O TEXTO EM SALA DE AULA
DO COMPREENDER PARA O REDIGIR

Ilma Nogueira (UERJ / CIFEFIL)

Uma das mais importantes formas de operações didáticas do ensino da língua é o aprimoramento da compreensão e interpretação do texto. Os novos conhecimentos lingüísticos, principalmente os incluídos no campo da lingüística textual, podem contribuir para promover a utilização autônoma de estratégias de compreensão no espaço complexo e rico que caracteriza a dinâmica da vida na sala de aula.

O professor é um eterno investigador das idéias impressas nas páginas que convidam à leitura em toda sua magia. A leitura vai guiando os caminhos para um novo horizonte. A cada palavra nova nasce uma significativa imagem. Uma imagem que provoca permanente curiosidade proporcionando a criação e a recriação da linguagem metafórica.

Compreender e interpretar não é um processo mecânico, que deixa transparecer o peso da força e do dever. Esse procedimento inserido no processo de aquisição de conhecimentos adquire uma medida de liberdade e de prazer. O aluno descobre que compreender e interpretar não é apenas montar palavras: é dar sentido à vida; é assimilar a linguagem sem o risco da alienação; é construir histórias com as experiências do cotidiano; é descobrir a realidade; é uma cumplicidade gerada pela energia do saber, que estabelece um elo de ligação e de trocas para eliminar as sombras da ignorância.

O ensino da leitura assume uma grande importância nas aulas de língua. O aluno deve ser preparado para ser um bom leitor. O bom leitor não é apenas o que compreende mais e melhor os textos que lê, mas o que sente prazer e gosto pela leitura. A capacidade de desfrutar a leitura é uma característica intrínseca do bom leitor. Sem o leitor, o texto é um significante sem significado. É preciso que o aluno compreenda a significação do texto em sua profundidade para ser capaz de entender o processo de construção e reconstrução do texto.

É importante mostrar ao aluno os diversos níveis de significação que existe em cada texto. Dizer para ele que a explicitação do significado é a vida do texto, mas ainda fica devendo, pois os significados implícitos trazem uma carga sutil, fortemente ligada à intenção revelada no texto. A pretensão é a de produzir no leitor os efeitos das atitudes em relação aos estados de coisas que o texto pretende remeter. É procurar mostrar o grau de engajamento com relação aos enunciados. É representar a si mesmo e aos outros uma relação com o mundo revelada através da linguagem.

Na atividade de interpretação de textos, supõe-se que o produto determina intenções e captação que marcam a compreensão adequada, permitindo ao leitor a distinção das duas marcas: o querer dizer e o querer fazer. As referências argumentativas do texto são pistas que o produtor possibilita não só a reconstrução do enunciado, mas também as condições para o interlocutor apreender as intenções implícitas no texto. Cada leitor apresenta uma vivência própria do mundo, uma gama de conhecimentos políticos, históricos, culturais e sociais que são fatores importantes para o processo de recriação do texto.

A cada leitura nova o leitor descobre novos horizontes na interpretação e compreensão do texto. Essa experiência motiva o leitor e desperta nele um prazer maior pela leitura e pela busca de novos significados no texto. A descoberta de que pode manipular as referências argumentativas realizadas pelo produtor e que de algum modo pode trabalhar sua própria visão do mundo, faz do leitor não só um indivíduo manobrado e conduzido por idéias pré determinadas, mas também de um produtor que manipula referências argumentativas personalizadas.

Cada texto proporciona uma multiplicidade de interpretações. Essa é uma das grandes preocupações do professor de língua portuguesa, não só pelo valor da atividade, como também pelas deficiências apresentadas: a primeira é a ausência de conteúdo programático, pois enquanto nos demais setores de ensino da língua, a sistematização dos conhecimentos é uma realidade, no caso do texto ainda não se chegou ao mesmo nível de conhecimento.Apesar dessa visão, podemos dizer que não faltam trabalhos que abordam de forma fragmentada grande variedade de elementos textuais, tornando conceitos como coesão, coerência, inferências, argumentação e etc... , bastante conhecidos. A segunda deficiência refere-se ao próprio espaço do professor de língua portuguesa na utilização dessa atividade. O questionamento proposto nos textos em livros didáticos apresenta grande variedade na questão da finalidade, pois fala sobre cultura, formação moral, o senso de crítica, ensino da gramática, significados, e etc... , mas não apresenta um objetivo definido. No caso é o próprio texto que sugere o questionamento. Dizemos, às vezes, que o texto fala por si mesmo.

