A
CATEGORIA
DE
GÊNERO
NOS
SUBSTANTIVOS
E
NOS
ADJETIVOS
José
Pereira da Silva (UERJ)
A
história da gramaticologia
ocidental
moderna, é
bom
que seja lembrado, inicia-se
com a
greco-latina,
com numerosas e
indesculpáveis
conseqüências terminológicas
absolutamente distanciadas das diversas
realidades
lingüísticas descritas
ou normatizadas.
Todos sabemos
que as modernas
gramáticas das
línguas românicas, de Nebrija a Bechara, vêm
adotando uma
adaptação
terminológica das
gramáticas latinas
que,
por
sua
vez,
não fizeram uma boa
adaptação da
terminologia da gramaticologia
grega,
muito
mais
fiel à
tradição do
que à
ciência
lingüística,
que
já
não se pode
considerar
adolescente.
É
natural
que a
preocupação dos
gramáticos
greco-latinos
não
era a
descrição da
língua,
conforme se faz na
lingüística
moderna,
sem
qualquer praticidade
ou
pragmatismo.
Em
princípio,
era uma
gramática normativa,
com o
objetivo de
indicar,
pedagógica e
exemplarmente, as
formas corretas da
língua, abonadas
com a
autoridade dos
escritores
corretos.
Eis o
que disse Bruno Fregni Bassetto no VII
Congresso
Nacional de
Lingüística e
Filologia
em
agosto de 2003,
absolutamente de
acordo
com o
que pensam os reformistas
mais incomodados
com a
descabida
inadequação da
terminologia
lingüística
ocidental
moderna (BASSETTO, 2003: 63):
Em
relação à
nossa
terminologia
gramatical,
urge
não
esquecer
que,
em
grande
parte,
ela
remonta a
Dionísio Trácio,
que escreveu a
primeira
gramática do
Ocidente. Os
gramáticos
latinos (Varrão,
Aulo Gélio, Carísio, Donato, Prisciano)
apenas
adaptaram, traduziram
ou
apenas
decalcaram os
termos
gregos. No
correr dos
séculos,
muitos desses
termos tiveram
seu
conteúdo
semântico
ampliado
ou reduzido,
empanando a
indispensável
transparência
que uma
terminologia
científica de
qualquer
área do
conhecimento
humano
precisa
ter.
Penso
que seria
muito
útil se
voltássemos à
etimologia dos
termos da
nomenclatura
gramatical das
vertentes
grego-latinas, evitando
sobretudo
ampliações
semânticas
indevidas. O
resultado
certamente
seria
profícuo
sobretudo
nos
diversos
níveis de
ensino.
Memorizam-se os
termos
gramaticais
sem
que se perceba
a
relação
significante-significado e
esse
fato impede a
compreensão
clara do
fato
lingüístico
estudado.
Todos os
que se dedicam
a
esse
ramo do
conhecimento
humano,
como Gladstone
Chaves de
Mello, sentem o
problema e
com
ele se
angustiam; uma reforma da
nomenclatura
gramatical
deve
levar
em
conta essas
vertentes
greco-latinas, cujas
contribuições
não podem
ser ignoradas
mas
sim expurgadas
de
aplicações
indevidas e obnubiladas,
que
lhe foram
acrescidas ao
longo dos
séculos. Os
avanços
atuais
nos
estudos da
linguagem
podem e devem
ser adicionados,
mas
mesmo
esses partem
daquelas
bases.
Não podemos
ignorar o
esforço de
gramáticos
como Walmírio Macedo (1991), Evanildo Bechara (1999
e 2001), Manoel
Pinto
Ribeiro (2002) e
muitos
outros,
que vêm lutando
com essa
enorme
dificuldade
terminológica,
além de
toda a
Academia
Brasileira de
Filologia, empenhada na reforma da
Nomenclatura
Gramatical
Brasileira vigente (mas
já
não
tão vigente).
