EM
BUSCA DA
LINGUAGEM
POÉTICA
DE ANTONIO NÓBREGA
Jorge Moutinho
(UERJ)
Este
trabalho tem
como
objetivo
apresentar o
estágio
inicial de
pesquisa
que será
aprofundada ao
longo da
tese de
doutorado
que o
autor
desenvolve na
Universidade
do
Estado do
Rio de
Janeiro
(Uerj),
sob a
orientação do
professor
doutor André
Crim
Valente. O
objetivo é
abordar
aspectos
referentes à
língua
portuguesa
constantes no
trabalho do
compositor,
cantor e
ator
pernambucano
Antonio Nóbrega,
que tem
sua
trajetória
artística
fortemente
influenciada
pela
participação no
Movimento
Armorial,
idealizado
pelo
escritor
Ariano Suassuna no
início da
década de
1970, e
pela
constante
observação do
trabalho dos
artistas
populares
nordestinos,
conhecidos
como
“brincantes”.
Como
sempre tive
grande
interesse
pela
cultura
popular
brasileira
em
suas
mais diversas
manifestações, a
arte de Antonio Nóbrega passou a
fazer
parte do
meu
foco de
atenção
tanto
em
termos musicais –
já
que
também disponho de
formação
específica nesta
área –
como,
conseqüentemente, no
que diz
respeito aos
textos
que se relacionam
com as
canções, muitas
vezes
criados
em
conjunto
com o
médico
pernambucano Wilson Freire,
seu
constante
parceiro.
Na
tese
que desenvolverei, pretendo
abordar
aspectos
lingüísticos
constantes do
repertório dos
cinco
discos de Nóbrega lançados no
período de 1996 a 2002 (Na
Pancada do
Ganzá,
Madeira
que
Cupim
Não Rói, Pernambuco Falando
para o
Mundo, O
Marco do
Meio-Dia e
Lunário
Perpétuo)
como se fossem
cinco
roteiros
que seguem uma
mesma
seqüência
ou
lógica e
que, na
verdade, formam
um
único e
longo
roteiro de
proporções
muito
maiores, digamos
assim,
que é a
própria
trajetória
artística desse
pernambucano radicado
em
São Paulo,
onde mantém o
Teatro Brincante.
Ao
falar
em
aspectos
lingüísticos,
ressalto
que abordarei
como
ponto de
partida
aqueles
referentes à
semântica, à
estilística e
à
geografia
lingüística, podendo
abranger
futuramente a
fonética.
Neste
último
campo,
serão
abordadas
questões
relacionadas ao
modo de
falar dos
brasileiros
nas diversas
regiões,
tomando
como
ponto de
partida
aspectos
teóricos
abordados
por Yonne
Leite e Dinah
Callou
em
Como
Falam os
Brasileiros
(Leite
& Callou, 2002).
Afinal,
Nóbrega é
pernambucano e
apresenta
em
seu
canto
peculiaridades
da
pronúncia do
seu
estado
natal
que o tornam
bem
diferente de
um
falante
ou
cantor
carioca,
por
exemplo.
Aqui, lembro
Mário Marroquim,
em
A
Língua
do
Nordeste:
A
pronúncia do
nordestino é a
que
caracteriza
em
geral o
falar
brasileiro: é demorada,
igual, digamos
mesmo
arrastada,
em
contraste
com a
prosódia
lusitana,
áspera e
enérgica.
As
vogais
são todas
pronunciadas,
mesmo as
átonas,
quer
mediais
quer
finais.
Não dizemos
tel’fone
ou pared’
com o e
reduzido,
mas
telefõni, parêdi.
Não há nelas
diminuição de
quantidade,
nem
ensurdecimento,
como
em Portugal
(Marroquim, 1996:21).
A
inter-relação
entre o
som e o
sentido das
palavras será focada de
modo
especial.
Para
isso, terão
grande
utilidade as
lições de
autores
como
Ferreira & Cardoso (1994),
que abordam
questões
como
regionalismos
léxicos,
metodologia do
trabalho
dialetal,
inquérito
lingüístico e
atlas
dialetológico.
Conseqüentemente, está
em
pauta uma
rápida
abordagem de
unidades sintópicas, sinstráticas e sinfásicas,
assim
como de
diferenças diatópicas, diastráticas e diafásicas,
suscitadas
pela
análise das
letras de
música
em
questão.
A
estilística merecerá
atenção
especial ao
longo do
desenvolvimento do
trabalho.