Se interpretação de texto deve ser um caminho para melhor desempenho na prática da língua escrita o seu interesse maior deve ser o desenvolvimento de estratégias produtoras de significação, o que muda radicalmente o tipo de questionamento normalmente proposto. Não devemos perguntar o que é? , mas por que é desse modo? Essa mudança de questionamento transforma o foco de interesse da linha do significado para a linha da estratégia transformando o interesse pelo desenvolvimento, muito mais do que pela finalidade. Há mais interesse pelo processo do que pelo produto. Essa proposta diferente abre espaço para a possibilidade de sistematizar essas estratégias, no que se refere ao modo de organizar o texto, o que não seria possível no caso dos significados.

A criatividade e a sensibilidade são privilégios dos homens que conseguem perceber um universo externo. Cada pessoa possui uma representação interior de memórias associativas, de pensamentos e linguagens simbólicas. A experiência de viver dá origem às potencialidades criativas dos homens, dando formas expressivas à linguagem verbal e não verbal. Ao trabalhar o texto, os alunos não só desenvolvem a interpretação, mas também adquirem a compreensão de sua funcionalidade diante da variação de potencialidades de ocorrências representativas, de acordo com sua relação com a identidade do que está representado. O caráter infinito da linguagem constitui o sistema das palavras criadas para expressarem num instante mágico as emoções sentidas através da escrita e da fala.

A dinâmica desenvolvida nas salas de aula com textos verbais e não verbais, literários e não literários, com música e etc... faz abordagem ao aspecto discursivo da língua e mostra a lógica da fluência comunicativa lingüística associada a adequação das propostas de produção de textos ao conteúdo diário dos alunos, o que estimula associar criatividade e questões normativas, incentivando um procedimento de utilização de mecanismos lingüísticos na elaboração do discurso com o objetivo de obter maior fluência no texto da língua escrita. O conhecimento prévio da linguagem não verbal demonstra que é um dado necessário para o conhecimento da linguagem verbal. O objetivo da produção de sentido descrito no processo de leitura da imagem procura abordar as possibilidades de realização do segmento verbal por meio das inferências propostas no segmento não verbal através de expressões faciais, gestos, posições, cores, formas e etc... É preciso conhecer previamente a história do texto não verbal para depois construir o texto verbal.

O texto “Escolha o seu sonho” de Cecília Meirelles é objeto de estudo neste contexto:

Escolha o seu sonho

Devíamos poder preparar os nossos sonhos como os artistas, as suas composições. Com a matéria sutil da noite e da nossa alma, devíamos poder construir essas pequenas obras-primas incomunicáveis, que, ainda menos que a rosa, duram apenas o instante em que vão sendo sonhadas, e logo se apagam sem outro vestígio que a nossa memória.

Como quem resolve uma viagem, devíamos poder escolher essas explicações sem veículos nem companhia - por mares, grutas, neves, montanhas e até pelos astros, onde moram desde sempre heróis e deuses de todas as mitologias, e os fabulosos animais do Zodíaco.

Devíamos, à vontade, passear pelas margens do Paraíba, lá onde suas espumas crespas correm com o luar por entre as pedras, ao mesmo tempo cantando e chorando. - Ou habitar uma tarde prateada de Florença, e ir sorrindo para cada estátua dos palácios e das ruas, como quem saúda muitas famílias de mármore... - Ou contemplar nos Açores hortênsias da altura de uma casa, lagos, de duas cores e cestos de vime nascendo entre fontes, com águas frias de um lado e, do outro, quentes... - Ou chegar a Ouro Preto e continuar a ouvir aquela menina que estuda piano há duzentos anos, hesitante e invisível - enquanto o cavalo branco escolhe, de olhos baixos, o trevo de quatro folhas que vai comer.

