A LÍNGUA POÉTICA DO BARROCO ESPANHOL

Patricia Festini (CiFEFiL)
(pfestini@gmx.net)

Ementa

Caracterização e análise da língua poética do Barroco espanhol sob textos dos autores mais relevantes do período.

 

Justificativa

A leitura dos textos poéticos espanhóis do período Barroco pode apresentar dificuldades para o leitor de hoje. A expressão barroca revela um ideal de língua literária dado que, para os poetas do período, a língua oral não podia ser a mesma que a da poesia.

Luís de Gôngora (1561-1627) e Francisco de Quevedo (1580-1645) são os principais expoentes da poesia barroca espanhola e apresentam, na sua produção, poemas complexos em que a língua é trabalhada até o limite.

O propósito deste minicurso é analisar as características da expressão de ambos os autores como uma aproximação à problemática da língua poética do Barroco espanhol.

 

Questões Liminares

O caminho até o Barroco

Baltasar Gracián, em seu Agudeza y arte de ingenio (Madrid, 1642), define á palavra barroca como uma hidra bocal:

Es como hidra bocal una dicción, pues a más de su propia significación, si la cortan o la transtruecan, de cada sílaba renace una sutileza ingeniosa y de cada acento un concepto. (apud EGIDO, 1990: 9)

É, precisamente, neste sentido que queremos apresentar a língua poética do Barroco espanhol. Palavras que geram outras que, por sua vez, voltam a gerar novos vocábulos.

Mas esta modalidade barroca não nasce de repente. É o resultado do caminho recorrido pela literatura entre os séculos XVI e XVII.

O maior poeta do Renascimento espanhol foi Garcilaso de la Vega. Sua poesia é muito elaborada, não apresentando ao leitor moderno as dificuldades dos poemas do século XVII. Ele manifesta seu ideal lingüístico numa Carta-prólogo de 1534, que escreve para a tradução ao espanhol de Il Corteggiano de Baltasar de Castiglione, feita por Juan de Boscán. Ali louva o trabalho do tradutor  e se refere ao ideal da língua neste modo:

Guardó una cosa en la lengua castellana que muy pocos la han alcanzado, que fue huir del afetación sin dar consigo en ninguna sequedad, y con gran limpieza de estilo usó de términos muy cortesanos y muy admitidos de los buenos oídos y no nuevos ni al parecer desusados de la gente. (apud PROYECTO BOSCÁN)

Este parágrafo funciona como uma definição do estilo do Renascimento: naturalidade, claridade, vocabulário adequado e pertencente à língua em uso.

Porém, avançado o século XVI, algumas coisas começariam a mudar. A obra poética de Garcilaso foi objeto de um interessante comentário filológico. Estamos fazendo referência às Anotaciones a las obras de Garcilasso de la Vega, compostas por Fernando de Herrera.

Herrera não é comentarista, mas poeta, e pertence, literariamente, ao que poderíamos denominar de Segundo Renascimento. Seu trabalho, desde sua ótica de poeta, é uma reflexão sobre a arte de fazer poesia. E é ali que os conceitos louvados por Garcilaso começam a ser questionados. Em princípio, ainda que continue defendendo a claridade, aparecem certas limitações. É assim que, ao definir o soneto, afirma que:

Su verdadero sujeto y materia debe ser (...) descri­ta de suerte que parezca propia y nacida en aquella par­te, huyendo la oscuridad y dureza, más de suerte que no descienda a tanta facilidad, que pierda (...) la dignidad conveniente, y en este pecado caen muchos, que piensan acabar una grande hazaña cuando escriben de la manera que hablan (...) (apud GALLEGO MORELL, 1966: 282)

Este é um conceito fundamental: não escrever poesia da maneira que se fala. O modelo procurado no primeiro Renascimento era escrever do modo mais natural possível. Entretanto, o segundo considera o fato de trabalhar a língua literária para distingui-la da língua falada. Isso daria dignidade à criação poética.

