influir na fonética e estrutura do português, tendo em vista os dois povos terem preservado suas culturas.

Com o Império árabe crescente, o hebraico dialoga culturalmente com seu companheiro semita. Aliás, este fato não pode ser desprezado, pois tal período de feliz convivência é chamado nos estudos literários hebraicos de Idade de Ouro.

Enquanto isto, o português está sendo gerado tendo como origem o latim. A presença cristã é, por mais paradoxal que seja, um grande difusor do hebraico. Independente do antissemitismo presente no cristianismo dos primeiros séculos, o interesse em traduzir a Bíblia, levou muitos pais da Igreja a fazer estudos com os textos originais.

A presença do árabe no português é marcante, segundo os dicionários etimológicos. Clarinda de Azevedo Maia comenta:

Pode considerar-se extremamente rico o legado árabe no léxico português: foram apontadas algumas centenas de vocábulos com essa origem, na sua quase totalidade substantivos e referentes a quase todos os domínios da actividade humana: abrangem quase todos os sectores da vida material, sendo praticamente inexistentes os arabismos referentes a sentimentos, noções abstractas, qualidades morais. Centremo-nos naqueles que entraram em português por via oral, quer através dos moçárabes, portanto em período anterior à Reconquista, quer através dos mouros, que permaneceram em localidades do Sul de Portugal, mesmo após a recuperação desses territórios pelos reconquistadores setentrionais. Sob o ponto de vista formal, a maioria dos substantivos começa por al-, o artigo definido árabe. (MAIA, 1995)

De fato, é comum o registro do acréscimo do árabe no português em cerca de mil palavras. Tal fato ainda é reforçado por palavras que podem causar estranheza ao falante brasileiro, pois muitas delas, assim apontadas de origem árabe, parecem-nos totalmente desconhecidas.

A presença do árabe na Península Ibérica foi muito marcante, o que justifica a presença destas palavras. Se falarmos em termos da influência na língua espanhola, perceberemos um registro bem maior.

O problema é que ao apresentar a origem como oriunda do árabe deixam, para o estudioso do hebraico, uma pergunta: as palavras são de origem árabe ou foram introduzidas pelos árabes?

Tal questionamento não se resume a dar o mérito da palavra a alguém, pois é certo que, se tais palavras foram introduzidas no léxico o foram em conseqüência desta significante presença na Península Ibérica, mas, da mesma forma que num primeiro momento conseguimos chegar a evidências de palavras ditas latinas que tinham antecedente hebraico, encontramos mesma suspeita com relação ao árabe.

É certo que o árabe e o hebraico são línguas de origem comum, ambas semitas pertencentes ao mesmo tronco, tendo centenas de palavras com a fonética muito parecida denunciando o parentesco, algumas delas palavras, inclusive, trazem o mesmo significado, como é o caso de shalom [hebraico] e salam [árabe].

O hebraico sofre influências da língua árabe na idade Média. Alguns dos nomes da História Judaica escreveram em uma língua que combinava o árabe e o hebraico, como foi o caso do judeu-árabe, uma língua híbrida, onde o árabe era escrito em caracteres judaicos. Como o árabe nesta época tornou-se uma língua cotidiana e necessária para o comércio, sua utilização também foi valorizada entre escritores judeus como Yehuda HaLevi, Maimônides, Rabi Ibn Pakuda, entre outros, que escreveram várias de suas obras em judeu-árabe.

Outra língua que carrega características árabes é o ladino. Falada ainda hoje, combina espanhol antigo, hebraico, árabe, turco, grego e vocábulos medievais franceses.

A questão aqui, porém, não é tirar o mérito de entrada da palavra no léxico, mas perseguir sua origem primeira.

Umberto Eco tem sido uma voz neste sentido. Preocupado com a origem até mais profunda da língua, buscando a língua primeira, a língua adâmica, como apresenta em sua obra Em busca da língua Perfeita. Eco ainda desenvolveu alguns trabalhos onde chega mesmo a concluir pela influência hebraica anterior ao latim na língua inglesa, chegando a algumas conclusões que bem se aplicam ao português.

De seu trabalho, fica mais clara a dificuldade de se trabalhar etimologicamente, pois corremos o risco de nos rendermos a um trabalho que acabe por perseguir a chamada língua perfeita.

A busca pelo hebraico, porém, não pretende prová-la como a língua perfeita, mas questionar a falta de percepção desta língua na língua portuguesa, o que, com certeza, consiste numa lacuna que precisa ser investigada.

A discreta participação da língua hebraica no léxico da língua portuguesa pode ganhar, assim, maior dimensão se investigada para além do que se tem apontado.

A procura por esta anterioridade se dá de maneira diferente pois, enquanto no latim a grande influência se dá em termos de religião, no árabe a procura se processa por serem línguas do mesmo tronco lingüístico.

A dificuldade para acharmos o hebraico se dá não pelo meio de entrada das palavras no léxico português, mas pela própria história dos judeus na Península Ibérica, dolorosa história, que entendeu a necessidade do secreto, do segredo, para que pudesse sobreviver. O judeu chega ao Brasil fugindo de Portugal e da inquisição e mesmo assim, ainda é perseguido. A história dos judeus é por isso fragmentada:

Comunidades como a italiana, alemã, sírio-libanesa ou japonesa, muito mais recentes, tiveram condições para apresentar-se de forma mais orgânica e contínua. Apesar do susto que os descendentes de algumas delas sofreram durante o período em que o país esteve em guerra com o Eixo (1942-1945). A comunidade israelita (o nomejudeu" ou "judaico" tinha conotações pejorativas) foi confinada e confinou-se durante grande parte destes cinco séculos, obrigada a um distanciamento e forçada discrição. (DINES, 1999)

A língua assim, reproduz a história do próprio povo, preservando-a mesmo que velada e escondida. Sua presença tem na Bíblia sua maior expressão e palavras que, pelo seu valor religioso não puderam ser omitidas, traduzidas e bem pouco modificadas.