QUESTÕES DE
FLEXÃO E DE
GÊNERO
Em
geral, há uma
grande
dificuldade
em
distinguir tecnicamente a
flexão da
derivação,
como se pode
ver
em BECHARA (1999: 341),
pois
A
flexão
consiste
fundamentalmente
no
morfema
aditivo
sufixal acrescido ao
radical,
enquanto a
derivação
consiste no
acréscimo ao
radical de
um
sufixo
lexical
ou
derivacional.:
casa
+ s:
casas
(flexão
de
plural);
casa
+ inha: casinha (derivação).
...............................................................................
No
plano
sintagmático, a
flexão provoca
o
fenômeno da
concordância:
móvel
novo →
móveis
novos
em
oposição a
a
casa
nova
→ a casinha
nova.
Ora, se
mal se consegue
distinguir
flexão de
derivação, o
que levou a NGB a
definir o
grau
como
flexão, e se o
conceito de
gênero nas
línguas românicas tem sido
quase
sempre confundido
com o
conceito de
sexo,
não seria
óbvia uma
definição adequada
para essa
categoria.
O
Professor Castelar de
Carvalho, defendendo a
posição
oficial
sobre o
problema do
gênero do
substantivo
como
flexão, indicou-nos o
livro
Morfologia Portuguesa, do
Professor José Lemos Monteiro (2002),
que
mais
nos ajudou na
confirmação de
nossa
hipótese,
pois afirma, na
página 79, referindo-se às
categorias
nominais de
gênero e de
número:
Observemos
que
nem
todo
nome
ou
pronome possui
essas
quatro
subcategorias [de
gênero
masculino e
feminino e de
número
singular e
plural].
Estruturalmente, uma subcategoria
sempre se opõe
a
outra.
Ou seja, uma
palavra
só apresenta a
marca do
masculino se
tiver
um
feminino
correspondente.
Não há
plural
sem
singular e
vice-versa.
E continua o
Professor, dando o
exemplo
que
nos ajudou,
visto
que
não se pode
falar de
flexão
quando a
nova
forma significa (no
mundo
exterior)
outra
coisa
diferente da
que
supostamente sofreu
mera
flexão:
Os
masculinos
saco,
ele,
doutor,
ateu
e
espanhol
estão marcados
pela
desinência
zero (Ø)
que se opõe ao
morfe [a] dos
femininos
saca,
ela,
doutora, atéia e espanhola.
Está
evidente
que o
autor se enganou
porque
saca
não é uma
flexão de
saco,
mas
um
tipo
diferente de
embalagem,
assim
como
cavala
não é o
feminino de
cavalo,
pasta
não é o
feminino de
pasto e
casa
não é
feminino de
caso,
como
ensina,
corretamente, na
página 80:
De
modo
análogo,
em
máquina,
caneta,
criatura
e
sacola,
o [a]
final
não constitui
desinência de
gênero,
mas
vogal
temática. Será
erro
considerar o morfe
zero
como
traço
desinencial
opositivo do
gênero das
palavras
citadas. O
zero deve
ser usado
sempre na
ausência de
morfe,
jamais na
inexistência
de
morfema.
Com
relação a
formas do
tipo
cavalo,
pasta,
casa
e
carteira,
também
não se
fala
em
desinência de
gênero,
embora haja as
formas
cavala,
pasto,
caso
e
carteiro.
É
que
falta a
correspondência
semântica,
fundamental na
caracterização
do
gênero.
Na
verdade,
para
esclarecer
grande
parte do
que discutiremos a
seguir, é
indispensável
distinguir
flexão de
derivação, o
que poderemos
fazer, levando
em
consideração
também as
palavras de José Carlos Azeredo (2000: 82):
A
derivação é
um
processo
que dá
origem a
novos
lexemas –
ou
palavras
[...],
enquanto a
flexão produz
variações da
forma de
um lexema,
dando
origem ao
que chamamos
vocábulos
morfossintáticos.
