O
lugar
e a
vez
da
literatura
paradidática
na
sala
de
aula
de e/le
Ana
Cristina dos
Santos
(UERJ e
UVA)
Léa de Sousa
Campos
de Menezes (UVA)
Uma
língua
abandonada
pelos
seus
escritores
estaria ameaçada de
perder
seu
estatuto.
As
obras
apenas
passam
pelo
canal
da
língua,
mas
cada
ato
de
enunciação
literária,
por
mais
irrisório
que
possa
parecer, vem
fortalecer a
mesma
em
seu
papel de
língua
digna
de
literatura, e,
além,
de
simplesmente
língua.
Longe
de
levar
em
consideração
uma
hierarquia
intangível, a
literatura
contribui
para
constituí-la, reforçá-la
ou
enfraquecê-la. (MAINGUENEAU, D. O
contexto
da
obra
literária,
p. 103)
Considerações
iniciais
O
ensino de
língua,
tanto a
materna
como a
estrangeira
em
todos os
níveis de
escolaridade,
deve
estar centrado na
natureza
sociointeracional da
linguagem.
Entende-se
por
natureza
sociointeracional da
linguagem a
construção e a
desconstrução
plural de
sentidos
obtidos
através do
uso
que fazem
seus
enunciadores
nos
diferentes
contextos:
histórico,
cultural e
social. Nesse
aspecto,
fornecer aos
alunos as
ferramentas
necessárias
para
compreender a
função da
língua
como
instrumento de
produção de
significados
no
mundo
social é
muito
mais
importante
que
ensinar os
conteúdos
gramaticais e
lexicais
com
um
fim
em
si
mesmos.
O
modelo sociointeracional
da
linguagem vem
sendo discutido
através dos
respectivos
PCN’s dos
níveis
fundamentais e
médio, o
que
não se estende
ao
nível
superior de
ensino de
língua
estrangeira de
forma sistematizada. O
ensino
ainda se
pauta
por
parâmetros
tradicionais, privilegiando os
conteúdos
sistêmicos da
língua
em
detrimento do
conhecimento
da
organização
textual e do
conhecimento
de
mundo,
previstos
nos PCNs,
quando na
realidade deveria
integrá-los.
Mesmo
quando a
práxis
docente
envereda
pelo
caminho da
integração dos
três
conhecimentos,
a
opção se
restringe à
seleção de
discursos de
tipologias
específicas:
jornalísticos,
de
propaganda,
canções
ou
entrevistas,
muitas
vezes
para
atender as
propostas do
enfoque
comunicativo
de
ensino de
língua
estrangeira –
desconsiderando,
porém, as
marcas
inerentes a
cada
organização
textual. Essa
limitação
tipológica,
associada à
proposta de
atividades
que ignoram a
organização do
texto, subtrai
do
aluno o
conhecimento
da
função
social
inerente a
cada
um dos
discursos.
Além do
mais, impede o
contato
com outras
tipologias
discursivas
que
não deixariam
de
atender as
propostas do
enfoque
comunicativo,
já
que
são
mostras
autênticas de
língua.
Com
freqüência,
essa
práxis
denuncia
um
preconceito
ou
despreparo
docente
em
relação a uma
ou
outra
tipologia,
como é o
caso do
texto
literário.
Proscrito da
sala de
aula de
língua
estrangeira
ou
alvo de
críticas,
quer
por
sua
complexidade,
quer
pela
suposta
incompatibilidade
com os
objetivos
metodológicos,
via de
regra o
texto
literário é
sub-utilizado, transformando-se
em
pretexto
para o
ensino de
língua
estrangeira.
A
literatura
como
recurso
didático
É
lugar
comum
na
prática
pedagógica
de
língua
estrangeira
que
os
objetivos
a serem abordados
em
sala
de
aula
devem
enfocar
e entrecruzar os
conteúdos
lingüísticos,
históricos,
culturais e
sociais
entre
outros.
Esta
reflexão
propicia
um
questionamento
no
que
concerne à
ausência
de
atividades
com
textos
literários
neste
contexto,
uma
vez
que
a
sua
dimensão
dialógica
permite uma
abertura
a
esses
diversos
conteúdos.
