A nomeação do
sujeito
no
discurso
acadêmico
Tania Regina
Taschetto (UFSM)
O
sujeito
do
discurso
da
ciência
está
apagado
nela,
isto
é, está
presente
por
sua
ausência.
(PÊCHEUX, 1975)
O
texto
de
caráter
científico
costuma
ser
entendido
como
um
texto
sem
permissão
de
uso
de
recursos
tanto
argumentativos/
persuasivos
como
de
retórica/estilo.
Deve
ser
um
texto
fechado, seguindo
normas
preestabelecidas, acordadas na e
pela
comunidade
científica,
sob
pena
de (n)dela ver-se
excluído.
Um
ritual
que
determina
propriedades
singulares
e papéis estabelecidos a priori
para
os
sujeitos.
O
pesquisador,
enquanto
autor
de
um
texto
que
se pretende
científico,
deve
estar
completamente
ausente
como
sujeito
produtor
de
seu
discurso.
A
visão
de
imparcialidade
imputada à
ciência
é transposta
para
o
texto
que
se propõe a
relatar
a
experiência
científica,
através
de
estratégias
formais
capazes
de
causar
essa
mesma
ilusão
de
imparcialidade,
de
objetividade.
Há uma
retórica
característica
de
todos
os
discursos
institucionais,
qual
seja a de
tentar
apagar
outras
vozes
para
fazer
soar
apenas
a
voz
autorizada, numa
ilusão
de monofonia.
No
discurso
acadêmico,
as
portas
parecem
estar
abertas
àqueles
que
já
têm alguma
experiência
em
pesquisa.
Estes
podem nomear-se
eu.
Aos
demais,
seu
acesso
à
Academia
fica
sujeito
às
normas
de nomeação instituídas a priori.
Assim,
os procedimentos de
exclusão
do
círculo
acadêmico
são
colocados
sutilmente:
há
interdição,
principalmente
do
modo
como
alguma
coisa
pode/deve
ser
dita
no
momento
em
que
não
é
permitido
a
qualquer
um
dizer
qualquer
coisa.
Isto
fica
evidente
na
forma
como
o
sujeito
busca
sua
nomeação, apoiando-se no instituído
para
entrar
nesta
ordem
do
discurso:
ou
satisfaz as
exigências
ou
qualifica-se
para
rejeitá-la (FOUCAULT, 1971).
Como
escapar
às
sanções?
Como
resistir?
As
sanções,
na
verdade,
podem
ser
utilizadas
como
metáfora
da
estrutura
que
rege o
acesso
à
ocupação
de
certas
posições
no
discurso
científico,
determinando a
forma
de
recepção:
produzir
um
discurso
científico
significa
ser
reconhecido
como
um
discurso
científico.
A
linguagem
representa
tal
autoridade,
manifestando-a e simbolizando-a.
Apresentaremos
um
recorte de
um
estudo
mais
amplo,
avaliando
alguns
atos
de nomeação,
nos
colocando
em
proximidade
às
teorias
lingüísticas
mais
contemporâneas
que
contestam a unicidade do
sujeito,
dono
e
senhor
de
seu
discurso,
apontando
para
um
sujeito
duplo
ou
múltiplo,
que
coloca
junto
à
sua
voz
a
voz
de
sujeitos
outros,
desfazendo a
idéia
de
que
o
discurso
acadêmico
é fechado, argumentando
em
favor
de
seu
caráter
dialógico.
A
partir
das
análises,
podemos
perceber
a
alteridade
do
discurso
acadêmico,
com
um
sujeito
que
busca
ser
homogêneo,
nomeando-se
através
dos
recursos
lingüísticos
disponibilizados
por
um
aparelho
formal
de
enunciação
– a
língua,
mas
que
não
consegue
esconder
sua
heterogeneidade.
A
Academia
como
instância
discursiva
A
Academia
não
é uma
entidade
concreta
que
se pode
derrubar
com
um
golpe;
é uma
entidade
que
se reveste de
poder
e,
como
tal,
engendra
relações
que
institucionalizam
seu
discurso
de
autoridade.
Isto
não
significa
dizer,
porém,
que
exerce
um
poder
que
nega
o
livre
acesso.