O
dicionário
registra os
lexemas, e
não os
vocábulos
morfossintáticos,
porque
estes
são
formas
flexionadas.
Mais
adiante, no
parágrafo 219 o
Professor José Carlos Azeredo (2000: 110-1) dá as
seguintes
razões
que
nos esclarecem
sobre a
distinção
entre
flexão e
derivação, considerando a
marcação de
gênero de
substantivo
como uma
derivação:
·
o
conceito de
flexão é
incompatível
com a
quantidade de “exceções”
observada na
classe dos
substantivos.
Para
muitos
substantivos
em –o
não existe
contraparte
feminina
em
uso (mosquito,
besouro,
papagaio,
lagarto
(lagarta
é
um
inseto),
veado,
camundongo);
em
outros
pares de
nomes, a
fêmea é
designada
por
meio de
um lexema
que nenhuma
regra é
capaz de
produzir (homem
/
mulher,
carneiro
/
ovelha,
cavalo
/
égua
etc.);
·
a
flexão
expressa a
variação
formal da
mesma
palavra (feio
/
feia
/
feios
/ feias,
saber / sei /
sabendo / soubesse,
leão
/
leões).
Coelho
e
coelha
não
são duas
formas da
mesma
palavra,
mas
palavras
lexicais
distintas (MATHEWS, 1974; BECHARA, 1999). A
atribuição de
um
gênero
diferente a
uma
unidade
lexical
substantiva é
uma
forma de
criar
um
novo
substantivo,
isto é,
um
processo de
derivação;
·
a
criação e o
emprego de
certos
nomes
femininos (chefa,
sargenta,
presidenta),
ou
mesmo de
certos
nomes
masculinos (borboleto,
formigo, pulgo,
possíveis nas
histórias
infantis)
são
freqüentemente
encarados
como
opções
pessoais
ou
escolhas
estilísticas
dos
falantes, o
que
não acontece
quando estamos
diante de uma
flexão
regular.
Tratando dos
aumentativos e
diminutivos, Bechara esclarece
mais
sobre o
conceito de
flexão (BECHARA, 1999: 140):
A
flexão se
processa de
modo
sistemático,
coerente e
obrigatório
em
toda uma
classe
homogênea,
fato
que
não ocorre na
derivação, o
que
já levara o
gramático e
erudito
Varrão a
considerá-la uma derivatio voluntaria.
Para
não
buscar
outra
bibliografia, relacionei os
primeiros
cem
substantivos
abaixo, registrados no
Dicionário
Eletrônico Houaiss da
Língua Portuguesa,
só encontrei
um
substantivo
que tenha uma
forma
masculina e
outra
feminina (“abade” /
“abadessa”),
com
exceção daqueles
que podem
funcionar
tanto
como
substantivos
quanto
como
adjetivos, evidenciando
que a o
gênero do
substantivo
não é formado
por
flexão:
a
aabora
aachense
aacheniano
aal
aaleniano
aaleniense
aalênio
aalense
aaquenense
aaqueniano
aardvark
aardwolf
aariano
aarônida
aaronita
aaru
ãatá
aavora
aba
ababá
ababaia
ababalhos
ababangai
abá-baxé-de-ori
ababone
ababoni
ababuí
abaca
abacá
abaçá
abacaí
abaçaí |
abaçanamento
abacatada
abacataia
abacatal
abacate
abacate-do-mato
abacateiral
abacateiro
abacaterana
abacatirana
abacatuaia
abacatuia
abacaxi
abacaxibirra
abacaxi-branco
abacaxicultor
abacaxicultura
abacaxi-de-tingir
abacaxi-silvestre
abacaxizal
abacaxizeiro
abacé
ábace
abaceias
abacebilidade
abacelabilidade
abacelamento
abacenino
abacense
abaci
abácia
abaciado
abaciamento |
abácias
abaciato
abácida
abacinamento
abacisco
abacista
ábaco
abacômita
abacomitato
abacômite
abacondado
abaconde
abacote
abactínea
abacto
abactor
abáculo
abacutaia
abada
abadá
aba-de-estrela
abadágio
abadalassa
abadão
abadavina
abade
abadejo
abadengo
abadense
abadema
abadessa
abadessado
abadia
abadianense |
O
mesmo
gramático (BECHARA, 1999: 131)
ainda lembra
que “Todo
substantivo está dotado de
gênero,
que, no
português, se distribui
entre o
grupo do
masculino e o
grupo do
feminino”.
