Crítica
Genética:
uma
volta
às
origens[1]
Maria Antonia da
Costa
Lobo
(UCB,
UniverCidade e UFRJ)
RESUMO
O
presente
trabalho
reside
essencialmente
em
enfoques
relativos
à
análise
genética
de uma
obra
literária,
em
especial
à
riqueza
e à
variedade
de
questões
suscitadas
por
ela:
questões
sobre
o
próprio
objeto
do(s)
manuscritos(s),
questões
referentes
à
incidência
do
contexto
cultural a
respeito
da
produção
literária,
questões
sobre
a
história
de
estudos
genéticos,
questões
de
terminologia
(gênese,
produção,
psicologia
da
criação),
questões
teóricas (o
espaço
do
autor,
o “bom
texto”,
a
gênese
–
por
que
estabelecer
o
aparato
crítico
de uma
edição?),
comunicando
com
a
apreensão
do
processo
de
produção
intelectual.
Duas outras
questões
podem
ser
ainda
acrescentadas,
em
particular,
pensar
nos
manuscritos
(visando,
antes
de
tudo,
a
teoria)
e
escrutar
(investigar)
os
manuscritos
(referindo-se
em
especial,
ao
corpus
constituinte).
Por
onde
começar?
PALAVRAS-CHAVE:
Genética,
Crítica,
Filologia,
Literatura,
Pedro Nava
O
presente
trabalho
reside
essencialmente
em
enfoques
relativos
à
análise
genética
de uma
obra
literária,
em
especial
na
riqueza
e na
variedade
de
questões
sobre
o
próprio
objeto
do(s)
manuscrito(s)
-
rascunho(s)
-
questões
referentes
à
incidência
do
contexto
cultural
sobre
a
produção
literária,
questões
sobre
a
história
de
estudos
genéticos,
questões
de
terminologia
(gênese,
produção,
psicologia
da
criação),
questões
teóricas (o
espaço
do
autor,
o “bom”
texto,
a
gênese
-
por
que
estabelecer
o
aparato
crítico
de uma
edição?),
culminando
com
a
apreensão
do
processo
de
produção
intelectual.
Duas outras
questões
podem
ainda
ser
acrescentadas,
em
particular:
pensar
(n)os
manuscritos
(visando
antes
de
tudo
a
teoria)
e
escrutar
(investigar)
esses
manuscritos,
antecedentes
da
obra
propriamente
dita,
referindo-se
em
especial
ao
corpus
constituinte.
Por
onde
começar?
Os
primórdios
A
palavra
crítica
pode
ser
entendida
como
a
faculdade
ou
arte
de
julgar
as
obras
do
espírito,
em
particular
aquelas de
caráter
artístico
ou
literário.
A
partir
de uma
análise,
vem
ela
expressa,
em
geral
por
escrito,
sob
a
forma
de
comentário
ou
apreciação
teórica
e/ou
estética
- uma apreciação
minuciosa.
Mas
junte-se a
ela
outros
especificadores,
como
textual
ou
genética.
Deve-se
frisar
que,
no
primeiro
caso,
se
alude
também
à ecdótica - a
arte
de
descobrir
e
corrigir
os
erros
de
um
texto
transmitido, preparando-lhe a
edição
que
se diz
crítica.
Mas
aqui
o
foco
central
está na
Crítica
Genética.
Tem
ela
início,
nos
anos
60, na França (Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS),
quando
uma
pequena
equipe
de
pesquisadores
foi
encarregada
de
organizar
os
manuscritos
do
poeta
alemão
Henrich Heine, recém-adquiridos
pela
Bibliothèque Nationale de Paris.
A
equipe
tornou-se
um
pólo
de
atração
para
outros
pesquisadores
-
seminários
internos,
grupos
de
trabalho
foram organizados.
Mas
era
necessário
construir
uma
metodologia
de
trabalho
e
elaborar
um
corpus
de
princípio
e de
conceitos
comuns.