As
propostas
com os
textos
literários
não vislumbram
essas possibilidades; detém-se
apenas
nos
conteúdos
lingüísticos e
culturais.
Não se propõem
atividades
que analisem
as
suas
particularidades
tipológicas
ou os
seus
aspectos
estilísticos,
que ressaltem
o
valor
estético do
discurso
literário e
mostrem
que o
enfrentamento
com
este
tipo de
texto exige a
aplicação de
estratégias
peculiares e,
em
certa
medida,
diferentes das
utilizadas
em outras
tipologias.
Transforma-se,
pois, o
texto
literário
em
mais
um
recurso
para a
prática da
produção
oral e/ou
escrita,
para a
compreensão
leitora de
nível
ascendente
ou
descendente
ou
para a
prática de
aspectos
gramaticais e,
o
discurso
literário,
como
ilustrativo,
hermético e
sem
atrativos
para
quem
não o domina.
Esta
prática é o
que resulta
em
sua
subutilização
ou o
seu
total
desaparecimento
das
salas de
aula de
língua
estrangeira.
Considerando-se
que a
Literatura configura-se
como
mostra
autêntica de
diversos
registros de
língua
demarcados
por
um
espaço e
tempo
social, o
uso de
textos
literários de
autores
espanhóis
ou
hispano-americanos
facilita a
inserção do
aprendiz de
espanhol
como
língua
estrangeira
(E/LE)
em
um
universo
sócio-cultural e
lingüístico
que
ele
procura
apreender.
Através do
discurso
literário o
aluno pode
aprender
que a
língua
estrangeira,
como a
sua
própria
língua
materna, está
presa a
sistemas e
estruturas,
mas
que
dentro delas
surgem
novas
combinações de
palavras
ou de
sentidos.
Além disso,
amplia-se a
relação
entre
significante e
significado e
extrapola-se o
uso
comum da
língua
por
meio da
simbiose
entre os
valores
universais e
os
característicos
de
sua
própria
cultura.
Dessa
forma,
o
texto
literário
ajuda
o
aluno
a
perceber
que
uma
seqüência
de
palavras
pode
adquirir
matizes
de
sentido
conforme
a
situação
comunicativa;
que
cada
conjunto
de
contratos
comunicativos
firmados
dentro
de
um
dado
texto
literário
é
específico
de uma
cultura
em
uma
determinada
época
- varia no
tempo
e
espaço.
Leitores
de
épocas
e
culturas
diferentes,
pois,
fornecem
novas
significações ao
texto,
caracterizando-se
assim
como
peculiaridade
do
texto
literário
a plurissignificação.
O
contrato
comunicativo
varia de
acordo
com a
natureza
estrutural de
cada
discurso
literário.
Segundo
Oliveira
(2003:42 e ss.),
não
são
iguais os
contratos
comunicativos
do
romance, da
fábula, da
epopéia, do
conto de
fadas...
Cada
gênero
ou subgênero
possui
suas
especificidades contratuais, uma
vez
que
cada
gênero,
dentro de uma
determinada
situação
comunicativa,
está intrinsecamente unido a
um
único
contrato. Há
que se
considerar,
portanto,
essas
particularidades
contratuais
quando da
utilização do
texto
literário nas
aulas de E/LE.
O
espaço
da
literatura
paradidática
Como
medida
conciliatória
entre a
ausência
total do
texto
literário e a
presença de
um
texto
literário
denso
em
sala de
aula, o
que,
cada
um ao
seu
modo, impede
ou dificulta o
processo iniciático do
estudo da
Literatura
nos
cursos de E/LE,
a
literatura
paradidática
surge
como uma
alternativa
por
sua
adequação à
competência
textual do
aprendiz. Essa
adequação é
inerente ao
discurso
paradidático,
cujas
narrativas
são
especialmente
criadas e graduadas
para o
fim a
que se
propõem, no
caso o
ensino do
idioma
espanhol.
Por
outro
lado, veicula
o
próprio
discurso
literário,
nivela o
discurso
lingüístico,
sem
deixar de
abordar os inúmeros
discursos
que fazem
parte do
mundo
como
um
todo: o
cultural, o
social, o
histórico e o
político,
entre
outros.
