DE
Sandra R.G. Araújo (USP)
LÍNGUA ITALIANA COMO LÍNGUA MATERNA,
SEGUNDA LÍNGUA, E LÍNGUA ESTRANGEIRA
UMA BREVE DESCRIÇÃO
Segundo Balboni, (1994) o italiano como língua materna seria a “língua nacional” falada na Itália mesmo com suas variedades regionais.
A língua materna, afirma o teórico, é aquela aprendida primeiro pelo indivíduo, é seu instrumento primário com o qual ele, indivíduo, constrói seus pensamentos e a usa para a expressão profunda do próprio eu.
Existem, segundo Balboni, duas acepções para a expressão “segunda língua”. A primeira define segunda língua como toda língua adquirida pelo indivíduo que não seja a sua primeira língua ou língua materna. Nesse sentido, pode-se fazer referência à “segundas línguas”, já que, dentro desta acepção não há diferenças entre língua estrangeira, e segunda língua.
A segunda acepção, defendida pela maioria dos estudiosos da área, o italiano é considerado segunda língua quando é ensinado a falantes não italófonos e quando o processo de ensino e aprendizagem ocorre em um contexto no qual o italiano é usado como língua de comunicação quotidiana. Já a língua estrangeira, para o teórico, é a ensinada em um contexto no qual ela não exista, a não ser na escola, ou de forma ocasional em alguns mass mídia.
Balboni considera italiano como língua estrangeira, o italiano ensinado na América, na Alemanha, na Austrália, etc, a estudantes que não sejam de origem italiana (grifo meu) ou que mesmo o sendo, não falam italiano no âmbito familiar e nem na comunidade cultural a que pertencem.
A INTERLÍNGUA NO PROCESSO DE ENSINO
E APRENDIZAGEM DE UMA SEGUNDA LÍNGUA
O estudo sobre a aquisição de línguas estrangeiras nasceu ligado à atividade dos professores, preocupados em encontrar uma metodologia adequada que lhes permitisse ajudar seus alunos a não cometer erros ao exprimirem-se em uma língua estrangeira.
Assim, a análise das produções lingüísticas dos discentes demonstrava-lhes que a língua por eles falada e escrita tinha características peculiares, idiossincrásicas, e que não correspondia nem à língua materna do estudante nem à língua que estavam aprendendo. Tal “língua” é geralmente conhecida com o nome de “interlíngua”, termo com o qual a generalizou Selinker (1972).
A interlíngua, para Selinker, constitui uma etapa obrigatória na aprendizagem e se definiria como “um sistema lingüístico interiorizado que evolui, tornando-se cada vez mais complexo e no qual o aprendiz possui intuições” Este sistema é diferente daquele da língua materna (L1) e daquele da língua meta ou língua estrangeira (L2).
Em outras palavras, os discentes permanecem por um bom período do processo de ensino-aprendizagem fazendo uso de uma “língua própria” que não é a sua e, tampouco, a L2. No caso específico do ensino-aprendizagem do italiano para brasileiros constata-se que os pontos de interseção que há entre os dois idiomas – o português, língua materna (L1) e o italiano, língua estrangeira (L2) – por um lado, favorecem algumas etapas do processo de ensino-aprendizagem, por outro, ocultam aspectos diferenciados que se manifestam de forma equivocada na produção lingüística dos discentes tanto nos níveis fonético, fonológico e ortográfico quanto no nível semântico dificultando, portanto, o pleno domínio da língua italiana como L2. A semelhança existente entre as duas línguas não implica necessariamente em facilidade de aquisição da L2, ao contrário, cria obstáculos durante o processo de ensino e aprendizagem, pois os discentes comumente, baseando-se nas semelhanças, não empregam o esforço necessário para efetuar uma aprendizagem adequada.
FENÔMENOS
DO CONTATO LINGÜÍSTICO
ATRITO OU EROSÃO
O conceito de atrito ou erosão, aqui apresentado, baseia-se no estudo de Anna de Fina (2000) sobre mudanças morfossintáticas e lexicais do italiano falado no México.
A autora define atrito como sendo “o efeito de uma L2 adquirida em um segundo momento na L1 do falante”. De fato, sua observação parte de premissas sobre os processos que levam as línguas dos imigrantes a transformarem-se até tornarem-se variedades mistas, produzindo sistemas diferentes quer da L1, originária dos falantes, quer da L2 com as quais eles entram em contato nos países hóspedes. O contato entre dois sistemas diferentes faz com que o falante misture as duas línguas, quer a nível fonológico, quer a nível morfossintático e ou lexical. Com isso, a segunda língua termina por produzir interferências (grifo meu) e provocar mudanças na língua materna. Tal feito, para a autora, seria uma estratégia mais ou menos consciente de enriquecimento lexical, de compensação, de eficácia comunicativa ou de variação estilística. Esta estratégia, como afirma, é a mesma que leva à adoção generalizada na L1 de palavras da L2, como empréstimo.
