A BOEMIA DA EXCLUSÃO
REFERÊNCIAS HOMOSEXUAIS
NA TRADUÇÃO DE GABRIELA CLOVE AND CINNAMON

Adilson da Silva Corrêia (UNEB)

Quero ainda dizer que em nenhum momento desses acontecimentos que me tornaram conhecido, deixei de me lembrar que foi aqui onde tudo começou. Foi aqui em Ilhéus, na praça do Vesúvio, não foi noutro lugar. (AMADO, 2001: 45)

No Brasil, o romance Gabriela cravo e canela, de Jorge Amado, lançado, em 1958, tem sido objeto de estudo de grupos de pesquisa em vários âmbitos, em que se destacam alguns que se responsabilizam pelos estudos da recepção crítica .E não é para menos, dada a aceitabilidade dos leitores, a qual gerou telenovela e filme, com o mesmo nome do romance, que conduziu Jorge Amado a muitos prêmios (ANDRADE, 2002).

Considerando os estágios amadianos, determinados, inicialmente, por BROOKSHAW (1983), o romance teria sido escrito no segundo estágio, marcado pelo retorno do escritor do exílio na Europa Oriental e Ásia, quando já havia se desligado do Partido Comunista e mostrava cada vez maior comprometimento com a cultura popular da Bahia, [...] (op.cit.: 132).

Nos Estados Unidos, não poderia ter sido diferente, no que concerne ao sucesso da aceitabilidade por parte dos leitores americanos. Quatro anos depois do lançamento no Brasil, Gabriela clove and cinnamon (1962) alcança a pompa de ser inclusa entre os livros estadunidenses traduzidos mais vendidos, como informa PEDREIRA (In ALVES 2004: 86): o romance alcança rapidamente o 15º e, em seguida, o 14º lugares e mantém-se nessa posição por cinco semanas, permanecendo na lista dos mais vendidos por mais de um ano. Esse teria sido o plano de Alfred Knopf (PEDREIRA, 2001): fazer com que a tradução de James L. TAYLOR e William GOSSMAN repercutisse tão bem nos leitores lowbrow norte-americanos, como repercutiu nos leitores brasileiros.

Além da marca de best seller, o romance foi o primeiro título amadiano de mulher, seguido cronologicamente por: Dona Flor e seus dois maridos (1966); Tereza Batista cansada de guerra (1972) e Tieta do Agreste (1977), todos igualmente traduzidos para o inglês sob os respectivos títulos: Dona Flor and her two husbands (1969), Tereza Batista: the home of wars e Tieta: a novel (1979). Esses textos tiveram diferentes tradutores e, dos quatro romances, Gabriela clove and cinnamon foi um empreendimento traduzido por duas pessoas, TAYLOR e GROSSMAN, e Tieta: a novel, traduzida por uma mulher, Barbara Shelby MERELLO. Em todos os título, figura o nome de A. Knopf, nos direitos autorais da tradução.

Inegavelmente, Gabriela clove and cinnamon foi o romance que criou e continua criando, dentro do espaço americano, muito embora com a forte carga da tradução domesticadora, a imagística dos costumes da região de Ilhéus e Itabuna dos anos 20 (PEDREIRA, 2001). Costumes esses, muitas vezes, sob a insígnia de estereótipos e preconceitos construídos pelo próprio autor, como constatou o escritor americano, BROOKSHAW (1983), com relação aos negros e mulatos, somados aos retoques transformistas do texto traduzido. É por isso que é difícil de se falar em construção estereotipada dentro da tradução, há de se verificar quais estereótipos e da forma com que vêm sido usados e que imagística têm construído nas concepções dos leitores, dos vários leitores daquela obra.

Assim, as páginas de Gabriela, tanto em Inglês, quanto em Português, têm ganhado atenção dos estudos da Literatura Comparada e da Tradução, fazendo com que essas áreas de conhecimento se dilatem e promovam novos questionamentos, advindos das variadas interpretações possíveis dessas obras.

