A
fantástica
Navigatio sancti Brendani
Airto Ceolin Montagner (UERJ)
Para
nós,
ele é
conhecido
como
São Brandão. Na
realidade, Brendan
ou Brandan foi
um
monge irlandês nascido
por
volta de 485. Viveu 93
anos. De
família
nobre, recebeu
educação de
elite.
Desde a
infância, os
clérigos irlandeses ensinam-lhe as
letras –
latim,
grego,
literatura – e as
ciências:
matemática,
astronomia,
medicina.
Como os
demais
jovens do
seu
país, adestrou-se nas
artes da
caça e da
pesca.
Decidiu
tornar-se
monge, ingressando no
mosteiro de Lancavar, no
País de Galles.
Ali, torna-se
abade, substituindo Cadoc,
seu
superior.
Por
volta de 561,
funda o
mosteiro de Clonfert, no
condado de Galway.
Brendan,
todavia, torna-se
notável pelas
viagens marítimas
que empreendeu. Naquele
tempo,
numerosos
monges,
praticantes do
ascetismo e das mortificações, tinham o
hábito de se
instalar
em
qualquer
ilhota
deserta,
mar
adentro.
Um desses
era Mernoc.
Por
volta de 520, Brendan empreende
sua
primeira
grande
viagem, dizem, à
procura de Mernoc.
Chega às
ilhas Feroe e à Islândia,
terra de
geleiras e
vulcões.
Tempos
depois,
acompanhado de quatorze
monges, realiza outras
viagens
para o
sul e
para o
oeste, a
partir da Irlanda. Na
direção
sul, teria
descoberto as
Ilhas Canárias,
além do
Arquipélago dos Açores, apontado
em
vários
mapas
medievais
como “ilhas
afortunadas de
São Brandão”.
Navegando
para o
oeste, teria
chegado à
Terra
Nova e às Antilhas. Desta
maneira, teria
descoberto a América
dez
séculos
antes de Cristóvão Colombo.
A
realidade dessas
viagens confunde-se
com o
imaginário dos
viajantes e
com o
folclore irlandês.
Para
muitos, Brendan estava à
busca da
Ilha Prometida,
ou seja, a
Ilha do
Paraíso,
que,
segundo a
lenda, ficava
em
algum
lugar do
Oceano
Atlântico.
Assim, Brendan partiu da Irlanda
em 565 e teria desembarcado numa
ilha
em
alto
mar, batizando-a de Hy Brazil,
que significaria
Terra Abençoada
ou
Afortunada. A
partir de
então, a
idéia
que se
tinha do “Brazil”
era a de uma
ilha
que povoava a
imaginação
medieval
com as
coisas exóticas
que
ali teriam sido encontradas. Deste
modo, a
palavra “brazil” teria
origem
gaélica e
que,
segundo Carl Selmer, assume diversas
formas nas
fontes cartográficas editadas
antes de
mil e quinhentos: Brazil, Brasil, Bersil, Brazir,
O’Brazil, O’Brassil. O
sentido
gaélico da
palavra é ‘afortunado’
ou,
ainda, ‘encantador’. O
nome
não estava,
pois,
associado à
madeira
cor de
brasa, o
pau-brasil.
Tal
associação é
bem
mais
tardia, uma
vez
que a
palavra é encontrada,
segundo
texto de
responsabilidade de Rosane Volpato (www.caradobrasil.
com.br/artpert/lendas/lendasbrasil.htm),
num
tratado
comercial assinado
em 1193
entre o
duque de Carrara, na Itália, e
um
seu
vizinho,
onde se inclui a
expressão “grana de
Brasil”,
grãos de Brasil.
Em
outros
documentos a
palavra brasil refere-se
ou a
um
tipo de
madeira,
ou a
algo
que se carrega
em
caixas de
madeira.
A
Navigatio Sancti Brendani teve,
entre os
séculos X e XV,
extraordinária
divulgação.
Segundo Pierre Bouet (1986: 16), constam
mais de
cento e vinte
manuscritos dessa
obra.
O
texto
mais
antigo da Navigatio
data do
século IX. Foi
escrito
por
um
monge irlandês, de
nome
desconhecido, refugiado no
monastério de Lotharingie, situado
entre o Mosa e o Reno.
