CAMINHOS
E
DESCAMINHOS
DO HEBRAICO AO
PORTUGUÊS
Isabel
Arco
Verde
Santos
(UERJ e UNESA)
Andréa de Melo Souza
(UERJ)
Se o
lingüista
americano
Steven Roger Fischer vivesse no
ano
de 586 a.E.C. na
região
da Judéia,
ele
certamente
seria
mais
um
profeta
apontando
sobre
o
destino
da
língua
hebraica.
Afinal,
por
muito
menos
ele
profetizou
que
o
português
no Brasil,
dentro
de 300
anos
desapareceria tornando-se
um
portunhol,
segundo
entrevista
à
revista
VEJA, de 5 de
abril
de 2000.
Ora,
imaginem o
cenário.
Israel vivia
um
tempo
de monarquia, dividido
em
dois
reinos:
Israel, o
reino
do
norte
e Judá, o
reino
do
sul.
O
Império
Assírio
chegou
devastador
sobrepondo-se ao
reino
do
norte,
que
se apresentava desgastado
com
gradativa
decadência
do
governo.
Isto
aconteceu
em
722 a.E.C. Judá resistiu
por
pouco
mais
de duzentos
anos,
antes
de
ser
dominado
pela
Babilônia,
império
que
se sobrepôs à
Assíria.
O
que é uma
língua
sem
seu
povo? O
que é uma
língua
sem
seu
espaço?
O
domínio Babilônio pôs
abaixo o
grande
símbolo da
unidade hebréia: o
templo.
Agora,
dispersos,
era
preciso
não
deixar
morrer a
história, a
promessa, o
futuro. O
que
dizer
então da
língua?
Quem
poderia
imaginar
que
hoje,
mais de
dois
mil
anos
depois, o hebraico estivesse
vivo e,
mais
que
isso,
que na
profecia de Fischer
ainda figurasse
como uma das
línguas
que sobreviveriam
dentro dos
próximos 300
anos
por
sua significação
religiosa.
O
templo
não tardou
muito a
ser reconstruído e a tornar-se o
centro
religioso na
vida dos
judeus.
Mas
em 70 E.C., o
templo é
pela
segunda
vez destruído,
agora
pelos
romanos.
Nova
dispersão. O
retorno parece
mais
difícil. A
esperança de
reconstrução
também.
Desde a
primeira
dispersão
muitos
judeus se estabeleceram
em
diversos
lugares e
já
não retornaram.
Preservar a
identidade à
distância,
não é
algo
fácil. A
dificuldade
com
relação à
identidade
já é perceptível na
primeira
seção do
livro de
Provérbios,
que
alguns
autores apontam do
século VIII a.E.C.
ou
nos
conflitos
vividos
por Daniel, no
cativeiro
babilônico. A
religião unificava,
mas
também trazia
outros
conflitos,
pois à
medida
que o
povo se distanciava e
mais
distante ficava da
língua,
mais
anseio
tinha
em
rezar de
forma
que entendesse o
que falava.
Este
reclame foi
vivido
aqui no Brasil,
por
exemplo,
quando a
Igreja
Católica entendeu
necessário
abolir a
missa
em
latim
em
favor do
português.
Ora, se a
liderança
religiosa cedesse a
este
apelo das
comunidades
distantes,
com
certeza perderia o
grande
elo de
união
entre os
judeus: a
língua. Desta
forma podemos
dizer
que o
grande
responsável, num
primeiro
momento
pela
preservação do
povo
não foi a
religião,
mas
sim a
língua. No
entanto,
não podemos
negar
que a
religião
também preservou a
língua,
afinal
era na
liturgia, sinagogal
ou
doméstica,
onde a
fé
era exercitada,
que a
língua se mantinha
viva.
E é esta
língua
litúrgica
que
permanece
viva.
É a
partir
desta
língua
litúrgica,
do hebraico das rezas,
que
a
literatura
se desenvolve. É a
partir
desta
língua
litúrgica
que
surgem outras
línguas,
que
num
movimento
dialógico
com
os
diversos
falares
dos
judeus
vai tomando
formas
próprias,
como
é o ídish, o
ladino,
e outras
que,
representantes de
um
momento,
não
persistem
como
o judeu-eslávico, o judeu-grego, o judeu-francês e outras tantas.
