DO
ORAl
PARA
O
ESCRITO
A
CONSTRUÇÃO
DO
DISCURSO
INJUNTIVO
POR
CRIANÇAS
NA
INTERAÇÃO
COMUNICATIVA
ESCOLAR
Christianne
Mares
Santos
(UNINCOR)
Justificativa
Partiremos do
princípio de
que a
língua é
um
fato
social
cuja
existência funda-se nas
necessidades de
comunicação. Bakhtin atribui
um
lugar privilegiado à
enunciação
enquanto
realidade da
linguagem:
A
matéria
lingüística é
apenas uma
parte do
enunciado;
existe
também uma
outra
parte,
não-verbal,
que
corresponde ao
contexto da
enunciação.
Essa
visão da
linguagem
como
interação
social,
em
que o
outro
desempenha
papel
fundamental na
constituição do
significado, integra
todo
ato de
enunciação
individual num
contexto
mais
amplo, revelando as
relações intrínsecas
entre o
lingüístico e o
social. Sendo
assim, a
linguagem
não pode
ser encarada
como uma
entidade
abstrata,
mas
como o
lugar
em
que a
ideologia se
manifesta
concretamente.
O conceito de texto depende
das concepções que se tenha de língua e de sujeito. Na concepção adotada,
interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são vistos como
atores/construtores sociais e o texto passa a ser considerado o próprio lugar da
interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que nele se constróem e são
construídos.
Trata-se o uso da
língua como ‘competência comunicativa’
( que envolve
várias competências ao mesmo tempo) e propõe que se parta de noções básicas da
organização da interação como contexto primário do uso lingüístico cotidiano
posteriormente estendido para as demais formas de comunicação.
Ao considerar, então, a
língua como uma atividade cognitiva e social, pode-se dizer que ela varia, é
heterogênea e está sempre situada em contextos de uso. Diante disso, cabe à
escola tomar algumas decisões que tornem suas atividades menos burocráticas,
menos dominadoras, mais coerentes e produtivas.
Em contundente observação sobre a relevância do
conhecimento das relações entre a fala e a escrita na tarefa de alfabetização,
assim se pronuncia Lemle (1984):
O
alfabetizador
precisa
ter
idéias
claras
quanto à
relação
entre
língua
falada e
língua
escrita.
Ele
precisa
saber
que a
língua
escrita, na
nossa
sociedade
complexa, é
uma
entidade
autônoma,
diferente da
língua
falada
por
quem
quer
que seja.
Ele
precisa
ser ajudado a
não
assumir a
crença de
que a
língua
escrita é o
modelo da
língua “certa”
e a
língua
falada é uma
deturpação
ou
decomposição
do
certo. (...) O
alfabetizador
que
parte
para o
trabalho armado da
crença de
que a
língua
escrita é o
modelo
sobre o
qual se deve
calcar a
língua
falada “certa”
está fadado ao
insucesso, o
que é
gravíssimo, uma
vez
que o
insucesso do
alfabetizador
é o analfabetismo do
alfabetizando.
Mais
recentemente,
assim se
expressa
Ataliba de Castilho (1990)
quanto à
afirmação de
que a
escola
não deveria
ocupar-se da
língua
falada,
já
que a
criança
chega à
escola falando
sua
língua:
Ora, a
língua
oral se constitui num
excelente
ponto de
partida
para o
desenvolvimento
das
reflexões
sobre a
língua,
por se
tratar de
um
fenômeno “mais
próximo” do
educando, e
por
entreter
com a
língua
escrita
interessantes
relações
(...).
Sem
dúvida, a
língua
escrita,
aí incluída a
língua
literária,
continuará a
ser o
objetivo da
escola,
mas vejo
isto
como
um
ponto de
chegada.
Gostaria de
ressaltar essa
posição de
Castilho, reforçando a
idéia de
considerar o
tratamento da
oralidade
em
sala de
aula
como
um
ponto de
partida
para
reflexões
mais
aprofundadas
sobre a
língua e
seu
funcionamento
de
um
modo
geral.
Delineia-se
agora uma
nova
perspectiva
em
que a
oralidade é de
algum
modo “descoberta”
como
pertinente e
relevante no
ensino de
língua.
A competência comunicativa
leva à diferenciação de gêneros textuais. Bakhtin (1953/1992) escreve:
Todas as
esferas da
atividade
humana,
por
mais variadas
que sejam,
estão relacionadas
com a
utilização da
língua.
Não é de
surpreender
que o
caráter e os
modos dessa
utilização sejam
tão variados
como as
próprias
esferas da
atividade
humana (...).
O
enunciado
reflete as
condições
específicas e as
finalidades de
cada uma
dessas
esferas,
não
só
por
seu
conteúdo
temático e
por
seu
estilo
verbal,
ou seja,
pela
seleção
operada
nos
recursos da
língua –
recursos
lexicais,
fraseológicos e
gramaticais –
mas
também, e
sobretudo,
por
sua
construção composicional.