Os
manuscritos
(rascunhos)
são,
simultaneamente,
um
patrimônio
cultural e
um
objeto
de
investigação
científica.
Nessa
época,
o
estruturalismo
conheceu
um
grande
sucesso
na França -
Lingüística
e
Literatura
viviam uma
lua-de-mel
intensa.
Roland Barthes, o
grande
nome
francês
da
teoria
literária,
integrava o
grupo
TEL QUEL, e a
paixão
pelos
formalistas
russos e pelas
análises
de Roman Jakobson predominava à
época.
Era
a
fase
das
teorias
do
texto.
Este
era
concebido
como
um
conjunto
fechado, o
que
levou a uma
bateria
de
paradigmas
conceituais.
Para
as
teorias
estruturalistas, os
conceitos
de
ESCRITURA,
CRIATIVIDADE,
PRODUTIVIDADE faziam
parte
da
própria
estrutura
textual,
autônoma
e fechada
em
si
mesma;
ela
não
tinha
necessidade
de
nenhum
exterior.
Mas,
em
1970, é lançado o No 17 da
revista
Langages, dedicado à
enunciação.
Foi nesse
número
que
Émile Benveniste definiu o
programa
de
colocação
da
língua
em
funcionamento
por
um
ato
individual
de
utilização.
Em
1972, Jean Bellemin Noël propôs
definir
como
avant-textes os papéis (rascunhos)
que
antecedessem o
texto.
E
um
estudo
da
gênese
de
um
poema
de Milosz foi
feito.
À
época,
o
grupo
de
pesquisa
do C.N.R.S
já
estudava,
além
da
obra
de Heine, a de Marcel Proust, Gustave Flaubert e
Paul
Valéry.
Apesar
disso, no
final
dos
anos
70, essa
corrente
penetrou verdadeiramente na
pesquisa
lingüística
e provocou
um
interesse
novo
pelos
mecanismos
de
produção
linguageira,
quer
escritos,
quer
orais.
O
fato
é
que
a
equipe
Heine se tornou
um
Instituto
do C.N.R.S., dando
origem
ao Institut de Textes et Manuscrits Modernes (I.T.E.M.).
Considerações
sobre
a
Crítica
Genética
(C.G.).
A C.G.
veio,
a
partir
dos
anos
60,
ocupar
um
lugar
novo
na
pesquisa
francesa.
Opondo-se à fixidez e ao
fechamento
(à
clausura,
à
contenção)
textual
do
qual
ela
herdou os
métodos
de
análise
e as
reflexões
sobre
a textualidade, definiu
eixos
de
leitura
para
o
ato
de
produção.
Assim,
não
somente
(re)descobriu
um
imenso
campo
de
estudo,
mas
provocou uma verdadeira
revolução
do “olhar”
(análise)
em
relação
à
obra
pesquisada.
Ela
visa
não
só
o
texto
enquanto
produto
da
obra,
mas
a
análise
de
um
processo
dinâmico
- a
escritura,
a textualização e a
produção.
Ver
a
obra
nas
metamorfoses
em
que
ela
se constitui, partindo-se do
princípio
do
questionamento
a
respeito
do
que
é
escrever(?).
Daí, o
interesse
pela
investigação
do(s) pré-texto(s) pertencente(s) a
domínios
diferentes.
Criação
e
pesquisa
estão interligadas.
Objeto
da C.G.
A C.G. tem
por
objeto
os
rascunhos,
manuscritos
ou
datiloscritos, agrupados
em
conjuntos
coerentes,
que
formam a
pré-história
de
um
texto
e constituem o
traço
visível
de
um
mecanismo
criativo
de
trabalho
dos
escritores/autores.
Esses
rascunhos
portam o
traço
de uma
dinâmica,
aquela do
texto
em
transformação.
Método
A
colocação
à
tona
do
corpo
e do
decorrer
da
escritura
e a
construção
de uma
série
de
hipóteses
sobre
as
operações
escriturais,
antecedentes
à
obra
editada.
Alvo
O
texto
como
um
fazer,
como
atividade,
como
movimento.