Qual será a
melhor
maneira,
ou as
melhores
maneiras,
para
definir o "estilo" de Antonio
Nóbrega
como
cantor e/ou
compositor? Na
busca de uma
ou
mais
respostas
para esta
questão,
serão de
grande
valia as
considerações de
autores
como Martins (2000),
que aborda
distintamente a
estilística do
som, da
palavra, da
frase e da
enunciação,
com
vastos
exemplos
literários
que poderão
muito
bem
servir
como
elementos de comparação
com o
estudo das
letras de
música
que será
desenvolvido.[2]
Em
estilística do
som,
por
exemplo, a autora citada destaca: "Fonemas
e prosodemas (acento,
entoação,
altura e
ritmo) constituem
um
complexo
sonoro de
extraordinária
importância na
função
emotiva e
poética" (Martins, 2000:26). O
potencial
expressivo dos
fonemas é
especialmente
rico nas
letras
cantadas
por Antonio Nóbrega,
associado à
variedade
léxica encontrada – esta
apenas insinuada
aqui.
Para
exemplificar as
letras
que
serão trabalhadas, observe-se o
convite
que o
cantor e
compositor faz à
platéia (ouvintes/espectadores),
neste
tema de
domínio
público recriado
por
ele, chamado Vinde, Vinde,
Moços e
Velhos,
que aparece no
repertório de Na
Pancada do
Ganzá e de Pernambuco Falando
para o
Mundo:
Vinde, Vinde,
Moços
e
Velhos
Vinde, vinde,
moços e
velhos,
vinde,
todos,
apreciar.
Como
isso é
bom,
como
isso é
belo.
Como
isso é
bom,
é
bom
demais.
Olhai, olhai,
Admirai.
(BIS)
Como
isso é
bom,
é
bom
demais.
Veja-se
agora a
riqueza de
imagens contida
em O
Vaqueiro e o
Pescador,
canção incluída no
roteiro de
Madeira
que
Cupim
Não Rói.
Aqui, Nóbrega faz
parceria
com Dimas
Batista
Patriota:
O
Vaqueiro
e o
Pescador
Nasci no
sertão
desfrutando as
virtudes
dos
tempos de
inverno,
fartura e
bonança.
Depois
veio a
seca, fugiu-me
a
esperança
diante de
cenas cruéis e
tão
rudes.
Vi
secos os
rios, as
fontes e
açudes,
e
eu
que gostava
tanto de
pescar,
saí
pelo
mundo
tristonho a
vagar.
Fui
ter numa
praia de
areias
branquinhas,
e olhando a
beleza das
águas
marinhas,
cantei
meu
galope na
beira do
mar.
Ali na
cabana de
alguns
pescadores,
olhando a
beleza do
mar e do
arrebol,
bonitas morenas,
queimadas de
sol,
alegres
me ouviam
cantar
seus
amores.
A
brisa soprava
com
leves
rumores,
o
pinho a
gemer e
depois a
chorar.
Aquelas morenas, à
luz do
luar,
me davam a
impressão de
que fossem
sereias,
risonhas, sentadas nas
alvas
areias,
ouvindo
meus
versos na
beira do
mar.
Eu
sempre
que
via,
lá no
meu
sertão,
caboclo
vaqueiro de
grande
bravura,
num
simples
cavalo, na
mata
mais
dura,
com
roupa de
couro
pegar o barbatão,
dizia, abismado,
com aquela
impressão:
"Não
há
quem o possa
em
bravura
igualar."
Mas
depois
que
eu vi
um praiano
pescar,
numa
frágil
jangada
ou
barco
veleiro,
achei-o
tão
bravo
tal
qual o
vaqueiro,
merece uma
estátua na
beira do
mar.
Associada à
riqueza do
plano
léxico,
como demonstra a
letra
anterior, será estudada na
tese
em
questão a
estilística do
som
ou fônica,
que insinua-se
como
um dos
primeiros
vastos
campos de
estudo
em
busca da
linguagem
poética de Antonio Nóbrega,
em
função do
jeito
peculiar de
interpretação do
cantor.
Afinal,
como diz Nilce Sant’Anna Martins:
Além de
permitir a
oposição de
duas
palavras –
função
distintiva – a
matéria fônica
desempenha uma
função
expressiva
que se deve a
particularidades
da
articulação
dos
fonemas, às
suas
qualidades de
timbre,
altura,
duração,
intensidade.
Os
sons da
língua –
como
outros
sons dos
seres – podem
provocar-nos uma
sensação de
agrado
ou
desagrado e
ainda
sugerir
idéias,
impressões. O
modo
como o
locutor
profere as
palavras da
língua pode
também
denunciar
estados de
espírito
ou
traços da
sua
personalidade.
