Estratégias
da intertextualidade
Maria Lucia Mexias-Simon
(USS)
Os
arquétipos
de
gênero,
por
mais
abstratos
que
sejam, constituem
estruturas
textuais
sempre
presentes
no
espírito
de
quem
escreve (arquitexto). Perdem
sua
transitividade,
já
não
falam,
são
falados;
deixam de
denotar
para
conotar;
já
não
significam
por
conta
própria
, passam a
ser
material
de
reconstrução.
A
relação
da
obra
de
arte
com
seus
arquétipos
pode
ser
de
realização,
de transformação
ou
de
transgressão.
Muitas
vezes,
é o
tipo
dessa
relação
que
define a
natureza
da
obra
(sátira,
drama
etc). Os
contos,
mitos
e
histórias
tradicionais tendem a englobar-se e
formar
agregados
enciclopédicos,
distanciando-se
durante
séculos,
constituindo uma
série
de
analogias,
sobretudo
numa
cultura
homogênea.
Os
poetas
(e a
poesia)
são,
freqüentemente,
errantes.
O intertexto
desempenha
o
papel
do filósofo, do
santo,
unanimemente venerado, tido
como
mártir
e de
quem
se
veste,
como
uma
roupa,
o
modo
de
dizer.
O intertexto é
vagamundo,
é tomado e retomado
como
padrão,
é
mais
ou
menos
identificado nas
suas
origens.
Alguns
autores
insistem na
idéia
de
que
a
inserção
de
palavras
de
um
autor
em
texto
posterior
a
ele
torna,
por
esse
fato,
o
autor
citado
contemporâneo
do
texto
que
o citou.
Para
Paul
Zumthor, o intertexto é a “inscrição
do
texto
numa
história,
da
história
no
texto”
(JENNY, L. et alii., 1979: 109).
Cada
texto
seria,
assim,
zona
de
união,
onde
se cruzam duas
séries
textuais.
Uma
paródia,
por
exemplo,
estaria relacionada
com
a
obra
caricaturada,
tanto
quanto
com
todas outras
paródias
constitutivas do
gênero.
Laurent Jenny propõe
falar
de intertextualidade “desde
que
se possam
encontrar,
num
texto,
elementos
anteriormente
estruturados
para
além
do lexema, seja
qual
for o
nível
de estruturação” (JENNY, L. et alii., 1979: 14).
Fala
também
de “intertextualidade
fraca”
(Idem,
ibidem
)
para
a
simples
alusão.
O
processo
de intertextualidade pode
ocorrer
em
vários
graus.Visamos,
nessa
apresentação,
a
relatar
pesquisa
em
andamento,
sobre
essas
estratégias
da intertextualidade
presentes
no
cancioneiro
contemporâneo
no Brasil,
mais
exatamente,
na
segunda
metade
da
década
de 60 e na
primeira
metade
da
década
de 70.
Aborda-se
um
período da
história cultural
recente do Brasil,
seus
destaques
literários,
com
sua
temática e
recursos de
expressão e
suas
alusões
textuais,
contextuais e inter-textuais,
como
recurso de
catarse e de
manifestação ideológica.
A
temática
mais abordada
nos relatos da
época é
exatamente a
conversão do
intelectual à militância
política. Essa
só
era
possível,
então, no
terreno da
ficção,
já
que a
prática
política estava
bastante limitada. Os
artistas e
intelectuais da
fase tropicalista, engessados
pela
conjuntura, embaçavam
suas
imagens
pela
metáfora, algumas
vezes de
difícil
alcance.
Paralelo a
marcantes
acontecimentos mundiais, o tropicalismo
não
apenas fazia
referência a
esses
acontecimentos, no
recurso recorte-colagem,
como aludia a
seus
predecessores,
como, ao
mesmo
tempo,
busca de
aval e
isenção de “culpa”. A
nossa
pesquisa tenciona
levantar
esses
atalhos,
em
busca de
melhor captação da
significativa
produção
artística do
período.
A
Tropicália, (movimento artístico-cultural da
época), no
seu
trabalho de recorte-colagem, compõe
um
mural de
reservas de
imagens e
emoções próprias a
um
país
patriarcal,
rural e
urbano.
Para apreciá-la, é
preciso
familiaridade
com a
moda,
diante de
um
aparente
disparate
surrealista.
Sua
tonalidade é
onírica,
encerra o
passado na
forma de
males
ativos
ou ressuscitáveis e sugere serem
esses
males o
nosso
destino. Daí o
caráter de
inventário
que têm
peças e
filmes tropicalistas
que apresentam
quanta
matéria possam. Os
fatos entram
em
cena
para
gerar
indignação.
Enquanto a
situação
tenta
não
só
traçar o
futuro
como
reescrever o
passado, os tropicalistas insistem no
desenho dos
fatos
presentes e
passados,
embora num
formato
todo
especial.
Esse
formato
não foi
inteiramente
novo,
como
também
não foi
inteiramente abandonado. Daí a
busca
constante de abonações
em
outros
autores,
como
menções a
fatos
presentes e
passados,
mais
ou
menos
corriqueiros. Tido
como de
breve
duração, o
movimento tropicalista, na
verdade,
não tem
data de
início,
sempre viveu
entre
nós,
como
ainda vive. Essa “vocação”
tropicalista,
que é
mais
que uma
situação
geográfica, é o
objeto do
presente
estudo.
Do
fim da
década de 60 ao
início da
década de 70, o
mundo se viu envolvido
em
acontecimentos
como
guerra do Vietnam,
viagens
espaciais,
movimento
hippie etc.