Outros
manuscritos
antigos do
século X foram copiados
por
abades
germânicos
em Trèves, Ratisbonne e Tegernsee. Seguiram-se
múltiplas
adaptações e
traduções
em
línguas
romances. Dessas, a
mais
célebre e
detalhista é a Voyage de Saint Brendan,
levada a
cabo
por
um
clérigo de
nome Benedeit
em 1120,
em
dialeto anglo-normando.
Provavelmente, o
texto princeps do
século IX retoma
narrativas
escritas e
orais
anteriores, integrando
elementos tradicionais do
folclore dos
viajantes do
mar. Algumas
pesquisas revelam
que Brendan, na
realidade, realizara duas
viagens. Uma
com
duração de
cinco
anos,
outra de
três. A
narrativa da Navigatio,
porém,
forma
apenas uma,
repleta de
episódios
mais
ou
menos
fantásticos. Nisso, pode-se
traçar
um
paralelo
com a
literatura
oral irlandesa
que oferece numerosas
narrativas lendárias,
como,
por
exemplo, as
viagens de Bran e as de Maeldun
ou Mael Duin,
cujos
resumos
vê a
seguir.
Bran,
filho de Febal, é o
herói do
mito de
viagem
mais
famoso da Irlanda.
Sua
grande
navegação começou
quando
ele encontrou
um
ramo de
prata
coberto
por
flores brancas. Reuniu a
família, mostrou-lhes o
ramo, e, de
repente, ficou abismado
ante o
aparecimento de uma
linda
mulher.
Com
voz
suave,
ela cantou
para
todos as
maravilhas
que havia
para
além do
mar,
em
ilhas grandiosas,
maiores
que a Irlanda. Eram
ilhas habitadas
por belas
mulheres
que
não conheciam
nem a
dor,
nem a
tristeza,
nem a
morte.
Lá,
todos eram
felizes.
Quando a
mulher
bela se calou, desapareceu misteriosamente, levando
consigo o
ramo de
prata.
No
dia
seguinte, Bran reuniu vinte e
sete
parentes e iniciou
sua
navegação. O
primeiro
ser
que encontraram foi Manannan Mac Lir,
deus do
mar,
que conduzia
seu
carro
sobre as
ondas. Apressou-se
em
informar aos
heróis irlandeses
sobre as
maravilhas
que os esperavam. Foi
então
que o
mar apresentou-se
como uma
planície de
flores e
um
pomar
repleto de
árvores frutíferas. O
barco alcançou a
Ilha da
Alegria,
onde a
tripulação riu
tanto
que
todos
mal podiam manter-se de
pé. Navegaram, a
seguir,
para a
Ilha das
Mulheres. Uma
mulher belíssima apresentou-se
como
chefe, convidando-os
para o
desembarque.
Receosos, os
nautas recusaram-se a
desembarcar,
mas a
bela
chefe lançou
para Bran
um
novelo
cuja
linha grudou-se
em
seus
braços e o arrastou
para
terra, no
que foi
acompanhado
pelos
companheiros. Encontraram
leitos
macios,
comidas deliciosas e uma
agradável
vida. Pareceu-lhes terem ficado
ali
pouco
tempo,
todavia
muitos
anos se passaram
sem
que
eles tivessem percebido.
Um dos
marinheiros, no
entanto, sentiu
saudades da
família e pediu a Bran
para regressarem. A
rainha das
mulheres adverte Bran de
que
eles
não deveriam
mais
pôr os
pés
em
terra.
Tendo
regressado, Bran deu-se
conta de
que
ninguém o reconhecia,
mas tinham
ouvido
falar dele
como uma
figura
lendária
que havia embarcado há
muitos
séculos. Deu-se
conta o
herói do aviso
que
lhe
fora
dado
para
não pisarem
em
terra. Foi
então
que se tornou
um
monte de
cinzas,
visto
estar
morto há
muitos
séculos.
A
outra
viagem é a de Maeldun. Meldun
era
filho de uma
freira estuprada
por
um
príncipe
por
ocasião de uma
invasão
bélica na Irlanda.
Quando ficou
adulto,
sabedor da
sua
linhagem, partiu
em
busca do
pai,
mas
logo fica sabendo
que
ele
tinha sido
morto.
Deseja
então
vingar a
morte do
pai. Aconselhado
por
um
sacerdote
druida
sobre a
época
mais
propícia
par
navegar, lança-se ao
mar numa
embarcação de
peles de
animais.
