Repensando as
Marcas
de
Gênero
no
Português
Ana
Paula Araujo Silva
No
II
Seminário
Integrado de
Pesquisa
em
Língua
Portuguesa,
realizado
em
outubro
de 2002 na
Universidade
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro
(UERJ), apresentei uma
comunicação
sobre
a
inclusão
do
gênero
entre
os
mecanismos
de
derivação
ou
de
flexão.
Ressaltando
que
este
não
é
um
ponto
pacífico
entre
os
estudiosos
da
língua
portuguesa, fiquei ao
lado
dos
que
consideram a variação de
gênero
pela
adjunção
do
morfema
-a
um
processo
flexional
também
nos
substantivos,
uma
vez
que
a
aceitação
da
formação
do
gênero
por
processos
diferentes
em
adjetivos
e
substantivos
(classificados
em
muitos
estudos
não
como
classes
distintas,
mas
como
funções
de uma
mesma
classe)
tornaria a
descrição
lingüística
complicada e, às
vezes,
incoerente.
Se considerássemos
que
a
determinação
genérica
se
manifesta
no
substantivo
pelo
processo
da
derivação
e no
adjetivo
pelo
da
flexão,
em
um
sintagma
nominal
como
enfermeira
brasileira,
por
exemplo,
o
morfema
-a seria
um
sufixo
derivacional
em
enfermeira;
em
brasileira,
porém,
seria uma
desinência
de
gênero.
Já
em
brasileira
enfermeira,
ocorreria o
oposto:
sufixo
derivacional
em
brasileira
e
desinência
de
gênero
em
enfermeira.
Discutirei
agora
algumas
dificuldades
e
incoerências
encontradas na
descrição
da
flexão
de
gênero
em
nossa
língua.
A
divisão
binária
dos
substantivos,
em
masculinos
e
femininos,
é, a
rigor,
arbitrária,
fixada
pelo
uso
e
pela
norma.
Bechara (2001: 133) aponta essa
clara
falta
de
lógica
através
da comparação
entre
diferentes
idiomas:
A
inconsistência do
gênero
gramatical
fica
patente
quando se
compara a
distribuição
de
gênero
em duas
ou
mais
línguas, e
até no
âmbito de uma
mesma
língua
histórica na
sua
diversidade
temporal,
regional,
social e
estilística.
Assim é
que
para
nós o
sol é
masculino e
para os
alemães é
feminino
die Sonne, a
lua é
feminino e
para
eles
masculino
der Mond;
enquanto o
português
mulher
é
feminino,
em
alemão é
neutro das
Weib.
Sal e
leite
são
masculinos
em
português e
femininos
em
espanhol:
la
sal
e la leche.
Sangue
é
masculino
em
português e
francês e
feminino
em
espanhol:
le sang (fr.) e la sangre (esp.).
Em
português, ocorre o
emprego de
certos
substantivos
com a
mesma
forma
para
ambos os
gêneros (o
consorte /a
consorte , o
pianista / a
pianista) e de
outros
com
um
único
gênero
sem
referência ao
sexo da
pessoa
ou
animal (a
testemunha, o
rouxinol) – denominados
comum de
dois
gêneros, sobrecomuns e
epicenos,
respectivamente, na
terminologia da
Nomenclatura
Gramatical
Brasileira (NGB). Há
também
substantivos
que pertencem a
determinado
gênero
devido a uma
regra morfológica,
como exemplifica Azeredo (2000: 109): “(...)
são
femininos
todos os
substantivos formados de
adjetivos
com
acréscimo das
terminações –idade
e –idão (...)”
como
claro <
claridade,
escuro <
escuridão. E
ainda
outros
cujo
gênero varia
conforme o
sentido (o
cabeça – a
cabeça, o
capital – a
capital),
que
são
indiferentemente
masculinos
ou
femininos (o/a
personagem, o/a
sabiá),
ou apresentam o
mesmo
gênero de uma
base
elíptica
como exemplifica Bechara (2001: 138):
O (rio)
Amazonas,
o (oceano)
Atlântico,
o (vento)
bóreas, o (lago)
Ládoga, o (mês)
abril,
o (porta-avião)
Minas
Gerais
(...)
A
bela (cidade)
Petrópolis. A
movimentada
(ilha)
Governador.
Nas
denominações
de
navios,
depende do
termo
subentendido: o (transatlântico)
Argentina, a (corveta)
Belmonte, a (canhoneira)
Tijuca
etc. (...).
Notem-se os
seguintes
gêneros:
O (vinho)
champanha
(e
não
a
champanha!),
o (vinho)
madeira,
o (charuto)
havana,
o (café)
moca,
o (gato)
angorá,
o (cão)
terra-nova.
