Uma reflexão sobre a diversidade
inclusão social e variante lingüística
na
prática educacional

Sérgio Arruda de Moura
Helio
Ferreira Orrico

 

O presente texto tem como objetivo estabelecer uma relação entre o que é descritivo e o que é conceptual na chamada legislação de inclusão social. Isto significa atribuir ao texto parte dos sentidos operados pelo contexto. Pretendemos investigar a forma como o contexto repercute no texto de lei, considerando o fenômeno intertextual, polifônico e dialógico, das teorias da linguagem, e que embasam o discurso na sua dinâmica ideológica. Em suma, queremos responder a pergunta: como se constrói a legitimidade das leis de inclusão social, hoje.

O texto legal, como discurso, traz embutidos dois aspectos: aquele que informa, descreve, compreende; e aquele que se abre a toda perspectiva de análise. Chamamos de aspecto descritivo o conteúdo expresso, unívoco, compreensível do texto de lei – o aspecto expresso por marcas textuais próprias; chamamos de aspectos conceptuais as forças sociais que produziram aquele texto, as circunstâncias em que se esclareceram na sua vinculação ao Direito como ciência das normas que disciplinam as relações humanas em sociedade. Este aspecto corresponderá à caracterização discursiva da sociedade nos seus aspectos paradoxais e se constitui pelas marcas intertextuais. Entre o que chamamos aspectos descritivos e aspectos conceptuais da legislação de inclusão subsiste um aspecto crucial da linguagem na sua dinâmica, na sua forma de estabelecer vínculos sociais. Lotman distingue o caráter unívoco do multívoco da linguagem, ou seja, existe uma estrutura textual que informa além de qualquer convicção pessoal ou de concepção, e outra estrutura que deixa o falante livre para inferir, interpretar, ou suspeitar da linguagem como estrutura supostamente fechada.

Nestes termos, nos conformamos ao que se diz, quando a natureza descritiva (ou unívoca) da linguagem se impõe, e pomos em dúvida o que se diz quando se impõe a natureza conceptual (ou multívoca) do falante. Ora, o que se diz (ou o que se escreve) não se presta apenas à interpretação evidente, mas à análise circunstancial, das causas que levaram a se dizer (ou se escrever) o que se disse (ou se escreveu).

Lembramos da teoria lingüística, advinda do Pragmatismo, que proclama a linguagem como ação. Quando alguém diz algo, conclama uma ação, presente numa frase como “faça isso”. O aspecto prático é o do comando; todavia, as razões para se dizer o que se diz obedece a imperativos extras, da ordem do ideológico. Uma força alheia à linguagem dá a autoridade ao falante. No plano do Direito, subsistem a razão instrumental e a razão crítica. Esta última se faz presente quando a legislação, diante da vagueza e incompletude da lei, alerta para a relação dialética entre o discurso normativo e a realidade sócio-histórica concreta (Machado e Goulart, 1992) – surge assim, em oposição crítica ao direito canônico, o Direito Alternativo. O homem é o verdadeiro sujeito do direito e é dele que deve partir a critica ao saber dogmático que quer praticar o direito em detrimento do justo, do democrático, da inclusão social, como uma das razões últimas da ciência do Direito.

O chamado Direito Alternativo (DA) é o resultado da abrangência discursiva da diversidade. O DA surgiu na Itália nos anos 1960 e inscreve-se no âmbito de uma crítica do direito ao expor as contradições inerentes à sociedade capitalista de manutenção das injustiças sociais. Tem base conceptual na teoria crítica da Escola de Frankfurt ao sustentar a possibilidade do uso da razão como instrumento de libertação do homem. A ilusão burguesa da igualdade de direitosmuito se esgotou, razão pela qual, no plano da linguagem, o DA representa o diálogo possível com vozes excluídas, em direção a uma sociedade multivocal amparada na multiplicidade de discursos próprios da diversidade humana.