Acompanhado de dezessete
marinheiros,
parte
em
longa e
estranha
viagem de
vingança.
Maeldun e
seus
marinheiros chegaram
primeiro à
ilha dos
homicidas,
mas
nenhum deles
era o
assassino do
pai. Navegaram
até
outra
ilha, habitada
por
formigas
gigantes, do
tamanho de
um
cavalo,
que devoraram
alguns
marujos e o
barco. Na
ilha
seguinte,
onde havia
grandes
pássaros, foram ajudados
por
eles na
provisão dos
alimentos
para a
viagem. Aportaram
em duas
ilhas
onde havia
cavalos monstruosos e perigosos, donde fugiram
para a
Ilha da
Casa do
Salmão. Numa
casa
deserta, encontraram a
mesa
posta e
camas
confortáveis à
espera.
Um
engenho jogava periodicamente
salmões do
mar
para a
casa, garantido-lhes
provimento
fresco
todo
dia. A
ilha
seguinte
era recamada de
pomares de
maçãs. Nas
ilhas
seguintes, começaram de
novo a ameaçá-los
animais
fantásticos:
um
gato misterioso,
porcos flamejantes,
porcos
imensos, novilhas gigantescas,
ovelhas
que mudavam de
cor a
seu bel
prazer. Numa das
ilhas encontraram
um
velho
moleiro
que moía todas as
coisas
que causavam
inveja no
mundo.
Outros
encontros
maravilhosos incluem: uma
ilha dividida
em
quatro
reinos
por
cercas de
ouro,
prata,
bronze e
cristal;
um
castelo
com uma
ponte de
vidro
onde vivia uma
bela princesa
que recusou os
favores de Maeldun; uma
fonte encantada donde brotavam
cerveja,
vinho e
leite;
um
mar de
nuvens donde emergiam
castelos,
florestas,
animais e
um
monstro
terrível;
ferreiros
gigantescos; uma
ilha profética
debaixo d’água; uma
enorme
coluna e uma
rede de
prata; uma
ilha
inacessível no
alto de uma
coluna; o
dom da
eterna
juventude numa
ilha habitada
por uma
rainha e
suas filhas;
chamas
que
nunca se extinguiam e
um
eremita
que se alimentava dos
salmões
que uma
foca
lhe servia e
pedaços de
pão fornecidos
pelos
anjos. Maeldun descobre
enfim a
ilha dos
assassinos de
seu
pai,
mas
estes
lhe pedem
perdão e a
paz é selada.
Não há
dúvida de
que a Navigatio,
além dessas
influências de
fundo
lendário,
também sofre
influências
tanto da
literatura
greco-romana
quanto da
literatura cristã. Daquela advém a centralidade da
figura do
herói. Na Eneida, de Vergílio, vemos o
herói Enéias enfrentando os
trabalhos de uma
penosa
viagem
marítima e o
encontro
com o
maior dos
perigos:
adentrar o
mundo de Hades a
fim de
reencontrar o
pai Anquises e pedir-lhe
conselhos.
Dois
epítetos assinalam a
trajetória desse
herói: o de pater e o de pius. Da
literatura cristã provêm as
visões dos
profetas,
como as Isaías e Esdras
ou as do
Apocalipse. A Navigatio tem
como
herói a
figura de Brendan,
cuja areté assinala a
fé
inabalável
em
Deus,
que afasta
todos os
perigos e
salva
em
qualquer
circunstância.
Venerabilis autem pater cum suis sodalibus
navigavit in oceanum, et ferebatur
per
quadraginta dies navis. Quadam
vero die
apparuit illis bestia immense magnitudinis post illos a
longe,
que iactabat
de naribus spumas et sulcabat undas velocissimo cursu quasi ad illos devorandos.
Cum hoc fratres vidissent, ad Dominum clamabant, dicentes: “Libera
nos, Domine,
ne
nos devoret
ista belua”.
Sanctus
vero Brendanus
confortabat illos, dicens: “Nolite exspavescere, minime fidei.
Deus, qui est
semper noster
defensor, ipse
nos
liberabit de ore istius bestie et de ceteris periculis”.
Brandão
aparece
como
pai e
como
piedoso, no
sentido
cristão. Compadecido, exorta os
companheiros à
fé
que
salva.