Os
rascunhos
Exercem
poder
de
atração
sobre
os
escritores
(que
os conservam,
para
se assegurarem da
própria
vida),
sobre
os
amadores
(colecionadores
-
enquanto
objeto
de
prazer
e
enquanto
valor
comercial),
sobre
os filólogos (pela
possibilidades de oferecerem
aparatos
críticos),
sobre
os
arquivos
(por
representarem
provas
do
patrimônio
nacional).
É
necessário
localizá-los e decifrá-los.
Tocar
na
autenticidade
que
representa o
autógrafo,
é
ver
o
corpo
da
escritura
se
escrever
sobre
a
página.
Permitem
eles
estabelecer
uma
arqueologia
da
obra.
O
manuscrito
é o
local
de
um
contato
direto
com
a
vida
da
obra
- o
pensamento
nele circula
como
no
estado
nascente.
Ele
permite
fazer
entender
a
voz
de
um
universo
(saturado)
de
emoções
e de
invenções
onde
cada
passo
introduz
inesgotáveis
descobertas.
Prioridades
são
estabelecidas
para
a
análise
desses
manuscritos:
as da
produção
sobre
o
produto,
da
escritura
sobre
o
escrito,
da textualização
sobre
o
texto,
do
múltiplo
sobre
o
único,
do
possível
sobre
o
acabado,
da
dinâmica
sobre
a estaticidade, da
enunciação
sobre
o
enunciado
- da
gênese
sobre
a
estrutura,
enfim,
o nascimento do
texto.
Trabalhando-se o
processo
de
produção,
busca-se a
certeza
sobre
o
texto,
sobre
a
obra.
Uma
vez
concebido, o
manuscrito
vai
crescer
e
proliferar,
seja na
prosa,
seja na
poesia.
Demonstrar
que
nenhum
ponto
da
composição
pode
ser
atribuído ao
acaso
ou
à
intuição
- a
obra
caminhou
passo
a
passo
com
a
precisão
e a
rigorosa
lógica
de
um
problema
matemático.
Maiakovski,
por
exemplo,
chegou a
comparar
o
ato
de
poetar
à
indústria,
ao
afirmar:
“a
poesia
é uma
indústria
das
mais
difíceis, das
mais
complicadas,
mas
indústria
apesar
de
tudo.”(Como
fazer
versos
- p.326).
Benn Gottfried,
em
Problema
da
Lírica
(p.6), registrou: “Um
poema,
isso
se fabrica”.
Pré-textos
Constituem
redes
de
operações
que,
a
princípio,
permitem
conjecturar
sobre
atividades
mentais
subjacentes,
a
partir
de
percepção
de
prática
de
atos,
tais
como
escrever,
rasurar,
acrescentar,
suprimir,
substituir
ou
permutar.
Hipóteses
são
construídas
sobre
os
caminhos
percorridos
pela
escritura
e
sobre
as significações
possíveis
desse
processo
de
criação
(inferências
e
efeitos
múltiplos
da textualidade no
estado
nascente).
Em
um
espaço
amplamente
inexplorado
reside a possibilidade de
descobertas.
Múltiplas
questões
advêm
então:
o
que
é
escrever?
Como
se escreve?
Como
analisar
a
língua
escrita,
quando
o
documento
empilha o paradigmático
sobre
o sintagmático?
Qual
o
gênero
de
escritura?
Há
acontecimentos
na
escritura
que
marcam a
invenção?
É
importante
ressaltar
que
os
escritores/autores
deixam
traços,
não
provas.
Logo,
o
trabalho
de
crítica
genética
transformará
traços
em
provas.
A
escritura
aparece,
então,
como
local
de pulsão e de
cálculo,
tanto
assim
que
Martin Walser,
em
Écrire, la naissance du texte (Paris: José Corti, 1989, p.222),
registrou: “A
escritura
é uma
espontaneidade
organizada”.
Em
verdade,
o
trabalho
do
escritor
progride
laboriosamente,
tateia
e se engaja
em
impasses,
se atola... constrói
um
labirinto,
cria
redes
e
tramas.
