QUAL GRAMÁTICA ENSINAR NO ENSINO MÉDIO
NORMATIVA OU TEXTUAL?

Jurandir Marques Silva Júnior (UNINCOR)

O uso da gramática no ensino da Língua Portuguesa nas escolas, em geral, vem gerando acirradas polêmicas ao longo dos anos. Pretendemos, assim, à luz da razão, mostrar as incoerências gramaticais quanto ao ensino posto em prática em nossas escolas sejam elas particulares ou públicas.

Analisando essas incoerências, vejamos como Bechara conceitua período: “chama-se período o conjunto oracional cuja enunciação termina por silêncio ou pausa mais apreciável, indicada normalmente na escrita por ponto”. (BECHARA, 1982: 199)

Notando a falta de clareza, redime-se no parágrafo seguinte, dizendo ser período simples o constituído por uma só oração. O que se entende por conjunto oracional? É a reunião das partes que constituem um todo.

André afirma que “Período é o enunciado que se constitui de duas ou mais orações”. (ANDRÉ,1997: 274)

Confrontando Bechara com André, nota-se uma semelhança entre ambos parecendo-nos este mais conflitante em relação àquele, visto a citação acima.

Como pode o aluno assimilar esses conceitos falaciosos e que procedimentos tomará ao enfrentar concursos públicos, em especial o Vestibular? Se nós professores, não fizermos uma avaliação prévia do livro didático, antes de adotá-lo, estaremos nos acomodando funcionalmente e permitindo ao aluno acreditar em tudo quanto o livro contiver.

Essas aberrações não pararam por aqui.Ao perceber esse “festival”, o estudante volta-se para o lado crítico, inquirindo o professor para explicar esses absurdos.Às vezes, o professor é tão radical quanto o gramático e não aceita a participação do discente, pois também não domina a GN, classificando-o como perturbador ou gracejador. Essa postura do discente compromete o rendimento da aprendizagem, de deixando seqüelas no discente a ponto de se incompatibilizar com a matéria e também com o professor.Assim, transmite-se essa visão distorcida sobre o ensino da língua como sendo o “decoreba”de uma infinidade de regras e de exceções, complicando mais a vida do aluno, principalmente daquele oriundo de camada social menos privilegiada.

O que se vê dentro de sala de aula é tentar-se anular diversidades lingüísticas que expressam diferenças e conflitos existentes entre grupos etários e étnicos e, sobremaneira, entre classes sociais.Podemos entender que a gramática tem sido o objeto do ensino de português no Brasil e não a língua como deveria ser. Em conseqüência, estão sendo transmitidos aos alunos do Ensino Fundamental e em especial do ensino Médio conceitos lingüísticos falhos.Refletindo sobre esse ensino posto em prática pelas escolas públicas e particulares, verifica-se uma prática lastimável que é encher a cabeça do estudante com algo inútil, confuso, incompleto - o conhecimento teórico não contribui significativamente para o domínio da língua.

Considerando a inutilidade desse conhecimento imposto pelo aluno como verdadeiro crime. Geraldi afirma que “O ensino da língua foi desviado para o ensino da teoria gramatical”. (GERALDI, 1987: 21)

Ora, se a função da escola é o ensino da língua padrão, não é com teoria gramatical que ela concretizará seu objetivo.Esses contrastes levam o estudante ao desinteresse pelo estudo da língua, pois quando pensa haver entendido conteúdo trabalhado em sala de aula,amargura-se ao se deparar com determinadas construções, pois não consegue entender o enunciado, daí resultam as frustrações, reprovações, recriminações que começam pela própria escola e o preconceito lingüístico de que não sabe português.

Isso é o resultado de um ensino centrado na Gramática Tradicional - o conhecimento se esvai por falta de sustentação científica; é como caminhar por sobre o lodo; não há firmeza nos passos dados e a queda é inevitável.

Toda essa parafernália gramatical tradicional é fruto de uma preocupação da escola em mostrar ao estudante a língua considerada padrão pela elite cultural que insiste em se pautar por modelos clássicos do século III aC.Sabe-se que, através da história, a cidade de Alexandria, no Egito, foi considerada, naquela época, importante centro da cultura grega.

Assim, a grande literatura clássica da Grécia despertou o interesse dos estudiosos desse campo, pois estavam preocupados na preservação da pureza da língua grega.Dessa forma nasceu a gramática que em grego significa “a arte de escrever”. Como podemos observar, as regras gramaticais foram criadas voltadas para o uso literário dos considerados grandes escritores do passado, recebendo o nome de gramática Tradicional.

Analisando esses fenômenos lingüísticos, podemos ressaltar dois equívocos fatais: o primeiro, consiste em separar rigidamente a língua escrita da falada; o segundo na forma de encarar a mudança das línguas que eles acreditavam ser uma corrupção, “decadência”, também concebida por muita gente até hoje.Em função desses equívocos, formou-se o “erro clássico”no estudo da linguagem que, apesar de dois milênios de reinado, só foi enxergado no final do século XIX e no início do século XX com o surgimento da lingüística. Logo, enquanto não houver uma proposta pedagógica capaz de eliminar esses equívocos ocorridos no ensino da língua e uma mudança substancial das motivações ideológicas que sustentam esse ensino mutilado, castrador, a gramática Tradicional permanecerá como alvo crítico preferido, embora se reconheça ser ela o principal ponto de referência para o ensino Fundamental e o Médio.