Este
diálogo
filológico,
que
vai
além
do
influenciar,
chegando à
criação
de uma
nova
estrutura
lingüística,
só
evidencia a
força
que
o hebraico tem. A
força
que
o
falante
traz
consigo.
Foi pensando nisto
que
resolvemos
estudar
as
influências
do hebraico no
português.
Na
introdução
do
seu
livro
“Breve
história
dos
judeus
no Brasil”, Salomão Serebrenick afirma:
A
história
dos
judeus
no Brasil constitui
um
caso
único;
pois
de
nenhum
outro
país
se pode
dizer
que
nele os
judeus
tenham
vivido
ao
longo
de
toda
a
sua
existência,
contribuindo
substancialmente
para
o
seu
desenvolvimento
econômico
e
social.
De
fato,
desde
o descobrimento do
país
-
evento
este
do
qual
participaram, tendo
inclusive
ajudado
nos
seus
preparativos
-
até
a
época
presente,
os
judeus,
quase
sem
intermitência,
aberta
ou
disfarçadamente, estiveram integrados
nos
processos
de
formação
da
nacionalidade.
(SEREBRINICK, 1962)
É
certo
que,
a
princípio,
não
podemos
deixar
de
lembrar
que
no Brasil a
história
dos
judeus
viveu a clandestinidade
imposta
pela
Inquisição.
E
que
só
a
partir
de 1770,
quando
parece saciada a
voracidade
inquisitorial poderíamos
entender
uma
liberdade
maior,
ainda
que
comedida
nos
diversos
setores
da
vida
brasileira.
O
que
se tem levantado e divulgado
com
relação
à
presença
e participação de
judeus
na
história
do Brasil é
bem
significativa.
As
relações
com
D. Pedro II, é
outra
questão
que
não
é
mais
ignorada,
inclusive
pela
presença
dos
pergaminhos
da Torah
que
foram adquiridos
pelo
Imperador,
de
posse
do
Museu
Histórico
da
Quinta
da Boa
Vista,
evidenciando
ainda
mais
seu
interesse
e
simpatia
para
com
a
cultura
judaica.
A
partir
disto poderíamos
concluir
que
a
influência
da
língua
hebraica no
português
foi
igualmente
significativa,
transformadora e influenciadora.
Afinal,
segundo
Gladstone de Melo: “A
língua
é o
reflexo
mais
direto,
é o
termômetro
mais
sensível
da
vitalidade
e das
oscilações
de uma
cultura.”(MELO,
1971) E foi nesta
certeza
que
passamos a
procurar
esta
confirmação,
através
de
dicionários
etimológicos.
O
estudo
etimológico
de uma
língua
acaba revelando ao
pesquisador
a
história
de
seu
falante,
história
essa
que
transcende
até
mesmo
o
próprio
falante.
Foucalt,
em
sua
Ordem
do
Discurso
resgata esta
idéia.
Embora
objetive
falar
sobre
o
discurso,
ao
pronunciar
o
desejo
de
que
a
palavra
se estenda
para
além
dele, diz:
Ao
invés
de
tomar
a
palavra,
gostaria de
ser
envolvido
por
ela
e
levado
bem
além
de
todo
começo
possível.
Gostaria de
perceber
que
no
momento
de
falar
uma
voz
me
precedia há
muito
tempo:
bastaria,
então,
que
eu
encadeasse, prosseguisse a
frase,
me
alojasse,
sem
ser
percebido,
em
seus
interstícios,
como
se
ela
me
houvesse
dado
um
sinal,
mantendo-se,
por
um
instante
suspensa. (FOUCAULT, 2002:5)
Em
se tratando de
questões
lingüísticas
o
estudo
etimológico
procura
exatamente
o
que
Foucault almeja no
discurso:
a
palavra
primeira,
seu
encadeamento,
seu
prosseguimento,
seus
interstícios.