A
Navigatio
A
Navigatio
começa
com Barinthus,
um
abade irlandês, narrando a Brendan
sobre uma
viagem
que fizera
através do
Oceano
até
encontrar a
Terra repromissinonis Sanctorum, uma
espécie de
ilha do
Paraíso. Admirado
com o
feito, Brandão escolhe quatorze
monges e decide
construir uma
nave e
tentar
experiência
similar.
Após
jejuar
por quarenta
dias, carrega o
navio
com
víveres
para
mais quarenta
dias.
No
momento da
partida,
três
monges
que
não
tinha sido escolhidos suplicam a
São Brandão
que os
leve
também. Brandão aceita-os,
mas profetiza
que
seus
destinos
serão
diferentes dos
demais
monges,
pois
jamais haverão de
voltar à Irlanda.
Após navegarem quarenta
dias, chegam a uma
ilha
selvagem.
Durante
três
dias, navegam
em
volta dela à
procura de
um
porto,
até
que encontram
um
lugar
acessível
para
um
só
navio.
Após Brandão
ter
abençoado a
entrada,
todos desembarcaram,
sob a
recomendação de
nada levarem dali. E começaram a
percorrer
alguns
caminhos.
Eis
que surge
um
cão,
que se aproxima
festivamente do
santo,
como
um
bom
presságio. Seguem o
cão,
que os conduz
até
um
grande
castelo.
Não havia
ninguém
ali. Encontram,
todavia,
para
espanto de
todos, uma
grande
sala provida de
leitos e de
cadeiras, tendo ao
lado uma
bacia
para lavarem os
pés. As
paredes estavam decoradas
com
vasos
em
metal
pendentes,
com
freios
para
cavalos e
chifres ornados
com
prata. Instalam-se no
recinto e Brandão adverte os
irmãos
para
que
não cedam às
tentações de Satanás,
pois
ele o
vê incitando
um dos
três
irmãos a
cometer
um
furto
espantoso. Pede a
todos
que orem
pela
sua
alma,
pois a
carne
já cedeu ao
poder de
satã. A
seguir, Brandão pede ao
monge
que costumava
servir o
pão aos
irmãos
para
que sirva o
que
Deus
lhes mandou. Encontraram a
mesa
posta
com
toalhas brancas,
pães
individuais admiravelmente
brancos,
peixes e o
que
beber. Brandão abençoa a
refeição: “Qui dat escam omni carni, confitemini Deo celi”
(Rendei
graças ao
Deus do
céu
que dá
alimento a
toda
carne).
Após a
refeição,
todos se acomodaram,
cada
um
em
seu
leito.
Quando
todos
já dormiam,
São Brandão viu o
demônio,
sob a
forma de
um
menino
etíope, segurando
um
freio
com a
mão e dançando (iocabat)
diante do predito
irmão. Brandão se levanta e
ora
durante
toda a
noite
até
surgir o
dia. Livra-o da
possessão demoníaca,
mas o
irmão acaba morrendo,
após
receber a
Eucaristia.
Ali permaneceram
durante
três
dias e
três
noites, nutrindo-se do
que
Deus
lhes preparou. No
momento do
embarque, aparece
um
jovem
que
lhes oferece
pão e
água
para a
viagem.
Este
episódio
revela-nos
alguns
elementos
ligados ao
fantástico. O
cão é o
mensageiro
dotado dos
poderes de uma
vontade
superior
para
levar os
heróis ao
lugar
encantado. O
castelo,
estranho e
deserto, é o
espaço mítico.
Lá se
encontra a
mesa
posta
com
lugar
reservado
para
cada
um dos
monges.
Suas
paredes contêm
objetos
ambíguos
como
um
freio e
um
chifre. O
freio, de
princípio
inofensivo,
torna-se
objeto
símbolo do
Mal, utilizado
por
Satã. A
noite é o
momento
em
que as
forças do
Mal entram
em
luta
com as
forças do
Bem.
Satã
encarna-se na
figura de
um
menino
etíope,
ameaçando os
monges.
Enquanto os
monges se
perturbam
com a
estranheza
do
lugar, Brandão
permanece
alheio a essa
atmosfera.