A
comunidade
científica
revela-se
como
um
pequeno
mundo
bem
estruturado, “uma
confraria
onde
os
indivíduos
se reconhecem
como
membros
de
um
mesmo
grupo”
(FOUREZ, 1995: 93).
No
dizer
de Kuhn (1997: 219), “comunidade
científica
consiste
em
homens
que
partilham
um
paradigma”
e é
este
paradigma
que
une os
cientistas
em
torno
de uma
comunidade
e
que
dita
as
regras,
determinando
um
referencial
comum.
Aqueles
que
são
aceitos
como
cientistas
são
considerados
como
possuidores de
conhecimentos
específicos,
úteis e
passíveis
de
reprodução.
O
método
de
produção
da
ciência
passa,
portanto,
por
processos
sociais,
determinados
pelas
organizações
sociais,
às
quais
se alia, e pelas
estruturas
econômicas necessárias a
seu
funcionamento.
A
atividade
científica
é uma
atividade
coletiva,
que
produz
suas
normas,
seus
enunciados,
os
instrumentos
que
respondem a
seus
problemas.
A
Academia
não
é,
portanto,
“um
grupo
neutro
e
desinteressado”
(FOUREZ,1995: 99),
mesmo
que
a
satisfação
da
ciência
enquanto
tal,
não
enquanto
conhecimento
aplicado, seja
antes
compreender
e
explicar,
“e de
modo
algum
agir”
(GRANGER, 1994: 47).
Porém,
como
diz Bakhtin (1997: 338), “a
explicação
implica uma
única
consciência,
um
único
sujeito;
a
compreensão
implica duas
consciências,
dois
sujeitos”.
A
compreensão
sempre
é,
em
certa
medida,
dialógica.
O
lugar
da
norma
no
discurso
acadêmico
A
análise
do
deslocamento
das
modalidades
de
funcionamento
da
norma
de
objetividade
no
discurso
científico
contribui
para
a
compreensão
do
efeito
subjetivo
e ideológico
pelo
qual,
sublinha Pêcheux (1975), o
sujeito
tem a
ilusão
de
estar
na
origem
de
suas
próprias
palavras
ou
de
seu
discurso.
A
ideologia,
insidiosamente
presente
na
língua
e na
linguagem,
conduz
naturalmente
à
seguinte
ficção:
“o
sujeito
pode
usar
a
linguagem
como
bem
entende” (HAROCHE, 1992: 71). É
certo
que
o
sujeito
não
pode
usar
a
linguagem
como
bem
entende,
assim
como
não
é a
fonte/origem
de
seu
próprio
discurso.
Existe,
sempre,
o já-dito
que
é reapreendido a
cada
instância
enunciativa, uma sujeição a
algo
já
instituído
que
o submete à
aceitação.
O
discurso
da
ciência,
mesmo
que
reivindique a
objetividade,
a neutralidade e a
monotonia,
pode
ser
avaliado
como
qualquer
outra
retórica:
há
um
discurso
do
outro
dissimulado no do
eu.
Não
há
como
reivindicar
um
distanciamento
absoluto,
porque
o
discurso
se constrói na
mesma
medida
em
que
o
sujeito
se constrói, atualizando a
língua
neste
processo
de
construção.
A
noção
de
norma
é
associada
à de
gramática,
bem
como
à de
instituição
por
um
determinado
grupo,
que
pode
ser
tanto
social,
cultural,
lingüístico
como
também
ideológico. E as próprias
leis
de
formação
do
grupo
funcionam
como
uma
espécie
de
censura
prévia.
Tais
regras
podem
ser
tanto
de
natureza
lingüística
como
também
de
natureza
sócio-cultural.
Portanto,
o
sujeito
que
deseja
inscrever-se numa
dada
instância
enunciativa deve
saber
atravessar
o
confronto
entre
os
dois
discursos.
Acreditamos na
idéia
de
que
o
sujeito
usa
os
recursos
lingüísticos
autorizados
pela
Academia,
para
inscrever-se e
ser
aceito, no
exato
confronto
entre
os
dois
discursos.
Reconhecendo-se
que
o
desejo
do
sujeito
não
pode
emergir
senão
em
uma “falta
de
ser”
(ou
ainda
de “dizer”)
e
que,
inversamente, o
Estado
se define
pela
imposição
da
linearidade,
do
explícito
de
suas
leis,
a
censura,
a
interdição
de
exprimir,
assim
como
a
exigência
de
dizer
tudo
podem
ser
entendidas
como
formas
de
submissão
do
sujeito
ao
Estado.