Não é
raro
também
que a
confusão
entre
gênero (categoria
gramatical) e
sexo (noção
biológica) implique
grande
ênfase na
oposição
entre
substantivos
como
homem
–
mulher,
bode –
cabra
etc. A
flexão de
gênero é,
assim,
associada a
todos os
meios de
distinção
entre os
sexos. Há de
se
desfazer
tal
equívoco,
visto
que os
dois
conceitos
são
claramente
distintos: o
gênero abrange
todos os
substantivos e
não
apenas os
que denotam
seres
animados
(providos de
sexo); há
substantivos
que,
mesmo se
referindo a
pessoas e
animais,
possuem
um
só
gênero (a
testemunha,
o
cônjuge,
a
cobra,
o
jacaré).
Câmara
Jr. (1975: 118)
chama
a
atenção
para
a
variedade
de
meios
de
expressão
do
sexo
nos
substantivos:
Há
para
ela
processos
lexicais
como
a
heteronímia
das raízes (ex.:
homem
–
mulher),
a
derivação
lexical
(ex.:
ator
–
atriz,
lebrão –
lebre)
ou
a aposição,
em
certos
contextos,
dos
termos
macho
–
fêmea
a
substantivos
designativos
de
espécies
de
animais
(ex.: a
cobra
macho
– a
cobra
fêmea).
O
autor
não
nega
a
importância
de
tais
diferenciações
lexicais
no
estudo
lingüístico,
mas
defende
que
a
descrição
gramatical
se atenha ao
gênero
em
sua
flexão
nominal.
Assim,
não
procedem,
para
Câmara
Jr., as designações de
comum
de
dois,
sobrecomum
ou
epiceno,
e a
divisão
dos
substantivos
de
acordo
com
o
gênero
pode
ser
apresentada
em
um
quadro
mais
simples
e
coerente:
a)
nomes
substantivos
de
gênero
único:
(o)
planeta,
(a)
rosa,
(o)
algoz,
(a)
testemunha,
(o)
bode, (a)
cabra;
b)
nomes
de
dois
gêneros
sem
flexão:
(o, a)
artista,
(o, a)
selvagem,
(o, a)
intérprete;
c)
nomes de
dois
gêneros
com uma
flexão
redundante:
(o)
lobo,
(a)
loba,
(o)
mestre,
(a) mestra, (o)
autor,
(a) autora.
A
adjunção do
morfema -a
é considerada
redundante
por
caber ao
artigo
indicar, explicita
ou
implicitamente, o
gênero
em
português:
Essa
partícula [o
artigo] tem a
flexão de
gênero, opondo
uma
forma
feminina a
outra
masculina, e
pela
sua
presença,
atual
ou
em
potencial,
numa
ou noutra
forma, define
claramente o
gênero do
substantivo a
que modifica.
Assim, a
categoria de
gênero dos
substantivos
em
português consiste num
jogo
gramatical
mais
sutil do
que seria a
marca
flexional,
imperativa, no
próprio
substantivo.
Essa
marca aparece
muitas
vezes,
como vimos
em
lobo
–
loba,
mestre
– mestra,
autor
– autora;
mas é
então uma
explicitação
redundante de
um
gênero
que existe
independente dela,
isto é, a
forma
masculina do
artigo
em
o
lobo,
como
em
o
livro
ou
o
poeta,
ou a
forma
feminina,
em
a
loba,
como
em
a
rosa
ou
a
tribo. (Câmara
Jr., 1975: 121-2)
Diferença
formal
entre
substantivos
e
adjetivos
Apesar de
poderem
ser considerados
funções de uma
mesma
classe,
adjetivos e
substantivos
apresentam uma
distinção na
base da
flexão de
gênero. Os
primeiros
dividem-se
em biformes
ou
uniformes de
acordo
com
sua
estrutura. Os
adjetivos
terminados
em -o
flexionam-se
em
gênero,
concordando
com o
substantivo a
que se referem
(homem
bonito
–
mulher
bonita).
Os terminados
em -e
ou
em
consoante
são,
geralmente,
invariáveis
em
gênero (gato
triste
–
gata
triste,
princípio
comum
–
regra
comum).
Já os
nomes
que
são
essencialmente
substantivos
podem
ou
não,
com
qualquer
estrutura,
apresentar
flexão (o
apóstolo
–
substantivo de
gênero
único,
o
mestre
– a mestra, o
autor
– a autora).