Quantos lugares, meu Deus, para essas excursões! Lugares recordados ou apenas imaginados. Campos orientais atravessados por nuvens de pavões. Ruas amarelas de pó, amarelas de sol, onde os camelos de perfil de gôndola estacionam, com seus carros. Avenidas cor-de-rosa, por onde cavalinhos emplumados, de rosa na testa e colar ao pescoço, conduzem leves e elegantes coches policromos ...

... E lugares inventados, feitos ao nosso gosto; jardins no meio do usar; pianos brancos que tocam sozinhos; livros que se desarmam, transformados em música. [...]

Devíamos poder sonhar com as criaturas que nunca vimos e gostaríamos de ter visto: Alexandre, o Grande; São João Batista; o Rei Davi a cantar; o Príncipe Gautama...

E sonhar com os que amamos e conhecemos, e estão perto ou longe, vivos ou mortos... Sonhar com eles no seu melhor momento, quando foram mais merecedores de amor imortal...

Ah!... - (que gostaria você de sonhar esta noite?)

Cecília Meireles. Escolha o seu sonho.
17ª ed. Rio de Janeiro: Record
.

A linguagem de sonhos inicia docemente o texto. É como se a escritora passasse para o leitor o que estava em sua alma quando escolhe uma expressão em que estão inseridos os verbos dever e poder. Ela comunica sensação de vida plena quando fala das sutilezas da noite como cúmplice da alma. Fala dos sonhos como se fossem obras primas autônomas, livres, fortes, capazes de viver intensamente, mesmo que seja por alguns segundos. O maior valor é da intensidade e não da durabilidade da emoção.

Ela passa uma grande intensidade comunicativa quando fala da rosa e a sua existência tão curta na relativa grandeza da felicidade pelo sonho de um instante tão significativo.

A narração segue sempre em primeira pessoa do plural. Parece nos convidar o tempo inteiro a participar de seu momento de magia e encantamento pelas belezas abstratas de seu mundo de fantasia. No registro das emoções concretizam-se cenas e signos que se movimentam pelo texto num jogo dinâmico de palavras que levam o leitor a viajar pelos rios, pelas montanhas, pelos lagos, pelo crepúsculo, pela música, pelo infinito...

Ela constrói narrativas conduzidas pelos desejos e as possibilidades que se organizam numa cumplicidade de ações que levam o leitor a se envolver deliberadamente com os astros, os heróis, os deuses, os animais do Zodíaco numa busca incessante de imagens infinitamente inimagináveis.

A movimentação dos verbos e das locuções verbais levam o leitor a participar de um mundo eufórico, livre, romântico, sem razões, apenas emoções. No 3º parágrafo o uso do gerúndio “Cantando e chorando” e a locução adverbial “à vontade” refletem um dinamismo inigualável de beleza e magia e dá um certo sentido de continuidade de vida, de esperança, de realização.

Ela brinca com os substantivos, os verbos, as reticências e o travessão num jogo inteligente de movimentação dos signos parecendo querer passar para o leitor as maravilhas do nascer e do morrer; do olhar e do sentir, do sair e do chegar.

O vocativo, no 4º parágrafo, é usado com grande sabedoria, pois só Deus pode entender e testemunhar a felicidade que toma conta de seu coração naquele momento de magia, de emoção e de encantamento.

No final ela parece reunir todo seu conhecimento histórico, político e social num romantismo sem igual dos pensamentos inacabados ou não revelados. Parece dizer ao leitor, através das reticências e chaves, de verbos e advérbios, a força imortal dos anos. Esse jogo dinâmico das palavras e dos sinais parecem refletir o romantismo das imagens deixando para o leitor a possibilidade de exclamações acerca da realidade e do sonho numa linguagem que envolve o sonhado e o não sonhado.

