A CONTESTAÇÃO E A CONSTATAÇÃO
NAS OBRAS DE GRAZIA DELEDDA E ADANEGRI

Leda Papaleo Ruffo (UFRJ)

ADA NEGRI E GRAZIA DELEDDA
E A SOBREDETERMINAÇÃO EM SUAS OBRAS:
A AGRESSÃO DAS PALAVRAS

Neste trabalho a minha preocupação é, ainda, despertar o interesse pelas obras de duas escritoras e poetas italianas: Ada Negri e Grazia Deledda. A fim de comentar, em conjunto, as citadas autoras, esclareço que a 1ª nasceu em Lodi, (1870), província de Milano; e a segunda, na longingua Nuoro, (1871), Sardenha.

Embora distantes no espaço físico italiano, elas se encontram na trajetória de vida.

Viveram, ambas, no final do século XIX ao início do século XX. Os problemas sociais, de então, aproximou-as, através da palavra poética. Foram premiadas: Ada Negri, (1940), pela Accademia Italiana e Grazia Deledda, (1926), recebeu o prêmio Nobel. Viveram numa época difícil, na qual as mulheres deveriam ser dedicadas ao lar, ao casamento, aos filhos… As duas guerreiras, porém não aceitaram as determinações machistas e produziram textos magníficos e esclarecedores sobre a época de transformações sociais.

O meu trabalho contém textos já comentados em outros Seminários. Todavia a poética das duas autoras têm uma dinâmica e eu me propus a percorrer com Ada Negri e Grazia Deledda os descaminhos que nos levam à constatação e à contestação, ao mesmo tempo que nos fazem chegar à prece e à eterna primavera. Para aceitar tudo isso, temos em Bachelard, várias leituras do texto poético, nas quais o lar é o primeiro abrigo e fundamenta as contestações.

Deledda foi discursiva sim. O seu referencial foi literário que se compôs ao lado das realidades ficcionais e das vivenciadas por ela.

Grazia não falseia a verdade, dissimula-a, criando uma nova dimensão histórica de sua Sardenha.

Os estudiosos italianos, no tempo de Deledda, eram alimentados pela herança crociana e por determinadas posições, algumas, pseudomarxistas. A essa problemática acrescem-se os comportamentos estruturalista e historicistas da crítica. Os críticos estavam presos a um sistema tradicional que correspondia a antigas vertentes que, em detrimento do popular, enalteciam o que se considerava clássico. A visão unilateral impediu, e disso nós temos os documentos apresentados, a apreensão da obra. Essas opiniões cristalizadas não aceitavam a reavaliação de cultura. Como já dissemos, não é possível rotular Deledda neste ou naquele estilo de época. A peculiaridade da obra literária é uma vivência literária também, e principalmente com escapadas às normas pré-estabelecidas.

A crítica contemporânea procura novos caminhos,novos instrumentos mais compatíveis com o fazer literário. O professor Eduardo Portella acentua que a especificidade da literatura só será lida, verticalizada:

A partir do espaço da verticalização,

quando a consciência crítica da literatura

assume o comando dos estudos

literários, aposentando o palpite

emocionado, mas ingênuo, ou simples

jogo de azar.

Quanto às leituras assistemáticas de Grazia Deledda, considerados críticos de sua época sentiram a sua influência, mas não apreenderam a literariedade da obra deleddiana, na re-criação dos signos.

A teoria literária vem resgatar a possibilidade de uma revisão e por isso, embora autônoma, é interdisciplinar, polivalente. Com esse suporte teórico, podemos seguir o autor na concretização do fenômeno cultural : seja simbólico ou estrutural. No simbólico há toda uma abertura para a criação livre que é incontrolável; no estrutural se impõe o sistema de controle. Temos a impressão de que a maioria dos críticos contemporâneos a Deledda levaram em conta apenas esse último aspecto. Mesmo aqueles que a elogiavam, se preocupavam com a estrutura de sua narrativa, genuína na leitura de seu microcosmo. A sua obra literária é calcada nas coisas que a cercavam. Ela transgrediu o sistema lingüístico e criou símbolos originais quando, restrita a uma região geográfica e que foi ultrapassado pelos seus signos alcançando assim a universalidade: a Sardenha deleddiana.

Como conseqüência dessa universalidade, sua obra continua atual, independentemente das ideologias de então.