Parece-nos pertinente descrever a linguagem no campo da Análise do Discurso estabelecendo uma distinção entre o descritivo e o conceptual; entre o direito e o justo. Diremos que o descritivo se alinha às marcas evidentes do texto, aquela que comanda a ação decorrente da expressão lingüística; e o que é conceptual, ao que nela se estabelece como um cruzamento de vozes, propriedade da linguagem que avalia e calcula as causas da ação. Concebemos, assim, a multivocidade da linguagem como o lugar onde se operam as atribuições de sentido, onde se negociam os valores sociais e ideológicos por meio do discurso. Por seu turno, a Sociolingüística, ao se fazer metodologicamente optando pela língua falada, na sua espontaneidade, na sua abertura para o contexto multivariado de sua produção, pode nos indicar o caminho pelo qual resolveremos o problema da pertinência dos textos que analisamos. Tais textos legais concebem o homem na sua diversidade física, intelectual, social e lingüística como fatos circunstanciais. Por serem textos de leis, eles emanam de autoridades máximas, os legisladores, avalizados pelo estado de direito; por isso, eles prescrevem ações a serem efetivadas por instituições como a escola, a universidade, o trabalho.

Tanto a legislação de inclusão quanto qualquer discurso atravessado de natureza política se constrói a partir do conflito inerente à linguagem, i. e., até onde a linguagem constrói a realidade? Tanto muda ele como o modo como o concebemos discursivamente, dado este que faz a própria ciência evoluir. No mesmo compasso, sua concepção moral se transforma. Então, o que é descritivo permanece como tal: todos os homens são iguais perante a lei; mas o que é circunstancial caminha para a esfera do conceptual: em que termos multívocos todos os homens são iguais perante a lei? Quando uma lei precisa ser promulgada ou modificada não é porque a natureza concreta da vida mudou, mas também nossa forma de concebê-la. Se não houver a concepção de mudança, a natureza física também permanece intacta, e o mundo continuará a ser descrito nos mesmos moldes. Mudam o homem e o seu discurso ou então a natureza física permanece intacta. E a legislaçãocomo de resto todo o discurso em outros campos – pode ser um sintoma desta mudançapara o bem ou para o mal. E a tarefa do discurso vai ser a de dar conta de mais aspectos tornados essenciais na natureza humana.

Desde os anos 60, quando o termo Sociolingüística surgiu e se consolidou nos meios acadêmicos, opera-se a noção de que um vínculo bastante perceptível entre linguagem e sociedade. Mesmo sujeitas a inúmeros pontos de vista e de métodos, as teorias sobre a relação linguagemsociedade atentam para a vinculação da linguagem com aspectos de natureza social.

Dito isto, o cerne da questão da inclusão social, hoje, tem como foco a discussão da sociedade no seu caráter excludente, o que faz da legislação um vasto campo de revisões, naquilo que a lei não acoberta.

Desde Pêcheux, sabemos que “as condições sócio-históricas de produção de um discurso são constitutivas de suas significações”. Os textos de lei, como os de inclusão, farão parte do dia a dia de assessorias jurídicas de empresas, que por sua vez, o repassarão às gerências de recursos humanos, e logo estarão fazendo parte dos universos referencias das pessoas físicas a quem tais textos competem. Os chamados atores sociais, representantes de classes ou grupos que são, ver-se-ão representados, tornando-se, desta forma, sujeitos com funções de representação. O sujeito é, assim, reabilitado como uma representação. Como textos de lei, são co-enunciações, uma vez que todo cidadão ali se representado, ou pelo menos, obrigados a se fazerem co-autores, ou co-enunciadores. Os legisladores, pelo menos em tese, representam o coletivo; são porta-vozes, também em tese, do discurso conceptual, daquele discurso implícito no social que se marca no discurso descritivo das leis.

 

Análise da legislação de inclusão

Inicialmente, listamos a legislação de inclusão.

Quadro geral das Leis, Declarações e Portarias de Inclusão Social

Lei/Declaração/Portaria

Ano

Descrição

Declaração Universal dos Direitos do Homem

1948

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos ... sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza...

Declaração de Salamanca

1994

as escolas devem se ajustar a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, lingüísticas ou outras. Neste conceito, terão de incluir-se ...crianças de minorias lingüísticas...

Carta para o 3o Milênio

1999

aprovada em Londres, pela Assembléia Governativa da Rehabilitation International onde as oportunidades iguais para pessoas com deficiência.

Declaração de Madri

2002

As pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos que todos os demais cidadãos.

Constituição Federal Brasileira

1988

todos são iguais perante a lei

Decreto Federal 3.298, de 1999 que regulamenta a Lei 7.853 De 1989

 

assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência.