Logo
no
primeiro
dicionário
consultado, poucas
palavras
foram levantadas apontadas
pelo
autor
como
de
origem
hebraica. E, na
sua
maioria,
das
palavras
levantadas, pouquíssimas apresentavam uma
fácil
significação,
devido
ao
uso
raro
apresentado.
Como
no
primeiro
dicionário,
outros
não
trouxeram
grandes
diferenças.
O
que
é,
por
exemplo,
bato?
Bato vem da
raiz
bat,
que
seria uma
medida
de
capacidade.
Algumas
referências
a esta
palavra
são
encontradas
em
I
Reis
7:26, 38; 2
Crônicas
2:10; 4:5; Ezequiel 45:10, 11, 14; Isaías 5:10 e Esdras 7:22. De bato
nós
temos batométrico, batometria –
medida
das profundezas do
mar.
O
que
é siclo?
Siclo vem da
raiz
shéqel e identificava a
moeda
dos
hebreus
–
uso
hebreus
em
referência
aos
antigos
judeus.
Aliás,
só
por
curiosidade,
a
moeda
de Israel
hoje
é o shéqel chadash (novo
shéqel). Gênesis 23:15, 16, Êxodo21:32 e inúmeras outras
referências.
O
que
é sidônio?
Natural
da
cidade
de Sidon, na
Fenícia.
Vem de Tsidony,
como
se pode
verificar
em
Deuteronômio 3:9,
entre
outros.
Claro
que,
por
outro
lado,
temos
palavras
como
aleluia,
amém,
hosana.
Mas,
mesmo
para
essas,
que
são
muito
usadas
em
ambiente
litúrgico
chegando
até
a extrapolá-lo,
não
temos, muitas
vezes,
uma
certeza
por
parte
das
pessoas
que
as usam,
quanto
a
seus
significados.
É
certo
que,
uma
parte
das
palavras
que
aparecem
nos
dicionários
apontando
para
uma
origem
hebraica,
são
de
uso
bíblico. Referem-se a
nacionalidades,
como
moabita,
filisteu,
sidônio; outras fazem
referência
a
objetos
do
antigo
sacerdócio
como
o efode, urim e tumim
ou
entidades
celestes
como
querubim
e
Serafim.
Estas últimas
palavras
são
transliterações,
devido
à
dificuldade
em
defini-las.
Outras
palavras
como
jeovista
ou
javeísta
ou
javista, eloísta
são
adjetivos
que
dizem
respeito
a
questões
que
envolvem os
nomes
das
quais
são
origem.
Da
mesma
forma
como
temos
edênico,
abraâmico,
mosaico,
adâmico,
davídico,
salomônico,
aarônico.
Não
é de se
estranhar
a
inclusão
destas
palavras
nos
dicionários.
Afinal,
a
Bíblia
ainda
bate o
recorde
de
livro
mais
vendido, traduzido e lido no
mundo;
isto
já
seria o
suficiente
para
que
se incluíssem todas as
palavras
de
seu
corpo
em
qualquer
dicionário,
pois
sendo
um
livro
de
tamanha
popularidade
justificaria
que
seu
vocabulário
fosse
devidamente
desvendado
por
qualquer
dicionário.
Por
outro
lado,
mesmo
as
palavras
de
uso
mais
comum
na
liturgia
carecem de
melhor
entendimento
por
parte
dos fiéis.
Afinal,
o
que
é hissopo?
Bem,
os
dicionários
trazem
como
definição:
“Planta
medicinal
da
família
das labiadas”
(segundo
o Aurélio).
Mas,
e daí?
Quando
se
lê
o
salmo
51:7: “Purifica-me
com
hissopo e ficarei
limpo”,
até
que
ponto
é
possível
entender
o
significado
do
texto
com
a
definição
apresentada
pelo
dicionário.