Mas,
logo no
início da
página
seguinte dá uma
informação
nova e
revolucionária
entre os
mais
conhecidos
gramáticos
brasileiros: “Só
que esta
determinação
genérica
não se
manifesta no
substantivo da
mesma
maneira
que está representada no
adjetivo
ou no
pronome,
por
exemplo,
isto é,
pelo
processo de
flexão”.
Continuarei transcrevendo a
Gramática do Bechara,
que,
além de
ser
autoridade respeitada
entre os filólogos,
lingüistas e
gramáticos de
todo
mundo
ocidental, teve a
coragem de
enfrentar os tradicionalistas
para
desmascarar essa
farsa de
flexão de
gênero dos
substantivos (BECHARA, 1999: 132-134):
Apesar de
haver
substantivos
em
que
aparentemente
se manifeste a
distinção
genérica
pela
flexão (menino
/
menina,
mestre
/ mestra,
gato
/
gata),
a
verdade é
que a
inclusão num
ou noutro
gênero depende
direta e
essencialmente
da
classe
léxica dos
substantivos
e,
como diz
Herculano de
Carvalho, “não
é o
fato de
em
português existirem duas
palavras
diferentes –
homem
/
mulher,
pai
/
mãe,
boi
/
vaca,
e
ainda
filho
/
filha,
lobo
/
loba
(das
quais estas
não
são
formas de uma
flexão,
mas
palavras
diferentes
tanto
como
aquelas) –
para
significar o
indivíduo
macho e o
indivíduo
fêmea (duas
espécies do
mesmo “gênero”,
em
sentido
lógico)
que permite
afirmar a
existência das
classes do
masculino e do
feminino,
mas,
sim, o
fato de o
adjetivo, o
artigo, o
pronome, etc.,
se apresentarem
sob duas
formas
diversas exigidas
respectivamente
por
cada
um dos
termos de
aqueles
pares
opostos –, “este
homem
velho” / “esta
mulher
velha”, “o
filho
mais
novo” / “a
filha
mais
nova” –,
formas
que de
fato
constituem uma
flexão”. (CARVALHO,
[s/d.]a: v. 9, s.v.
gênero)
A
aproximação da
função
cumulativa
derivativa de
–a
como
atualizador
léxico e
morfema
categorial se
manifesta
tanto
em
barca
de
barco,
saca
de
saco,
fruta
de
fruto,
mata
de
mato,
ribeira
de
ribeiro,
etc.,
quanto
em
gata
de
gato,
porque dá “ao
tema de
que entra a
fazer
parta a
capacidade de
significar uma
classe
distinta de
objetos,
que
em
geral
constituem uma
espécie de
gênero
designado
pelo
tema
primário” (CARVALHO,
[s/d.]b: 536 n. 38; [s/d.]c: 21). É
pacífica
mesmo
entre os
que admitem o
processo de
flexão
em
barco →
barca
e
lobo
→
loba,
a
informação de
que a
oposição
masculino –
feminino faz
alusão a
outros
aspectos da
realidade,
diferentes da
diversidade de
sexo, e serve
para
distinguir os
objetos
substantivos
por
certas
qualidades
semânticas,
pelas
quais o
masculino é
uma
forma
geral,
não-marcada semanticamente,
enquanto o
feminino
expressa uma
especialização
qualquer:
barco /
barca
( =
barco
grande)
jarro /
jarra (um
tipo
especial de
jarro)
lobo
/
loba
(fêmea
do
animal chamado
lobo)
Esta
aplicação
semântica faz
dos
pares
barco /
barca
e restantes da
série
acima
não serem
consideradas primariamente
formas de uma
flexão,
mas
palavras
diferentes
marcadas
pelo
processo de
derivação.