Refere-se também à língua espanhola, a qual considera muito apropriada para a poesia, dizendo que:

Por  nuestra ignorancia habemos estrechado los térmi­nos extendidos de nuestra lengua, de suerte que ninguna es más corta y menesterosa que ella; siendo la más abun­dante y rica de todas las que viven ahora. Porque la rudeza y poco entendimiento de muchos la han reducido a extrema pobreza; excusando por delicado gusto, siendo muy ajenos del buen conocimiento, las dicciones puras, pro­pias y elegantes una vez por no ser usadas y comunes, otras por no incurrir en la ambigüedad de la significa­ción. (op. cit.: 316)

Dessa forma, contradiz outro dos postulados de Garcilaso, que privilegia a utilização de vozes em desuso. Ele acredita que, para ser um bom poeta, não deve ser compreendido facilmente e declara-o assim:

Y si es alabado en los poetas latinos el uso y artificio de las figuras, también será en los nuestros y acertado declaráis en éstos como en aquellos. Y si la novedad causare extrañeza en el lenguaje español, el trato las hará domésticas y parecerán propias como son. (op. cit.: 317)

De fato, em seus poemas, usa neologismos, porém eles não foram incorporados à língua espanhola.

A concepção poética de Fernando de Herrera tende ao que se chama de poética cultista, a qual entende a literatura como uma amostra de erudição. A norma é a imitação da antigüidade greco-latina, não nos temas e gêneros mas também no léxico, na sintaxe e nas alusões mitológicas. Por isso, é uma peça fundamental na transição entre aquela poesia de Garcilaso de la Vega e a dos maiores expoentes do Barroco espanhol.

 


 

O culteranismo e o conceptismo
(de
escolas opostas a estilos irmãos)

Antes de centrarmos na problemática da língua poética barroca, devemos nos deter em certas considerações críticas que limitam a apreciação do fenômeno.

Durante muito tempo, os estilos de Luis de Góngora y Francisco de Quevedo foram apresentados como diametralmente opostos. A origem desta consideração deve-se a Marcelino Menéndez y Pelayo (1884: II, IX) que apresentou as escolas de Góngora e Quevedo como contrárias. E esse modo de apresentá-las tergiversou o verdadeiro enfrentamento poético da época: a polêmica que surgiu com a aparição das Soledades do poeta andaluz. Os defensores da claridade nos poemas atacaram a nueva poesía e os cultos, seus seguidores. O vocábulo culteranismo lembra  luteranismo e traz a idéia de heresia literária que se deve combater. A raiz é culto, particípio do verbo cultivar que tinha o significado de douto ou erudito. A poesia construía-se conforme uma tendência latinizante no léxico e na sintaxe.

O vocábulo conceptismo é posterior ao período que estamos estudando e surge da palavra concepto num intento de classificação das escolas literárias.

Gracián define o termo, na obra citada, como "un acto del entendimiento que exprime la correspondencia que se halla entre los objetos" (apud LÁZARO CARRETER, 1966: 14-15). O poeta, então, elabora uma intricada rede de relações, acumulando mecanismos conceituais, tais como comparações, metáforas, dilogias ou jogos de palavras que dificultam a compreensão tanto do léxico quanto da sintaxe gongórica.

Ambas as manifestações apresentam um denominador comum que determinou Ramón Menéndez Pidal (1945: 221) dando fim ao problema da oposição entre gongoristas y conceitistas. Ele ressalta a obscuridade como o princípio fundamental em ambos os estilos, que considera irmãos. Anos mais tarde, esta idéia é reafirmada por Fernando Lázaro Carreter (1966: 59) ao definir o culteranismo como um movimento radicado numa base conceitista.

Além da obscuridade, Celina Sabor de Cortazar (1987: 78) distingue um segundo denominador comum: a preocupação compalavra em si, com o verbo em ato criador.

Em Góngora, a palavra eleva a natureza e o mundo cotidiano a uma esfera quase mágica e transfigura no verso a realidade de todos os dias.  Emquanto em Quevedo o poder da palavra dá à língua uma corporalidade quase física.

É nosso objetivo, neste minicurso, estudar as principais características de ambos os autores e analisar sua função no interior dos textos, precisamente quando se manifesta essa preocupação compalavra em si , com o verbo em ato criador.

 

Góngora e Quevedo

A língua poética de Góngora[1]

Em meio à polêmica da aparição das Soledades, Góngora defendeu-se com uma Carta … en respuesta a la que le escribieron, na qual afirma que

Demás que honra me ha causado hacerme escuro a los ignorantes, que esa es la distinción de los hombres doctos, hablar de manera que a ellos le parezca griego; pues no se han de dar las piedras preciosas a animales de cerda. (apud MARTÍNEZ ARANCON, 1978: 43)

Ali compara seu trabalho com as Metamorfosis de Ovídio, que considera que ambos os textos apresentam um grado de dificuldade tal que o leitor precisa cooperar para sua resolução.

Neste apartado vamos nos deter em algumas das características que acentuam essa dificuldade do estilo de Góngora.