Até
mesmo
contribui
para
que
ela se torne
ainda
mais
apavorante ao
evocar a
figura do
demônio. Deste
modo, o
castelo
não é
um
lugar de
paz,
um
templo
em
que
deus
manifesta
seus
milagres,
mas
um
lugar
onde se
manifestam as
forças
superiores do
Mal e do
Bem.
A
ceia evoca
correspondências bíblicas, constituídas de
pão e
peixe,
símbolos de
Cristo nas
origens do
cristianismo. Brandão a abençoa,
como o fizera Jesus.
Enquanto os
companheiros dormem,
ele
vela
sobre
eles permanecendo
em
oração, o
que pode
ser
entendido
como uma
alusão à
atitude de
Cristo no
Monte das
Oliveiras.
Brandão
aparece
como abbas,
que
em
hebreu significa
pai.
Ele os protege do
maléfico
Satã. Observa-se
ali a
oposição
entre a
opus dei ... orare e a
opus diaboli ... iocare.
A
viagem continua
até alcançarem
outra
ilha. Ao aproximar-se dela, a
embarcação entra
em
pane. A
noite se aproxima,
mas os
marinheiros saltam na
água e conseguem arrastá-la
até a
praia. Trata-se de uma
ilha
deserta,
cheia de
rochas cinzentas.
Ali passam a
noite,
mas Brandão permanece no
barco. De
manhã,
após cantarem a
missa, desembarcam
carne e
peixes
para uma
refeição. Acendem uma
fogueira,
mas
com o
calor das
chamas a
ilha
começa a
tremer e
afundar.
Não
era uma
ilha,
mas Jascônio,
um
imenso
peixe, o
primeiro
entre
todos no
oceano. Brandão salva-os das
águas, estendendo-lhes a
mão, puxando-os
para
dentro do
barco. Revela-lhes
que permanecera no
barco,
pois
Deus,
através de uma
visão, revelara-lhe
que Jascônio
era
um
enorme
peixe
que tentava continuamente
tocar
sua
cauda na
cabeça,
mas
sem
conseguir
em
função do
enorme
talhe.
Chegam
então à
ilha dos
pássaros.
Diferentemente
das
harpias
que atacaram
os eneades,
tais
pássaros eram
pacíficos.
Um deles,
que parecia
ser o
líder, põe-se
a
falar e revela
que
todos
ali eram
anjos
decaídos.
Todavia,
como
seu
pecado
não
fora o de
orgulho,
Deus os
colocou naquela
ilha
por
algum
tempo.
Profetiza
que Brandão
ainda viajará
durante
seis
anos.
Partem,
navegam
ainda
durante
três meses
até chegarem a uma
terceira
ilha
onde vinte e
quatro
monges estavam a
celebrar a
festa
em
honra do
seu
pai
fundador,
São Elbo. O
abade do
convento
mostra a Brendan os
milagres
que
Deus opera
para
eles,
como,
por
exemplo, uma
fonte de
água
quente
para o
banho,
tochas
que se acendem
por
si mesmas.
Após
novo
périplo, chegam a uma
ilha
pantanosa. Os
monges bebem da
água de
um
riacho e caem
em
profundo
sono. E
assim permanecem
durante
três
dias. Partindo, encontram
grande
calmaria, obrigando-os a remarem
durante vinte
dias,
até chegarem à
ilha dos
carneiros,
onde celebram a
Páscoa. Acessam
novamente a
ilha dos
pássaros e partem
para o
alto
mar.
Após quarenta
dias, encontram no
seu
curso
um
monstro
marinho
que
vinha na
direção dos
marinheiros
como se fosse devorá-los. Apavorados, os
monges invocam o
nome de
Deus. Brandão exorta-os
sobre a
pouca
fé e
ora: “Domine, libera
servos tuos, sicut liberasti David de manu Golie
gigantis. Domine, libera
nos, sicut liberasti Ionam de
ventre ceti magni” (Senhor,
livra
teus
servos,
assim
como livraste Davi das
mãos do
gigante Golias.
Senhor, livra-nos,
assim
como livraste Jonas do
ventre da
grande
baleia).
Acabada a
prece,
eis
que surge do
ocidente
outro
monstro
que se arremessa
sobre a
besta
que os ameaçava, travando
terrível
combate.
Ante o
milagre,
São Brandão
fala aos
seus:
Videte, filioli, magnalia Redemptoris
nostri. Videte obedienciam bestiarum criatore suo.