Estabelece,
portanto,
novas
relações
com o
mundo, na
medida
que
cria uma
nova
realidade, a ficcional,
que se
diferencia da
que se costuma
chamar de
real.
Assim sendo,
evidencia-se o
objetivo
precípuo da
literatura
paradidática:
funcionar
como uma
ferramenta
auxiliar no
processo de
ensino e
aprendizagem de E/LE.
Essa
ferramenta,
inclusive, é
um
elemento
facilitador
que inicia o
aluno
nos
procedimentos contratuais
comunicativos
particulares a
cada
gênero.
Isto
porque o
discurso
paradidático
geralmente
trabalha
com
intertextos
que resgatam o
conhecimento
prévio do
aluno nas
diferentes
áreas do
saber. De
forma
geral, a
enunciação na
literatura
paradidática
se dá
através de
um
fio narrativo
que seqüencia
as
peripécias da
vida de
determinados
personagens,
em
torno do
qual, gravitam
e se entretecem
diferentes
intertextos
que organizam
o
discurso.
Dessa
interseção discursiva
resulta
um
macrodiscurso
em
que estão
contidos os
diversos
contratos
comunicativos.
Estes
contratos
fornecem
marcas
discursivas próprias
que ao serem
identificadas desenvolvem o
conhecimento
da
organização
textual.
Sob
este
ponto de
vista, a
literatura
paradidática
longe de
ser
um
instrumento
didático
menor, deve
ser considerada
como
um
instrumento
potencializador de
formação de
saberes.
Desmistificada,
assim, a
concepção
preconceituosa
ante os
livros
paradidáticos,
não convém ao
professor de E/LE
perder de
vista o
lugar e a
vez da
literatura
paradidática
na
sala de
aula.
A
comprovação
prática do
valor
instrumental da
literatura
paradidática
no
espaço da
sala de
aula
nos
níveis
iniciais de
aprendizagem de
língua
espanhola no
nível
superior teve
por
objeto o
livro
Guantanameras (1997) de Dolores Soler-Espiauba, da
Coleção “Venga
a leer”, da
série “América
Latina”,
concebido
para o
nível
intermediário
de
ensino.
A
escolha do
material
deveu-se
principalmente
ao
fato de
que,
como puderam
observar as autoras deste
trabalho, o
título da
obra remetia a
outros
discursos
sobre o
universo
sócio-político-cultural de
Cuba: a) o
literário, o
poema do
cubano José Martí, musicado
por Joseíto
Fernández; b) o
cinematográfico,
o
filme
Guantanamera, do cubano Tómaz Gutiérrez Alea de 1995; c) o não-verbal: os
mapas
geográficos de
Cuba e dos
Estados Unidos
e; d) o informativo,
sobre José
Martí, a
cidade e a
Baía de Guantánamo. Deste
modo, a
narrativa
abria
espaços
para
potencializar
a
construção de
um
hipertexto,
produto
dialógico de
diferentes
linguagens
discursivas.
As
interseções
discursivas no
âmbito
do
livro
O
eixo narrativo
está formado
pela
história de
duas irmãs gêmeas,
Lisa e
Priscilla (cujo
nome de
batismo é
Yolanda),
que vivem
separadas
desde
pequenas. A
primeira vive
na
cidade de La
Habana
com o
seu
pai e, a
segunda,
em Miami
com a
sua
mãe.
Depois de 18
anos
sem
contato,
Priscilla decide
visitar a irmã,
para comemorarem
juntas a
data de
seu
aniversário,
em Guantánamo.
Os
passeios
que fazem
Lisa e Yolanda
por La Habana
configuram-se
como
recurso
literário
para
que
personagens e
leitor
adentrem-se nas
minúcias
culturais,
sociais e
políticas
que
diferenciam os
estilos de
vida de
Cuba e dos
Estados
Unidos.
Ao
longo do
texto, várias
palavras e/ou
expressões
aparecem
em
itálico. O
itálico,
como
recurso
tipográfico,
destaca
não
só as
peculiaridades
da
fala cubana,
bem
como as
interferências
lingüísticas
do
inglês no
espanhol (idioleto)
da
personagem
Priscilla/Yolanda e
mais
esporadicamente no “spanglish” de
Lisa. Cabe
esclarecer
que a autora
cria duas
formas de
explicitar a significação
do
termo
que aparece
em
itálico;
ora o faz no
curso da
narrativa,
ora
através de
notas
remissivas.