O objeto de estudo, tanto da Literatura Comparada, quanto da tradução, é o texto. Nele se inscreve a leitura dos sujeitos responsáveis pela construção do universo ficcional, mas que traz à tona as cargas significativas da linguagem e que, de uma certa forma, organiza as experiências humanas. Segundo MAYER (1983: 33), os textos de ficção têm a faculdade de mostrar a maneira pela qual os indivíduos ou os grupos sociais discutem com os valores dominantes e as normas de comportamento. Esse diálogo, para G. MAYER, é realizado dentro de atitudes básicas: a confirmação, a negação e a modificação.

A tradução inclui esses três princípios por envolver a interpretação da cultura do outro e a diferença diversificada que provoca, na maioria das vezes, estranhamentos, ao que está lendo, e no caso de Gabriela clove and cinnamon, envolveu dois pólos bastante distintos, a saber: o texto original, de um brasileiro, com a leitura e linguagem de uma parte específica do Brasil, da Bahia, e a tradução de dois americanos, de um país com uma construção hegemônica, de uma cultura anglo-saxônica, de uma sociedade com uma forte base Calvinista. É nesse espaço que se inscreve a transposição do texto original, de Jorge Amado, para o texto americano, de J. Taylor e W. Grossman, somados, naturalmente, às inquietações sócio-politicas da época (CORRÊIA, 2003 a).

PEDREIRA (2001 e in ALVES 2004) estuda as mudanças ocorridas na tradução de Gabriela e constata que a interpretação do texto em inglês é orientada por um discurso transparente, com seu característico apagamento das marcas culturais do texto original (op.cit. 2004: 84). Dado o plano geográfico, cultural, cronológico e político em que se inscrevia a tradução, essa constatação não poderia ter-se realizado diferentemente, aliás essas complicações no campo discursivo da tradução tem-se avolumado a ponto de alguns autores, como CAMPOS (1987: 7), enunciar que a tradução:

é uma senhora que sempre andou "na boca do povo", como se diz: parece que ela sempre esteve na berlinda, e as coisas que se tem dito dela nem sempre têm sido as mais elogiosas, nem sequer as mais compreensivas - como se houvesse, contra ela, uma espécie de preconceito ou prevenção.

A tradução se inscreve no espaço da linguagem, dos textos, nas linhas e entrelinhas discursivas da interpretação do outro e, através desse complexo conjunto, são descortinadas outras culturas, outras formas de pensamento, pois a tradução provoca, em uma visão mais positiva do processo, o intercâmbio de conhecimentos e gera modificações nos espaços internos e externos a ela. Com relação à linguagem de Amado, SANTOS (In ALVES 2004: 35-36) lembra alguns motivos perseguidos pela crítica, tanto estrangeira, quanto nacional, apontando, dentre eles: o uso do calão, as constantes repetições, a linguagem próxima da realidade, personagens populares, a exemplo de alcoólatras, prostitutas e homossexuais, negras e negros, turcos e árabes.

É essa a referência que a tradução de Gabriela cravo e canela irá encontrar no processo de transferência, atrelado ao perspectivismo dos tradutores e do projeto da editora. Evidentemente, os tradutores tiveram menos problemas com o uso do calão em Gabriela que MERELLO teve em Tieta, onde existe uma intensificação do uso desse. Mas, em uma rápida visita, MERELLO (1979) recorre verdadeiramente ao calão inglês, preservando a linguagem popular, encontrada em Amado.

No tocante às referências homossexuais encontradas nas duas obras, constituem-se em passagens rápidas, tanto na Gabriela de língua inglesa, quanto na de língua portuguesa, e o espaço de voz para a defesa dos personagens homossexuais, inexistente, ficando a mercê das várias interpretações, na maioria das vezes maldosas, e dos comentários dos outros personagens, o que cria uma margem altíssima de desvozeamento homossexual na obra. No entanto, em ambas as leituras, observa-se a forte carga de preconceito e de estereótipos produzidos pela conduta homossexual, no sentido, de haver na tradução uma confirmação do que se lê no texto original.