Lei Estadual nº 4.151

2003

lei de cotas para ingresso na Universidades públicas. Com vistas à redução de desigualdades étnicas, sociais e econômicas, deverão as universidades públicas estaduais estabelecer cotas para ingresso nos seus cursos de graduação aos estudantes carentes...

Lei Federal nº 10.558

2002

diversidade na Universidade. com a finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente dos afro-descendentes e dos indígenas brasileiros.

Portaria 1679

1999

que regula o credenciamento de curso nas IES que propiciem a adaptação de espaços/equipamentos para pessoas com deficiência

Lei de Diretrizes Bases nº 9394,, cap. 5,

1996

que trata da integração da pessoa portadora de deficiência na educação

LEI 8.213, decreto 3048/99 que regulamenta a lei 8.213 de 24 /07/1991

1999

regula as cotas para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Portaria 1679

1999

Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições.

Lei 10.436, de 2002

2002

Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. Libras a forma de comunicação e ex-pressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos

 

direitos lingüísticos como direitos fundamentais da pessoa.

Para procedermos a uma reflexão sobre o papel d a legislação de inclusão social no que concerne ao campo da prática educacional,

ou seja, aos direitos de cidadãos à educação, incluímos na nossa pauta teórica a diversidade de variantes sociais como campo de atuação da Sociolingüística. A prática educacional, como prática de interlocução, requer a preservação do caráter sócio-identitário dos sujeitos envolvidos neste processo (a saber, alunos, professores, gestores da escola como instituição) que, na diversidade social, estão inclusos seus bens lingüísticos, inalienáveis na interação social. Acontece que a sociedade de direito tem como dever se informar das condições sócio e psicofísicas de cidadãos, cujos direitos não estejam plenamente atribuídos, apesar do conceito universal presente na Constituição Federal de 1988. Assim, temos a Lei Estadual nº 4.151, de reserva de vaga nas universidades públicas para negros e pardos, bem como para alunos oriundos de escolas públicas; a LEI 8.213 para garantir a pessoas portadoras de alguma deficiência física o acesso ao serviço público via concursos; a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que declara os direitos da pessoa. Enfim, temos também que considerar que a inclusão social de minorias lingüísticas, como as comunidades de surdos que utilizam como meio de comunicação a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS instituída oficialmente pela lei 10.436 de 24 de abril de 2002. E, por fim, fazemos referência à Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos (DUDL) que, publicada em 1996, com base em documentos anteriores de defesa da identidade lingüística por grupos e instituições, considera que a maioria das línguas ameaçadas do mundo pertencem a povos não-soberanos como resultado da falta de autonomia política imposta por práticas de Estados que impõem sua estrutura político-administrativa e sua língua.

Pela mesma via a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 1996), ao descrever no § 2º que “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”, enuncia a abertura da formação de jovens e adultos para um mundo onde reinam positivamente o trabalho e a participação cidadã. Mais tarde, na discussão dos objetivos da LDB nos chamados Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, a conceptualização de uma existência social conduzida pela liberdade e pela participação crítica e reflexiva a partir da escola torna evidente a igualdade de direitos como tópico essencial da vida em sociedade.

Contudo, a LDB não contempla a necessária diferença de oportunidades, pois supunha a universalidade do acesso à escola. Esta lei cai em parte no descritivismo da razão instrumental e, para a sua complementação, cria-se uma outra lei que cobrirá um aspecto conceptual não previsto: nem todos têm acesso à escola, principalmente ao ensino superior, como serviço público organizado pelo estado por meio de legislação. Estamos nos referindo às chamadas leis de cotas, ou a Lei Estadual 4.151 que prevê a redução de desigualdades étnicas, sociais e econômicas. A elaboração desta lei parte do intertexto das desvantagens sofridas historicamente no Brasil por negros e minorias étnicas. Acrescenta a este grupo, outros segmentos que padecem de certo descompasso sócio-econômico. A lei de cotas também cria jurisprudência quando concebe queestudantes carentes oriundos da rede pública de ensino” estavam afastados do direito: a escola pública no Brasil não tem competitividade com as da rede privada, haja vista o sofrível número de universitários oriundos da rede pública. O texto da Lei Estadual 4.151, no seu Art. 1º, conceptualiza: Com vistas à redução de desigualdades étnicas, sociais e econômicas, deverão as universidades públicas estaduais estabelecer cotas para ingresso nos seus cursos de graduação aos seguintes estudantes carentes: I - oriundos da rede pública de ensino; II - negros; III - pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas”. O idealismo das leis, limitado pelo conhecimento lógico-formal meramente descritivo, positivado pelo legislador racional, não mais responde pela base material da sociedade, razão pela qual o discurso intertextual deve aparecer na nova legislação.