Paralelamente,
o
itálico
veicula
informações
sobre as
figuras
mais
importantes da
sociedade cubana dos
diferentes
campos do
conhecimento:
Celia
Cruz, Nicolás
Guillén, Pablo Milanés, Gloria Stefan, Silvio Rodríguez, Fidel Castro, José
Martí e Compay
Segundo.
Algumas dessas
informações
intercalam-se no
texto
através de
poemas, de
letras de
canções, de
remissões a
filmes
cubanos,
como
Morango
e
Chocolate.
A
existência
dessas
informações
dentro do
texto de
Dolores Soler-Espiauba, acrescidas dos
diversos
discursos
sobre o
universo
sócio-político-cultural de
Cuba, a
que remetia o
título da
obra,
possibilitou o
diálogo
com o
visual, o
escrito e o
auditivo.
Simultaneamente ao
trabalho
com o
conhecimento
da
organização
textual dos
diversos
discursos (tanto
o
oral
quanto o
escrito),
incrementava-se a
utilização das
quatro
habilidades
que orientam a
metodologia
comunicativa
de
ensino de E/LE:
o
falar, o
ler, o
escrever e o
ouvir, aproveitando-se,
inclusive, os
exercícios (que
vão
desde uma
mera
ampliação do
léxico, passam
pelas
marcas
discursivas da
descrição e
chegam à
compreensão
leitora) propostos
pela autora,
ao
final do
livro. É
bem
verdade
que
estes
exercícios
estão
aquém do
padrão de
exigência
que requer a
prática de
ensino de
língua
espanhola
em
nível
superior.
Apesar disto,
tal
discrepância
foi resolvida
com a
proposta
didática
levada a
termo pelas
autoras.
O
discurso
literário,
vez
por
outra,
reveste-se de
tom
político:
a) na
fala
do
primo
Oswaldo, ao
discorrer
sobre
o
tratamento
dado
à
Saúde
no
país
( p. 14),
que
é
imediatamente
retorquido
por
Priscilla/Yolanda (“Ejem, la
propaganda
política
después,
primo.”
(p. 14); b) na
intervenção
de Priscilla/Yolanda,
quando
comentava
com
Lisa
o
desaparecimento
da
fotografia
de Che Guevara da Plaza de la Revolución: “Pobre
Che, el
último
héroe romântico de la historia.” “Mi
mamá no quiere oír hablar del Che...” (p. 19); c)
por
meio
das
ponderações
do
pai
das gêmeas e de Priscilla/Yolanda ao tecerem
comentários
sobre
os
restaurantes
do
estado
e os
conhecidos
“paladares”:
“pero actualmente las cosas están cambiando, m’ijita, hay uma
apertura.”
“...esta práctica crea desigualdades
sociales;
nuestro
sistema
está basado en la igualdad,
todos
tenemos los mismos derechos”. “Los
seres
humanos
no nacen
iguales...
Todos
[en EE.UU.] tenemos derecho a
poder
trabajar libremente, eso sí” (p. 25); d)
através
das
informações
de
Lisa
a
respeito
do comprometimento
social
e
político
que
têm os
jovens
cubanos (p. 26):
No es
perder el tiempo,
Priscilla. La zafra y la caña de azúcar forman
parte de
nuestra
cultura.
Además, compañerita,
todos debemos
estar
preparados
para
todo,
para el ejército también,
para
defender a
Cuba de los
ataques.
Subjaz,
pois,
o
discurso
ideológico
que
alinhava
as
diferentes
posturas
dos
cidadãos,
verdadeiros
coadjuvantes
do
regime
vigente
em
seus
respectivos
países.
De
alinhavo
em
alinhavo,
o
leitor
acompanha a
evolução
pela
qual
passa
a
personagem
Priscilla/Yolanda.