Ele
se serve do
local
onde
se inscreve, de
linha
em
linha,
o
duelo
do
espírito
com
a
linguagem,
da
sintaxe
com
os
dois,
do
delírio
com
a
razão,
da
alternância
com
a
espera
e a
pressa
- o
drama
da
elaboração
de uma
obra
e da
fixação
do
instável.
Com
lacunas
ou
não,
os pré-textos refletem
traços
que
espelham
um
enunciador
em
perpétua
mutação.
A
leitura
dos
mesmos
é necessariamente
partida
por
intervenções
interlineares e
marginais,
pelo
retour en arrière.
Curiosamente,
os
rascunhos
não
são
escritos,
pelo
menos
a
princípio,
para
um
olhar
exterior
que
não
o do
escritor/autor
Por
que
se
interessar
pelos
rascunhos?
Porque
há uma
relação
entre
o pré-texto e o
texto,
e
porque
o
estudo
de
um
enriquecerá o
conhecimento
do
outro.
Existe uma
capacidade
de
intervenção:
uma
reflexão
a
respeito
do
conceito
de
escritura
e a
elaboração
de uma
estética
de
produção.
A
escritura
envolve
três
sentidos:
1)
um
sentido
material
pelo
qual
se designa
um
traçado, uma
inscrição,
nível
que
supõe o
suporte,
o
instrumento
e
sobretudo
a
mão
que
traça;
2)
um
sentido
cognitivo,
pelo
qual
se designa a
colocação,
pelo
ato
de
escrever,
de
formas
linguageiras dotadas de significação ; e
3)
um
sentido
artístico,
pelo
qual
se designa a
emergência,
no
ato
de
escrever
mesmo,
de
complexos
linguageiros reconhecíveis
como
literários.
Mas
como
abordar
a
escritura,
sem
evocar
aquele
que
escreve?
Escrever
como
atividade
exige
um
sujeito
gramatical.
A
obra
realista de Gustave Flaubert é
um
exemplo
vivo
disso: “Madame
Bovary ... c’est mois”.
Há,
sim,
a
presença
de
um
eu
empírico
passado
a
um
eu
de
ficção.
Entre
eles
há uma
conversão
conflitual
que
vai
até
a
ligação
gramatical
entre
sujeito
e
verbo.
Os
rascunhos
não
são
somente
o
local
da
gênese
da
obra,
mas
também
um
espaço
no
qual
a
questão
do
autor
pode
ser
estudada
sob
uma
nova
luz:
como
local
de
conflitos
enunciativos,
como
gênese
do
escritor.
Permitem
eles,
ainda,
observar
a intertextualidade
que
se pode
ou
se deve
ver
na
escritura
balbuciante do
começo,
onde
o
discurso
outro
e o
discurso
próprio
se encontram, se mesclam,
são
concorrentes,
antes
de se fundirem
em
uma
obra
nova.
Questões-chave na
Crítica
Genética
Como
não
pensar
que
a
história
de
um
texto
esclarece aquela da
escritura?
No
caso
específico
de
obras
autobiográficas, deve
ser
verificado o
respeito
ao
Pacto
autobiográfico.
Investigando-se os
rascunhos,
é
possível
assistir
a uma
espécie
de
cena
primitiva
da
literatura.
Quais
são
as especificidades genéricas no
trabalho
da
criação
literária?
Os
rascunhos
(pré-textos) de uma
obra
de
ficção
são
estritamente
comparáveis
àqueles
de uma
autobiografia
ou
de
um
jornal?
Ou
há especificidades genéricas no
estudo
desse
trabalho?
O
jornal
parece
não
ter
rascunho(s).
Em
verdade,
os
estudos
genéticos
oferecem
um
novo
terreno
para
tratar
questões
teóricas espinhosas
que
apresentam ao(s)
teórico(s)
as
relações
do
EU
e da
LINGUAGEM,
da
ARTE
e da
VERDADE.