Câmara Jr. (1996: 87-88)
aponta,
como uma boa
ilustração
desse
comportamento
distinto, os
derivados
em -ês:
(...)
quando
só
são a
rigor
empregados
como
adjetivos,
não têm
flexão de
gênero (homem
cortês,
mulher
cortês),
mas apresentam
essa
flexão
quando
tanto servem
como
substantivos e
como
adjetivos (português
– portuguesa,
substantivo «habitante
de Portugal»;
ou
livro
português,
comida
portuguesa,
em
que
português
é
adjetivo
como
determinante,
respectivamente,
de
livro
e de
comida).
Vogal
temática
ou
desinência
de
gênero?
Há
discordância
entre
estudiosos
quanto
à classificação das
vogais
átonas
finais
dos
substantivos.
Serão
agora
discutidas algumas
propostas
de
análise
desses
morfemas.
Câmara Jr. (1975:
115-129) considera o
feminino uma
forma marcada
pelo
acréscimo do
morfema -a
(desinência
de
gênero)
em
oposição ao
masculino (forma
não-marcada
ou de
desinência Ø).
Semanticamente, o
masculino é
uma
forma
geral, e o
feminino
indica uma especialização
qualquer:
“(...)
jarra é uma
espécie de «jarro»,
barca
um
tipo
especial de «barco»,
como
ursa
é a
fêmea do
animal chamado
urso, e
menina
uma
mulher
em
crescimento na
idade dos
seres
humanos
denominados
como a de «menino»”
(Câmara Jr., 1996:
87-8).
Tal
posição é
seguida
por
diversos
autores.
Nessa
análise,
ocorre
entre
feminino e
masculino uma
oposição
privativa,
visto
que a
desinência de
gênero –a
se opõe à
ausência de
marca na
forma
masculina (Ø).
De
acordo
com
Câmara Jr. (1975: 119), a
admissão de
uma
oposição
eqüipolente na
flexão de
gênero (-a
x -o)
deixa de
fora da
descrição
flexões de
nomes
com
tema
em –e
ou atemáticos
como
mestre
– mestra e
autor
– autora.
Ressalva o
autor
que
só há
desinência de
gênero -a
“em
função da
oposição
com
um
masculino de
desinência
ø” (Câmara Jr.,
1975: 120).
Além disso,
só cabe
falar
em
morfema-zero de
gênero
nos
substantivos
que apresentam
essa
flexão.
Assim,
barco,
coelho,
menino
e
mestre
apresentam VT (-o
nos
três
primeiros, e
-e no
último) e
desinência de
gênero ø
por se oporem
a
barca,
coelha,
menina
e mestra (desinência
de
gênero -a).
O
morfema -a
é
também
desinência de
gênero
em autora,
ao
lado de
autor (desinência
ø).
Já
nos
substantivos
terminados
em
vogais átonas
em
que há
ausência de
relação
opositiva,
ocorre
apenas a
indicação de
um
tema
nominal (VT =
-o, -a
ou -e):
lagarto,
lagarta,
livro,
rosa,
dentista,
ponte,
tigre
etc.
No
artigo
Atualizadores
léxicos,
Carvalho
(1973: 49-60) questiona a
função das
vogais átonas
finais
representadas
pelos grafemas
-e, -o e -a, apresentando
um
minucioso
levantamento a
fim de
esclarecer a
relação
entre essas
vogais e o
gênero dos
nomes. O
autor conclui
que os
substantivos
terminados
em -o
são,
predominantemente,
masculinos,
que a
terminação
-a é
característica de
elementos da
classe do
feminino e
que o
morfema -e
é
indiferente à
categoria de
gênero.
Entretanto, há
um
bom
número de
substantivos
ambígenos (guia,
vigia,
acrobata,
autodidata
etc.)
ou
masculinos (dia,
mapa,
papa,
patriarca,
entre
outros)
em -a.
Dentre os
primeiros,
muitos podem
funcionar
como
adjetivos (poliglota,
homicida,
carioca
etc.).
Em
relação aos
substantivos
em -e,
podem
alguns,
referentes a
seres
animados,
opor-se a
um
feminino
em -a (mestre
– mestra,
infante
– infanta).
Salvo raras
exceções,
Carvalho
(1973: 58) constata
que,
em
português, os
nomes no
singular
terminam
em
vogal.
Quanto aos
terminados nas
consoantes
-s, -z, -r
ou -l,
o
autor se
posiciona a
favor da
postulação
de
um
morfema
vocálico
latente -e,
“que
se
torna
patente no
plural (cor
/
cores,
paz
/
pazes)”.