 

Cultismos léxicos

São palavras de evolução não-tradicional, compreendendo toda voz que não foi desenvolvida de acordo com as normas fonéticas porque a cultura atuou como freadora da evolução ou como importadora da palavra.

 

Cultismos tipicamente gongorinos:

adolescente, adunco, adusto, alterno, anhelante, aplauso, argentar, aura, caduco, cálamo, caliginoso, cándido, candor, canoro, caverna, céfiro, cerúleo, cisura, cóncavo, concento, conculcar, construir, coturno, crepúsculo, culto, ebúrneo, emular, émulo, erigir, errante, esfera, esplendor, estrépito, fragante, frustrar, fugitivo, ilustre, libar, líquido, lúgubre, meta, ministrar, naufragante, nocturno, ostentar, pira, pululante, purpúreo, trémulo, vulto.

O cultismo tem também um valor fonético externo no verso, por exemplo, quando usa um cultismo proparoxítono em que cai o acento rítmico. Isto reforça a expressão de todo o verso:

pintadas aves, cítaras de plumas

Em muitas oportunidades, ao cultismo proparoxítono une-se uma sensação colorista que ilumina tudo:

de aljófares purpúreos coronado

O cultismo gongórico tem um grande valor expressivo.

 

Cultismos semânticos

São palavras que têm uma acepção vulgar e outra culta.

Estas que me dictó rimas sonoras,

culta sí, aunque bucólica Talía… (Polifemo)

 

Cultismos sintáticos

Dentro dos mecanismos com que Góngora pretende acercar a língua espanhola ao latim, destacam-se procedimentos sintáticos de tradição latina, que repete como cristalizações artificiosas.

 


 

Verbo ser como 'sirver' o 'causar'

Allí una alta roca

mordaza es a una gruta, de su boca      [ser como servir]

(Polifemo)

 

pellico es ya la que en los bosques era                [ser como causar]

mortal horror

 (Polifemo)

 

Acusativos gregos

Construção muito esquisita e pouco freqüente reproduzindo uma fórmula que era um cultismo na poesia latina:

Su horrenda voz, no su dolor interno,

cabras aquí le interrumpieron, cuantas

-vagas al pie, sacrílegas el cuerno-

a Baco se atrevieron en sus plantas. (Polifemo)

cabras ... -vagas al pie, sacrílegas al cuerno-: As cabras são movediças no que se refere a seus pés; sacrílegas no que se refere a seus cornos.

 

Hipérbato

Consiste na transposição o mudança do ordem normal das palavras. O hipérbato era normal em latim porque a língua escrita era muito diferente da falada. O latim literário conservou uma colocação arcaizante enquanto o vulgar é mas simples. Quando Góngora introduz hipérbatos no seus poemas, aproxima a língua espanhola à dualidade que tinha a latina.

Os hipérbatos de uso mais freqüente são:

separação do substantivo do seu modificador direito:

Pasos de un peregrino son errante (Soledades)

un monte era de miembros eminente (Polifemo)

separação do modificador indireto do substantivo:

Del siempre en la montaña opuesto pino (Soledades)

anteposição da proposição do relativo com que a seu antecedente:

las que  verdes hamadrías

abortaron las plantas (Soledades)

Estas que me dictó rimas sonoras (Polifemo)

 

Repetição de fórmulas estilísticas (fórmula A, si no B)

Numa primeira leitura dos poemas gongóricos, é clara a tendência a repetição das mesmas fórmulas sintáticas que, Dámaso Alonso chama de A, si no B:

marino, si agradable no, instrumento (Polifemo)

 

…húmidas centellas,

si no aljófares líquidos sudando,

llegó Acis… (Polifemo)

 

Léxico colorista e suntuario

No léxico gongórico intensificam-se os campos semânticos relacionados com os cores. Sua poesia é colorista em extremo e as séries de cores mais freqüentes são:

Vermelho: livor, púrpura, rubíes, rojo, grana, acanto, carmesí, escarlata, coral, clavel, rosa.

Branco: lino, lana, lilios, espuma, perlas, nieve, cisnes, corderos, plata, argentar.

Ouro: oro, dorado, rubio, topacio, miel.

Azul: azul, zafiro, cerúleo.

O verde, que se encontra extensamente na natureza, tem um valor real. O preto aparece como um elemento discordante dentro da harmonia do mundo.