Deledda é a narradora ilhada, oriunda de uma região que oferecia tenaz resistência na adoção de influências externas.

E esse resistir deleddiano se apóia nas fortes bases históricas - culturais que constituíram a sua realidade vivencial. Seu “regionalismo” só poderá ser compreendido dentro de uma dinâmica integradora e produtora, apoiada no eixo singular e universal. As condições da Sardenha deleddiana permitiram, como lemos, um contacto maior com a natureza, o que traz, como conseqüência, a emergência do originário. Ler Grazia, em linhas supostamente regionais, origina as seguintes oposições:

particular X geral
local   universal
pitoresco   psicológico

Todavia a narrativa deleddiana não se compõe de oposições puras e simples e sim de uma dialética estabelecida, deixando nos caminhos narrativos as possibilidades de novas oposições.

A percepção deleddiana do seu cotidiano, nos fatos testemunhados, conta com os signos lingüísticos a seu alcance, mas Deledda aprendeu pela percepção estética, através do imaginário, a reorganização desses signos em uma nova ordem. Ela, Deledda, não foi informativa, nem mesmo em Cosima. O livro autobiográfico, porque liberada das condições externas que aprisionaram a sua escalada narrativa a nível do referencial. “ No Pão Caseiro” apreendemos a multiplicidade de significados no jogo das palavras. A mimese, a desrealização nos textos deleddianos, evidencia a liberdade do fazer poético, exercitando possibilidades oferecidas pelo signo, que se transveste, se mascara, se tinge de cores só possível a nível da linguagem.

É esse o justo momento da entrada da crítica que nos leva a refletir a estrutura literária da existência: as três leituras de “Canne al Vento”, “La Madre” e “Cosima” nos remetem a uma leitura maior de “Pane Casalingo”. Nos três romances, pela abertura da crítica de hoje, há a possibilidade de se questionar o mundo deleddiano na sua aparente estaticidade, quando fica evidenciada uma crítica implícita, ultrapassada pela força da linguagem.

Eduardo Portella nos Fundamentos da Investigação Literária, em seu primeiro capítulo, expõe exaustivamente a preocupação da “opção científica” com a peculiaridade do fenômeno literário.

É o acesso da apreensão da tensão dialética entre a língua e a linguagem da obra deleddiana que nos coloca a nível de ambigüidade, da literariedade. Outro perigo que se apresenta ao leitor na leitura do texto deleddiano é a atração por decodificá-lo com prosa regionalista, e por isso,como também, aderente ao verismo, ao realismo. Claro, Deledda é uma escritora da Sardenha, ou precisamente de Nuoro. Em outra parte desta tese já acentuamos que Deledda viveu à margem da história da Itália, usando a língua de que era pouco conhecedora, já que suas leituras eram advindas da França Rússia, Inglaterra, do continente. O sardo, como sabemos, é uma língua neolatina resistente e conservadora. Todo o contexto deleddiano é diferente do de outros autores ditos regionalistas. Deledda retrata uma Sardenha toda sua, nela incisa através dos anos. O seu “ regionalismo” não está vinculado a um realismo objetivo em que espelham peculiaridades da região sarda. Os limites do vocábulo “ realismo”, quando se trata de obra literária, têm o sabor da imitação da realidade, e o que nos faz pensar na verossimilhança. Reside neste vocábulo o fazer deleddiano, nos diversos níveis de imitação da realidade vivenciada por ela, e que permite ao leitor percorrer a singularidade dos caminhos narrativos de nossa autora.

Grazia contou a “sua história”. Na sua opção genuína de autora confinada histórica, geográfica e socialmente, ela nos leva à sobrevivência de mitos que povoam grupos humanos dos mais variados locais de terra : a dialética deleddiana apresenta o homem dentro da problemática existencial e, por isso, universal. A família em Deledda é pluridimensional, já que ela cria diversos atalhos com os seus signos, na reorganização de uma nova ordem de caráter imaginário, num multiplicar contínuo e mimético…

A escritora Ada Negri, nasceu em Lodi em 1870, cidade da província de Milão, na margem direita do rio Adda, cidade afeita aos laticínios e que conservou sinais evidentes de prosperidade: o “Duomo”, a igreja de S. Francisco, a de S/ Lourenço, o Templo de Nossa Senhora… o Castelo. Ada, porém, de família humilde, era filha da porteira de um edifício (“palazzo”) Conseguiu, com muita dificuldade o diploma de professora primária e formou-se em Letras. A sua obra segue o ritmo do seu “espaço”, de caráter autobiográfico. Em 1940, foi escolhida membro da “Accademia d’Italia”, o que gerou muitos comentários, já que foi a primeira mulher escolhida para fazer parte de tão ilustre casa. Eram momentos de aflição e dor, pois a ditadura e a figura de Mussolini causavam, por suas contradições, um medo enorme em toda a Itália.