A questão religiosa e do secreto são também interessantes quando analisadas. A crença na língua hebraica que a entendia como sagrada, fato este pregado inclusive pelos pais da Igreja, justifica seu principal campo de influência. Por outro lado, o caráter secreto que acompanha a história judaica, melhor exemplificado no misticismo judaico ou cabala, concorrem para o seu velamento.

Palavras de origem árabe e hebraica se confundem. Abd, que significa servo, é sinalizada como de origem árabe. No entanto, apresenta origem hebraica, com mesmo significado. Na Bíblia, é comum a expressão servo de Deus, como em árabe abdala – servo de Alá.

Da mesma forma temos a palavra do portuguêsaberto”, que segundo Wagner e José Pedro Machado também derivariam do árabe Fatich, tendo forma primitiva no hebraico Patach, ocorrendo aqui um decalque lingüístico.

Este questionamento encontra voz também em trabalhos como o do epigrafista português Carlos Castelo que questiona quanto a consideração para o nome Bensafrim (localidade no Algarve), que no Léxico Etimológico da Língua Arábica em Portugal, composto por ordem da Academia Real das Ciências de Lisboa em 1789, e segundo o seu autor, Fr. João de Sousa, indica sua origem como do árabe: Benasafarim - Benassaharin. Significando a dos Feiticeiros, a partir da derivação do verbo Sahara - encantar, enfeitiçar.

Castelo reclama pela origem hebraica do nome que encontra melhor explicação a partir das palavras hebraicas Ben – filho - e Soferim – escriba, escritor.

Partindo desta possibilidade, poderíamos suspeitar de outras palavras como cadimo, apresentado no Vocabulário Português de Origem Árabe de José Pedro Machado, significando antigo, velho. No hebraico temos kadum como anterior, antigo.

Em alguns trabalhos etimológicos o que podemos observar com relação à indicação da origem árabe das palavras é o fato do autor das obras ter grande influência nesta área de pesquisa. É o caso, de José Pedro Machado, autor de Vocabulário Português de Origem Árabe, Palavras a Propósito de Palavras - Notas Lexicais, Estrangeirismos na Língua Portuguesa, Ensaios Literários e Lingüísticos, Ensaios Histórico-Lingüísticos, Ensaios Arábico-Portugueses e O Grande Livro dos Provérbios, entre outros. Seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa traz, inclusive, um quadro lingüístico do árabe, onde o leitor pode fazer a equivalência para o português.

Além destes dois caminhos de encontro com o hebraico no léxico português, ainda aquele que aponta para o preconceito e depreciação. O termo judiar, por exemplo, tem dado o que falar ultimamente, quando dicionários como o Aurélio e o atualíssimo Houaiss estão sendo objetos de ação na Justiça, por incluírem em seus verbetes a designação pejorativa para a palavra.

O preconceito, no entanto, fica marcado também em palavras que, originárias do hebraico, acabam sendo usadas de forma depreciativa, como acontece com desmazelo (negligência, desleixo, desalinho - de mazal), malsim (delator, traidor – de mashlin, lashon), zote ( pateta, idiota, parvo, tolo – de zot /solo, base, subterrâneo – zotah/ pequeno, baixo, menor), ou tacanho (que tem pequena estatura, acanhado; pequeno; estúpido, inhenho, avarento/talvez de qatan). Ou mesmo, palavras relacionadas a questões financeiras, como é o caso de cacife, cacifeiro, cacifar e cacifo.

Resgatar este elo hebraico-Português seria, acima de tudo, resgatar o valor do judeu no processo histórico brasileiro. Nossa pesquisa tem ido além destes pequenos apontamentos e apresenta-se cada vez mais como um agradável desafio em busca de nossas origens. Talvez este seja um caminho para vencer também o preconceito. Assim, parafraseando Foucault, poderemos perceber as falas que nos antecederam e escreveram nossa história, abrindo uma nova página para se recontar, viver e escrever uma nova história.

 

BIBLIOGRAFIA

DUBOIS, Jean. Dicionário de Lingüística. 3a. ed, São Paulo: Cultrix, 1987.

MELO, Gladstone Chaves de. A língua do Brasil. 2a. ed, melhorada e aumentada, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Coleção Estante de Língua Portuguesa. Série Universidade, 6, 1971.

MAIA, Clarinda de Azevedo. História da língua portuguesa; guia de estudo. Coimbra: Faculdade de Letras, 1995.

ECO, Umberto. Em busca da Língua Perfeita. São Paulo: Edusc.

SEREBRENICK, Salomão e LIPINER, Elias. Breve História dos Ju-deus no Brasil. Rio, Biblos, 1962
www.geocities.com/Athens/Forum/4720/livro10.htm

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 2002.

DINES, Alberto. 500 anos: A presença judaica no Brasil. Revista Morasha, Ano VIII n.26 dezembro 1999. www.morasha.com.br/


 

[1] Querubim e Serafim apresentam a forma de plural masculino.