Segundo
o
dicionário
de Dubois:
Há
dois
tipos
de
definição:
(a)
definição
referencial (ou
ostensiva),
que
é a
que
se faz
por
referência
à
coisa
que
o
signo
denota; (b)
definição
semântica
(ou
lógica),
que
é a
que
se faz
por
meio
de
signos
que
pertencem a
um
sistema
construído,
a uma
língua
artificial
ou
metalíngua. (DUBOIS, 1987)
Com
isto,
percebemos
que
mesmo
ao se
propor
definir
o
termo,
do
que
se esperaria
obter
o
entendimento
de
seu
contexto,
as
definições
deixam a
desejar,
sendo
necessário,
como
neste
caso,
consultar
um
dicionário
de
botânica
para
se
perceber
a
utilização
do hissopo e,
assim
compreender
melhor
seu
uso
no
texto.
A
partir
disto entendemos
que
a
inclusão
destas
palavras
de
origem
bíblica no
dicionário,
não
se dá
por
causa
da
influência
judaica,
mas
por
uma
necessidade
cristã,
pois
objetivam
ajudar
o
leitor
e
estudioso
da
bíblia,
ou
teólogo,
a
fim
de
que
compreenda
melhor
os
termos
usados no
livro
sagrado.
Palavras
estas
que
poderíamos
acrescentar
às
já
citadas
aba,
adonai,
jubileu,
messias,
levita,
satã,
semita
entre
outras.
Algumas
palavras
destas
palavras,
no
entanto,
alcançam
significados
outros,
mesmo
que
relacionados à
idéia
primeira,
conforme
apresentada no
texto
bíblico.
Um
exemplo
disto está na
palavra
babel.
Se
bem
que
no
seu
próprio
uso
bíblico indica
confusão,
bagunça,
o
que
novamente
nos
aproximaria da
intenção
do
autor
bíblico.
Por
outro
lado,
amém,
tem
assumido
nos
dias
de
hoje
um
uso
mais
vulgar
e
corrente
deixando de
expressar
somente
a
concordância
dos fiéis às
palavras
elevadas ao
Eterno,
mas
figurando
hoje
qualquer
concordância
a
desejos
e
ânsias
futuras. Da
mesma
forma,
a
palavra
aleluia
tem sido usada
como
interjeição
de
alívio.
Depois
deste
pequeno
passeio,
nas poucas
palavras
apontadas
pelos
dicionários
de
origem
hebraica perguntamos:
Como
pode o
judeu
ter
tanta
expressão
na
história
de
nosso
país
e o hebraico
não
figurar
como
influenciador
em
potencial
do
português
no Brasil?
Por
outro
lado
é
notória
e
expressiva
a
influência
do
árabe
em
nossa
língua.
Com
relação
a esta
influência,
eis
a
explicação:
O
árabe
foi
um
povo
invasor
e
dominador,
estava na
plenitude
de
sua
vitalidade,
na
fase
expansionista
da
força
nacional;
a
sua
língua
tinha
um
passado
glorioso
e
rico,
era
instrumento
de adiantada
cultura
e de
opulenta
literatura.(MELO,
1971)
A
permanência
árabe
na
Península
Ibérica
foi de
oito
séculos,
a
partir
de 711.
Ou
seja, o
português,
como
língua
do
conquistador,
ao
chegar
ao Brasil
já
o faz
após
um
longo
período
de
contato
com
o
árabe.
Mas
este
contato
não
chegou a
influir
na
fonética
e
estrutura
do
português,
tendo
em
vista
os
dois
povos
terem preservado
suas
culturas.
Com
o
Império
árabe
crescente,
o hebraico dialoga culturalmente
com
seu
companheiro
semita.
Aliás,
este
fato
não
pode
ser
desprezado,
pois
tal
período
de
feliz
convivência
é chamado
nos
estudos
literários
hebraicos de
Idade
de
Ouro.
Enquanto
isto,
o
português
está sendo gerado tendo
como
origem
o
latim.
A
presença
cristã é,
por
mais
paradoxal
que
seja,
um
grande
difusor
do hebraico.
Independente
do antissemitismo
presente
no
cristianismo
já
dos
primeiros
séculos,
o
interesse
em
traduzir
a
Bíblia,
levou
muitos
pais
da
Igreja
a
fazer
estudos
com
os
textos
originais.
A
presença
do
árabe
no
português
é
marcante,
segundo
os
dicionários
etimológicos.