Acredita,
assim,
que a
função
primária dos
morfemas
nominais
-e, -o e -a é
permitir
que o
conjunto de
formantes
léxicos
(denominado
tema
pelo
autor) “seja
integrado no
léxico,
atualizado
com
um dos
seus
elementos (primeira
atualização da
palavra), e
em
seguida
realizado
concretamente
no
discurso (segunda
atualização)”. Propõe,
então, a
denominação de
“atualizadores
léxicos”,
termo
que
representaria a verdadeira
função desses
morfemas.
Ressalta
também
que -o
e -a podem, secundariamente,
indicar o
gênero:
(...) parece
indubitável
que seja esta
a
função
primária dos
três
sufixos
vocálicos
–e, –o e –a,
que constituem
pois
em
primeiro
lugar
morfemas
de atualização
léxica
– atualizadores
léxicos
–,
enquanto os
dois
últimos
funcionam,
em
segundo
lugar,
cumulativamente,
como
morfemas
de
gênero.
Fico, no
entanto,
com a
opinião dos
que consideram
o
morfema -o
do
masculino uma
marca
nítida de
gênero,
assim
como o
morfema -a
do
feminino.
Kehdi (2002: 29-31) é
um dos
autores
que adotam
essa
análise.
Dois
fatos o
levaram a
rever a
posição de
Câmara Jr.: o
acréscimo de
uma
terminação
em –o
faz
com
que uma
palavra
feminina mude
de
gênero (uma
mulher
/
um
mulheraço, a
cabeça
/ o
cabeçalho),
e há
freqüente
criação de
formas
masculinas
em –o
na
linguagem
popular (coiso,
corujo, crianço, madrasto). O
autor
chama a
atenção
para as
variantes da
desinência de
gênero -o:
“ø (peru
/
perua;
autor
/ autora) e u semivocálico (europeu
/ européia;
mau
/ má)” (Kehdi, 2002: 31).
A produtividade dos
morfemas -o
e -a
como
marcas de
gênero
também é
apontada
por Henriques
(2002: 42),
que cita
substantivos
como
ídola
e
sargenta
(registrados no VOLP);
prostituto
(Aurélio e Houaiss); muso e
talenta
(imprensa);
minhoco (cantiga
de
roda);
barato
(masculino
de
barata
em
música
popular); e
antropônimos
em
que o
masculino
não é a
forma
básica (Albertina
/ Albertino, Sandra / Sandro).
Baseado na
oposição –o
x –a, Henriques (2002: 46) sugere o
seguinte
quadro
para o
reconhecimento
das
vogais
temáticas e
desinências de
gênero
nos
nomes
portugueses:
Terminação
|
Gênero
da
Palavra
|
Análise
|
-a (átono) |
feminino |
DG |
-a (átono) |
masculino |
VT |
-e (átono) |
(irrelevante) |
VT |
-o (átono) |
masculino |
DG |
-o (átono) |
feminino |
VT |
O
quadro
apresentado
pelo
autor descarta
a
necessidade da
existência de
um
par
opositivo
para se
classificar as
vogais átonas
finais –a
e –o de
um
substantivo
como
desinência de
gênero.
Henriques antecipa a possibilidade de
críticas
baseadas na afirmação de
ser o
feminino
sempre uma
especialização do
masculino.
Para
mostrar
quanto
tal
princípio é
discutível,
cita,
em
nota de
rodapé, a
origem do
verbete “bolo”
encontrada no
Novo
dicionário
Aurélio (Ferreira,
2000): “De
bola,
por
causa do
feitio
arredondado de
muitos
bolos (ô)”.
Seria, nesse
caso, o
masculino uma
especialização do
feminino?
Conforme
aponta
Pereira (1987:
46-7), se a
distinção
semântica
geral-particular é,
usualmente,
expressa
pela variação
de
gênero
entre os
substantivos
que se referem
a
seres
animados, o
mesmo
não ocorre
entre os
referentes a
inanimados. A
análise do
significado
(Cf. Houaiss, 2001) dos
pares
jarro-jarra, barco-barca, porto-porta, horto-horta e ovo-ova, citados
por
Câmara
Jr.,
mostra
que a
oposição
geral-específico
só é
registrada
para o
segundo
par, uma
vez
que
barco tem
um
sentido de “qualquer
embarcação”, e
barca
denomina
determinados
tipos de
embarcações.
É de
outra
natureza a
diferença
semântica
entre os
demais
pares.
Jarro
e
jarra podem
ser utilizados
como
sinônimos,
mas o
segundo
termo é
mais
geral.
Porto
e
porta
só têm
em
comum o
fato de
designarem
um
lugar de
passagem e
abertura (o
uso
como
sinônimos é
arcaico). Uma
das
acepções de
horto
é “horta
pequena”,
parecendo
ser o
feminino,
mais uma
vez, o
termo
geral.