A interjeição “Ah!” é muito significativa no contexto “Parece falar!...” Revela um poder evocativo de força, de beleza e de relativa intensidade. Parece transportar o leitor para além do texto. A retomada acontece com o uso do pronome você: é um signo forte e significativo que deixa transparecer a transformação do contexto de sonho para um contexto real. O pronome revela um valor expressivo tão grande, que não deixa ao leitor a possibilidade de não participar desse contexto cheio de clareza, designação e de uma agradável sensação de convite.

TRABALHANDO O TEXTO "ESCOLHA O SEU SONHO"
DE CECÍLIA MEIRELES.

1- A autora nos dá uma sugestão em relação aos artistas e suas composições. Qual?

2- A autora fala em obras-primas incomunicáveis. A que ela se refere com o uso dessa expressão?

3- No final do 1°- parágrafo a autora faz uma comparação entre a durabilidade dos sonhos e o tempo de vida da rosa. Apena um recurso registra isso. Qual. Explique.

4- O Zodíaco é a faixa na esfera celeste dividida em doze partes. Essa partes são os signos , cuja representação é feita por nomes de animais. Voce sabe seu signo e alguma coisa sobre ele?

5- A autora teve o cuidado de trabalhar alguns conhecimentos geográficos. Você conhece algumas dessas cidades? Fale sobre elas.

6- Parece que a natureza encanta a autora. Comprove isso no texto e explique.

7- Ela fala do cavalo branco e do trevo de quatro folhas. Você sabe algo sobre isso?

8- Uma viagem de sonhos é sempre cheia de fantasias. Com base no texto, organize um roteiro para uma viagem que você gostaria de sonhar.

9- A autora parece dominar bem o conteúdo relacionado à História Mundial .Confirme esse fato e explique.

10- No início do terceiro parágrafo, a autora usa um recurso lingüístico que enriquece o período. Reescreva a frase e diga a figura de linguagem usada por ela.

11- Na frase" ...aquela menina que estuda piano há duzentos anos,..." aautor usa b recurso estilístico das figuras de linguagem. Identifique a figura e reescreva a frase transformando o sentido conotativo em denotativo.

12- Na frase "... duram apenas o instante em que vão sendo sonhadas..." a autora optou pela locução usando o gerúndio (vão sendo). Se ela tivesse usado o verbo ser (são sonhadas) a construção teria o mesmo valor estilístico? Explique.

13- Na frase "Quantos lugares,meu Deus, para essas excursões!" se omitirmos o vocativo - meu Deus - e construirmos uma interrogativa, a frase muda de sentido? Justifique.

14- Na frase "Devíamos, à vontade, passear pelas margens do Paraíba,..." se trocarmos a posição da expressão adverbial, à vontade, para o final, a frase muda de sentido? Explique e reescreva a frase.

15- Na frase "Devíamos poder preparar os nossos sonhos como os artistas..." o verbo dever está no imperfeito do Indicativo. Passe-o para o futuro do pretérito e reescreva a frase.

16- A frase "Com a matéria sutil da noite e da nossa alma, devíamos poder construir essas pequenas obras primas incomunicáveis,..." está construída na primeira pessoa do plural. Reescreva em primeira pessoa do singular.

17- Na frase "...duram apenas o instante em que vão sendo sonhadas, e logo se apagam..." substitua o palavra logo por outra de semelhante valor significativo, reescrevendo a frase.

São questões que levam o aluno a refletir sobre um contexto lingüístico, histórico e cultural, levando-o ao processo de criação e recriação de textos, incentivado pela estratégia usada na organização gramatical e sintática do questionamento. É uma estratégia que leva o aluno a se motivar e aprender o contexto comunicativo com prazer. Esse procedimento tem a pretensão de explorar as experiências prévias do aluno e provocar associações de idéias com aquelas desenvolvidas em sala de aula com o objetivo de aplicar à vida do aluno a prática do cotidiano refletida nos ensinamentos pedagógicos.

Vejamos, por exemplo, a questão “O Zodíaco é a faixa na esfera celeste dividida em doze partes”.

