Inés Noguera (Un. Nacional de La Matanza)
Susana Lentino (Asoc. Psicoanalítica Argentina)

O panorama geral de sua literatura - enquadrada no pós-modernismo mostra um leque por demais generoso de tendências. Em um percurso não muito extenso nem muito profundo das opções de maior relevância se podem salientar a apropriação e a simulação, a permanente força da introspecção - despindo ao ser humano e deixando-o aberto aos seus mais ferozes impulsos - a ênfase quase permanente no psíquico, o realismo, às vezes mais cru que a própria natureza outorga. É dizer, Clarice vai além da escritora romântica, a contista, a cronista, a jornalista, a redatora e, quase desprovida de tudo apela insistentemente ao sujeito íntimo, à realidade psicológica e ás posições existenciais. Nesta linha encontram-se escritores que, como no caso da Clarice, concentram nos efeitos vividos por eles próprios e nas suas derivações traumáticas, motivos que como feridas expostas traduzem na sua literatura, atrapalhados por uma genialidade transgressora que deleita ao tempo que fere (nos seus dias e até hoje). Clarice, quase obsessivamente, deixa traspassar as marcas irreversíveis do trauma fazendo alusões à sua própria infância, a seus começos pouco felizes, a sua vida adulta cheia de desgostos e a sua relação tardia com a socialização. Escrevo só quando estou com vontade, diz. É que, para ela, tratava-se de conjurar temores. Pode-se imaginar uma mulher que escreve, pára, observa sua máquina de escrever, volta a escrever, a se deter, coleciona frases de Kafka em relação à preguiça, a paciência, a inspiração.

A obra de Clarice Lispector expressa uma visão profundamente pessoal e existencialista do dilema humano.

Neste trabalho se procura interpretar sua escrita e assim compreender melhor a mulher que, sete anos após sua morte e depois de uma recopilação de crônicas inéditas em um volume titulado "A descoberta do mundo", a crítica literária manifesta mais uma vez na integridade de seu talento, seu excelente estilo e sua personalidade transgressora.