 

Recursos estilísticos

Na poesia de Góngora, apresenta-se uma simplificação enobrecedora do mundo. Desaparece o feio da natureza e estiliza-se a beleza. Esta estilização é possível pelo contínuo e complicado jogo de metáforas que usa. Por exemplo, nas Soledades, a água do rios, mar, fonte ou lágrimas sempre é cristal, mas cristal também são os belos membros de Galatea no Polifemo (al sonoro cristal, al cristal mudo).

Sua linguagem habitual é sempre um jogo repetido de metáforas, sinédoques, metonímias, perífrases. Revisaremos o uso que ele fez destes recursos.

 

Metáfora e imagem

A imagem é a comparação entre dois elementos: um real e outro irreal (por exemplo, sus dientes eran menudas perlas). Assim, o Polifemo

Un monte era de miembros eminente

no entanto,

era Acis un venablo de Cupido

A metáfora designa somente o elemento ideal (por exemplo, para nomear os dentes, escrevera perlas). Assim, uma coruja (um  buho) será:

grave, de pesadas plumas globo… (Soledades)

e a sensação do vento zéfiro:

Vagas cortinas de volantes vanos

corrió Favonio lisonjeramente… (Polifemo)

 

Metonímia e sinédoque

A metonímia é uma substituição similar à metáfora. Designa uma coisa através de outra, com a qual está relacionada. Por exemplo, o instrumento pela coisa significada:

y al cuerno, al fin, la cítara suceda… (Polifemo)

para designar caça e poesia.

A sinédoque também apresenta uma substituição, mas de quantidade. Assim, para designar os navios, dirá:

de la Religión seis velas

 


 

Perífrases alusivas

Eis outra maneira de substituição da realidade para eludir a representação direita. Conserva a noção real mas sem utilizar a palavra correspondente. Por exemplo, nas Soledades, o macho cabrum será:

el que de cabra fue dos veces ciento

esposo casi un lustro, cuyo diente

no perdonó racimo aun en la frente

de Baco, cuando más en su sarmiento…

e o feio pavão de Índias, diferente do pavão real:

Tú, ave peregrina,

arrogante esplendor -ya que no bello-

del último occidente...

 

Aliteração

Gôngora usa como reforços expressivos, elementos que vem pelo significante. A aliteração é de um som ou uma série de sons semelhantes num enunciado. Assim, o clamor dos cornos marinhos será:

Trompa Tritón del agua a la alta gruta

 

Paronomasias

Consiste em colocar próximos na frases dois elementos parônimos:

vendado que me has vendido

 

Plurimembrações e correlações

Outro elemento muito importante na poesia gongórica é o uso de bimembres que podem expressar contraste (negras vïolas, blancos alhelíes) embora freqüentemente, não tenha oposição lógica (gimiendo tristes y volando graves).

Esta estética dual contribui para formar correlações:

Ni en este monte, este aire, ni este río,

corre fiera, vuela ave, o pece nada


 

A língua poética de Quevedo[2]

A linguagem utilizada por Quevedo é impossível de se abarcar. Utiliza toda a escala sociolingüística de seu tempo: o estilo elevado dos poetas, a literatura edificante, o vocabulário profissional de médicos e juristas, a língua familiar das mulheres ou os términos da gíria.

A multiplicidade é um rasgo importante do estilo quevediano e manifesta-se, em particular, em sua poesia satírico-burlesca.

A análise de alguns dos rasgos da expressividade da poesia satírico-burlesca de Quevedo nos permitira compreender a dimensão de essa multiplicidade.

 

A expressividade fônica

Como em Góngora, é importante o jogo que o poeta fez com os sons. Isotopias, aliterações e cacofonias acumulam-se nos poemas quevedianos. Assim, em um soneto cujo tema é uma visão pessimista da vida, a intensificação cacofônica contribui ao sentido lúdico:

La vida empieza en lágrimas y caca,

luego viene la mu, con mama y coco,

síguense las viruelas, baba y moco,

y luego llega el trompo y la matraca.

 

A criação idiomática: o neologismo

Criação verbal por excelência é, em Quevedo, um elemento lúdico que contribui para o efeito de comicidade.

Um problema que aparece ao se estudar os neologismos em sua poesia é que, em muitas oportunidades, estes têm sentido no contexto em que figuram. Assim em:

son los vizcondes unos condes bizcos

que no se sabe hacia qué parte conden

condar, que significaria "ser conde", não funciona se estiver separado do verso anterior.

Na construção de neologismos podemos encontrar alguns que são paródia de uma palavra e outros que remetem a esquemas comuns a várias palavras.

 

Paródia de uma palavra

Substitui-se parte de uma palavra dada por outra que impõe o sentido do contexto, como de mariposa = diabliposa.