Modo expectate
finem
rei. Nihil
enin ingerit vobis hec
pugna mali,
sed pro gloria Dei reputabitur. (Bouet,
1986: 40).
(Vede, filhinhos, as
maravilhas do
nosso
Redentor. Vede
a
obediência dos
animais ao
seu
criador.
Aguardai
somente o
fim da
luta.
Este
combate
não
vos causará
nenhum
mal,
mas
manifestará a
glória de
Deus.).
Ditas essas
palavras, a
besta
miserável
que perseguia
os
servos de
Cristo sofre
um
golpe
que a divide
em
três
pedaços.
Estavam
salvos.
No
dia
seguinte,
encontraram uma
ilha
cheia de
árvores. Ao se
aproximarem da
praia, viram
um
pedaço da
besta
que queria
devorá-los.
São Brandão
declara: “Ecce,
que voluit
vos devorare.
Ipsam devorabitis.
Vos
expectabitis multum tempus in hac insula” (Eis
aquela
que quis
devorar-vos. Devorá-la-eis. Ficareis nesta
ilha
muito
tempo).
Percorrendo
novamente o
mar, chegam a
uma
ilha
cujos
habitantes
passam o
tempo
todo cantando
glórias a
Deus. O
segundo dos
três
monges vindos
além da
conta, permaneceu na
companhia
daqueles.
Após navegarem
por
mais
algum
tempo,
descobrem uma
ilha
maravilhosa,
coberta de
árvores
frutíferas e recortada
por
seis
regatos.
Ali, fazem
provisões de
frutos,
grãos, raízes,
ervas e
água. Navegam
até a
ilha de
São Elbo,
onde celebram
o
Natal.
De
novo ao
largo,
são
repentinamente
atacados
por
um
grifo,
isto é, uma
ave
fabulosa e
imensa
com a
metade
posterior do
corpo de
leão e a
metade
anterior de
águia.
Esses
monstros
ambíguos
normalmente
simbolizam a
perversão
ou as
forças do
Mal no
mundo.
Eis
que o
grifo se
precipita na
direção dos
monges
com
suas
garras
aduncas,
prestes a
apanhá-los.
Mais uma
vez a
fé
inabalável de
São Brandão
salva os
servos de
Deus.
Eis
que aparece
outra
ave de
igual
tamanho e
com
incrível
velocidade lança-se
em
luta
contra o
grifo. Acaba
por
arrancar-lhe os
olhos. O
grifo
então voou
tão
alto
que
mal se podia
vê-lo.
Mas a
ave do
bem partiu
em
sua
perseguição
até
que o
grifo caiu
morto no
oceano,
próximo dos
monges.
Certa
vez, num
dia
muito
claro, o
apóstolo
celebrava no
navio a
festa de
São Pedro. O
mar estava
tão
límpido
que se podia
ver
até o
fundo, a
areia e os
abismos,
sobre os
quais
muitos
peixes
repousavam. Eram
em
tão
grande
quantidade
que causavam a
um
só
tempo
admiração e
medo.
Os
monges pedem
então a
Brendan
que reze a
missa
em
silêncio, a
fim de
evitar
que os
animais
marinhos o
escutem e se ponham a persegui-los. O
santo
abade sorri e
lhes diz
que
não temam,
pois o
Mestre
já demonstrara
anteriormente
sua
proteção e
que
agora
não seria
diferente. E
começou,
então, a
cantar
em
altos
brados. Ao
ouvirem
seu
canto,
qual Orfeu, as
criaturas
marinhas
nadaram
em
torno da
embarcação
para ouvi-lo e vieram
em
tão
grande
número
que
nada se podia
ver
além deles.
Terminada a
missa,
todos voltaram
para os
lugares de
origem.
Embora o
vento fosse
favorável, demoraram
ainda
oito
dias
para atravessarem o
límpido
oceano.
Certo
dia,
enquanto
celebravam a
santa
missa,
apareceu-lhes uma
enorme
coluna no
mar.
Era
mais
alta
que o
éter. Possuía
nas
bases algumas
aberturas
tão
grandes
que
por
elas passaria
o
navio.
Tinha a
cor da
prata,
mas
era
mais
dura
que o
mármore.