Clarinda de Azevedo
Maia
comenta:
Pode considerar-se
extremamente
rico
o
legado
árabe
no
léxico
português:
já
foram apontadas algumas
centenas
de
vocábulos
com
essa
origem,
na
sua
quase
totalidade
substantivos
e
referentes
a
quase
todos
os
domínios
da actividade
humana:
abrangem
quase
todos
os sectores da
vida
material,
sendo praticamente
inexistentes
os
arabismos
referentes
a
sentimentos,
noções
abstractas,
qualidades
morais.
Centremo-nos naqueles
que
entraram
em
português
por
via
oral,
quer
através
dos moçárabes,
portanto
em
período
anterior
à Reconquista,
quer
através
dos
mouros,
que
permaneceram
em
localidades
do
Sul
de Portugal,
mesmo
após
a
recuperação
desses
territórios
pelos
reconquistadores
setentrionais.
Sob
o
ponto
de
vista
formal,
a
maioria
dos
substantivos
começa
por
al-, o
artigo
definido
árabe.
(MAIA,
1995)
De
fato,
é
comum
o
registro
do
acréscimo
do
árabe
no
português
em
cerca
de
mil
palavras.
Tal
fato
ainda
é reforçado
por
palavras
que
podem
causar
estranheza
ao
falante
brasileiro,
pois
muitas delas,
assim
apontadas de
origem
árabe,
parecem-nos
totalmente
desconhecidas.
A
presença
do
árabe
na
Península
Ibérica
foi
muito
marcante,
o
que
justifica a
presença
destas
palavras.
Se falarmos
em
termos
da
influência
na
língua
espanhola, perceberemos
um
registro
bem
maior.
O
problema
é
que
ao
apresentar
a
origem
como
oriunda
do
árabe
deixam,
para
o
estudioso
do hebraico, uma
pergunta:
as
palavras
são
de
origem
árabe
ou
foram introduzidas
pelos
árabes?
Tal
questionamento
não
se resume a
dar
o
mérito
da
palavra
a
alguém,
pois
é
certo
que,
se
tais
palavras
foram introduzidas no
léxico
o foram
em
conseqüência
desta
significante
presença
na
Península
Ibérica,
mas,
da
mesma
forma
que
num
primeiro
momento
conseguimos
chegar
a
evidências
de
palavras
ditas latinas
que
tinham
antecedente
hebraico, encontramos
mesma
suspeita
com
relação
ao
árabe.
É
certo
que
o
árabe
e o hebraico
são
línguas
de
origem
comum,
ambas
semitas
pertencentes ao
mesmo
tronco,
tendo
centenas
de
palavras
com
a
fonética
muito
parecida denunciando o
parentesco,
algumas delas
palavras,
inclusive,
trazem o
mesmo
significado,
como
é o
caso
de shalom [hebraico] e salam [árabe].
O hebraico sofre
influências
da
língua
árabe
na
idade
Média.
Alguns
dos
nomes
da
História
Judaica
escreveram
em
uma
língua
que
combinava o
árabe
e o hebraico,
como
foi o
caso
do judeu-árabe, uma
língua
híbrida,
onde
o
árabe
era
escrito
em
caracteres
judaicos.
Como
o
árabe
nesta
época
tornou-se uma
língua
cotidiana
e
necessária
para
o
comércio,
sua
utilização
também
foi valorizada
entre
escritores
judeus
como
Yehuda HaLevi, Maimônides,
Rabi
Ibn Pakuda,
entre
outros,
que
escreveram várias de
suas
obras
em
judeu-árabe.
Outra
língua
que
carrega
características
árabes
é o
ladino.
Falada
ainda
hoje,
combina
espanhol
antigo,
hebraico,
árabe,
turco,
grego
e
vocábulos
medievais
franceses.
A
questão
aqui,
porém,
não
é
tirar
o
mérito
de
entrada
da
palavra
no
léxico,
mas
perseguir
sua
origem
primeira.
Umberto
Eco
tem sido uma
voz
neste
sentido.