Como a tradução opera no campo da linguagem, PEDREIRA (2001: 66) constata e comenta as mudanças ocorridas, no âmbito lexical, dos calões referentes ao homossexualismo. Conforme a autora, essas mudanças representam um desejo de amortizar o calão empregado por Jorge Amado, nas construções textuais originais, constituindo-se, nas palavras da própria autora, em ... um tratamento atenuante, através do expurgo da linguagem "crua" do autor. Apesar de haver essa amortização no campo da escolha vocabular, como veremos mais adiante, a construção estereotipada do homossexual é o que prevalece na tradução, onde o que se leva em consideração é a vida promíscua e o cuidado de afeminar os personagens envolvidos no jogo discursivo.

Por isso, entendemos que essas escolhas permitem construir um local de representação doméstico, em que o vulgarismo da obra original foi atenuado com palavras do inglês standard, e como lembra muito bem CAMPOS (1983: 12) a qualidade do texto a traduzir constitui muitas vezes o fator que determina a escolha do tradutor e a do editor.

Voltemos ao plano do texto amadiano traduzido e nos encontraremos no Vesúvio, local das "explosões" dos gossipings e da diversidade das conversas, presentes nelas: mulheres, homens, invertidos, prostitutas, os coronéis e os políticos, contados, passados e repassados em uma "consistente geléia". Tudo acompanhado pelos deliciosos appetizers e codfish balls, feitos, neste nosso momento, pelas Dos Reis sisters. Nessas conversas, acompanhadas por esses quitutes, referências estereotipadas ao homossexualismo aparecem naturalizadas na forma discursiva daqueles que freqüentam o "magma" da roda vesuviana.

Em curta passagem, mas que expressa muito a atitude da cidade para com o comportamento homossexual, Nacib comenta com Nhô-Galo as dificuldades por que tem passado desde quando Filomena, sua cozinheira, deixou-o. Nesse momento de desespero do árabe Nacib, as referências ao homossexualismo passam a ser construídas, organizadas em tom de gozação, a partir da informação de Nhô-Galo, trying to be funny, sugerindo a Nacib: Why don't you hire Machadinho e Miss Pirangi?(AMADO 1962: 100).

Até este exato momento, apesar da leveza e formalidade dos termos ingleses, em uma tentativa de fluência, existe uma construção paralela de rejeição e estereotipação através dos gestos lingüísticos dos que discursam, tanto na tradução, quanto no texto original. O homossexualismo é introduzido em um tom de gozação, alcançado, no texto inglês, pelo adjetivo funny, e no português, "engraçado". A resposta do Nacib americano demonstra o comportamento de repugnância ao homossexualismo, remetendo a Nhô-Galo a seguinte resposta: Go to the hell (Idem, Ibidem). O texto português constrói Vai à merda!(Amado 1958: 78). A carga semântica é a mesma, em ambos os textos, exceto pela escolha vocabular mais planificada do texto inglês.

A descrição dos personagens homossexuais, em ambos os textos, segue paralelamente. O texto em inglês traz a seguinte descrição: town's two officials homosexuals (Idem, Ibidem), o texto em português Tratava-se dos dois invertidos oficiais da cidade (Idem, Ibidem 78). O texto original traz a noção do homossexual de hábitos exclusivamente sodomitas, é o que a palavra "invertido" remonta, enquanto que a construção do texto inglês esconde essa conduta através de um termo generalista homosexuals.

E sobre a vida de cada um deles, na sociedade ilheense, o texto inglês constrói: Mullato Machadinho, always clean and neat, a launderer by trade, into whose delicate hands the families entrusted their white linen suits, fine shirts, and stiff collars, enquanto Miss Pirangi, an ugly Negro, a servant at the Caetano boarding-house, who could be seen on the beach at night in quest of a partner (Idem, Ibidem). Paralelamente, o texto português informa: Machadinho sempre, limpo e bem arrumado, lavadeira de profissão, em cujas mãos delicadas as famílias entregavam os ternos de linho, de brim branco HJ, as camisas finas, os colarinhos duros e Miss Pirangi um negro medonho, servente na pensão de Caetano, cujo vulto era visto à noite na praia, em busca viciosa (Idem, p. 78).

Com relação à vida sexual do personagem Miss Pirangi, o texto inglês constrói um espaço mais concreto e objetivo com relação ao que se procura (partners). O texto original carrega mais o desejo instintivo construído pela palavra "viciosa".