Era de
um
cristal
puro. Entraram
por uma das
cavidades a
fim de
admirar as
maravilhas do
Senhor. Ao examinarem o
seu
interior,
encontraram
um
cálice e uma patena da
mesma
cor da
coluna. O
homem de
Deus
interpretou o
fato
como sendo
um
prodígio
divino
para
que os
homens creiam.
Na
verdade, tratava-se do
encontro da
tripulação
com
um
grande e
alto
iceberg.
Seguindo
viagem
para os
confins do
mundo,
percebem uma
ilha de
aspecto
selvagem,
cujo
solo
era
coberto de
pedras e
escórias,
sem
árvores e
plantas. Havia
ali muitas
oficinas de
ferreiros.
Temerosos,
permanecem na
embarcação à
distância de
um
tiro de
pedra. Ouvem o
ruído dos
ferreiros
como
trovões e
choques de
martelos
batendo
sobre o
ferro.
São Brandão
toma da
cruz e
ora a Jesus
Cristo.
Eis
que aparece
um
habitante da
ilha.
Tinha o
corpo
peludo,
coberto de
chamas e de
cor
sombria.
Quando
este viu os
servidores de
Deus, correu
para
dentro,
mas
logo retornou.
Correu
até as
margens da
ilha e, segurando nas
mãos uma
espécie de
pinça, tomou
pedaços
enormes de
rocha
incandescente
e lançou-a na
direção da
embarcação. O
enormes
floco de
rocha
ígnea
passa
por
sobre as
cabeças dos
monges e cai
n’água,
fazendo erguer-se do
mar
fervura e
fumaça,
como se fosse
a
queda de uma
flamejante
montanha.
Quando os
monges
navegadores
puseram a
nau
em
fuga,
todos os
habitantes da
ilha vieram
até a
margem,
cada
um lançando
sobre os
servidores de
Cristo
sua
massa
flamejante.
Enquanto estas
caíam no
mar
efervescentes,
ouviam-se os
gritos
ululantes dos
habitantes da
ilha e chegavam
até as
narinas dos
monges
um
fedor
insuportável.
No
dia
seguinte,
viram, ao
longe, uma
montanha de
cujo
cimo saía uma
nuvem de
fumaça. O
vento empurrou-os
para
junto dela
rapidamente. O
desembarque
era
impossível,
pois a
falésia
era de
grande
altura.
Nem se podia
ver o
cume do
monte. O
terceiro dos
três
monges
que
ainda restava
saltou do
navio e nadou
até o
pé da
falésia. O
navio se
afastou,
levado pelas
ondas e
pelo
vento e o
pobre
infeliz foi
levado
pelos
demônios
ante os
olhos
espaventados dos
seus
companheiros.
Ao
longe,
afastando-se, os
marinheiros de
Cristo olhavam
a
montanha
que lançava
para o
alto
chamas
tão longas
que chegavam
até o
céu e
depois tornava
a engoli-las. E
eles navegaram
rumo ao
sul.
Depois de
sete
dias,
apareceu-lhes
algo parecido
com a
forma de
um
homem sentado
num
rochedo, à
flor d’água.
Uma
vela
estendia-se
diante dele,
pendida
entre duas
forcas de
ferro.
Agitava-se
enormemente
como
um
barco no
meio do
turbilhão.
Quando se
aproximaram, Brandão perguntou
quem
era
ele e
que
penitência
estava cumprindo. O
homem
lhe responde
que
era
Judas e
que
estar
ali se devia à
bondade do
Redentor
que,
sempre, no
dia do
Senhor, o deixava
ficar
sobre aquela
pedra. Os
ondas, subindo
até o
pescoço,
resfriavam-lhe o
corpo. E
ele sentia
alívio,
pois, no
resto dos
dias,
permanecia a
arder nas
chamas do
inferno,
que é
dentro daquele
vulcão,
cujos
demônios
acabaram de
engolir o
terceiro dos
monges.
Após
este
encontro
com
Judas,
que narra
seus
sofrimentos no
inferno,
abordam uma
ilha
onde vive
um
monge de
avançada
idade, o
qual se põe a
contar
lentamente
sua
história.
Viajam
depois
para
outra
ilha
onde
encontra
um
jovem
que os guiará
até a
ilha do
Paraíso.
Para
chegar
lá, navegam
durante
quarenta
dias. Ao
cair da
noite, as
trevas os
envolvem
totalmente.