Em 1976, durante minha estada de pesquisa na Itália, visitando várias livrarias, procurei seus livros, e ninguém sabia dizer-me quem era Ada Negri, ou fugiam às perguntas que eu fazia. Sua prosa também me atraía, porque agressiva, por ser espelho de seu mundo. A sua “novella” - ou melhor, seu conto- intitulado “Il posto dei vecchi” foi início do desafio que eu tinha de atingir.

Há muitos anos, ao tempo em que eu era ainda aluna da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, lendo Ada Negri, que então me parecera suavizar as agruras que nos impõe a vida, me propus trazê-la ao conhecimento dos colegas e alunos, estudiosos de Literatura, na procura dos descaminhos do texto poético. O texto de Ada estruturava -se na sua “prece” permanente na sua angustiada “primavera”. Para mim, havia somente o canto ( prece) e o encanto (primavera). Naquela ocasião a autora completou a fantasia da jovem que eu era, O tempo passou… A fantasia vestiu-se mais sobriamente. Logo me permitiu sentir na “primavera” constante de Ada Negri, a dor de quem desconta dramaticamente para a morte, (Giuseppe Ungaretti), embora entoe hinos de glória à vida. A coragem que me parecera plataforma para vencer o medo, na estruturação de quem procura: “Casa possono le sofferenze. Le tristezze, le fatiche?… Se Domani è primavera? (…De nada podem os sofrimentos, a tristeza, o cansaço …Se amanhã é primavera”)?

Ao reler a obra A Poética do espaço, de Gaston Bachelard, na terceira parte da Introdução, verifico não poder parar, porque algo de dúbio me atraía, e muito diriam os versos e a prosa de Ada Negri. O espaço físico era motivo de angústia. A instabilidade, as mudanças, o homem deslocado que já não tem morada. A mulher sofrida, de aparente análise impressionista, na doçura de suas palavras trazia uma explosão agressiva, “ a agressão das palavras” , como eu me propus pesquisar em sua obra. A sobredeterminação em sua poesia era uma carga dramática que seu “ espaço” sofrera desde a infância. No estudo comparativo de seus versos, onde as estações se amalgamavam na primavera.

Não nos importa saber de onde veio a chamada de Ada Negri à Literatura. Todavia sentimos nela a força do chamamento em cada palavra, em cada verso, em cada vírgula.

De onde tenha vindo, o apelo é caracterizado como fruto do amor humano, cheio de religiosidade, poesia que nos redime e nos faz sentir que Deus perdoará a quem tiver amado muito. Esse amor é derramado, é fuga é auto-afirmação: é procura.

Os caminhos que percorreram nosso mundo, são muitos, a estrada é longa e difícil em sua efemeridade, há um drama de possibilidade (Primavera) desembocado não na possibilidade trágica (“Preghiera”), nessa última se estrutura a sua prosa.

Não podemos ignorar o peso histórico, que se abateu em uma mulher do povo e que viveu e atravessou o século. Na proximidade dos problemas espirituais e sociais há toda a dinâmica determinada de uma mulher aflita, cheia de Deus e procurando - o, através das “ sorelle” (irmãs), como ela designava as mulheres sofridas. A sobredeterminação em sua obra, porque “Figlia dell” umilda stamberga” (filha de pobre porteira) fazia com que ela não sorrisse “scetica” (cética) e indiferente à pobreza que a oprimia. Era, ao mesmo tempo, a Valquíria e a Cigana no jogo prece e primavera: “Il nostro cuore si stringe al primo momento, ma poi s’allarga, gonfio di commozione e d’ ammirazione” (o nosso coração se aperta no primeiro momento, mas depois cresce, cheio de comoção e admiração), sem falar em momentos líricos, sua prosa era a estrutura de suas possibilidades.