O aluno deverá saber:

a) Utilizar-se bem da estrutura da língua: sujeito + predicado + complemento, ou seja, dominar o sistema sintático da língua.

b) Dominar os conhecimentos da morfossintaxe.

c) Possuir algum conhecimento da estilística.

d) Saber um pouco sobre a esfera celeste.

Não se pode dizer que os conteúdos não preocupam. O que se tem de verdadeiro é que esses conteúdos tenham sentido ao serem trabalhados pelo sujeito dentro do seu contexto de vida.

Vejamos essa outra questão: “Parece que a natureza encanta a autora”.

Para que o aluno responda bem essa questão, é preciso que ele domine bem os conceitos de:

a) Morfologia.

b) Sintaxe.

c) Estilística.

d) Conhecimentos da História e da Geografia.

É preciso estabelecer uma situação complexa a ser abordada e escolher os conteúdos que precisam ser conhecidos para abordá-la. É preciso treinar bem o aluno com bastante exercícios de reflexão para que ele seja um bom produtor.

Nessa outra questão: “Uma viagem de sonhos é sempre cheia de fantasias. Organize um roteiro de viagem”, o aluno precisa ter conhecimento de:

a) Semântica

b) Morfossintaxe

c) Organização de roteiros

d) Leitura de mapas geográficos

e) De geografia, História e Política

Produzir conhecimentos é transformar informações complexas, científicas e ideológicas, sensíveis e técnicas em resultado lingüístico de comunicação precisa e contextualizada. Criar um contexto de aprendizagem é fazer com que haja possibilidade de levar o aluno a aprender e administrar suas emoções. Mostrar para ele que o mundo intelectual e científico está intimamente ligado ao seu mundo emocional.

A leitura se caracteriza pelo prazer de explicar as verdades e mentiras que envolvem a atuação dos sentidos no conhecimento do objeto que deixa à mostra os valores físicos e a impressão de sentidos revelados pelas emoções.

Alguns textos se tornaram referências de lembranças vivas em nosso inconsciente, revelando um período especial marcado pelos sonhos e pelos desejos. A leitura rápida com o objetivo de responder a algum questionamento pré-determinado, não revela o mesmo valor emocional que uma leitura leve e significativa em que o leitor procura processar um pouco de sua história de vida.

O sonho faz parte da vida do ser humano tanto quanto a sua imaginação permite. É objeto de estudo dos psicanalistas, dos psicólogos, dos sociólogos, dos sóciolingüístas e de outros que trabalham o inconsciente do indivíduo.

Nesse outro texto para análise, o sonho é abordado de forma diferente ao da Cecília Meirelles. É interessante observar o enfoque dado por eles ao sonho: Para Cecília o sonho é aquele sonhado enquanto dorme e para Ricardo e Eliana o sonho é sonhado mesmo acordado. Um sonho que percorre o mundo histórico, político e social. Para que o aluno o compreenda é necessário que faça uma boa leitura, envolvendo-se com o texto em toda sua extensão lingüística e pedagógica.

Vejamos o texto de Ricardo e Eliana.

A casa feita de sonho

Leve como uma pluma,

Alta como uma torre,

Quente como um ninho

E doce como o mel.

Assim imaginei

desde pequeno

a minha casa...

Mais tarde, quando me encontrei só no

mundo, como não tinha dinheiro, resolvi

construí-la com as próprias mãos. Fiz primeiro a

minha casa de papel, que é um material barato.

E assim que ficou pronta, vieram todos os

ventos da Terra e levaram a minha casa de

papel, leve como uma pluma...

Fiquei sem casa, mas não desisti. E fiz a

Minha casa à beira-mar, com areia da praia, que

É um material barato.

Mal estava pronta, vieram todas as marés do

mundo e levaram a minha casa de areia, alta

como uma torre...

Tive vontade de desistir,

mas eu precisava de uma casa, e sobretudo

não podia abandonar o meu sonho.

E resolvi fazer a minha casa de madeira, que

é um material barato. Cortei-a dos bosques,

com as próprias mãos! Ficou linda!... Escondida

entre a folhagem...