Muitos desses
fatos estão
presentes no
cancioneiro
popular, incentivado
pela
moda dos
festivais de
música. A
cinematografia, o
teatro e as
artes
plásticas do
período guardam
afinidades
entre
si,
como
tentativas de
fornecer
quanta
informação possam, mantendo os
limites da
censura. Num
levantamento da
produção
artística do Brasil da
época, observam-se
suas
ligações
com o
contexto
histórico,
ligações das
obras
entre
si e
com as outras
obras de
outros
períodos.
Foi uma
fase
difícil
de
nossa
história,
quando
havia
temas
proibidos
e
temas
privilegiados. Várias foram as
saídas
encontradas
por
artistas
e
literatos
para
a
expressão
de
suas
idéias.
Desde
a
saída
propriamente
dita,
(o
aeroporto)
até
o
uso
de
fortes
metáforas,
passando
pela
“carnavalização”,
que,
de
resto,
não
foi uma
novidade
no
cenário
artístico
mundial. O
movimento
denominado Tropicália,
aparentemente
de
breve
duração,
de
fato
sempre
houve e
ainda
perdura na
Cultura
Brasileira.
Se
em
determinada
época
robusteceu-se, deve-se a
fatores
sociopolíticos, preponderantes no
período.
A Tropicália
coincidiu
com
a pop-art, na
época
em
que
transcorreu e no
seu
efeito
de recorte-colagem
que,
como
num
imenso
mural,
procura
apresentar
o
máximo
de
informação
possível.
A
sintaxe
é estilhaçada, correlacionando
palavras
que
normalmente
não
deveriam
estar
juntas,
num arrolamento
insólito.
Nesse arrolamento, os
autores
citam
todo
material
disponível,
desde
suas
próprias
criações,
até
temas
populares
e
religiosos,
que
compõem o
painel
da
nossa
imagística. Foi o
auge
da
técnica
do
palimpsesto,
da intertextualidade. Essa, se é
presente
em
toda
a
história
da
literatura,
fez-se
mais
forte
no
período
mencionado,
dado
o
caráter
de
mural
de
informações,
característico
da Tropicália. A
presença de
outros
textos
nos
textos tropicalistas, seja
como
tema a
desenvolver, seja
como
recurso de
localização espaço-temporal, situa e configura a
obra
em
questão;
Vejamos
alguns
exemplos:
...Mas
fica
meu
amor
/
Quem
sabe
um
dia
Por
descuido
ou
poesia
/
você
goste de
ficar...
(Fica
de Chico Buarque –
referência
a
Helena
de Fernando
Brant)
...Tira
a
pedra
do
caminho
/ serve
mais
um
vinho...
(Cara
a
cara
de Chico Buarque –
referência
a No
meio
do
caminho
de Carlos Drummond de Andrade)
....
Mas
quis o
verde
/
que
te
quero
verde..
(Ilmo sr.
Ciro Monteiro de Chico Buarque –
referência
a
Romance
sonâmbulo
de Garcia Lorca)
....Carlos
amava Dora /
que
amava Pedro /
que
amava
tanto
que
amava a
filha
/
que
amava Carlos /
que
amava Dora /
que
amava
toda
a
quadrilha...
(Flor
da
idade
de Chico Buarque –
referência
a
Quadrilha
de
Carlos
Drummond de Andrade)
Vou
voltar
/ sei
que
ainda
vou
voltar
/
para
o
meu
lugar
/ foi
Lá
/ e é
ainda
lá
/
que
eu
hei de
ouvir
cantar
/ uma
sabiá
...
Vou
deitar
à
sombra
de uma
palmeira
que
já
não
há...
Talvez
possa
espantar
as
noites
que
eu
não
queria...
(Sabiá
de Chico Buarque –
referência
a
Canção
do
exílio
de
Gonçalves
Dias)
...Na
mão
direita
tem uma
roseira
/ autenticando a
eterna
primavera...
(Tropicália
de Caetano Veloso –
referência
a
cantiga
de
roda)
....que
tudo
mais
vá pro
inferno...
(idem
–
referência
a
Que
tudo
mais
vá pro
inferno
de
Roberto
Carlos)..
Você
precisa
saber
da
piscina
/ da
margarina
/ da Carolina...
(Baby
de Caetano Veloso –
referência
a Carolina de Chico
Buarque)
O
porto
/ o
silêncio
/ ...
navegar
é
preciso
/
viver
não
é
preciso...
(Os
argonautas
de Caetano Veloso –
referência
a
Palavras
de
pórtico
de Fernando
Pessoa)
....
diabo
morto
/
em
que
não
reconheço o
anjo
torto
de
Carlos
nem
o
outro..
(Noite
de
hotel
de Caetano Veloso –
referência
a
Poema
de
sete
faces
de Carlos Drumond de Andrade)
....
mas
só
quando
cruzo a Ipiranga e a
Avenida
São
João...
(Sampa
de Caetano Veloso –
referência
a
Ronda
de Paulo
Vanzolini)
A
análise
textual
possibilita
pensar
a
obra
como
estruturação
em
diálogo
com
outra
estruturação. A
tessitura texto-contexto-intertexto, se estabelece
como a
relação, o
ponto de
encontro
entre os
seres
vivos e as
relações petrificadas. Ocorre
entrelaçamento das
obras do
período
entre
si e
com outras
obras, numa
conversação de
autores e
temas. O
reino dos
textos,
longe de
apontar uma
originalidade,
deixa
sempre
entrever a possibilidade de
já
ter existido
antes e de
ser retomado
depois.
Não se
trata de uma continuidade,
mas de uma recursividade, uma circularidade de
discursos,
que relativiza
tempo e
espaço.
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