O texto inglês mantém os traços étnicos dos personagens homossexuais construídos pelo texto português, designados pelos adjetivos ingleses mullato e negro. No entanto, a estereotipação de feminilidade dos personagens é mantida em ambos os textos, através de adjetivos como "mãos delicadas" e delicate hands.

Podemos entender o espaço homossexual, nessa passagem de ambos os textos, sob dois aspectos: o primeiro, na forma de aproximação com a cidade, revelada no profissionalismo de ambos; o segundo, no distanciamento com a cidade, na marginalização deles pela orientação sexual (... could be seen on the beach at night in quest of a partner). Essa construção se dá na base de ambos serem assumidos para a cidade, encarnada pelo adjetivo inglês official e pelo português "oficiais". Com relação às atividades profissionais, ambos assumem empregos com baixa remuneração: Machadinho é launder (lavadeira), e Miss Pirangi, a servant (servente). Ambos possuem profissões, marcadamente, femininas, possibilitando a língua portuguesa de utilizar o adjetivo feminino, "lavadeira". Ao mesmo tempo, tanto o texto inglês, quanto o português, antepusera o pronome de tratamento feminino inglês Miss diante do nome referente ao personagem homossexual, Pirangi. Biologicamente, isto significa, para um homem, uma grande carga de exclusão social. São os nomes incorporando os estereótipos sociais, é a cidade construindo e mantendo esses estereótipos em torno do homossexual, dentro de espaços determinados pelos textos.

As diferenças, nessa passagem dos personagens homossexuais, vão mais adiante e ganham uma dimensão de liberdade sexual. Miss Pirangi é mais dada aos prazeres sexuais, à vida boêmia, pois é mais vista à noite atrás de partners, na escuridão da praia. Quanto à cidade, essa reagia violentamente à vida boêmia, através de uma construção que lembra muito os atos bíblicos: o apedrejamento, expresso no texto traduzido: The street urchins used to throw stones at him and yell his nickname: "Miss Pirangi! Miss Pirangi!" (Idem, Ibidem), da mesma forma, o texto original: Os moleques atiravam-lhe pedras, gritavam-lhe o apelido: "Miss Pirangi! Miss Pirangi!"(Idem, Ibidem). Entendemos que isso representa uma tentativa inefreável de condenar e julgar os pecados. A cidade realiza um movimento de expurgar o que não é-lhe convencional.

Depois, o aparecimento de Fernand, no cenário da cidade, marca um novo movimento nos rumos dos gossipings. No plano lingüístico da tradução, a conduta homossexual desse personagem é designada por três palavras inglesas, a saber: fairy, homosexual e gay friend, todas compõem o léxico do inglês standard, enquanto o texto original se expressa em calões: "invertido", "chibungo". Ocorre que existe uma tendência da tradução, já mencionada, anteriormente, pelos estudos de PEDREIRA (2001), da não-particularização dos termos referentes ao homossexualismo, através de palavras que amenizem os calões da obra original, as quais expressam o homossexual afeminado.

Por outro lado, há a manutenção dos maneirismos homossexuais acentuados pelo estereótipo lingüístico, agora delimitado pelo accent francês. Aliás, os falares franceses misturados com o sotaque português do nosso chef levam às conclusões apressadas dos moradores de Ilhéus, como demonstrado nas passagens dos textos em português e inglês, respectivamente: Português de nascimento, de sotaque pronunciado, muitas das palavras, a caírem depreciativas de seus lábios, eram francesas. (Idem: 340); The chef's pronounced accent revealed his Portuguese birth, but many of his disparaging remarks were uttered in French (Idem: 480).

No entanto, podemos notar a boêmia de Fernand, nas construções da cidade, quando do sumiço do chef. Ocorre uma verdadeira caça às bruxas, aparecendo uma efervescência nas explicações desencadeadas, inicialmente, pela orientação homossexual de Fernand e da possibilidade dele ter se envolvido com algum marginal da cidade e, como conseqüência, a sua morte: Perhaps he had been a victim of robbers ou Had there been some of Sex crime? (Idem: 489). Mas se assim o fosse, seria para a cidade uma limpeza, como se expressa em poucas palavras João Fulgêncio: [...]so he felt forlorn and decided to relieve us of his loathsome presence." (Idem, Ibidem) e os locais de procura do chef são os espaços de prostituição da cidade: the chief and his men searched the port, Unhão and Conquista hills, Pontal, and Cobras Island (Idem, Ibidem).