Esta
função
semântica está
fora do
domínio da
flexão. A
analogia
material da
flexão de
gênero do
adjetivo é
que levou o
gramático a
pôr no
mesmo
plano
belo
/
bela
e
menino
/
menina.
Este
fato explica
por
que na
manifestação
do
gênero no
substantivo,
entre
outros
processos,
existe a
indicação
por
meio de
sufixo
nominal:
conde
/
condessa,
galo /
galinha,
ator /
atriz,
embaixador
/
embaixatriz,
etc.
Sem
ser
função
precípua da
morfologia do
substantivo, a
diferença do
sexo
nos
seres
animados pode
manifestar-se
ou
não
com
diferenças
formais neles.
Esta
manifestação
se realiza
ou
pela
mudança de
sufixo (como
em
menino
/
menina,
gato
/
gata) –
é a
moção
–,
ou
pelo
recurso a
palavras
diferentes
que apontam
para
cada
um dos
sexos – é a
heteronímia
(homem
/
mulher,
boi
/
vaca).
Na
primeira
série de
pares,
como
já vimos na
lição de
Herculano de
Carvalho,
não temos
formas de uma
flexão,
mas, nelas,
como na
segunda
série de
pares, estamos
diante de
palavras
diferentes.
Quando
não ocorre
nenhum destes
dois
tipos de
manifestação
formal,
ou o
substantivo,
com o
seu
gênero
gramatical, se
mostra
indiferente à
designação do
sexo (a
criança,
a
pessoa, o
cônjuge,
a
formiga,
o
tatu)
ou,
ainda
indiferente
pela
forma, se acompanha de
adjuntos (artigos,
adjetivos,
pronomes
ou
numerais)
com
moção de
gênero
para
indicar o
sexo (o
artista,
a
artista,
bom
estudante,
boa
estudante).
Inconsistência
do
gênero
gramatical
A
distinção do
gênero
nos
substantivos
não tem
fundamentos
racionais,
exceto a
tradição
fixada
pelo
uso e
pela
norma;
nada justifica
serem,
em
português,
masculinos
lápis,
papel
e
tinteiro
e
femininos
caneta,
folha
e
tinta.
A
inconsistência do
gênero
gramatical
fica
patente
quando se
compara a
distribuição
de
gênero
em duas
ou
mais
línguas, e
até no
âmbito de uma
mesma
língua
histórica na
sua
diversidade
temporal,
regional,
social e
estilística.
Assim é
que
para
nós o
sol
é
masculino e
para os
alemães é
feminino
die Sonne, a
lua
é
feminino e
para
eles
masculino
das Mond;
enquanto o
português
mulher
é
feminino,
em
alemão é
neutro
das Weib.
Sal
e
leite
são
masculinos
em
português e
femininos
em
espanhol:
la
sal
e la leche.
Sangue
é
masculino
em
português e
francês e
feminino
em
espanhol:
le sang (fr.) e la sangre (esp.).
Mesmo
nos
seres
animados, as
formas de
masculino
ou do
feminino podem
não
determinar a
diversidade de
sexo,
como ocorre
com os
substantivos
chamados
epicenos
(aplicados a
animais
irracionais),
cuja
função
semântica é
só
apontar
para a
espécie:
a
cobra,
a
lebre,
a
formiga
ou
o
tatu,
o
colibri,
o
jacaré,
ou os
substantivos
aplicados a
pessoas,
denominados
comuns
de
dois,
distinguidos
pela
concordância:
o / a
estudante,
este
/ esta
consorte,
reconhecido / reconhecida
mártir,
ou
ainda os
substantivos
de
um
só
gênero
denominados sobrecomuns, aplicados a
pessoas,
cuja
referência a
homem
ou a
mulher
só se
depreende
pela
referência
anafórica do
contexto:
o
algoz,
o
carrasco,
o
cônjuge.