Assim,
todos os
enunciados se baseiam
em formas-padrão e
relativamente
estáveis de estruturação de
um
todo. Essas
formas
são os
gêneros, marcados sócio-historicamente,
já
que estão
diretamente relacionados às
diferentes
situações
sociais.
Bakhtin (1953) distingue os
gêneros em primários e secundários. Os primários (diálogos, cartas, situações de
interação face a face) são obtidos em situações de comunicação ligadas a esferas
sociais cotidianas de relação humana, os secundários são relacionados a outras
esferas públicas e mais complexas de interação social. Mas a concepção de gênero
de Bakhtin não é estática, eles estão sujeitos a mudanças (transformações
sociais, novos procedimentos de organização, modificações do lugar do ouvinte).
Esta
proposta se baseia,
portanto, na
teoria dos
gêneros discursivos de Bakhtin (1953/1994).
Segundo
sua
teoria,
tais
gêneros se encontram nas
práticas
sociais de
linguagem,
são
muito variados e
extensos e estão no
dia-a-dia de
todos,
juntamente
com as
experiências adquiridas no
curso da
história.
Aprender a escrever e a ler
significa, portanto, dominar um novo conjunto funcional discursivo e
fraseológico que se distancia de uma pura função visual de grafemas ou de uma
pura transcrição deles. O processo deve ser visto como a construção de uma nova
prática social que se torna uma atividade discursiva autônoma. Para isto, o
estudante deve apropriar-se de novas maneiras de construir um texto, de
instrumentos que vão ajudar a construir essa nova função: instrumentos técnicos,
sistema de escrita e os gêneros.
Entre
estes
instrumentos, os
gêneros se destacam no
processo de transformação do
sistema de
produção do
discurso
oral
anterior
em
discurso
escrito,
pois no
fenômeno da autonomização está
implícita a possibilidade da
passagem de
produção de
textos de
gênero
primário a
secundário,
isto é, a possibilidade de se
passar da
produção
espontânea
para a
produção controlada de
texto de
gênero
secundário.
Este projeto de pesquisa se
justifica pela importância dos estudos sobre construção / apropriação da escrita
usando-se os gêneros discursivos e textuais como “mega-instrumentos”
semiótico-psicológicos do processo.
Objetivos
da
pesquisa
O
objetivo
geral desta
pesquisa é
compreender
como os
sujeitos
vivendo no ‘mundo
da
oralidade’,
foram compondo uma
teoria
sobre o
funcionamento
e a
configuração do
discurso
escrito
que o
distingue tipicamente da
manifestação
lingüística
falada,
assumido o pressuposto de
que o
domínio da
modalidade
oral da
língua é a
base
sobre a
qual se
assenta o
processo de “aquisição”
e
desenvolvimento
dos
conhecimentos
necessários à
interação
lingüística mediada
pela
escrita.
Situa-se
aí o
objetivo
específico
deste
trabalho:
estudar o
desenvolvimento
do
gênero
injuntivo
oral e
escrito (instruções,
receitas,
regulamentos,
regras do
jogo, etc)
em
crianças na
interação
comunicativa.
Nesta pesquisa, adotando-se as postulações
teóricas de Bakhtin e Vygotsky, concebe-se a língua como sistema integrado pelos
sistemas gramatical, semântico e discursivo e entende-se a cognição humana como
processo de construção subjetiva socialmente mediada. Entendem-se os processos
subjetivos de construção de conhecimentos lingüísticos como culturalmente
condicionados e a atividade interlocutiva, realidade fundamental da linguagem,
como tributária das condições histórico-sociais de sua produção.
Metodologia
a) Os
sujeitos da
pesquisa
serão
alunos da 3ª e
4ª
séries do
ensino
Fundamental de
escolas
particulares
b) O
corpus será
composto de
textos
orais e
escritos
produzidos
pelos
alunos.
c)
Coleta de
dados
Gravação
em
áudio e/ou
vídeo de
processos
enunciativos de
produção
oral de
textos
injuntivos. A
coleta de
textos
escritos
produzidos
pelos
alunos
em
situações
comunicativas
diferentes.
d)
Categorias e
procedimentos de
análise
A
análise dos
dados buscará
levar
em
conta o
processo de
produção de
textos.
Assim vai
procurar
identificar
elementos
que apontem
para a
realização de
textos
injuntivos
que possam
ter
funcionamento
comunicativo
efetivo, se
escritos,
correlacionando a
forma do
produto às
circunstâncias
em
que vai
ser elaborado. Tomar-se-á
como
parâmetro a
formulação de
Castilho (1989)
quanto a
três
atividades
integrantes do
processo de
produção
textual – a
situação, a
cognição e a
verbalização.
A análise também contemplará os componentes
básicos que compõem os gêneros de acordo com Bakhtin (conteúdo, estrutura
composicional e estilo)
Bibliografia
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