Estes podem ser:

Por condensação: quando condensam numa palavra uma idéia que se formaria com um grupo de palavras. Ex.: quintacuerna, que condensa "quintaesencia de la cuerna".

Por comparação condensada: condensa uma comparação entre duas entidades: aquilo do que se trata e outra coisa qualquer com a qual se possa relacionar. Ex.: libropesía, que condensa "hidropesia" com "libros"

Por jogos de palavras: como criar saca-agüelas a partir de "sacamuelas"

Por diferenciação expressiva: Expressa em forma mais agressiva a mesma coisa que com a palavra parodiada. Ex.: jerigóngora.

 

Imitação de esquemas

Imitam-se esquemas comuns a várias palavras, formados por derivação e composição: formações com os prefixos proto e archi (ex.: protovieja, archidiablo); com sufixos e resultados nominais ou verbais (ex.: cornudería, merlincocaizar) ou compostos coordenativos e subordinativos de substantivos, verbos e adjetivos (ex.: cultipicaña).

 


 

O conceitismo e Quevedo: a agudeza conceptual

Embora haja procedimentos conceptistas em toda a literatura espanhola desde a Idade Media até hoje, é o Barroco o período que fez do conceitismo o procedimento criador por excelência.

temos visto a definição de Gracián que entende conceito como um ato do entendimento que exprime a correspondência que se acha entre objetos. A base do método baseia-se no estabelecimento de relações entre objetos diversos. O poeta não isola seu objeto mas o põe em relação com outros objetos muito afastados. Ainda que esta definição englobe a figuras retóricas tradicionais como a metáfora, a comparação ou a alegoria, estas figuras serão agudezas conceituais quando apresentem a dificultad, que é o alma do conceito.

 

Alguns tipos de agudeza conceitual em Quevedo

Agudeza por semelhança

A comparação e a metáfora são a base da agudeza por semelhança. Em muitos casos, está fundamentada em elementos visuais, tais como assimilar a testa de um calvo a calavera, melón ou casco, ou descrever uma mulher feia que treme pelos ratos dizendo:

estás tan arrugada

que pareces al queso por de fuera

 

Agudeza por exageração

A hipérbole é um dos recursos da arte barroca e em Quevedo é básico. Assim, ante um dia de matrimonio:

decidme, ¿cuánto número de edades

enfunda el matrimonio en sólo un día?

 

Jogos de palavras

Em Quevedo, todo jogo verbal com significantes implica um jogo mental com significados.

 


 

Paronomasias

Podemos encontrar jogos lúdicos muito simples, como o epitáfio de um cão chamado "Leal":

ladró al ladrón, pero calló al amante

ou o relato das desventuradas aventuras do Orlando.

Mas, em alguns casos, é possível achar um neologismo como um dos términos da paronomasia;

bien se puede llamar libropesía,

sed insaciable de pulmón librero

 

Dilogia

Consiste em usar uma palavra em dois sentidos diferentes dentro de um mesmo enunciado.

Alguaciles y alfileres

prenden todo cuanto agarran;

 

no me infundáis, que no soy almohadas

Nosso percorrido por algumas das principais características da língua poética do Barroco espanhol não pretendeu ser exaustivo. É simplesmente uma pequena amostra da grandeza expressiva de Góngora e Quevedo,  e das possibilidades de essa hidra vocal que projeta a palavra barroca até o infinito.

 

Textos para a análise

Luis de Góngora

Fragmento de sua primeira canção publicada à frente da  tradução de Os Lusíadas por Luis Tapia (1580)

         Suene la trompa bélica

         del castellano cálamo

dándoles lustre y ser a Las Lusíadas,

         y con su rima angélica

         en el celeste tálamo

encumbre su valor entre las Híadas.

         Napeas y Hamadríadas

         con amoroso cántico

         y espíritu poético

         celebren nuestro bético

del Mauritano mar al mar Atlántico,

         pues vuela su Calíope

desde el blanco francés al negro etíope.

 (ALONSO, 1967: I, 99)

 

 

A CÓRDOBA (1585)

 

   ¡Oh excelso muro! ¡Oh torres coronadas

de honor, de majestad, de gallardía!

¡Oh gran río, gran rey de Andalucía,

de arenas nobles, ya que no doradas!

   ¡Oh fértil llano, oh sierras levantadas

que privilegia el cielo y dora el día!

¡Oh siempre glorïosa patria mía

tanto por plumas cuanto por espadas!