A
mudança
de
gênero
Aproximações
semânticas
entre
palavras (sinônimos,
antônimos), a
influência de
terminação, o
contexto
léxico
em
que a
palavra
funciona, e a
própria
fantasia
que
moldura o
universo do
falante,
tudo
isto
representa
alguns dos
fatores
que determinam
a
mudança do
gênero
gramatical dos
substantivos.
Na
variedade
temporal da
língua, do
português
antigo ao
contemporâneo,
muitos
substantivos
passaram a
ter
gêneros
diferentes,
alguns
sem
deixar
vestígios,
outros
como
mar,
hoje
masculino,
onde o
antigo
gênero
continua
presente
em
preamar
(prea =
plena,
cheia)
e
baixa-mar.
Já foram
femininos
fim,
planeta,
cometa,
mapa,
tigre,
fantasma,
entre
muitos
outros;
já foram
usados
como
masculinos:
árvore,
tribo,
catástrofe,
hipérbole,
linguagem,
linhagem (SAID
ALI, [1931]:
I, 65-70; DOMINGUES, 1932).
Voltando à
argumentação
contrária a
nossa
hipótese, transcrevo o
tópico “Desinência de
gênero
ou
sufixo?”, do
Professor José Lemos Monteiro (2002: 87-87), ao
qual farei
alguns
comentários
em
notas de
pé de
página:
Alguns
autores
entendem
que o morfe
[a],
marcador do
gênero
feminino, se
alista
entre os
sufixos
derivacionais,
quando o
vocábulo for
um
substantivo.
Nessa
linha, Bechara
(1999) parece
defender a
idéia de
que inexiste o
processo flexional na
distinção
entre os
gêneros dos
substantivos.
E Azeredo (2000), acatando a
mesma
opinião,
afirma
que a
análise do
gênero
como
flexão,
embora
muito
difundida e consolidada,
precisa de uma
reformulação. A
rigor,
segundo
tais
estudiosos,
em
lobo
–
loba
tem-se uma
derivação,
desde
que as
formas do
masculino e do
feminino
expressam significações
inerentes
diversas.
É
evidente
que, sendo a
hipótese
difundida
por
nomes
consagrados
como os de
Bechara e Azeredo,
não é
para
ser desprezada
sem uma
reflexão
mais acurada.
A
favor dela há,
entre
outros, o
argumento de
que o morfe
[a]
não se aplica
sistematicamente a
todos os
substantivos.
Mas
esse
mesmo
argumento
poderia
valer,
por
exemplo,
para os chamados
adjetivos
uniformes (doente,
simples
etc.).
Desse
modo, o
grande
problema
para a
aceitação da
proposta
reside no
fato de
que,
morficamente, o
adjetivo tem
sob
esse
aspecto o
mesmo
comportamento
do
substantivo.
Como se pode
entender
que
ambos
são
nomes,
apenas
diversificados
quanto à
função,
afirmar
que ocorre
flexão,
quando se
trata de
adjetivo, e
derivação,
quando o
nome é
substantivo,
termina descaracterizando a
flexão e a
derivação
como
processos
morfológicos. Se a
coerência e a
simplicidade
são os
princípios
que devem
nortear uma boa
descrição,
parece
que
tais
princípios
deixam de
ser
levados
em
conta, ao se
admitir
que o [a],
embora seja
desinência de
gênero
nos
adjetivos, é
sufixo
derivacional
nos
substantivos.
Além disso, há
outros
fatos
complicadores.