No
entanto,
é nas
falhas
do
bem-dizer
que
o
sujeito
se
mostra
para
afirmar-se
como
um
(AUTHIER-REVUZ, 1998).
Então,
é usando o
Estado,
que
no
discurso
acadêmico
é representado
pela
comunidade
científica,
através
das
suas
formas
do
bem-dizer,
que
o
sujeito
se afirma
um:
a
asserção
do
outro
como
possibilidade de
garantia
da
credibilidade
de
sua
própria
asserção.
Nesse
discurso,
a
objetividade
equivaleria a
um
certo
comportamento
do enunciador
que
se apaga o
mais
possível
na
trama
enunciativa, na
tentativa
de
melhor
descrever
e
mais
rapidamente
atingir
a
verdade
científica.
Assim,
o enunciador vale-se de
um
recurso
argumentativo a
favor
de
um
desejo
de
imparcialidade.
(CORACINI, 1991).
Com
tal
recurso,
o sujeito-enunciador
expressa
sua
subjetividade, assumida
com
maior
ou
menor
força,
ora
comprometendo-se,
ora
afastando-se.
Com
isto,
o
que
se percebe é
que
o
discurso
científico
não
é
plano,
não
é fechado. O
sujeito
do
discurso
científico
é
um
sujeito
que
ocupa
um
espaço
destinado a
tomadas
de
posições,
mesmo
que
sub-repticiamente. É
um
sujeito
que
exerce a
função
de
articular
e
dar
coerência
ao
seu
discurso,
posicionando-se no
discurso
da
ciência.
Assim
é no
discurso
acadêmico:
um
sujeito
dividido
entre
a
norma
e o
seu
desvio;
entre
a
linguagem
objetiva
e a
linguagem
subjetiva;
ora
escondendo-se
ora
desvelando-se
sob
diferentes
formas
de nomeação.
Da
análise
Nossa
proposta
é
analisar
a nomeação do
sujeito
no
texto
acadêmico,
através
de
alguns
recursos
lingüísticos
e discursivos
que
utiliza
para
dialogar
com
a
norma
instituída
pela
Academia,
para
nela
ser
aceito e dela
fazer
parte.
Levantamos a
hipótese
de
que
o
sujeito
se apresenta
com
a
perspectiva
de inserir-se no
círculo
acadêmico,
com
a
firme
intenção
de
ser
aceito, mantendo
ou
alterando a
hierarquização
das
relações
que
se estabelecem
entre
o
sujeito
eu
e o
círculo
acadêmico,
representado
pelos
pesquisadores,
já
aceitos no
grupo,
que
emprestam
suas
vozes
para
que
o
sujeito
alie-se a
eles
numa
espécie
de
diálogo.
A
relação
dialógica
se estabelece na
medida
em
que
o
sujeito
nomeia-se
eu
alternando o
outro,
deixando
marcas
presentes
no
uso
de
recursos
lingüísticos,
que
podemos
considerar
como
manobras
discursivas,
com
a
intenção
de deslocar-se do
centro
do
discurso,
ocasionando
um
deslizamento
no
ato
de nomeação. Os
efeitos
desse
recurso
incidem
sobre
a
orientação
da
enunciação,
o
que
leva
a
crer
que
as
manobras
discursivas
são
intencionais;
ou
seja, o
sujeito
alia-se ao
outro,
o
que
sugere uma
relação
de
submissão
velada. A
aparente
submissão,
ou
seja a
ausência
ou
o afastamento do
sujeito,
revela
ainda
mais
a
sua
presença.
(a)
Um
sujeito
que
ousa: nomeação
com
eu
Nos
enunciados
aqui
recortados, o
que
temos é
um
sujeito
que
se apresenta à
Academia
de
forma
clara
e
explícita,
nomeando-se
em
primeira
pessoa.
Esta
forma
de nomeação ocorre
quando
o
sujeito
fala
de
sua
trajetória
pessoal,
ao
introduzir
seu
tema
de
pesquisa.