O interdiscurso é o das naturais desigualdades sociais e econômicas, que, no caso brasileiro, atinge grupos étnicos em função de uma desigualdade marcada como histórica. As vozes não presentes em textos legais anteriores assomam a nova legislação de inclusão como pertinência discursiva e conceptual advindos do interdiscurso do DA (Direito Alternativo). Esta nova voz se torna presente e completa com discurso o vácuo deixado na não contemplação total do paradigma todos são iguais perante a lei.

Confirmamos nossa hipótese de que os textos de leis surgem com significados conceptuais implícitos, o que significa dizer que a vivência histórica, ou a experiência histórica, informa da necessidade de regulação da vida em sociedade pela via da inclusão. A vida em sociedade também requer recursos próprios de acessibilidade a portadores de deficiência ao mercado de trabalho e a lugares públicos tais como escolas e universidades, ou mesmo no espaço público da própria cidade. A Portaria 1679, de 1999, dispõe legislação de “acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições”. Assim, a conceptualização desta lei, nos termos do discurso de igualdade, diz respeito ao fato de que não igualdade plena se o cidadão se abstiver do mero direito de ir e vir. O direito emana das necessidades da pessoa. Ou seja, a lei condiciona o funcionamento de direito se e quando os estabelecimentos de ensino abolirem as barreiras arquitetônicas dos espaços públicos a deficientes físicos e visuais. A educação especial será o modo como a Educação promoverá a inclusão.

 

Quadro resumido da análise do discurso de lei

(Este quadro resume apenas parte sas leis comentadas)

Lei/Declaração/
Portaria

Ano

Descrição

Conceptualização

Lei Estadual nº 4.151

2003

lei de cotas para ingresso nas Universidades públicas, com vistas à redução de desigualdades étnicas, sociais e econômicas.

Intertexto histórico sobre as desvantagens sócio-econômi-cas sofridas por segmentos étnicos precisos

Lei de Diretrizes e Bases nº 9394.

1996

que trata da integração da pessoa portadora de deficiência na educação

Interdiscurso educacional segundo o qual a deficiência e diversidade não impedem o caráter socializante da prática educacional.

Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos

1996

direitos lingüísticos como direitos fundamentais da pessoa.

Interdiscurso sociolingüístico, segundo o qual as diferenças lingüísticas constituem variação, diversidade, discurso que coincide com a liberdade política de expressão, de credo.

LEI 8.213, que regulamenta a lei 8.213 de 24 /07/1991

1999

regula as cotas para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Interdiscurso médico-trabalhista, segundo o qual certas deficiências físicas são superadas pelos próprios mecanismos de produção, no trabalho.

Uma breve análise do quadro das leis de inclusão social nos diz de uma transformação que vem ocorrendo no modo como concebemos as formas de relações instituídas. Trata-se de opor à visão comum, uma outra visão, aquela que nos diz que algo falta à legislação que contemple o que não foi contemplado. E o que não havia sido contemplado ainda em confirmações de autoridade legal tão elásticas comotodos são iguais perante a lei”, a Constituição Federal, e “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, da Declaração Universal dos Direitos Humanos? O caráter da linguagem aponta mais para a concepção que para a descrição. Assim, a contemplação da realidade parece se fazer com termos mais descritivos, daí a profusão de Leis, Cartas, Declarações, Portarias que procuram dar conta mais concreta do real. Trata-se aqui da crença de que as coisas se tornam mais eficazes quando escritas no registro descritivo do que conceptual. A concepção parece ser aquela estrutura que nos orienta espiritualmente, ao passo que a descrição, para a vida concreta. É como se a concepção de liberdade, de direitos, de igualdade estivessem inteiramente presentes no caráter geral de textos como o da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Constituição Federal, contudo, à espera de seu aspecto prático, aquele que a linguagem não é capaz de estabelecer.