Parece-nos, ao primeiro contato de Ada, estarmos sempre à superfície dos problemas, como se esses sendo seus, pertencessem às irmãs do mundo inteiro. As possibilidades imputavam-lhe forças, diziam-lhe “Abbi forza di fare ritorno” (tem coragem para retornar). Retornar è uma constante em sua “primavera” invece, e donde ignori, e da qual a bocca, una voce ti chiama alla campgana” (no entanto, de onde ignoras e de que boca, uma voz te chama ao campo).

Toda a beleza do chamamento da primavera está comprometida com a efemeridade da vida, ou melhor, com a problemática social. O céu diz: “eccomi, guarda me: vuoi venire a passegio con me?” (Eis-me aqui, olha-me: queres passear comigo?).

Quando menina, num dia lindo ela nos diz: “Le par giorno di festa, perché I gigli sono fioriti. Le par d’essere in chiesa, e l’ aroma che respira le ricorda la santa comunione. Tende le mani come per pregare…” (Parece-lhe um dia de festa, porque os lírios estão floridos. Parece-lhe estar na Igreja, e o aroma que respira recorda a santa comunhão. Estende as mãos para orar). Quando, sem esperar, surge uma voz da janela: “la rauca voce della signora: - Ei, lá, dico. Non si toccano I fiori, guai a te se ti prendi um giglio! (Ei, as flores não podem ser tocadas, ai de ti se colheres um lírio). A pobre menina não queria quebrar aquele encanto. Haverá sempre uma voz para impedi-la de ser feliz (impossibilidade). Amar a beleza seria pecado? Nessa passagem toda a problemática do drama que envolve a literatura de Ada, sentida através da tensão, estruturada num país onde a primavera é sempre esperada, mesmo quando estamos nela.

A luta de Ada está no desabafo de quem está condenado por quem a acordou.

E faz belíssima aproximação dos dois estágios: “pallidi compagni, il dolor vecchio e il nuovo” (pálidos companheiros, a dor antiga e a nova”). E na medida de nosso compromisso com a vida, o pathos.

A narrativa nos apresenta um mundo difícil do início do século (ed. em 1917), quando a problemática social já se agravava no período da primeira guerra mundial (1914 - 1918).

Eram momentos de grande tensão. O amanhã, que é sempre uma incógnita, tinha o sabor amargo da resposta à pergunta - para onde vamos? A instabilidade do momento e a necessidade de preservação da espécie movimentavam o homem, em nome do resultado de uma luta inglória pela sobrevivência terrena. O personagem Feliciana (até o nome à maneira de Machado de Assis) adquiriu uma filosofia própria de vida e após a morte esperada e desejada do marido (“Chi è inutile è dannoso, e chi è dannoso deve morire”), (Quem é inútil é prejudicial, e quem é prejudicial deve morrer) lançou-se à luta. Tinha dois filhos menores e não podia continuar fazendo enxovais, por que era trabalho incerto e esporádico. Recorreu a um conhecimento antigo e, assim entrou para uma Oficina de Lanefício. O seu frágil aspecto não diria a força da mulherzinha… “La donnina che gli stava davanti aveva, infatti, l’aspetto minuscolo. Ma lo fissava con gli occhi lucenti di fosforo e energia; gli parlava con una bocca tagliatta drita sopra il mento sporgente”. “A mulherzinha que estava diante dele, tinha, na verdade, o aspecto minúsculo. Mas fixava-o com os olhos brilhantes de fósforos e energia; falava-lhe com uma grande boca, rasgada reta sobre o queixo saliente” E essa mulherzinha, “piccolo organismo d’ acciaio, nel, quale ogni molla era al proprio posto, ogni rotella funzionava a tempo: Macchina di fattura perfetta”, pequeno organismo de aço, no qual cada mola estava no lugar, cada roldana funcionava em tempo: máquina construída perfeitamente”. Em pouco tempo, era chefe de equipe e se alegrava com o trabalho, com o ordenado fixo, embora baixo, porque era mulher. Todavia ela sabia que os tempos eram difíceis. Conseguia alimentar os filhos e fazia-os estudar. Tudo dentro das possibilidades… Essa mulher, que se sintonizava com cada peça da maquinaria, tinha seus pobres e parcos momentos de lazer: “sul balcone della sua unica stanza fioriva un geranio scarlatto, che ella inaffiava alle cinque del mattino, prima di partire per l’uffício e salutava la sera con dolci e gaie parole quasi fosse la sua terza creatura” “na sacada de seu único cômodo florescia um gerânio escarlate, o qual ela regava, às cinco da manhã, antes de ir para o trabalho, e saudava à noite, com doces e alegres palavras, como se fosse o seu terceiro filho”. A flor, naturalmente, era fuga às máquinas com as quais ela se completava para a sobrevivência”. Estávamos na época do futurismo, onde as máquinas funcionavam, tentando destruir no homem aquela humanidade que faz parte de sua estrutura emocional.