Isto
ocorre
porque
o
sujeito
acredita
que
sua
experiência
pode colocá-lo
como
pesquisador
frente
ao
outro
do
círculo
acadêmico.
(1) ... No
curso
de
graduação
... busquei
...
realizar
um
estudo
...
para
minha
formação
... Dessa
forma
... analisei o
funcionamento
discursivo ...
Através
da
análise
... pude
verificar
que
...
Em
função
disso, mostra-se
pertinente
analisarmos
traços
discursivos [nova
pesquisa]
(S1)
(2) ... Sendo
integrante
do GM [Grupo
Multidisciplinar]
...
um
questionamento
era
recorrente
... o
meu
trabalho
no GM ... fez-me
aprofundar
as
discussões
...
Esses
questionamentos despertaram o
interesse
em
investigar
... uma
vez
que
minha
experiência
no GM oportunizou-me o
estudo
... Essas
questões
me
instigam a
projetar
um
trabalho
de
pesquisa
... [nova
pesquisa]
(S2)
Nos
exemplos
(1) e (2) os
sujeitos
sustentam
sua
nomeação na
pesquisa
efetuada no
curso
de
graduação
ou
como
suporte
para
apresentar
nova
pesquisa.
Nas
suas
enunciações,
então,
o
sujeito
busca
sua
nomeação sustentado na
sua
prática.
Parece
que
o
fato
de
já
haver
uma
experiência
de
pesquisa
anterior
o faz
pensar
que
é acolhido
como
membro
da
Academia,
o
que
nos
leva
a
admitir
com
Benveniste (1966)
que
o
sujeito
eu
se constitui
em
presença
do
tu
– o
sujeito
da
Academia.
Do
ponto
de
vista
de Bakhtin (1999), o
sujeito
toma
a
forma
verbal
eu
a
partir
do
ponto
de
vista
do
outro
e,
em
definitivo,
do
ponto
de
vista
da
comunidade
a
que
pertence,
numa
interação
que
o constitui,
não
sendo,
então,
concebido
fora
das
relações
que
o ligam ao
outro.
Assim,
o
sujeito
ao nomear-se
eu,
o faz
porque
já
considera a
comunidade
acadêmica
como
seus
pares.
(b)
Um
sujeito
velado:
nomeação
com
sujeito
não-pessoa –
ele/o
objeto
de
estudo
A
ausência
explícita
do sujeito-enunciador manifesta-se
como
uma
estratégia
de
transformar
o
objeto
em
sujeito
do
enunciado.
É o
que
aponta Benveniste (1966) ao
tratar
do
sujeito
não-pessoa: “não
importa
quem
ou
não
importa o
que,
exceto
a
própria
instância
enunciativa” (p. 282).
A
nomeação
que
privilegia o
sujeito
não-pessoa é usada
como
recurso,
que
coloca
em
evidência
o
objeto
de
estudo,
confirmando o
contrato
convencionalmente
aceito
entre
as
partes:
a
comunidade
científica
serve-se dos
conhecimentos
divulgados,
não
importando
quem
os produz.
Entretanto,
o
sujeito
não
se apaga
totalmente,
apenas
esconde-se nessa
objetividade
aparente.
Ou
seja,
deixa
de
ser
“um
sujeito-para-si
para
ser
um
sujeito-para-os-outros” (SANTOS,
1989: 14).
Com
isto,
pensa
anular-se,
ou
eximir-se de
responsabilidade
frente
ao
que
está
posto.
(3) ....
O
presente
projeto
de
pesquisa
pretende
analisar
...
Tal
proposta
parece-nos
pertinente
...
Nossa
proposta
de
análise
parte
da
tentativa
de
verificar
...
Tal
estudo
está embasado no
fato
de se tratarem de
estatutos
diferentes
... a
pesquisa
centrar-se-á ...
Tal
procedimento
parece-nos
pertinente
pois
é nele
que
... (S9)
É
interessante
notar
no recorte (3)
que
o
sujeito
(S9), ao
usar
o
sujeito
não-pessoa (Benveniste, 1966), credita
objetividade
ao
seu
discurso,
deixando
seu
objeto
de
estudo
enunciar-se
como
se tivesse
vida
própria:
é o
enunciado
que
diz o
fato
e
não
o sujeito-enunciador.