 

A Declaração Universal dos Direitos
e a
Língua Brasileira de Sinais -
Libras

Em que condições conceptuais surge uma Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos, bem como uma língua de sinais com caráter de língua autônoma? A própria ciência lingüística age de forma plena neste sentido. Primeiro porque o fator político entrou no mérito dos estudos da língua a partir da fundamentação da Análise do Discurso, segundo a qual as circunstâncias do dizer informam sobre a identidade de falantes; depois porque a sociolingüística desenvolveu o conceito de variações lingüísticas, no espaço de uma mesma língua a partir das pesquisas pioneiras de Labov sobre a variação do inglês standard. O conceito de diferença ocupava o lugar do conceito de variação. O conceito de diferença lingüística pressupõe diferenças outras fundamentais, tais como o mau falante tem deficiências em outros campos de sua formação, incluindo o cultural. o conceito de variação diz respeito inicialmente a uma propriedade da língua, que repercute no falante. Sendo um fenômeno multivariacional, a língua projeta o falante dentro de um grupo (ou comunidade de falantes) que se distingue dos demais. Assumindo o princípio da universalidade e da premissa da diversidade lingüística e cultural (DUDL) e de código (Libras) abolimos a distorção do valor das línguas.

A DUDL também entende que a não compreensão da variação ameaça etnias inteiras. A maioria das línguas ameaçada do mundo pertence a povos não-soberanos como resultado da falta de autonomia política imposta por prática de Estados que impõem sua estrutura político-administrativa e sua língua. Decorre que a imposição direta de uma língua alheia gera conflitos.

A língua é um fator de identidade, por serum instrumento de coesão, identificação, comunicação e expressão criativa”. Os instrumentos desta avaliação, deste discernimento, são primeiramente científicos, depois políticos, instrumentos estes definidos tanto na esfera da lingüística como ciência quanto dos próprios conteúdos inerentes aos textos de lei. Há uma clara intenção política, quando uma Declaração reconhece na pessoa o direito de “ser reconhecido como membro de uma comunidade lingüísticaou de “ser atendido na sua língua nos organismos oficiais e nas relações socioeconômicas”. Igualmente quanto “a uma presença eqüitativa da língua e da cultura do grupo nos meios de comunicação” e “ao ensino da própria língua e cultura”. A DUDL legitima a Libras.

 

Palavras finais

O que é inclusão social? Como podemos discursar sobre leis que procuram corrigir gestos humanos inscritos na sua natureza, entre os quais o preconceito? Nossa hipótese é a de que toda legislação, por se constituir como discurso, concebe a linguagem na sua relação intrínseca com a sociedade. Diante da legislação, o material lingüístico constrói mais do que conteúdos claros sobre a vida, sobre homens, sobre a sociedade: ele recria o modo como procuramos entender a realidade, e as formas de relações que procuramos estabelecer socialmente. Sabemos de sua precariedade (da língua), razão pela qual procuramos conciliar nela todas as forças que atuam positiva e negativamente sobre o social. Sabemos que ela, a língua, não é capaz de tudo, de notificar a realidade tal qual ela é (ou seria). Assim, o traço político essencial de nossa existência pode se aninhar no discurso. Sobre a língua, Benveniste (1963) atestou que é por ela que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente, dado que ambos ganham existência pela língua. É que a língua é a manifestação concreta da faculdade humana da linguagem, i. e., da faculdade humana de simbolizar. Língua e sociedade não podem ser concebidas uma sem a outra. A língua contém a sociedade e, por isso, é o interpretante da sociedade. “A língua é necessariamente o instrumento próprio para descrever, para conceptualizar, para interpretar tanto a natureza quanto a experiência”. A língua permite que o homem se situe na natureza e na sociedade, se situe necessariamente em uma classe, seja uma classe de autoridade ou classe de produção. A língua sendo uma prática humana revela o uso particular que grupos ou classes de homens fazem dela e as diferenciações que daí resultam no interior da língua comum.

A língua vem assumindo gradativamente um posto mais abrangente na concretização do sonho humano da liberdade e da igualdade de direitos. Isto se deve ao desenvolvimento da noção de que a língua não é um mero instrumento de comunicação isento. A língua é mais que isso: é um bem capital que nos coloca no mundo naquilo que é decisivo na construção de universos referenciais da realidade.

 

Bibliografia

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