Mas ainda mal a tinha acabado, vieram todos

os fogos do céu e queimaram a minha casa de

madeira, quente como um ninho...

Chorei sobre as cinzas, como se chora uma

pessoa querida que morreu.

Mas, mesmo assim, não desisti. E resolvi fazer

a minha casa de açúcar...

Mas o açúcar não é um material barato! Não é.

Mas eu precisava

de uma casa,

e sobretudo não podia

abandonar o meu sonho...

Trabalhei, lutei,

passei fome,

para juntar

o açúcar suficiente...

E quando a minha casa estava pronta - eram

de açúcar as paredes, o chão, o teto, os móveis,

as portas e as janelas - vieram todos os

bichos da Terra e devoraram a minha casa de

açúcar, doce como o mel...

Fiquei sem casa. E desisti de construí-la

com as próprias mãos...

Perguntaram-me onde moro... Onde moro eu?

Sei lá!... Vou pelo mundo, aqui, além, no

Bosque, à beira-mar... Perguntam-me se não

tenho casa... Tenho, sim! Eu podia lá

abandonar o meu sonho!...

Resolvi imaginá-la. Num lugar onde não

chega o vento, nem o mar, nem o fogo, nem os

bichos da Terra.

Fiz a minha casa com o meu próprio sonho.

Ficou linda!

Leve como uma pluma, alta como uma torre,

Quente como um ninho e doce como o mel...

O texto, logo no início, mostra muita sabedoria e uma grande dose de romantismo, quando o personagem fala de sua casa ser comparada, através da imaginação, à doçura do mel, ao aconchego do ninho, à grandiosidade da torre e à beleza da pluma.

A solidão o incomoda, pois menciona um fato subjugado do tempo, quando usa a expressão adverbial “mais tarde”. Ele enfatiza a solidão no emprego do verbo encontrar e a expressão “só no mundo” e completa a extensão do seu problema na informação de não ter dinheiro, o que é um mal da sociedade, não somente dele. Como não pode resolver essa questão social e política, ele volta para si mesmo e tenta construir a casa com seus próprios recursos e seu próprio saber.

Ele começa a colocar seus planos em dia, usando o papel, que mostra logo, logo a sua fragilidade diante dos ventos da Terra. Embora triste pela sua idéia não ter dado certo, ele mostra o valor do seu objetivo na persistência enfatizada pelo verbo desistir aliado à força negativa do advérbio “não”. E ele continua na sua peregrinação em busca do seu teto, uma exigência do homem desde os primórdios tempos da civilização.

A segunda opção foi a areia e ele declara que opção se deve à certeza do baixo custo, mostrando, assim, que o fator econômico é o que mais preocupa o homem em sua trajetória social. A casa foi levada pelas marés, apesar de ter sido construída tão alta como uma torre. A sua persistência sofre um pequeno abalo e isso está claramente refletido na expressão “tive vontade de desistir, mas o objetivo de construir a casa é mais forte e a realização do sonho é maior ainda.”

Preocupado ainda com o fator econômico, ele decidiu construir a casa de madeira. É enfático ao tentar passar a mensagem de que ele usa seu próprio corpo, sua própria força para realizar seu sonho. Uma pontinha de Narcisismo, característica do homem moderno, aparece refletida na expressão “Ficou linda!”.

A inteligência e a sabedoria, aliadas aos conhecimentos e vivências sociais modernas o fazem decidir pelo esconderijo. Baseado nas experiências anteriores em que perde seus tetos, ele decide se esconder dos perigos que ameaçam sua casa, se valendo da força e do poder da natureza. Ele só não se lembrava de que esse pider estava abaixo do poder destruidor do fogo. A explicação desse poder está bem representada pela expressão “fogos do céu”. Nesse contexto, o céu, reforça a idéia de poder sobre os “ventos da Terra”, “marés do mundo” que foram declarados nas experiências anteriores. A persistência sofre, desta vez, um forte abalo. Ele usa o verbo “chorar” para demonstrar a sua tristeza e indignação. Nota-se que usa a personificação, quando dá sentido de humanização à madeira, que é representante fiel do ecossistema que envolve a Natureza. A morte é uma explicação para o final de tudo.