Conforme
explica Azeredo (2000: 111),
em
vocábulos
que
são
potencialmente
substantivos e
adjetivos (faxineiro,
embaixador,
sabichão
etc.) “existem
contrapartes
femininas
regularmente
formadas
por
flexão”.
Ora, a
nosso
ver, insistimos
mais uma
vez,
substantivos e
adjetivos
não
são
classes de
palavras,
mas
funções (Cf. o
capítulo
final “Classes
e
funções”),
sendo
pouco
provável
encontrar-s
um
critério
capaz de
predizer
quando
um
nome funciona
exclusivamente
como
adjetivo
ou
como
substantivo.
Os
que se
caracterizam
preferencialmente
como
substantivos (inteligência,
beleza
etc.)
em
geral
não admitem
oposição de
gênero,
caso
em
que o [a]
final, se
presente,
não é
desinência
nem
muito
menos
sufixo
derivacional.
Por
outro
lado, se
entendermos
que
em
pares do
tipo
coelho
e
coelha
não se tem a
mesma
palavra,
porém duas
palavras
distintas, o
que
dizer dos
pronomes
ou
numerais
que admitem a
oposição de
gênero? Os
femininos
ela,
toda,
aquela, duas etc. seriam
também
palavras
distintas dos
substantivos
correspondentes?
Por essas
razões, parece
prudente
manter nesse
ponto a
tradição
gramatical
que considera
a
marca mórfica
de
gênero
como
um
mecanismo flexional.
Mas o
assunto
continua polêmico e merece
novos
estudos.
Depois de
esclarecer os
fundamentos das
formas
que
nos dão a
ilusão de
flexão de
gênero dos
nomes
que
são “potencialmente
substantivos e
adjetivos”, o
Professor José Carlos Azeredo (2000:111-2):
Em
todos os
demais
casos
em
que à
distinção de
gêneros
não
corresponde uma
distinção
sistemática de
significados,
como a
oposição “macho
/
fêmea”, os
substantivos,
embora
formados
com
base no
mesmo
radical,
apresentam
relações de
significado
bastante
variáveis
ou
mesmo de
sistematização
impossível.
Esses
pares de
substantivos
podem
ser distribuídos
em
dois
grupos:
Grupo
A:
nomes
que diferem no
gênero e na
forma:
balanço
/
balança,
barco /
barca,
barraco
/
barraca,
bicho
/
bicha,
bolso
/
bolsa,
braço
/
braça,
caneco
/
caneca,
cerco
/
cerca,
cesto
/
cesta,
cinto
/
cinta,
cunho
/
cunha,
encosto
/
encosta,
espinho
/
espinha,
fosso
/
fossa,
fruto
/
fruta,
grito /
grita,
horto
/
horta,
jarro /
jarra,
lenho
/
lenha,
madeiro
/
madeira,
palmo
/
palma,
poço
/
poça,
ramo
/
rama,
saco
/
saca,
veio
/
veia.
Grupo
B:
nomes
homônimos de
gênero
diverso:
o
cabeça
/ a
cabeça,
o
guarda
/ a
guarda,
o
caixa / a
caixa, o
lente
/ a
lente,
o
moral
/ a
moral,
o
rádio
/ a
rádio,
o
capital
/ a
capital,
o
rosa
(cor)
/ a
rosa
(flor),
o
cinza
/ a
cinza,
o
violeta
/ a
violeta,
o
guia
/ a
guia.
Como
nos lembra John W. Martin (2000: 65), indo
um
pouco
além do
que propomos (SILVA, 1999: 9-27) e do
que propõe Bechara, “Se
não fosse o
fenômeno da
concordância,
não haveria
por
que
falar
em
gênero
para
descrever adequadamente a
língua”.
O
que
torna
evidente
em
seu
artigo é
que os
substantivos “marcantes”,
que
são os
femininos, levam os
seus
determinantes
para uma
forma “marcada”. O
que ocorre
quando estão isolados
ou
em
contextos “puros”.