Percebemos que o texto traduzido, realmente, mantém a construção excludente dos personagens homossexuais, produzidas pelo texto original, revelando os estereótipos homossexuais da obra amadiana. As referências lingüísticas, trazidas por Gabriela clove and cinnamon, são de magnitude abrangentes, padronizadas, isentas dos calões regionalizados criados pela obra original, denunciantes de um contexto social, desenhado para esses personagens, o qual possibilita interpretações diferentes, mas em um ponto, coerentes para os nossos mais novos leitores da obra traduzida: existem espaços, tais como as praias, freqüentados pelos homossexuais, igualmente freqüentados pelas famílias de bem das cidades, apenas adquirem um valor diferente, por ganharem uma conotação crítica, apenas como justificativa, como se a noite fosse a culpada de cenários.

Dessa forma, a tradução está construindo espaços representativos, não necessariamente iguais ao do leitor da obra original, da época em que foi traduzida, mas de acordo com as interpretações do novo leitor doméstico. Em artigo, intitulado, Tradução, ARROJO (1992) utiliza o conceito de Paulo RÓNAI para esclarecer, e entendemos, dessa forma, a função e a necessidade do texto traduzido: levar alguém pela mão de um lugar para o outro, necessariamente, de uma cultura para outra, de um texto para o outro, de uma vida para outras, de um pensamento para outros, e por que não, sem nos esquecermos, de um tempo para um outro.

Foi exatamente isso que aconteceu à vida dos nossos personagens estudados, a tradução os pegou pelas mãos e os levou até a cultura estadunidense, de hábitos diferentemente variados, de religião diferente, por isso, de organizações lingüísticas diferentes. Por outro lado, os nossos personagens foram construídos, tanto pela tradução, quanto pelo texto original, em um cenário temporário totalmente diverso do nosso e, muito embora sejam lidos com as mesmas palavras empregadas naquela época, quando o romance foi escrito, dentro de sistemas culturais diferentes, existe a possibilidade de serem compreendidos com as marcas e os ganhos do século 21, de forma que temos variadas traduções e reações diversificadas ao texto lido, de acordo com o tempo em que for lido e com a cultura em que ele estiver engajado.

Agora, como poderemos entender essas modificações no uso do calão na tradução de Gabriela cravo e canela? Primeiro, é preciso entender que a tradução apresenta dois times antagônicos, como demonstra CAMPOS (1987): um que defende com todos os princípios o processo tradutório, que acredita não haver essa fidelidade tão questionada por alguns tradutores, e um outro, que não a defende, reacionário às mudanças inevitáveis e imprescindíveis ao processo. A tradução é autônoma, no primeiro, e bandida, no segundo.

No entanto, é necessário compreender que traduzir não está apenas na alçada das palavras, às vezes intraduzíveis. Não é essa somente a compreensão do processo tradutório, ligado a ele está a intenção do tradutor, o jogo discursivo dos poderes que circundam os indivíduos envolvidos no processo tradutório e a própria reação dos leitores (CORRÊIA 2003 a e b). Mudar palavras por outras mais padronizadas, mais atenuadas reconstrói o texto, mas esta não seria uma das funções da tradução, dentre tantas outras? A reconstrução, a partir da desconstrução textual, é uma das facetas da tradução. Com relação à padronização, acreditamos que a tradução ganha a oportunidade, seja ela por qual motivo for, de revelar a linguagem da língua-alvo sem os medos existentes, inovando e por isso mudando, não funcionando tão somente como uma mera tentativa de substituição, mas também ser uma tentativa de criatividade bastante original, de plasticidade, de modernização.

A tradução de Gabriela provou a substituição das palavras intraduzíveis, mas ficou presa à ausência de utilizar palavras mais próximas do povo, como Jorge Amado pode fazer com o seu texto. Devemos entender essa ausência apenas como um reflexo do momento em que a sociedade americana estava passando? Ou devemos entendê-la como uma intenção dos tradutores e editor de não utilizarem uma linguagem mais próxima do povo?

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