(c)
Um
sujeito
que
persuade: nomeação
com
modalizadores
O
uso
de modalizadores é
característica
de
todo
discurso
que
quer
isentar-se de
responsabilidade,
de
não
impor
um
padrão
ou
um
determinado
comportamento.
Portanto,
no
discurso
acadêmico,
este
é
um
recurso
bastante
recomendado: é
característico
da
norma
científica
não
apresentar
as
verdades
como
inquestionáveis,
os
resultados
como
incomparáveis,
a
teoria
como
insubstituível.
Neste descomprometimento, concordamos
com
Coracini (1991)
que
diz
que
o
sujeito
deixa
espaço
para
outras
pesquisas
que
possam
contradizer
ou
completar
a
sua.
Este
recurso
tem
um
duplo
papel
no
discurso
acadêmico:
convencer,
pelas afirmações, da
verdade
que
está sendo
enunciada;
e
camuflar
a
origem
enunciativa.
É
possível
avaliar
um
discurso
por
autoridade
no
uso
reduzido de
expressões
modais,
o
que
caracteriza
um
aumento
do engajamento do
sujeito.
Por
outro
lado,
o
uso
de modalizadores se configura
como
um
recurso
de
alto
valor
argumentativo, uma
vez
que
persuadir
é
além
de convencer-se de alguma
coisa,
também
convencer,
induzir,
levar
alguém
a
crer
ou
a
aceitar
alguma
coisa,
um
argumento.
(c1) Modalizadores
de
autoridade
Sabe-se
que
a
autoridade
se estabelece
tanto
a
partir
do
reconhecimento
de uma
prática
construída historicamente,
como
também
por
um
ato
de
investidura
no
exercício
do
poder
institucionalizado. O
poder
de/por
autoridade
propicia a
quem
o detém
disciplinar
o
comportamento
dos
indivíduos
a
ele
submetidos.
Assim,
toda
vez
que
alguém
produz
um
comportamento
destinado a
modificar
ou
reforçar
a
disposição
de
um
sujeito
com
vistas
a uma
tese
ou
conclusão
exerce
um
ato
de
autoridade
por
argumentação.
Os
meios
ou
instrumentos
que
o
sujeito
utiliza
para
tal
ato,
constituem-se
em
argumentos
para
construir
sua
tese.
Nos
exemplos
do
nosso
corpus,
o
sujeito
tem
por
objetivo
influir
na
disposição
dos
membros
do
círculo
acadêmico
para
aceitar
e
autorizar
seu
estudo/pesquisa,
e nesta
relação
entre
o
eu
e o
tu,
o
sujeito
tenta
trazer
o
outro
para
si.
(4) ...
É
necessário
salientar
aqui
... É
necessário,
então,
que
se incentivem os
estudos
...
Para
o
êxito
deste
trabalho,
é
pertinente
lembrar
que
...
Então,
é
necessário
lançar
mão
de ... (S5)
No
dizer
do
sujeito
(S4), configura-se
um
discurso
preocupado
em
mostrar
a
relevância
do
estudo/pesquisa,
sem,
contudo,
apelar
para
a
autoridade
da
última
palavra.
Ou
seja, ao convencer-se de
que
“é
importante”,
“é
necessário”,
a
sua
execução,
o
sujeito
tenta
convencer
seu
interlocutor
– o
outro
da
Academia,
entretanto,
sem
imposições.
Agindo
assim,
o
sujeito
deixa
espaço
para
o
interlocutor
pronunciar-se, numa
atitude
eticamente
oportuna.
Parece
contraditório
dizermos
que
o
sujeito
persuade
seu
interlocutor
ao
mesmo
tempo
que
deixa
espaço
para
que
este
mesmo
interlocutor
se pronuncie.
Porém,
o
espaço
que
o
sujeito
deixa
em
aberto
para
que
seu
interlocutor
se sinta chamado é
para
ser
ocupado
em
seu
próprio
benefício,
legitimando o
seu
discurso
e
sua
presença
no
círculo.
Portanto,
uma
manobra
discursiva
com
alto
grau
de
persuasão.