   Si entre aquellas ruïnas y despojos

que enriquece Genil y Darro baña,

tu memoria no fue alimento mío,

   nunca merezcan mis ausentes ojos

ver tu muro, tus torres y tu río,

tu llano y sierra, ¡oh patria!, ¡oh flor de España!

 (ALONSO, 1967: II, 139)

 

ROMANCE (1603) [fragmentos]

 

   En los pinares de Júcar

vi bailar unas serranas,

al son del agua en las piedras

y al son del viento en las ramas.

   No es blanco coro de ninfas

de las que aposenta el agua,

o las que venera el bosque,

seguidoras de Dïana:

   serranas eran de Cuenca,

honor de aquella montaña,

cuyo pie besan dos rios

por besar de ella las plantas.

……………………………………

 

   Una entre los blancos dedos

hiriendo negras pizarras,

instrumentos de marfil

que las musas le invidiaran,

   las aves enmudeció

y enfrenó el curso del agua;

no se movieron las hojas

por no impedir lo que canta:

   "Serranas de Cuenca

   iban al pinar,

   unas por piñones,

   otras por bailar.

 

      Bailando, y partiendo,

   las serranas bellas,

   un piñón con otro,

   si ya no es con perlas,

   de Amor las saetas

   huelgan de trocar,

   unas por piñones,

   otras por bailar.

(ALONSO, 1967 , II : 46-48)

 

FÁBULA DE POLIFEMO
Y GALATEA (1613)

 

                1

   Estas que me dictó rimas sonoras,

culta sí, aunque bucólica, Talía

oh excelso conde!-, en las purpúreas horas

que es rosas la alba y rosicler el día,

ahora que de luz la Niebla doras,

escucha, al son de la zampoña mía,

si ya  los muros no te ven, de Huelva,

peinar el viento, fatigar la selva.

 

                               4

   Donde espumoso el mar sicilïano

el pie argenta de plata al Lilibeo

(bóveda o de las fraguas de Vulcano,

o tumba de los huesos de Tifeo),

pálidas señas cenizoso un llano

-cuando no del sacrílego deseo-

del duro oficio da. Allí una alta roca

mordaza es a una gruta, de su boca.

 

                               5

   Guarnición tosca de este escollo duro

troncos robustos son, a cuya greña

menos luz debe, menos aire puro

la caverna profunda, que a la peña;

caliginoso lecho, el seno obscuro

ser de la negra noche nos lo enseña

infame turba de nocturnas aves,

gimiendo tristes y volando graves.

 


 

                               6

   De este, pues, formidable de la tierra

bostezo, el melancólico vacío

a Polifemo, horror de aquella sierra,

bárbara choza es, albergue umbrío

y redil espacioso donde encierra

cuanto las cumbres ásperas cabrío,

de los montes, esconde: copia bella

que un silvo junta y un peñasco sella.

 

                               7

   Un monte era de miembros eminente

este (que, de Neptuno hijo fiero,

de un ojo ilustra el orbe de su frente,

émulo casi del mayor lucero)

cíclope, a quien el pino más valiente,

bastón, le obedecía, tan ligero,

y al grave peso junco tan delgado,

que un día era bastón y otro cayado.

                                8

   Negro el cabello, imitador undoso

de las obscuras aguas del Leteo,

al viento que lo peina proceloso,

vuela sin orden, pende sin aseo;

un torrente es su barba impetüoso,

que (adusto hijo de este Pirineo)

su pecho inunda, o tarde, o mal, o en vano

surcada aun de los dedos de su mano.

 

                                13

   Ninfa, de Doris hija, la más bella,

adora, que vio el reino de la espuma.

Galatea es su nombre, y dulce en ella

el terno Venus de sus Gracias suma.

Son una y otra luminosa estrella

lucientes ojos de su blanca pluma:

si roca de cristal no es de Neptuno,

pavón de Venus es, cisne de Juno.

 

                                14

   Purpúreas rosas sobre Galatea

la alba entre lilios cándidos deshoja:

duda el Amor cuál más su color sea,

o púrpura nevada, o nieve roja.

De su frente la perla es, eritrea,

émula vana. El ciego dios se enoja,

y, condenado su esplendor, la deja

pender en oro al nácar de su oreja,

 

                                23

   La fugitiva ninfa, en tanto, donde

hurta un laurel su tronco al sol ardiente,

tantos jazmines cuanta hierba esconde

la nieve de sus miembros, da a una fuente.

Dulce se queja, dulce le responde

un ruiseñor a otro, y dulcemente

al sueño da a sus ojos la armonía,

por no abrasar con tres soles el día.