Abandona
a
moça
seu
comportamento
fútil
do
início
da
trama
e
começa
a interessar-se
pelos
clássicos
da
Literatura;
decide
freqüentar
um
curso
superior
e se engaja na
iniciativa
de
ajuda
às
pessoas
idosas reclusas
em
um
asilo,
participa de
reuniões
políticas,
apesar
de
sua
total
ignorância
do
fenômeno
político;
assume-se
como
filha
da
terra,
como
cubana: “¡Soy otra
vez
Yolanda!, afirma (p. 42-3).
Este
amadurecimento da
personagem
é
exemplar
para
o
jovem
leitor,
independentemente
da
sua
opção
ideológica,
pois
revela
um
crescimento
humano,
pautado na
solidariedade
e
respeito
pelo
outro;
estimula
sua
cidadania,
na
medida
que
o incita a
participar
da
construção
de
sua
sociedade;
conscientiza o
leitor
de
sua
responsabilidade
cívica,
na
condução
do
destino
de
sua
pátria.
Esta
leitura,
portanto,
cumpre
também
o
papel
de
formar
comportamentos,
já
que
orienta dialogicamente
para
a
busca
profunda
da
verdade.
Ou
ainda,
nas
palavras
de Hegel,
mostra
“a
realidade
como
movimento
incessante
e
contraditório,
condensável
em
três
momentos
sucessivos
(tese,
antítese
e
síntese)
que
se manifestam simultaneamente
em
todos
os
pensamentos
humanos”.
Logo,
a
literatura
paradidática
pode
construir,
como
nesta
obra
constrói,
um
espaço
de
reflexão
que
eleve a
alma
humana
ao
mesmo
tempo
em
que
transmite
informações.
Cumpre,
assim,
uma
ampla
diretriz
educativa
que
desborda de
seus
limites
acadêmicos
e molda o
caráter
do
indivíduo.
No
caso
concreto da
obra
Guantanameras, há
mais
um
apelo à
reflexão do
leitor,
através do
convite
explícito
que
lhe faz o
enunciador
para
ser co-partícipe,
co-enunciador, propondo o
seu
próprio
desfecho
para a
narrativa.
Cumpre-se,
então, o
propósito de
conciliar
conhecimento,
criatividade e
prazer,
iniciativa
plenamente
compatível
com o
fazer
literário, ao
considerar-se
que a
busca
pela
literatura se dá
por
condicionamentos
intelectuais,
emocionais
ou
por
razões
exclusivamente
estéticas. Ao
participarem da
construção da
trama, os
leitores
acrescentam ao
texto os
seus
próprios
discursos,
imiscuindo-se na
rede
discursiva, vindo à
luz uma
sucessão de
novos
textos,
inaugurados
por uma
infinitude de
combinações
discursivas
possíveis.
A
interseção
texto-ilustração
O
discurso
escrito requer
do
leitor
maior
capacidade de
abstração,
pois o
curso da
leitura conduz
a
um
universo de
imagens
em
construção, tantas quantas
forem as
leituras
realizáveis de
um
mesmo
texto.
Desta
forma, satisfazendo
mais
um
fim, a
introdução da
literatura
paradidática
na
sala de E/LE
desenvolve a
criatividade
do
aprendiz
que tem a
oportunidade
de
antecipar
cenários,
caracteres
físicos das
personagens,
confeccionar
figurinos, a
partir de algumas
pistas
que a
narrativa vai
fornecendo. Constrói-se,
portanto,
um
conjunto
plástico
imaginário ao
qual se agrega
outro
conjunto
plástico
constituído pelas costumeiras
ilustrações
que acompanham
esta
tipologia
textual,
que passam a
dialogar,
entretecendo
um
novo
discurso,
promovendo
assim
um
número
infinito de
significados
visuais.
Logo, o
discurso
escrito, de
um
lado, organiza
as
informações de
modo
mais
lógico,
seqüenciando os
fatos no
cronos, estabelecendo as
dimensões
espaciais, ao
mesmo
tempo
que verbaliza
afetos;
enquanto o
discurso
visual, de
outro,
“intervaliza” a
narração,
cria
seu
próprio
tempo de
leitura, ocupa
um
espaço
extrínseco à
enunciação.