Tudo isso resulta na submissão da língua à gramática.Como?Com o passar dos séculos, a Gramática Tradicional mudou de roupagem, mas o conteúdo continuou o mesmo, isto é, passou a ser denominada de Gramática Normativa.Assim, a GT transformou-se numa ferramenta ideológica e as gramáticas escritas para descrever e fixar como regras e padrões as manifestações lingüísticas usadas espontaneamente pelos escritores considerados dignos de admiração, modelos a serem imitados.

Segundo Bagno:

Com a instrumentalização da Gramática Normativa em mecanismo ideológico de poder e de controle de uma camada social sobre as demais, formou-se essa “falsa consciência”coletiva de que os usuários de uma língua necessitam da Gramática Normativa como se ela fosse uma espécie de fonte mística da qual emana a língua “pura”.Foi assim que a língua subordinou-se à gramática. (BAGNO, 2000: 87)

Finalmente, devemos ou não utilizar a gramática no ensino da Língua Portuguesa?Não há dúvida que sim, embora saibamos perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar, contudo ajuda na medida em que saibamos separar o útil.

Bagno é de opinião que:

A gramática deve conter uma boa quantidade de atividades de pesquisa, que possibilitem ao aluno a produção de seu próprio conhecimento lingüístico, como uma arma eficaz contra a reprodução irrefletida e acrítica da doutrina gramatical normativa. (BAGNO, 2000: 87)

Através do conceito de Bagno o professor de português deixaria o comodismo, a ser dinâmico, deixando de ser apenas um repetidor da doutrina gramatical normativista que ele mesmo não domina integralmente.

À vista das considerações feitas, conclui-se que a gramática não justifica seu papel de única fonte para o ensino da língua nas escolas, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, bem como o título de código normativo da linguagem tomada no geral.Os gramáticos levam ao último estágio do desespero tanto o professor quanto o estudante no estudo gramatical em virtude das divergências existentes entre eles.

Assim, no momento em que o aluno entender que as regras da norma culta são variáveis e que o emprego de uma forma pode ser normal numa modalidade lingüística. Também é necessário que gramáticos e lingüistas formem uma verdadeira simbiose, para que haja espaço dentro de sala de aula para o ensino de “gramáticas” e que a elite cultural se conscientize de que houve mudanças profundas na língua padrão concebida pela GT e que no Brasil já não se fala o português de Portugal, e sim, o português brasileiro.Aí não tenhamos dúvida quanto à extinção da discriminação rígida que a escola põe em prática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANDRÉ, H. A . Gramática Ilustrada. São Paulo: Moderna, 1997.

BAGNO, Marcos. Moderna Gramática Portuguesa. São Paulo: Nacional, 1982.

------. Dramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Loyola, 2000.

------. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 1999. 148 p.

BECHARA, E. Dramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Loyola, 2000.

BRITO, Luiz Percival Leme. A sombra do caos: Ensino de língua x tradição gramatical. Campinas: ALB - Mercado de Letras, 1997.

GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1987.

PERINI, A . Mário. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 1997.

------. Para uma nova gramática do português. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1986.

POSSETI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado das Letras: 1997.

VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ANEXO

Vejamos a seguir uma pesquisa de campo, onde foram entrevistados 10 professores de Língua portuguesa do ensino médio, de duas escolas, sendo uma particular e outra pública:

1) Você leciona Língua Portuguesa utilizando qual gramática?

a) Normativa b) tradicional c) textual

Podemos observar que os próprios docentes de língua portuguesa não sabem diferenciar o que é gramática normativa ou tradicional, sendo mais grave o uso da GT por 46% dos docentes entrevistados.Assim, somando 89% da preferência dos profissionais de língua portuguesa, atualmente a GTN é o referencial de ensino de língua materna em nossas escolas.Para não fazer uma “radiografia do caos”- na qual se retratassem somente contextos de ensino aprendizagem nos quais se praticasse um ensino “tradicional”de gramática, busquei entender nos 11% dos profissionais que lidam com a gramática textual, o porque da razão desse ensino? Pude observar que todas os docentes priorizam em sala de aula a leitura e produção de textos diversificados, criando um trabalho inovador, esse que gera: pesquisa, dedicação e amor ao ensino de língua materna.

Vejamos a seguir uma pesquisa de campo, onde foram entrevistados 130 alunos, das mesmas escolas, sendo uma particular e outra pública. Utilizei a seguinte pergunta:

2) Qual gramática é aplicada no ensino de Língua Portuguesa na sua classe?

a) Normativa b) tradicional

c) textual d) não sei qual gramática é aplicada

Podemos observar que 38% dos entrevistados não sabiam qual gramática é aplicada em sua classe, sendo que todo o discente tem pavor do ensino de português, pois o mais questionado é o famoso “repeteco” tudo que é lecionado no ensino fundamental é repetido no ensino médio.Isso gera pavor aos educandos criando a famosa “decoreba” aplicada a GTN em nossas escolas.

O que queremos destacar é a importância da assimilação critica dos estudos lingüísticos e a necessidade premente de se estabelecer um maior contato do professor de língua materna com a proposta da lingüística. Observando que a gramática não deve ser tomada como uma verdade absoluta, pronta, acabada e imutável,antes, porém, seus conceitos precisam ser relativizados, para que alcance o aluno do século XXI.