Evidentemente,
essas
impressões e
sugestões
oferecidas
pela
matéria fônica
são recebidas
de
maneira
diversa
conforme as
pessoas.
São os
artistas
que trabalham
com a
palavra,
poetas e
atores, os
que
melhor
apreendem o
potencial de
expressividade dos
sons e
que deles
extraem
um
uso
mais refinado
(Martins, 2000:26).
Para
concluir
esses
primeiros
passos na
procura da
linguagem
poética desse
artista
pernambucano, farei uma
abordagem
inicial do
plano
léxico de uma das
canções
constantes do
repertório de
Madeira
que
Cupim
Não Rói e de Pernambuco Falando
para o
Mundo, intitulada Chegança, de
Nóbrega e Wilson Freire. É dedicada a
Zé
Alfaiate, do Caboclinho
Sete
Flechas, tradicional
manifestação cultural
pernambucana, e
em
memória de Galdino Jesus dos
Santos,
índio
que morreu queimado
em
função de
um
ato
selvagem de
adolescentes
irresponsáveis
em Brasília,
em 1997.
Chegança
Sou
pataxó,
sou
xavante e
cariri,
ianomâmi, sou
tupi
guarani, sou
carajá.
Sou pancaruru,
carijó,
tupinajé,
potiguar, sou
caeté,
fulniô,
tupinambá.
Depois
que os
mares
dividiram os
continentes,
quis
ver
terras
diferentes,
eu pensei:
"Vou
procurar
um
mundo
novo,
lá
depois do
horizonte,
levo a
rede
balançante
pra no
sol
me
espreguiçar."
Eu atraquei
num
porto
muito
seguro,
céu
azul,
paz e
ar
puro,
botei as
pernas pro
ar.
Logo sonhei
que estava no
paraíso,
onde
nem
era
preciso
dormir
para se
sonhar.
Mas de
repente,
me acordei
com a
surpresa,
uma
esquadra
portuguesa
veio na
praia
atracar.
Da
grande
nau,
um
branco de
barba
escura,
vestindo uma
armadura
me apontou
pra
me
pegar.
E assustado,
dei
um
pulo
lá da
rede,
pressenti a
fome e a
sede,
eu pensei: "Vão
me
acabar!"
Me levantei,
de
borduna
já na
mão,
ai, senti no
coração,
o Brasil vai
começar.
No
plano
léxico da
letra desta
canção, deve-se
levar
em
conta:
a)
Povos
indígenas citados:
pataxó,
xavante, cariri,
ianomâmi,
tupi,
guarani,
carajá, pancaruru,
carijó, tupinajé,
potiguar,
caeté,
fulniô,
tupinambá.
Exemplos de
definições
retiradas do
Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa:
“Pancararu [pancaruru] –
grupo
indígena
que habita as
proximidades do
médio
São Francisco,
junto aos
limites dos
municípios de Tacaratu e Petrolândia PE (Área
Indígena Pankararu e
Terra
Indígena
Entre
Serras), e o
Norte da
Serra do
Ramalho, no
município de
Bom Jesus da
Lapa BA (Área
Indígena
Vargem
Alegre)” (Houaiss & Villar, 2001:2.115).
“Fulniô –
grupo
indígena
que habita as
margens do
médio
rio Ipanema,
junto aos
limites do
município de
Águas Belas PE (Terras
Indígenas
Aldeia Foklassa e Fulni-ô)” (Houaiss & Villar,
2001:1.400).
b)
Espaço:
mar,
continente,
terra (diferente),
mundo (novo),
horizonte.
c)
Intento
ou
modo de
vida:
rede (balançante), espreguiçar-se,
porto (seguro),
céu (azul),
paz,
ar (puro),
pernas (pro
ar),
paraíso,
sonhar.
d)
Novos
elementos:
esquadra (portuguesa),
nau,
branco (de
barba
escura),
barba (escura),
escuro,
armadura,
apontar,
pegar.
e)
Novo
estado
ou
modo de
vida: assustado,
pulo (da
rede),
forma,
sede,
acabar (no
sentido de
morrer),
levantar,
borduna.
f)
Conclusão: Brasil,
começar.
A
canção termina dizendo
que o Brasil vai
começar. Adapto esta
frase
para
concluir da
seguinte
forma:
não
só o Brasil vai
começar, na Chegança de Nóbrega,
mas
também
todo
um
trabalho
em
busca da
linguagem
poética deste
artista
pernambucano. Vinde, vinde,
moços e
velhos; vinde,
todos,
apreciar.
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