Em
Guantanamera, a
ilustração é o
que se pode
chamar estilizada, de
traço
leve,
em P&B,
mas
nem
por
isso
sua
função
dialógica
com o
texto
escrito
deixa de
ser
exeqüível. Ao
contrário, a
ausência de
cor e a
ligeireza do
traço
possibilitam
um
trabalho
mais: a
modificação
das
cores
ou
mesmo das
linhas e
traços
físicos de
seres,
espaços e
objetos
que
são fornecidos
pelo
texto
escrito
ou a
atribuição de
matizes e
formas
não
tão explícitas
pelo
desenho.
As
interseções
pluridiscursivas:
uma
proposta
didática
Essa
relação
dialógica na
narrativa
não se
restringe ao
binômio
texto e
imagem. Vai
mais
além, na
medida
que permite
uma
vinculação
com as
imagens
formadas
através das
palavras
nos
diferentes
gêneros
intercalados no
discurso: a
poesia, a
canção, a
menção a
filmes
cubanos. Essa
amálgama de
discursos,
permitiu
ampliar a
competência
discursiva dos
alunos,
em
quatro
momentos
diferentes
propostos pelas autoras: o
primeiro,
através da
leitura do
livro
Guantanameras; o
segundo,
por
intermédio do
filme
Guantanamera; o
terceiro,
por
meio da
canção
Guantanamera e,
finalmente, o
quarto, sustentado
em
textos
informativos
sobre Martí e
Guantánamo. Aproveitando-se do
fato de
que as
três
formas
discursivas versavam
sobre
um
mesmo
tema,
que
entrelaçavam o
universo
sócio-político-cultural de
Cuba e
permitiam
um entrecruzar
de
informações, o
foco do
trabalho centrou-se nas
marcas
textuais
específicas de
cada
gênero
discursivo e no
modo
como
um
gênero
contribuía
para
complementar as
informações do
outro. Pode-se
afirmar
que esta
abordagem
tornou-se o facilitador,
para
que ao
final das
tarefas os
alunos
houvessem
construído
um
hipertexto,
um
macrodiscurso.
Nessa
perspectiva,
o
professor
não
é
mais
que
um
mediador
entre
a
informação
nova
e o
hipertexto
que
o
aluno
está construindo. O
professor
deve
guiar
os
alunos
de
modo
a poderem
complementar
uma
informação
existente
em
um
determinado
discurso
com
outra
contida
em
outro
discurso.
Deve
apenas
desempenhar
o
papel
de
intermediário
entre
aluno-texto-autor. Caberá,
pois,
ao
aluno,
inter-relacionar
os
diversos
discursos,
a
fim
de
resgatar
uma
informação
implícita
no
texto
e
organizar
um
hipertexto
significativo.
Este
foi o
caso
prático
da
letra
da
canção
Guantanamera apresentada no
texto
paradidático.
Constava do
segundo
verso
a
palavra
caña (p. 38): “yo soy un hombre
sincero/de
donde crece la caña”. Ao escutarem o poema-canção de José Martí, os
alunos
perceberam a
mudança
ocorrida no
verso
impresso
no
livro,
uma
vez
comparando-o ao
que
haviam
acabado
de
ouvir:
“Yo soy un hombre
sincero/
de donde crece la
palma”.
As
explicações
do
porquê
desta
mudança
vinham fornecidas
pelo
texto
informativo (explicitava
que
a
economia
de
Cuba
está assentada no
cultivo
da
cana-de-açúcar)
e pelas
imagens
de
trabalhadores
no
cultivo
da
cana
que
permeavam o
filme
Guantanamera. Desta
maneira,
os
alunos
analisaram os
motivos
que
levaram a autora a
mudar
a
letra
da
canção
e,
aqui
está o
ponto
chave
deste
trabalho,
perceberam
que
a
construção
do
significado
é
social;
vai
depender
do
objetivo
que
tinha
o enunciador
com
o
discurso;
de
sua
intenção.
Os
alunos
depreenderam esta
particularidade
também no
filme. Nele, o
autor utiliza
a
melodia da
canção
Guantanamera
com o
objetivo de
construir
parte do
discurso da
própria
narrativa do
filme. A
melodia serve
de
base
para a
história
que se está
contando
como
substituta da
letra da
canção. Tem
um
objetivo
específico,
acelerar o
tempo da
narrativa,
já
que estas
informações
que chegam
por
meio da
canção
são
simultâneas ao
andamento dos
fatos
que ocorrem
ante o
espectador.