Ele retoma a idealização de seu sonho com mais força, apesar dos abalos e das decepções sofridas. A determinação da retomada está refletida na negativa do verbo “desistir”, reforçado pelo valor decisivo do verbo “resolver”. Ele reinicia a caminhada em busca do seu objetivo pensando não só no econômico, mas também na necessidade de realizar seu sonho. A experiência não foi tão agradável assim. A doçura do açúcar reflete toda ternura com que ele se refere à casa construída com seu trabalho, com sua luta e com sua fome. A decepção e a tristeza tomaram conta de seu coração e a persistência sofreu um abalo maior do que das vezes anteriores. O verbo “desistir”, nesse contexto, reflete toda a dor do perder, do ficar sem a casa. A preposição sem reflete o vazio sentido pelas pessoas que sofrem perdas inseparáveis. Nota-se que a preposição sem tomou um certo valor social nos últimos tempos do homem moderno. Em algumas situações ela chega a se substantivar na expressão: “Os sem terra estão acampados...”

Não é difícil entender o sentimento da frustração, que se apossa do homem e do seu sonho. E ele vagueia, vaguia, vargueia... Ele é um sem teto que vai pelo mundo do “sei lá!...” Os advérbios aqui e além, as expressões adverbiais no bosque e à beira-mar conseguem passar a idéia da viagem sem rumo do homem. O uso abusivo das reticências dão um sentido maior à idéia de sem morada, sem objetivo... mas não sem sonho!

O homem resolveu se proteger dos ataques do vento, do mar, do fogo e dos bichos da Terra usando um recurso inalcansável por quaisquer que sejam as adversidades. Ele usou sua própria imaginação e o material de construção utilizado foi o seu próprio sonho: “leve como uma pluma, alta como uma torre, quente como um ninho e doce como o mel!”.

Trabalhando o texto: “A casa feita de sonho” de Ricardo e Eliana.

1- Há no texto um bom trabalho com as figuras de linguagem. Veja o belo resultado do uso da comparação:

“Leve como pluma,

alta como a torre,

quente como um ninho

e doce como o mel.”

Construa uma pequena narrativa usando a comparação.

2- Leia o trecho: “... vieram todos os bichos da Terra e devoraram a minha casa de açúcar, doce como o mel...”

Como você faria para que não acontecesse o mesmo com você?

3- Depois de tanta decepção o personagem resolveu o problema optando pela construção da casa através de sua própria imaginação. Você faria o mesmo? Comente.

4- Uma das grandes preocupações do ser humano é “onde moro eu?”. Acontece com você também? Conte.

5- “Mais tarde, quando me encontrei só no mundo...” Essa frase reflete muito a solidão do ser humano. Comente.

6- Fiz primeiro a minha casa de papel, que é um material barato. Comente a frase em relação ao contexto econômico do Brasil atual.

7- “Fiquei sem casa, mas não desisti”. Faça um comentário pela colocação da preposição sem na atual conjuntura política do país.

8- “Cortei-a dos bosques, com as próprias mãos”. Fale sobre o fato em relação à política de desmatamento do IBAMA.

9- “Trabalhei, lutei, passei fome...” Comente esse trecho em relação à política empregatícia brasileira.

10- “Sei lá!... Vou pelo mundo, aqui, além, no bosque, à beira-mar... Faça um comentário sobre o contexto social e político do Brasil atual e sua relação com a frase do texto.

11-passei fome...” Comente esse trecho em relação à política empregatícia brasileira.

Essa forma de questionamento leva o aluno a pesquisar e se envolver com o contexto social, político e histórico procurando estruturar os vários significados e definições que se organizam procurando identificar e caracterizar um modo de interlocução. É uma estratégia que motiva o aluno, treinando-o para a investigação constante das idéias e provocando-o, através da magia das palavras, a ser um bom produtor de textos.