 

                                24

   Salamandria del Sol, vestido estrellas,

latiendo el Can del cielo estaba, cuando

(polvo el cabello, húmidas centellas,

si no ardientes aljófares, sudando)

llegó Acis; y, de ambas luces bellas

dulce Occidente viendo al sueño blando,

su boca dio, y sus ojos cuanto pudo,

al sonoro cristal, al cristal mudo.

 (ALONSO, 1967, III : 13-21)

 

 

 

SOLEDAD PRIMERA (1613) [fragmentos]

 

Era del año la estación florida

en que el mentido robador de Europa

-media luna las armas de su frente,

y el Sol todos los rayos de su pelo-,

     luciente honor del cielo,

en campos de zafiro pace estrellas;

cuando el que ministrar podía la copa

a Júpiter mejor que el garzón de Ida,

-náufrago y desdeñado, sobre ausente-

lagrimosas de amor dulces querellas

     da al mar; que condolido,

     fue a las ondas, fue al viento

     el mísero gemido,

segundo de Arión dulce instrumento.  (vv. 1-14)

 (JAMMES, 1994: 195-201)

 

Bajaba entre sí el joven admirando,

armado a Pan o semicapro a Marte,

en el pastor mentidos, que con arte

culto principio dio al discurso, cuando

rémora de sus pasos fue su oído,

     dulcemente impedido

de canoro instrumento, que pulsado

era de una serrana junto a un tronco,

sobre un arroyo, de quejarse ronco,

mudo sus ondas, cuando no enfrenado.

 

Otra con ella montaraz zagala

juntaba el cristal líquido al humano

por el arcaduz bello de una mano

que al uno menosprecia, al otro iguala.

 

Del verde margen otra las mejores

rosas traslada y lilios al cabello,

o por lo matizado o por lo bello,

si Aurora no con rayos, Sol con flores.

 

Negras pizarras entre blancos dedos

ingenïosa hiere otra, que dudo

que aun los peñascos la escucharan quedos.

     Al son pues de este rudo

     sonoroso instrumento

     -lasciva el movimiento,

     mas los ojos honesta-

altera otra, bailando, la floresta. (vv. 233-258)

 (JAMMES, 1994: 247-251)

 


 

Francisco de Quevedo

A UN HOMBRE DE UNA GRAN NARIZ

Érase un hombre a una nariz pegado,

érase una nariz superlativa,

érase una alquitara medio viva,

érase un peje espada mal barbado;

   era un reloj de sol mal encarado,

érase un elefante boca arriba,

érase una nariz sayón y escriba,

un Ovidio Nasón mal narigado.

   Érase el espolón de una galera,

érase una pirámide de Egito,

las doce tribus de narices era;

   érase un naricísimo infinito,

frisón archinariz, caratulera,

sabañón garrafal, morado y frito.

 (BLECUA, 1981: 546)

 

RECETA PARA HACER
SOLEDADES EN UN DÍA

 

   Quien quisiere ser culto en sólo un día,

la jeri (aprenderá) gonza siguiente:

fulgores, arrogar, joven, presiente,

candor, construye, métrica armonía;

   poco, mucho, si no, purpuracía,

neutralidad, conculca, erige, mente,

pulsa, ostenta, librar, adolescente,

señas traslada, pira, frustra, arpía;

   cede, impide, cisuras, petulante,

palestra, liba, meta, argento, alterna,

si bien disuelve émulo canoro.

   Use mucho de líquido y de errante,

un poco de nocturno y de caverna,

anden listos livor, adunco y poro.

 

   Que ya toda Castilla,

con sola esta cartilla,

se abrasa de poetas babilones,

escribiendo sonetos confusiones;

y en la Mancha, pastores y gañanes,

atestadas de ajo las barrigas,

hacen ya cultedades como migas.

(BLECUA, 1981: 1161)

 

 

MUJER PUNTIAGUDA CON ENAGUAS

   Si eres campana, ¿dónde está el badajo?;

si pirámide andante, vete a Egito;

si peonza al revés, trae sobrescrito;

si pan de azúcar, en Motril te encajo.

   Si chapitel, ¿qué haces acá abajo?

Si de diciplinante mal contrito

eres el cucurucho y el delito,

llámente los cipreses arrendajo.

   Si eres punzón, ¿por qué el estuche dejas?

Si cubilete, saca el testimonio;

si eres coroza, encájate en las viejas.

   Si büida visión de San Antonio,

llámate doña Embudo con guedejas;

si mujer, da esas faldas al demonio.