A
autobiografia
O
conhecimento
do(s) pré-texto(s) é interessante
para
os
especialistas
que
refletem
sobre
os
mecanismos
da
criação.
Os
rascunhos
têm uma
relação
direta
com
o
projeto
central
do
texto
e a
espera
do
leitor.
Duas
razões
se apresentam
então:
1a) o
texto
autobiográfico
tem
por
objeto
o
passado
do
autor,
a
história
dele. A
redação
da
autobiografia
faz
parte
dessa
história,
a
qual
aparece representada no
próprio
texto;
e
2a) o
texto
autobiográfico
tem
por
objeto
a
verdade
com
o
passado,
o
contrato
dele (texto)
implica a possibilidade e a
legitimidade
de uma
verificação
- o
confronto
do
texto
com
dados
históricos
externos
é uma das
vias.
O
texto
apresenta
diálogos.
Deve-se,
contudo,
evitar
o
risco
de
crer
que
os pré-textos
são
mais
verdadeiros do
que
o
texto.
Para
isso,
a
curiosidade
policial
deve
ser
colocada e/ou
utilizada
para
captar
os engajamentos
com
o
pacto
autobiográfico,
com
a
inegável
pertinência.
Ela
será utilizada
como
um
meio
de
ir
além
das
aparências,
aceder
ao
movimento
que
produziu o
texto.
É
preciso
acompanhar,
de
maneira
progressiva,
um
trabalho.
Não
se considerará
mais
unicamente
como
a
tradução,
relativamente
fiel,
de uma
verdade
pré-existente,
mas
como
um
trabalho
de
criação
do
EU
na
linguagem,
a
construção
de uma
identidade
narrativa,
em
dois
planos
psicológico
e
estético.
Psicologicamente, os
pré-textos permitem
avaliar
in
vivo
os
mecanismos
da
memória
e a
evolução
de uma
imagem
própria
(de
si),
que
pode
variar
em
função
do
tempo.
O
que
se observa
não
é
forçosamente
da
ordem
do
inconsciente
-
MEMÓRIA.
Mas
é
algo
que
escapa
à
atenção
do
escritor/autor(?).
Podem-se
perceber
as mudanças da
memória
ou,
então,
o
autor
não
tem
nenhum
interesse
de representá-la.
A
memória
atua na
triagem;
ela
vai se metamorfoseando:
lembranças,
recordações infantis mudam de significação
ou
mesmo
de
conteúdo
em
função
da
evolução
ideológica do
autor/escritor.
Assim,
é
possível
acompanhar
os
indícios
a
respeito
das transformações do
projeto
presente
de
autobiografia.
Rousseau,
desde
1764, descreveu uma
dupla
dimensão
da
verdade
da
autobiografia:
“Entregando-me ao
mesmo
tempo
à
lembrança
da
impressão
recebida ao
sentimento
presente,
pintarei
duplamente
o
estado
de
minha
alma,
a
saber
no
momento
em
que
o
acontecimento
me
ocorreu e no
momento
em
que
eu
o escrevi;
meu
estilo
fará
ele
próprio
parte
de
minha
história”.
Esteticamente, é
um
investimento/reinvestimento
na
escritura,
verificam-se os
gêneros
de
estrutura,
os
mecanismos
de
linguagem.
A
autobiografia
é
freqüentemente
uma
escritura
segunda
que
deve
ser
considerada
em
um
espaço
intertextual.
Ainda
do
ponto
de
vista
estético,
permite
avaliar
a
distribuição
das
etapas
de
trabalho,
do
projeto
inicial
ao
texto
definitivo
e as
técnicas
de alteração (possibilidade de
um
trabalho
intergenético).
Em
suma,
avalia-se
um
inventário
da
memória,
uma
organização
narrativa,
a
articulação
do
ponto
de
vista
de
outrora
e do
discurso
de
hoje,
a
escolha
de
um
sistema
de
enunciação
(e de
um
destinatário).
Logo,
em
especificidades genéricas, observa-se:
em
que
a
escritura
de uma
autobiografia
difere de outras
formas
de
escrituras.