Observe a questão: “Fiquei sem casa, mas não desisti”. O aluno, para responder essa questão, precisa ter algum conhecimento de:

a) morfossintaxe;

b) estilística;

c) função das classes das palavras;

d) política dos sem teto gerenciado pelo país.

Em cada questão, o aluno será capaz de compreender a sua responsabilidade como cidadão atuante, respeitando as leis e entendendo a sua posição diante dos fatos do cotidiano.

Vejamos outra questão:

Trabalhei, lutei,

Passei fome...

O aluno deve estar bem informado sobre:

a) morfossintaxe;

b) estilística;

c) política empregatícia do País.

O bom produtor de textos deve estar bem atualizado em relação à situação política, social e histórica do país, para redigir um bom trabalho argumentativo e coerente.

Uma terceira questão:

“Fiz primeiro a minha casa de papel, que é um material barato”.

O aluno deverá saber sobre:

a) Estrutura da língua;

b) Sintaxe do texto;

c) Política econômica do País.

A coerência da sintaxe e a flexibilidade da estilística são elementos essenciais para que o aluno trabalhe o texto com criatividade e beleza, desenvolvendo seus conhecimentos pedagógicos e adquirindo formas de adaptá-los à sua vivência do cotidiano.

A perspectiva de busca do mundo exterior permite ao aluno um desenvolvimento de características próprias que o levam a dominar os conhecimentos científicos, históricos e culturais. Essa conquista de poderes autônomos levam o aluno a não ter apenas pela visão do outro, mas desenvolver em si mesmo a visão própria da leitura do mundo.

A apreensão de conhecimentos e informação são revelados pela ação de definir as belezas e os mistérios contidos nas histórias de encantamento. O jogo dinâmico das palavras combinadas determinam um universo misterioso pronto a ser descoberto. O desenvolvimento da linguagem e o aprimoramento da montagem das palavras determinam a capacidade de apreensão comunicativa adquirida pelo leitor ao longo da trajetória em direção ao mundo maravilhoso das letras e das imagens.

As produções culturais são resultados de múltiplas determinações internas. As sociedades contemporâneas de exploração e dominação têm colocado a intelectualidade diante de impasses em que as conseqüências sociais, históricas e econômicas são inevitáveis.

Para os teóricos da linguagem, exercitar o raciocínio e o reflexo representa uma questão básica para dominar o aprendizado da comunicação. A apresentação de textos para a leitura das práticas de linguagem devem ser dos mais simples aos mais complexos. A ordem da colocação dos termos lingüísticos e as opções lingüísticas adequadas produzem harmonia ao texto. A construção do texto obedece a um critério de organização estrutural que não é só para se ler, mas também para se sentir. Ele ganhou uma característica própria, desenvolvendo um processo de discurso direcional, tornando-se um excelente meio comunicativo da riqueza de seus significados e da objetividade de sua intenção.

A liberdade estilística contribui para o escritor revelar uma flexibilidade maior na produção do texto, tornando, assim, a marca própria do enunciador, visando a uma boa organização da disposição dos signos no interior do próprio texto. A estética e a expressividade formam a subjetividade em nome dos princípios básicos seguidos pela comunidade idiomática.

Os textos revelam a organização dos espaços sociais como produto cultural, permitindo um trabalho de análise mais produtivo e mais atraente na organização de um discurso sobre as experiências vividas no cotidiano.

O professor e o aluno fazem da sala de aula um laboratório em que afloram continuamente as emoções e o professor precisa ser capaz de administrar esse mundo cheio de complexidade lingüística e pedagógica. O professor não deve ser apenas lingüista professor, mas um professor que usa a lingüística como instrumento de investigação sobre o processo interativo que envolve professor x aluno.

O professor deve incentivar a expansão produtiva do aluno, levando-o a movimentar as variantes e as modalidades lingüísticas desencadeando processos de contextualização dos recursos da linguagem. As atividades pedagógicas devem ser incentivadas como grande investimento de recursos teóricos e práticos sob um olhar renovado e muito mais comprometido com a produção textual em sala de aula.

Sugestões Bibliográficas

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