 (BLECUA, 1981: 548)

 

POEMA HEROICO DE LAS NECEDADES Y LOCURAS
DE ORLANDO EL ENAMORADO (
fragmento)

 

   No bien la reina del Catay famosa

había dejado el gran palacio, cuando

Malgesí, con la lengua venenosa,

todo el infierno está claviculando:

todo demonichucho y diabliposa

en torno de su libro está volando;

hasta los cachidiablos llamó a gritos

con todo el arrabal de los precitos. (vv. 657-664)

 (BLECUA, 1981: 1331)

 

 

MÉDICO QUE PARA UN MAL QUE NO QUITA,
RECETA MUCHOS

 

   La losa en sortijón pronosticada

y por boca una sala de vïuda,

la habla entre ventosas y entre ayuda,

con el "Denle a cenar poquito o nada".

   La mula, en el zaguán, tumba enfrenada;

y por julio un "Arrópenle si suda;

no beba vino; menos agua cruda;

la hembra, ni por sueños, ni pintada".

   Haz la cuenta conmigo, dotorcillo:

para quitarme un mal, ¿me das mil males?

¿Estudias medicina o Peralvillo?

   ¿De esta cura me pides ocho reales?

Yo quiero hembra y vino y tabardillo,

y gasten tu salud los hospitales.

 (BLECUA, 1981: 568)

 


 

 

AMOR CONSTANTE
MÁS ALLÁ DE LA MUERTE

 

   Cerrar podrá mis ojos la postrera

sombra que me llevare el blanco día,

y podrá desatar esta alma mía

hora a su afán ansioso lisonjera;

 

   mas no, de esotra parte, en la ribera,

dejará la memoria, en donde ardía:

nadar sabe mi llama la agua fría,

y perder el respeto a ley severa.

  Alma a quien todo un dios prisión ha sido,

venas que humor a tanto fuego han dado,

médulas que han gloriosamente ardido,

 

   su cuerpo dejará, no su cuidado;

serán ceniza, mas tendrá sentido;

polvo serán, mas polvo enamorado.

 (BLECUA, 1981: 511-512)

 

 


 

Bibliografia

Alarcos garcía, Emilio. "Quevedo y la parodia idiomática", Homenaje al profesor Alarcos García, I: Valladolid, 1965, 443-472.

Alonso, Dámaso. La lengua poética de Góngora: Madrid, Anejo XX de la RFE, 1935.

––––––. Góngora y el "Polifemo", Madrid: Gredos, 1967.

Arellano, Ignacio. Poesía satírico burlesca de Quevedo: Pamplona, Eunsa, 1984.

Blecua, José Manuel (ed.). Francisco de Quevedo, Poesía original completa, Barcelona, Planeta, 1981.

Egido, Aurora. Fronteras de la poesía en el Barroco: Barcelona, Crítica, 1990.

Gallego Morell, Antonio. Garcilaso de la Vega y sus comentaristas, Granada, Universidad de Granada, 1966.

Jammes, Robert. La obra poética de Don Luis de Góngora y Argote, Madrid, Castalia, 1987.

–––––– (ed.). Luis de Góngora, Soledades, Madrid, Castalia, 1994.

Lázaro Carreter, Fernando. Estilo barroco, personalidad creadora: Salamanca, Anaya, 1966.

Martínez Arancon, Ana. La batalla en torno a Góngora, Barcelona, Bosch, 1978.

Menén­dez Pidal, Ramón. “Oscuridad, dificultad entre culteranos y conceptistas”, en Castilla, la tradición, el idioma, Buenos Aires, Espasa Calpe, 1945, pp.219-228.

Menéndez y Pelayo, Marcelino. Historia de las ideas estéticas en España, Madrid, A. Pérez Dubrull, 1884.

Proyecto Boscán [http://www.ub.es/boscan/]

Romanos, Melchora (ed.), Selección poética de Góngora: Buenos Aires, Kapelusz, 1983.

Sabor de Cortazar, Celina. Para una relectura de los clásicos españoles: Buenos Aires, Academia Argentina de Letras, 1987.


 

[1] Os trabalhos de Dámaso Alonso (1935; 1967) são imprescindíveis para todo estudo gongórico. Resulta esclarecedora também a introdução de Melchora Romanos (1983) a sua antologia.

[2] Para o estudo da língua poética de Quevedo, são fundamentais os trabalhos de Alarcos García (1965) e Celina Sabor de Cortazar (1987) assim como a teses de Ignacio Arellano (1984).