Segundo Seliger (SELIGER, 1991: 21 in fine):
“O domínio das relações entre línguas pode mudar a tal ponto que a língua materna, é enfraquecida pelo aumento da freqüência de uso e de funcionalidade da segunda língua.” (tradução minha)
O teórico afirma, ainda, que tais fenômenos se apresentam em um estado avançado de bilingüismo, quando a L2 aprendida pelo bilíngüe começa a interferir na L1.
Portanto, a interlíngua e o atrito entre línguas, nascem do contato e do aprendizado entre e de línguas: quando o falante ao aprender uma língua estrangeira -L2 – leva para este novo sistema a estrutura de sua língua materna -L1- como estratégia de aprendizagem; ou quando o falante ao adquirir uma segunda língua -L2- dentro de uma comunidade cultural que fale essa mesma língua – país hóspede – a assimila de tal forma que essa passa a interferir na produção lingüística de sua língua materna -L1-.
Cabe destacar, pois, que apesar da diferença de conceitos, a língua portuguesa quer como língua materna, quer como segunda língua, interferirá na produção lingüística dos sujeitos deste breve estudo.
O USO
INCORRETO DO PASSATO PROSSIMO
NA PRODUÇÃO LINGÜÍSTICA DE APRENDIZES
DE ITALIANO E DE IMIGRANTES ITALIANOS: ERROS
E POSSÍVEIS INTERFERÊNCIAS DA LÍNGUA PORTUGUESA
Os sujeitos deste estudo, são discentes do curso de Italiano do CEL[1] da cidade de São José dos Campos e imigrantes italianos da cidade de Pedrinhas Paulista ambas do estado de São Paulo.
A reflexão será feita, partindo-se da produção lingüística – escrita e oral – dos sujeitos em questão: para os discentes do CEL, foram examinadas as redações e, no que se refere aos imigrantes italianos de Pedrinhas, a sua oralidade. O objeto de análise é o uso incorreto do passato prossimo[2] nessas produções lingüísticas e as possíveis interferências da língua portuguesa, durante o uso.
Os textos produzidos pelos discentes do CEL fazem parte de atividade complementar que tem como objetivo levá-los a discorrer sobre o que fizeram no fim de semana e, com isso, fazê-los empregar este tempo verbal.
A produção oral dos imigrantes de Pedrinhas é feita de entrevistas deixadas a uma pesquisadora, em que relatam sua vinda ao Brasil e os momentos de adaptação ao novo país. Em ambos os casos, os relatos são sempre em primeira pessoa do singular e “funcionam” como uma espécie de desabafo ao interlocutor: professora e pesquisadora. Vale destacar que, em nenhum dos casos, os sujeitos sabiam que sua produção lingüística seria analisada, portanto, houve por parte deles total espontaneidade.
No que concerne o corpus do trabalho, o uso do passato prossimo, pôde-se observar o seguinte:
a) uso incorreto dos auxiliares essere e avere;
b) quando do auxiliar essere a falta de concordância com o sujeito;
c) a falta de gênero e de marca de plural no particípio passado com o auxiliar essere;
d) particípio passado inexistente na língua italiana;
e) uso do pretérito perfeito em português.
Para tanto, escolheu-se fragmentos de três textos de discentes do CEL-identificados abaixo com a sigla IA (informante aprendiz) e fragmentos de duas entrevistas de imigrantes – identificados com a sigla Ii (Informante imigrante) – de Pedrinhas.
O uso incorreto dos auxiliares essere[3] e avere[4]
“...siamo cominciati
“...Domenica
E
“...E abbiamo partito dalla
“...Sabato pomeriggio
Os
Os
“...quella
“...noi hanno fatto
E
“...è passato tre quattro suore
poverine no’ so se
“...dopo il pranzo io e mia sorella
I
americani ha buttato ... –
O
no
“...siamo rimasto io e mia moglie qui c’abbiamo alzato alle cinque...” (Ii 2)
“...io
E
...”mia figlia e mio genero erano andato
a passeggiare a
...”mio
No
Somando-se
à
“...g’ho
“...la
E
“...il fucile che
“...Tutti hanno gostato della mia
“... lui che è andato ha gostato moito ...” (IA 1)
Os
O
No
O
“...ho conseguiu na Svizzera
ma
“...Foi
E
“..Eli viu neh
“...Fiz
De
BALBONI, Paolo E. Didattica dell’italiano a stranieri. 5ª ed. Roma: Bonacci, 1994.
CABRAL, L.S.
DECAMP, David. A
DE
––––––. Attrito
FERNÁNDEZ, Sonsoles. Interlengua y análisis de errores. Madrid: Edelsa, 1997.
SELINKER, L. Interlanguage. IRAL, 10: 209-231, 1972.
[1]
CEL –
[2]
O passato prossimo na
[3]
É usado
[4]
É