Preocupado
com
a
origem
até
mais
profunda
da
língua,
buscando a
língua
primeira,
a
língua
adâmica,
como
apresenta
em
sua
obra
Em
busca
da
língua
Perfeita.
Eco
ainda
desenvolveu
alguns
trabalhos
onde
chega
mesmo
a
concluir
pela
influência
hebraica
anterior
ao
latim
na
língua
inglesa, chegando a algumas
conclusões
que
bem
se aplicam ao
português.
De
seu
trabalho,
fica
mais
clara
a
dificuldade
de se
trabalhar
etimologicamente,
pois
corremos o
risco
de
nos
rendermos a
um
trabalho
que
acabe
por
perseguir
a
chamada
língua
perfeita.
A
busca
pelo
hebraico,
porém,
não
pretende prová-la
como
a
língua
perfeita,
mas
questionar
a
falta
de
percepção
desta
língua
na
língua
portuguesa, o
que,
com
certeza,
consiste numa
lacuna
que
precisa
ser
investigada.
A
discreta
participação da
língua
hebraica no
léxico
da
língua
portuguesa pode
ganhar,
assim,
maior
dimensão
se investigada
para
além
do
que
se tem apontado.
A
procura
por
esta anterioridade se dá de
maneira
diferente
pois,
enquanto
no
latim
a
grande
influência
se dá
em
termos
de
religião,
no
árabe
a
procura
se
processa
por
serem
línguas
do
mesmo
tronco
lingüístico.
A
dificuldade
para
acharmos o hebraico se dá
não
só
pelo
meio
de
entrada
das
palavras
no
léxico
português,
mas
pela
própria
história
dos
judeus
na
Península
Ibérica,
dolorosa
história,
que
entendeu a
necessidade
do
secreto,
do
segredo,
para
que
pudesse
sobreviver.
O
judeu
chega
ao Brasil fugindo de Portugal e da
inquisição
e
mesmo
assim,
ainda
é perseguido. A
história
dos
judeus
é
por
isso
fragmentada:
Comunidades
como
a italiana, alemã, sírio-libanesa
ou
japonesa,
muito
mais
recentes,
tiveram
condições
para
apresentar-se de
forma
mais
orgânica
e
contínua.
Apesar
do
susto
que
os
descendentes
de algumas delas sofreram
durante
o
período
em
que
o
país
esteve
em
guerra
com
o
Eixo
(1942-1945). A
comunidade
israelita
(o
nome
“judeu"
ou
"judaico"
tinha
conotações
pejorativas) foi confinada e confinou-se
durante
grande
parte
destes
cinco
séculos,
obrigada
a
um
distanciamento
e
forçada
discrição.
(DINES, 1999)
A
língua
assim,
reproduz a
história
do
próprio
povo,
preservando-a
mesmo
que
velada e escondida.
Sua
presença
tem na
Bíblia
sua
maior
expressão
e
palavras
que,
pelo
seu
valor
religioso
não
puderam
ser
omitidas, traduzidas e
bem
pouco
modificadas.
A
questão
religiosa
e do
secreto
são
também
interessantes
quando
analisadas. A
crença
na
língua
hebraica
que
a entendia
como
sagrada,
fato
este
pregado
inclusive
pelos
pais
da
Igreja,
justifica
seu
principal
campo
de
influência.
Por
outro
lado,
o
caráter
secreto
que
acompanha a
história
judaica,
melhor
exemplificado no
misticismo
judaico
ou
cabala,
concorrem
para
o
seu
velamento.
Palavras
de
origem
árabe
e hebraica se confundem. Abd,
que
significa
servo,
é sinalizada
como
de
origem
árabe.
No
entanto,
apresenta
origem
hebraica,
com
mesmo
significado.
Na
Bíblia,
é
comum
a
expressão
servo
de
Deus,
como
em
árabe
abdala –
servo
de Alá.
Da
mesma
forma
temos a
palavra
do
português
“aberto”,
que
segundo
Wagner e José Pedro
Machado
também
derivariam do
árabe
Fatich, tendo
forma
primitiva
no hebraico Patach, ocorrendo
aqui
um
decalque
lingüístico.