Era
fundamental,
pois,
que o
aluno
determinasse o
objetivo
com
que a
linha melódica
do poema-canção foi resgatada
pela
história do
filme,
pois
só
assim
ser-lhe-ia
factível
perceber
que as
interseções
discursivas (os intertextos)
não ocorrem de
forma
gratuita;
são, na
verdade,
peças
chave
para a
construção de
significados.
Ante o
exposto,
um
texto
que
poderia
ser considerado
fácil e,
inclusive, menosprezado
para
alunos de
nível
superior de
ensino de E/LE
cobrou
importância,
uma
vez
que o
projeto
didático buscou
suplantar as
arestas do
discurso
narrado. Exigiu dos
alunos a
assimilação dos
significados
construídos
através dos
diferentes
discursos dos
enunciadores, a espanhola Dolores Soler-Espiuaba e os cubanos José Martí y Tomáz
Gutiérrez Alea,
para
criar
um
retrato do
contexto
cubano.
Considerações
finais
A
experiência
ratificou o
lugar da
literatura
paradidática
na
sala de
aula de E/LE.
Entretanto,
como as
autoras pretenderam
mostrar ao
longo deste
trabalho, o
texto
paradidático
sem as
diversas
inserções
discursivas: o
filme, a
canção, a
informação,
fica
muito
aquém da
proposta de
ensino de E/LE
para o
nível
superior. A
abordagem
para
este
nível deve
ser
mais
ampla e
mais
profunda,
abarcando as
quatro
habilidades
lingüísticas
e,
conseqüentemente,
as
três
áreas de
conhecimento
que constroem
o
significado
sócio-cultural do
discurso.
O
êxito deste
experimento
incitou as autoras a trabalharem
com
outros
materiais
paradidáticos.
Escolheram os
outros
títulos da
coleção,
com os
quais puseram
em
prática outras
experimentações.
Entre
elas o
estabelecimento
de
seqüências
narrativas,
procedimento
que ressalta
as
idéias
principais e
secundárias de
um
texto,
valoriza a
coerência das
informações e
a
coesão; a
análise das
marcas
discursivas
não
só da
narração
bem
como da
argumentação;
a participação
efetiva do
aluno
em inúmeras
atividades: a
produção de
textos
narrativos, no
momento
em
que é
solicitado a
narrar,
fazer
resumos e
sinopses; a
construção de
argumentos,
quando
inquirido a
justificar e
opinar
sobre os
comportamentos
das
personagens; o
estímulo a
atuar, vendo-se na
situação da
personagem,
através de
simulação
em
sala de
aula,
assumindo,
portanto, o
próprio
discurso
ou o
discurso do
outro.
Após todas estas
considerações
é dedutível
que uma
proposta
paradidática,
sem
sombra de
dúvida, pode
ser ampliada de
modo a
alcançar os
diferentes
discursos das
artes: a
música, a
literatura e o
cinema. O
presente
ensaio,
pois, vem
cobrar uma
nova
postura
crítica,
já
que ultrapassa
o
lugar
comum de
que o
texto
paradidático
insere-se no
espaço de
sala de
aula
apenas
com o
propósito de
ensinar o
aspecto cultural da
língua-alvo. Esta é uma das
opções,
mas
não a
única. E
tampouco pode
ser
levada a
termo,
sem
que se
considerem as
particularidades
do
discurso
para as
quais deve-se
chamar a
atenção do
aluno.
Bibliografia
HOUAISS,
Antônio.
Dicionário
eletrônico
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língua
portuguesa, 2001.
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SOLER-ESPIAUBA, Dolores. Guantanamera. 2ª ed. Barcelona: Difusión, 1999.
Segundo
Oliveira
(2003: 27 e ss.), o
contrato
comunicativo
é
definido
pelo
papel
que
o Eu-enunciador e o Tu-destinatário desempenham
em
uma
determinada
situação
comunicativa.
É a
compreensão
do
texto
como
um
conjunto
de
situações
comunicativas previamente negociadas
entre
o
leitor
e o
autor
dentro
de
um
determinado
discurso
literário.