Entre
ovo
–
ova há uma
relação de
unidade-coletivo, verificada
também
em
outros
pares
como
lenho
–
lenha.
Um
exaustivo
trabalho de comparação
entre
novos
pares levaria
à
verificação de
diferentes
relações
semânticas, o
que
ratificaria
quão
questionável é a
análise do
feminino
como uma
especialização do
masculino.
Pode-se
ainda,
devido a essa
irregularidade,
discutir se há variação
de
gênero
nos
substantivos
inanimados,
mas essa
já seria
outra
questão...
A
flexão
de
gênero
nos
nomes
Após
essas
considerações,
temos,
como
regra
geral
de
formação
do
feminino,
o
acréscimo
do
morfema
–a
com
a supressão dos
morfemas
-o (vogal
temática
ou
desinência
de
gênero,
conforme
a
análise
por
que
se opte)
ou
-e (vogal
temática),
quando
existentes: menin(o) + -a =
menina,
mestr(e) + -a = mestra,
doutor
+ -a = doutora,
peru
+ -a =
perua.
Conforme
já
abordado
aqui,
há
também
possibilidade de variação de
formas
femininas (masculino
=
feminino
–
-a + -o)
como
ilustram os
pares
lagartixa
– lagartixo e
musa
– muso.
Há
alguns
casos
de
alomorfia:
a)
mudança de
gênero
pela
ocorrência do
morfema
alternativo:
avô
– avó (e derivados).
Esse
exemplo é o
único
caso
em
que a
alternância
entre
timbre fechado
e
timbre
aberto é a
única
marca da
variação de
gênero;
nos
demais
pares
ela é de
caráter
redundante (ou
submorfêmica):
sogro
–
sogra,
esposo –
esposa;
b)
alternância
vocálica
redundante
seguida da
inserção de
uma
semivogal
para
evitar o
hiato:
ateu
– atéia,
europeu
– européia;
c)
mudança
de
gênero
pela
aplicação
do
morfema
subtrativo:
réu
–
ré;
Na
formação
do
feminino
dos
nomes
em
–ão há
três
possibilidades:
a) os
nomes
que
apresentam o
sufixo
aumentativo
–ão fazem o
feminino
em
–ona:
valentão
– valentona,
chorão
– chorona;
b)
alomorfia
no
radical
e
desnasalização
após
a supressão do
morfema
–o (os
nomes
que
fazem o
plural
em
–ões
incluem-se,
geralmente,
neste
caso):
leão
– leoa,
leitão
–leitoa.
Também
ocorre
desnasalização
em
bom
– boa;
c)
ocorrência
do
morfema
subtrativo:
anão
–
anã,
irmão
– irmã.
Alguns
autores
preferem
considerar
que,
nesses
casos,
há
crase:
“irmão
→ irmã(o) + a →
irmãa
→ irmã
(por
crase)”
(Bechara, 2001:35).
Finalizando
este
artigo,
incluo uma
defesa
de
cunho
sincrônico
feita
por
Monteiro (2002:83-4). O
autor
sustenta
que,
na
análise
de
casos
como
rei-rainha, abade-abadessa, diácono-diaconisa, seja
considerada uma
alomorfia
no
radical
como
traço
redundante
na
distinção
dos
gêneros.
São
citados
ainda
outros
exemplos
(cônsul
– consulesa,
herói–
heroína,
maestro
– maestrina,
príncipe
– princesa,
profeta
– profetisa),
e
sua
semelhança
com
os
pares
frade
–
freira,
judeu
– judia,
meu
–
minha,
teu
– tua.
Monteiro
argumenta
que
não
há
razão
para
segmentar
sufixos
que
não
são
reconhecidos
pelos
usuários
da
língua
(nem
mesmo
por
professores
e
alunos
de
Letras),
e
cujo
valor
semântico
se esvaziou
completamente.
Além
disso, ao
desconsiderar
a
marca
derivacional,
não
haverá
motivo
para
a
discordância
em
relação
ao
morfema
final
–a dos
casos
citados,
que
só
poderá
ser
classificado
como
desinência
de
gênero.
A
sugestão
do
autor
é
bastante
econômica;
convém, no
entanto,
ressaltar
que
o
grau
de
semelhança
dos
radicais
deve
ser
levado
em
consideração
ao pensarmos
em
alomorfia.
Como
se
vê,
o
tema
fornece
bastante
material
para
se
investigar.
Nossa
pesquisa
continua,
agora,
em
busca
das
conclusões.
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