(c2)
Formas
do
bem
dizer
No
dizer
dos
sujeitos
do
nosso
corpus,
observamos os modalizadores de
autoridade
usados numa
sintaxe
diferente
da
usual,
qual
seja a de
verbo
ser
+ modalizador. O
uso
aqui
encontrado parece
impor
uma
relação
de
condição
entre
intencionalidade e auto-retificação do
dizer:
é
enquanto
correspondendo a
um
querer
dizer
que
o
dizer
seria considerado
como
bem
dizer;
isto
é, as
formas
de
dizer
do
bem
dizer
(conforme
AUTHIER-REVUZ, 1998: 74).
O
sujeito
parece
querer
mostrar-se;
mas,
por
pensar
que
ainda
não
pode,
ou
não
deve, retifica
seu
dizer
-
antes
mesmo
de enunciá-lo - e modaliza
sua
intenção
de
impor
seu
discurso,
como
em
“faz-se
necessário”
ou
“parece-nos
pertinente”,
no
exemplo
(5).
Isto
significa
que
o
dizer
do
sujeito
aponta
para
uma
atitude
de
adesão
ao
seu
enunciado,
mas,
paradoxalmente,
atenua esta
sua
atitude
ao
modalizar
seu
enunciado
com
um
sentido
a
mais.
Ou
seja,
após
a
ocorrência
do
dizer,
o
sujeito
ajusta
sua
nomeação na
instância
do
dever
dizer.
Isto
sugere
um
engajamento
menor
do
que
o obtido
com
o
uso
dos modalizadores de
autoridade,
analisados
em
(C1).
Vale
dizer
que,
sintaticamente,
este
uso
não
se
sustenta,
embora
possamos admiti-lo na
medida
em
que
assumimos,
com
Benveniste (1966),
que
o
sujeito
atualiza a
língua
no
exercício
do
seu
discurso.
É
necessário
dizer,
também,
que
o
sujeito
modaliza
porque
é ensinado
para
tal,
ou
seja, no
discurso
acadêmico
a
linguagem
não
deve
ser
de
autoridade,
para
quem
ainda
não
está nela investido,
nem
autoritária.
Neste
caso
específico,
podemos
avaliar
que
o
sujeito
pecou
por
excesso
de
zelo
à
norma:
modalizou o modalizador.
(5) ...
Cumpre-nos
salientar
que
... faz-se
necessário,
para
a
compreensão
do
universo
...
Tal
procedimento parece-nos
pertinente,
pois
é nele
que
se estabelece a
relação
... (S9)
(6) ... Ao se
constatar
a
existência
de
lacunas
... impõe-se a
necessidade
de supri-las.
Para
que
isso
aconteça, torna-se
importante
um
estudo
... (S3)
Então,
vejamos, comparando os
exemplos
(5) e (6)
com
o
exemplo
(4), temos
um
sujeito
que,
além
de
não
dizer
sua
palavra
como
a
última,
ainda
modaliza
este
seu
dizer.
Este
caso
parece assemelhar-se à
pessoa
transbordada na
taxionomia
de Fiorin (1996)
que
avalia neste
uso
“que
o
sonho
positivista
do apagamento
total
da
enunciação,
com
a
construção
do
enunciado
puro,
é uma
ilusão”
(p. 102).
Nos
casos
levantados
por
Fiorin, existe
um
enunciado
onde
não
parecem
haver
actantes da
enunciação;
portanto,
a
instância
enunciativa
transborda
instalando o
eu
e o
tu
como
complementos
dativos.
Então,
quando
os
descendentes
de italiano excedem no
uso
de
dativos
éticos
em
sua
fala:
“Pina,
o Angelim
me
veio
ontem
cedo,
aí
me
tocou
sanfona,
me
bebeu,
me
riu.
Só
me
foi
embora
depois
da
meia-noite.
Quando
me
ia saindo,
quase
me
caiu na
porta”,
“a
enunciação
mostra-se
em
todo
seu
esplendor”
(FIORIN, 1996: 102).
Nos
nossos
exemplos,
há
um
transbordamento
no
uso
da
norma
e, se o
sujeito
modaliza o modalizador, é
porque
aí
estaria
junto,
nesse
excesso,
o
seu
interlocutor
– o
eu
e o
outro
da
Academia.
Concluindo
Como
vimos, as
análises
mostram
um
sujeito
múltiplo.