Os filhos cresciam e o tempo, inexorável, permitia os vôos rasantes de Feliciana: o descanso em companhia dos filhos. Chegou a velhice, mas Feliciana prosseguiu…

Trabalhava sempre, na procura de sua eterna primavera, porém… “piú rapida il mattino, piú lenta la sera”, “mais rápida pela manhã e mais lenta à tarde”. E ela prosseguia, quando uma dor ciática, prostrou-a em uma cama e “Feliciana abdicó”. Colocou-se nas mãos dos filhos, “adesso tocca a voi”, agora é a vez de vocês. O primogênito Francesco quis ficar com a mãe. Moravam na mesma casa de três cômodos: o filho, a nora e ela. Seu quarto era reversível, dentro da época de pobreza . Dormia na cozinha e a sala de jantar era, ao mesmo tempo, sala de costura e banheiro, à noite . O bloqueio de antes mais feliz, fê-la uma pobre mulher de coração apertado e ela fugia do ambiente mal cheiroso e angustiado. Pensava no seu vaso de gerânio escarlate, no lar, onde ela criara os filhos. Chegou a hora de perceber que estava em ambiente estranho, no qual nem o filho era o mesmo. Ajudava no que podia e não fazia mais porque já havia perdido o jeito. Restava-lhe a esperança de que outro filho a quisesse e Leonardo lhe escreveu dizendo: “pazienza mammetta! Presto vivrai con voi” (paciência mamãezinha, logo viverás conosco). Esse nós já lhe dizia que também seu filho já se havia casado. Pensou, preocupada, na sorte daquele futuro poeta, casado com uma professora primária. A netinha Titti completava catorze meses e tinha necessidade dela. Feliciana foi embora sem amargor da casa de Francesco. Na nova casa, reencontrou-se, porque a menina a solicitava. Voltou ao passado, quando criara os filhos. Pôde até colocar alguns vasos de plantas no parapeito da janela

aveva posto qualche vaso di cinerarie e di garofano sul davanzale della finestra…” Dizia Feliciana “…il Signore era giusto” (o Senhor era justo). Todavia vieram mais dois filhos Toto e Bebè. A nora enfraquecida, ficou com os nervos à flor da pele: “a trentacingae anni era irriconoscibile vittima d’una di quelle forme di squilibrio che l’ infermitá dell’ utero ingenera im tante disgraziatte” (“aos trinta e cinco anos estava irreconhecível, vítima de uma forma de desequilíbrio gerada por uma doença do útero que costuma fazer tantas infelizes”).

Sua vida já não era boa, entre gritos de crianças e pancada da mãe enferma, essa atmosfera era ainda esmagada pelo sofrimento do filho, cheio de responsabilidades.

Feliciana achava que a morte a havia esquecido. Tinha de seu somente a cama e um cabide. A pequena casa tornara-se ainda mais pequena, como se faltasse até o ar necessário. As crianças que tinham necessidade de brincar, apertavam -lhe o cerco à volta: comia agora, sozinha, em uma vasilha própria, sopa de leite e caldo,, embora com a idade tivesse desejo de carnes e legumes.

Ela, também, era inútil e “chi è inutile è dannoso, e chi è dannoso deve morire”. O mundo volta ou dá voltas e assim a morte veio, tranqüila. Seu enterro foi um acontecimento dominical, onde não faltaram as palavras ao pé do túmulo, o cortejo e “ os rostos de circunstâncias”. “Il funerale riusci magnifico, tanto piú che era domenica: gran numero di operai, camerati di Francesco, lo seguiva, con viso di circostanza, feltro nero e cravatta rossa”, (o funeral foi magnífico, ainda mais que era domingo: grande número de operários …di Francesco, seguiam-no com rostos de circunstância,… feltro negro e gravata vermelha.

Bibliografia

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PORTELLA, Eduardo. Teoria da Comunicação Literária. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970.

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