No
que
diz
respeito
às
inovações,
pesquisa-se:
por
que
e de
que
modo
um
escritor
é
levado
a
inovar?
CONCLUSÃO
A
Crítica
Genética
vai
trabalhar
na
reconstrução
dos
mecanismos
da
produção
textual,
elucidando a
gênese
de
um
texto
- a
biografia
da
obra.
Permite
tornar
acessíveis
e
legíveis
documentos
autógrafos
que,
a
princípio,
são
apenas
peças
de
arquivos,
mas
que
contribuíram, ao
mesmo
tempo,
para
a
elaboração
de
um
texto
e
que
são
as
provas
materiais
de uma
dinâmica
criadora.
O
discurso
da
Crítica
Genética
se
acha
atravessado
por
numerosas
metáforas
e
mais
precisamente
por
duas
séries
metafóricas: uma, de
tipo
organicista;
outra,
de
tipo
construtivista.
É
esse
discurso
que
permite
apreender
e
revelar
a
noção
de
texto,
de
escritura
e de
autor/escritor.
Qual
a
relação
entre
obra
editada e
gênese?
Qual
o
tempo
da
escritura
em
relação
ao
tempo
da
história?
Quais
os
tipos
de
rascunhos
referentes
à
produção
da
obra?
Qual
a
escritura
inventiva
em
relação
à
escritura
definitiva?
Em
verdade,
o
espaço
de
análise
do
material
que
antecede a
obra
definitiva
pode
assumir
diversas
formas:
semi-público (em
uma
correspondência)
ou
público
(em
outro
gênero
de
obra).
O
material
reflete
um
escritor/autor
engajado
em
um
diálogo
mais
ou
menos
aberto
com
ele
próprio,
no
papel
de
receptor,
e determinando o
conteúdo
que
irá do
fragmento
ao
trabalho
dado
por
concluído,
que
lhe
permitiu
passar
do
hermetismo
à exteriorização. Nele é
possível,
muitas
vezes,
detectar
estratégias
de
decisão
escritural,
de
escolhas
feitas
em
favor
de
um
tipo
de
mensagem,
de
um
suporte
de
escritura
ou,
ao
contrário,
de
aceitação
natural
das mudanças,
até
mesmo
das
contradições.
Naturalmente,
que
será
impossível
apreender
um
movimento
intelectual
complexo,
se todas as
virtualidades
não
se manifestarem -
mas
pistas
são
certamente
deixadas
pelo
escritor/autor
e encontradas
pelo
analista
genético.
A
datação
de
redação
- se
existir
- pode
auxiliar
no
instante
dessa
busca.
A
página
pode
explodir
ainda
a
partir
das respectivas
margens.
A
análise
genético-filológica abrange o
estudo
das
fontes,
da
cronologia,
da
exegese
e da
filiação
de
textos,
isto
é, na
realidade,
os
momentos
da
reconstituição
genética
- o
tratamento
dos
rascunhos.
Nada
é desprezado: busca-se
um
entendimento
mais
aprofundado da
obra
e do
respectivo
processo
no
instante
de
produção
textual.
Esse
tratamento
permite
observar
de
que
modo
ocorre a
apropriação
das regularidades
gerais
da
escritura,
pelo
autor/escritor,
quando
chega
à
individualidade
de
um
estilo
e de uma
estrutura
textual
original.
Trata-se da
comprovação
do
trabalho
em
um
engajamento de
um
processo
de
escritura,
sem
o
rompimento
dos
laços
com
as respectivas
finalidades
precedentes, os
respectivos
assuntos
e
motivos
favoritos.
As
fontes
internas de uma
obra
em
formação
são
também
uma
parte
da
história
da
criação,
em
especial
literária.
Parafraseando a
fórmula
pela
qual
Émile Benveniste definiu a
enunciação
lingüística,
é
possível
verificar
a
colocação
da
escritura
em
funcionamento
por
um
ato
individual
de
utilização.