O
sujeito
do
discurso
acadêmico
é
um
sujeito
que
(a) ousa, nomeando-se
eu;
(b) vela-se, transformando-se num sujeito-para-os-objetos; (c) persuade
seu
interlocutor
buscando
seu
envolvimento, modalizando
seu
discurso
com
a
intenção
de legitimá-lo.
Os
sujeitos
são
capazes
de
mostrar
sua
presença
usando
apenas
os
recursos
que
a
Academia
avaliza.
Ou
seja, estão
presentes
mesmo
quando
não
se nomeiam
eu.
Esse
procedimento
heterogêneo
em
relação
aos
elementos
do
sistema
lingüístico,
que
servem de
base
material
para
a
produção
de
seu
discurso,
faz
parecer
que
o
sujeito
se serve da
língua
para
expressar
suas
intenções
subjetivas. Há
marcas
lingüísticas
que
atestam a
inscrição
do
sujeito
num
dado
lugar
discursivo.
Esse
lugar
discursivo é
determinado
historicamente
pela
sociedade
que
o acolhe
em
sua
estrutura.
Portanto,
não
existe o
medo
da
exclusão;
o
que
há é uma
submissão
a
um
acordo,
previamente estabelecido,
que
regula o
acesso
e a
permanência
dos
membros
nessa
estrutura.
Há
marcas
de
autoridade:
mesmo
seguindo a
regra
sintática,
o
sujeito
busca
a discursividade
através
dos modalizadores de
autoridade
[é
pertinente,
é
necessário];
é a
voz
do
eu
que
aparece
por
baixo
da
marca
lingüística.
O
sujeito
não
pode nomear-se
como
eu,
isto
é,
estar
presente,
explicitamente,
em
demasia.
Eu
presente
demais
significa
não
solicitar
acesso
à
Academia,
significa já-estar-lá, o
que
pode
acarretar
um
jogo
de
vaidades.
Na
Academia,
parece
estar
em
jogo
uma
espécie
de “monopólio
da
autoridade
científica”,
que
legitima o
falar
e o
agir.
O
sujeito,
como
aponta Authier-Revuz (1998),
além
de
usar
as
palavras
da
língua,
ocupa o
lugar
de
observador
dessas mesmas
palavras
e
seu
discurso
recebe
um
outro
estatuto,
qual
seja, o do discurso-outro.
Não
raras
vezes,
o discurso-outro se
manifesta
sem
o
auxílio
do
dito;
ou
seja,
mesmo
nomeando-se na
norma,
o
sujeito
está
em
evidência.
É o
duplo
dialogismo,
não
no
sentido
plural,
mas
no
sentido
de
interdependência
do
discurso
com
os
outros
discursos.
É
como
na
metáfora
do
espelho
ou
do
vidro
transparente
usada
para
explicar
o
signo
–
eu
representando uma
coisa
e sendo a
coisa
representada:
eu
dá a
ver
outra
coisa
que
não
ele
mesmo.
Porém,
tanto
o
espelho
como
o
vidro
transparente
têm a
propriedade
de se
opacificar:
podem
usar
de se
esconder
para,
ao
contrário,
se
oferecer
à
consideração,
ao
olhar
do
outro.
O
sujeito
mira-se na
Academia,
como
num
espelho,
para
ser
aceito.
Quando
o
sujeito
nomeia-se
como
eu,
torna-se
opaco:
cessa de
desviar
o
olhar
de
si
mesmo
e se apresenta à
Academia
[Sou
membro
do
círculo!].
Nesse
momento,
ele
perde a
transparência
que
permitia
ver
o
objeto
através
dele
mesmo.
A
subjetividade
que
insiste
em
se
fazer
presente
na
construção
do
sujeito
na
produção
de
seu
discurso
é cerceada
pela
necessidade
de
fazer
aparecer
a
norma
que,
por
vezes
é condescendente e permite ao
sujeito
nomear-se,
por
vezes
seu
rigor
o domina. É uma
alteridade
que
se investe de
outra.
É uma heterogeneidade
que
se
projeta
de
outra.
É uma subjetividade
que
se
mostra
a
partir
de
outra,
em
condições
distintas. É uma
questão
de
identidade
e de
diferença:
a
diferença
se
mostra
no
igual
que
o identifica
como
igual.
É na
diferença
que
a
alteridade
se faz
identidade.
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