Este
questionamento
encontra
voz
também
em
trabalhos
como
o do epigrafista
português
Carlos
Castelo
que
questiona
quanto
a
consideração
para
o
nome
Bensafrim (localidade
no Algarve),
que
no
Léxico
Etimológico
da
Língua
Arábica
em
Portugal,
composto
por
ordem
da
Academia
Real
das
Ciências
de Lisboa
em
1789, e
segundo
o
seu
autor,
Fr. João de Sousa, indica
sua
origem
como
do
árabe:
Benasafarim
-
Benassaharin. Significando a dos
Feiticeiros,
a
partir
da
derivação
do
verbo
Sahara -
encantar,
enfeitiçar.
Castelo
reclama
pela
origem
hebraica do
nome
que
encontra
melhor
explicação
a
partir
das
palavras
hebraicas Ben –
filho
- e Soferim –
escriba,
escritor.
Partindo desta possibilidade, poderíamos
suspeitar
de outras
palavras
como
cadimo, apresentado no
Vocabulário
Português
de
Origem
Árabe
de José Pedro
Machado,
significando
antigo,
velho.
No hebraico temos kadum
como
anterior,
antigo.
Em
alguns
trabalhos
etimológicos
o
que
podemos
observar
com
relação
à
indicação
da
origem
árabe
das
palavras
é o
fato
do
autor
das
obras
ter
grande
influência
nesta
área
de
pesquisa.
É o
caso,
de José Pedro
Machado,
autor
de
Vocabulário
Português
de
Origem
Árabe,
Palavras
a
Propósito
de
Palavras
-
Notas
Lexicais,
Estrangeirismos
na
Língua
Portuguesa,
Ensaios
Literários
e
Lingüísticos,
Ensaios
Histórico-Lingüísticos,
Ensaios
Arábico-Portugueses
e O
Grande
Livro
dos
Provérbios,
entre
outros.
Seu
Dicionário
Etimológico
da
Língua
Portuguesa
traz,
inclusive,
um
quadro
lingüístico
do
árabe,
onde
o
leitor
pode
fazer
a
equivalência
para
o
português.
Além
destes
dois
caminhos
de
encontro
com
o hebraico no
léxico
português,
ainda
há
aquele
que
aponta
para
o
preconceito
e
depreciação.
O
termo
judiar,
por
exemplo,
tem
dado
o
que
falar
ultimamente,
quando
dicionários
como
o Aurélio e o atualíssimo Houaiss estão sendo
objetos
de
ação
na
Justiça,
por
incluírem
em
seus
verbetes
a designação
pejorativa
para
a
palavra.
O
preconceito,
no
entanto,
fica marcado
também
em
palavras
que,
originárias do hebraico, acabam sendo usadas de
forma
depreciativa,
como
acontece
com
desmazelo
(negligência,
desleixo,
desalinho
- de mazal), malsim (delator,
traidor
– de mashlin, lashon), zote (
pateta,
idiota,
parvo,
tolo
– de zot /solo,
base,
subterrâneo
– zotah/
pequeno,
baixo,
menor),
ou
tacanho
(que
tem
pequena
estatura,
acanhado;
pequeno;
estúpido,
inhenho,
avarento/talvez
de qatan).
Ou
mesmo,
palavras
relacionadas a
questões
financeiras,
como
é o
caso
de
cacife,
cacifeiro,
cacifar
e cacifo.
Resgatar
este
elo
hebraico-Português seria,
acima
de
tudo,
resgatar
o
valor
do
judeu
no
processo
histórico
brasileiro.
Nossa
pesquisa
já
tem
ido
além
destes
pequenos
apontamentos
e apresenta-se
cada
vez
mais
como
um
agradável
desafio
em
busca
de nossas
origens.
Talvez
este
seja
um
caminho
para
vencer
também
o
preconceito.
Assim,
parafraseando Foucault, poderemos
perceber
as
falas
que
nos
antecederam e escreveram
nossa
história,
abrindo uma
nova
página
para
se
recontar,
viver
e
escrever
uma
nova
história.
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