Em
contextos “impuros”
não há
concordância. Ex.: Maria é
alta. Maria e Joana
são
altas. Maria e Pedro
são
altos.
E conclui o
articulista (MARTIN, 2000: 68-69):
O
termo “feminino”,
de significação
tão
francamente
polar, faz
sentido
somente
quando
oposto a
seu
contrário, “masculino”,
e
este, vimos
já,
não tem
justificativa
numa
gramática da
língua
portuguesa.
No
lugar de “gênero”,
então, fica o
conceito de
adjetivos
marcados
ou
não marcados.
Os marcados correspondem aos “femininos”
da
gramática
escolar, e
aparecem
somente
quando o
adjetivo está relacionado
a
um
substantivo
marcante. Os
não marcados
aparecem
EM TODAS AS
OUTRAS
CIRCUNSTÂNCIAS,
haja
ou
não
um
substantivo a
eles
relacionado. É
este
último
fato
que determina
que o
assunto
não seja uma
mera
questiúncula
terminológica,
pois as
conclusões
dele decorrentes transformam dum
modo
essencial
nossa
maneira de
encarar a categorização
dos
substantivos e
o
fenômeno da
concordância
adjetiva.
Na
mesma
época
em
que publicávamos o
artigo de John W. Martin, Azeredo publicava o
livro
acima referido,
em
que escreveu o
seguinte nas
páginas 108 a 109:
Gênero
é uma
propriedade
gramatical
inerente aos
substantivos
e
que
serve
para
distribuí-los
em
dois
grandes
grupos:
nomes
masculinos
(carneiro,
porco,
caderno,
muro,
caramelo,
sol,
dia,
brilho,
clarão)
e
nomes
femininos
(ovelha,
porca,
borracha,
parede,
bala,
lua,
noite,
claridade,
escuridão).
Todo
substantivo
pertence,
portanto, a
um
gênero,
que
ordinariamente vem indicado
nos
dicionários. O
gênero é, de
um
modo
geral, uma
característica
convencional
dos
substantivos
historicamente fixada
pelo
uso. Iso
explica
por
que
alguns
substantivos
mudaram de
gênero ao
longo do
tempo (fim
e
mar,
que
já foram
femininos e
hoje
são
masculinos)
ou apresentam
gêneros
diferentes
conforme a
variedade de
língua (grama
(unidade
de
peso) e
cal,
cujos
gêneros variam
conforme os
usos da
língua:
coloquial e
informalmente
diz-se e escreve-se duzentas
gramas,
o
cal
é
branco,
enquanto
nos
usos
técnicos e
formais
prefere-se duzentos
gramas
e a
cal
é
branca).
Nos
casos de
carneiro
/
ovelha
e
porco
/
porca,
o
falante de
português se
vale da
oposição de
significados
entre
macho e
fêmea
para
identificar
corretamente o
gênero desses
substantivos.
Pode-se,
portanto,
dizer
que, nestes
últimos
exemplos, o
gênero,
que é uma
classificação
eminentemente
gramatical,
corresponde à – e é motivada
pela –
distinção de
conteúdos
lexicais. O
mesmo
não se pode
dizer,
contudo, dos
demais
exemplos. O
gênero de
caderno,
muro,
caramelo,
sol,
dia
e
brilho
não tem
qualquer
fundamento
além da
convenção
social;
esse é
também o
caso de
borracha,
parede,
bala,
lua
e
noite.
Quanto a
claridade
e
escuridão,
são
femininos
por
força de uma
regra
morfológica – a
que
nos diz
que
são
femininos
todos os
substantivos
formados de
adjetivos
com
acréscimo das
terminações
–idade
e –idão
Como se
vê, as
verdades
milenarmente estabelecidas
também
são dignas de
revisões e de
novas
formulações,
com
base nas
novas
ciências
que surgem a
cada
momento e,
agora,
com
muito
mais
velocidade do
que acontecia
antes da
globalização
virtual dos
conhecimentos.
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