Eram as
trevas
que envolviam
a
ilha
que
ele procurara
por
sete
longos
anos.
Depois de
navegarem nelas
cerca de uma
hora, uma
intensa
luz inunda
seus
olhos e o
navio atraca
na
margem.
Ao desembarcarem, vêem uma
terra
imensa e
coberta de
árvores
carregadas de
frutos
maduros
como se fosse
outono.
Percebem
que
ali
não há
noite. Comem
dos
frutos
que desejam e
bebem das
águas de
frescas
fontes.
Durante
quarenta
dias percorrem
aquela
terra,
até
que chegam a
um
grande
rio. Desejam atravessá-lo,
mas
não podendo,
nutrem
secretamente
esse
desejo.
Eis
que aparece
um
jovem
que os saúda
com
imensa
alegria,
chamando
cada
um dos
monges
pelo
nome. Explica
a
São Brandão
que esta
era
realmente a
terra
pela
qual
procurara, a
Terra
repromissionis Sanctorum.
Deus
não
lhe permitira
tê-la encontrado, a
fim de
que
ele pudesse
revelar
seus
diferentes
segredos
que se
encontram no
oceano.
Aconselha-o a
retornar à
terra
onde nascera,
levando
frutos e
pedras
preciosas o
quanto pudesse
o
navio
receber. Está chegando o
dia da
última
viagem e
Brendan dormirá no
país dos
seus
ancestrais.
Esta
terra será de
todos
aqueles
que seguem a
Cristo. O
rio
pertence à
terra.
Ela é
rica
em
frutos e
permanecerá
para
sempre
sem as
sombras da
noite. A
luz
que
brilha é
Cristo.
Brendan e
seus
monges
embarcam, levando
frutos e
pedras
preciosas. Atravessam as
trevas e rumam
para a
ilha das
Delícias,
donde retornam a
seu
país. Brandão
narra
suas
aventuras a
seus
co-cidadãos e,
pouco
tempo
depois, morre.
Brendan viaja
por
sete
anos
em
busca do
Paraíso. O
episódio
narrado revela
que o
Paraíso é
um
lugar
inacessível,
ou de uma
peregrinação
difícil.
São quarenta
dias de
navegação,
que se
aparenta
com os
quarenta
dias da
quaresma e aos
quarenta
dias
que Jesus
passou no
deserto.
Muitas
provas foram
necessárias,
mas
passar pelas
trevas exige a
presença
indispensável
do
mensageiro de
Deus.
Ao
mesmo
tempo,
para
chegar ao
Paraíso é
necessário
um
aprendizado,
que emana de
Deus.
Ele
nos revela os
diferentes
segredos
ocultos no
grande
oceano,
metáfora da
vida.
O
Paraíso
aparece
como uma
restauração do
Jardim do
Éden: é
um
país de
luz
sem
fim,
onde
não se
conhecem as
trevas; ao
mesmo
tempo
não tem
limites; a
abundância vem marcada
pela
presença das
fontes, do
rio, dos
imensos
pomares de
árvores
frutíferas;
ali
também
reina a
fraternidade e
a
alegria.
Cada
um é chamado
pelo
próprio
nome. Se
por
um
lado o
texto retoma a
inspiração bíblica do
livro do
Gênesis, de
outro
lado
também evoca a
idade de
ouro,
presente nas
literaturas
antigas.
A
missão
que o
Anjo do
Senhor traz
para Brandão é a de
que
Deus desejou
fazê-lo
descobrir os
múltiplos
segredos
que se
encontram no Oceanus magnus, o
Oceano
Atlântico. O
sentido da
volta de
Brandão à
terra
nativitatis é o de
testemunhar aos
homens a
glória de
Deus. Os
frutos e as
pedras
preciosas
que deve
levar do
Paraíso
serão a
prova disso.
O
retorno se dá
sem
incidentes.
Muitos
monges
serão
incentivados a
também
buscarem o
Paraíso.
Com
certeza, o
misticismo dos
monges
celtas pôde
nutrir essas
narrativas
fantásticas,
que foram
acrescidas de muitas
experiências
marítimas de
outros
navegadores da
terra de Bran.
BIBLIOGRAFIA
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Caen: Presses Univesitaires de Caen, 1998.
COTTERRELL, Arthur.
Enciclopédia
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mitologia.
Lisboa:
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