Uma
reflexão
sobre
a
diversidade
inclusão
social
e
variante
lingüística
na
prática
educacional
Sérgio
Arruda
de
Moura
Helio
Ferreira
Orrico
O
presente
texto tem
como
objetivo
estabelecer uma
relação
entre o
que é descritivo e o
que é
conceptual na
chamada
legislação de
inclusão
social.
Isto significa
atribuir ao
texto
parte dos
sentidos operados
pelo
contexto. Pretendemos
investigar a
forma
como o
contexto repercute no
texto de
lei, considerando o
fenômeno intertextual, polifônico e
dialógico, das
teorias da
linguagem, e
que embasam o
discurso na
sua
dinâmica ideológica.
Em
suma, queremos
responder a
pergunta:
como se constrói a
legitimidade das
leis de
inclusão
social,
hoje.
O
texto
legal,
como
discurso, traz
embutidos
dois
aspectos:
aquele
que informa, descreve, compreende; e
aquele
que se abre a
toda
perspectiva de
análise. Chamamos de
aspecto descritivo o
conteúdo
expresso,
unívoco,
compreensível do
texto de
lei – o
aspecto
expresso
por
marcas
textuais próprias; chamamos de
aspectos conceptuais as
forças
sociais
que produziram
aquele
texto, as
circunstâncias
em
que se esclareceram na
sua
vinculação ao
Direito
como
ciência das
normas
que disciplinam as
relações humanas
em
sociedade.
Este
aspecto corresponderá à
caracterização discursiva da
sociedade
nos
seus
aspectos
paradoxais e se constitui pelas
marcas intertextuais.
Entre o
que chamamos
aspectos descritivos e
aspectos conceptuais da
legislação de
inclusão subsiste
um
aspecto
crucial da
linguagem na
sua
dinâmica, na
sua
forma de
estabelecer
vínculos
sociais. Lotman distingue o
caráter
unívoco do
multívoco da
linguagem,
ou seja, existe uma
estrutura
textual
que informa
além de
qualquer
convicção
pessoal
ou de
concepção, e
outra
estrutura
que
deixa o
falante
livre
para
inferir,
interpretar,
ou
suspeitar da
linguagem
como
estrutura
supostamente fechada.
Nestes
termos,
nos conformamos ao
que se diz,
quando a
natureza descritiva (ou
unívoca) da
linguagem se impõe, e
pomos
em
dúvida o
que se diz
quando se impõe a
natureza
conceptual (ou
multívoca) do
falante.
Ora, o
que se diz (ou o
que se escreve)
não se presta
apenas à
interpretação
evidente,
mas à
análise circunstancial, das
causas
que levaram a se
dizer (ou se
escrever) o
que se disse (ou se
escreveu).
Lembramos da
teoria
lingüística, advinda do
Pragmatismo,
que
proclama a
linguagem
como
ação.
Quando
alguém diz
algo, conclama uma
ação,
presente numa
frase
como “faça
isso”. O
aspecto
prático é o do
comando;
todavia, as
razões
para se
dizer o
que se diz obedece a
imperativos
extras, da
ordem do ideológico. Uma
força
alheia à
linguagem dá a
autoridade ao
falante. No
plano do
Direito, subsistem a
razão instrumental e a
razão
crítica. Esta
última se faz
presente
quando a
legislação,
diante da vagueza e incompletude da
lei,
alerta
para a
relação
dialética
entre o
discurso normativo e a
realidade sócio-histórica
concreta (Machado e
Goulart, 1992) – surge
assim,
em
oposição
crítica ao
direito
canônico, o
Direito
Alternativo. O
homem é o
verdadeiro
sujeito do
direito e é dele
que deve
partir a critica ao
saber
dogmático
que
quer
praticar o
direito
em
detrimento do
justo, do
democrático, da
inclusão
social,
como uma das
razões últimas da
ciência do
Direito.
O chamado
Direito
Alternativo (DA) é o
resultado da abrangência discursiva da
diversidade. O DA surgiu na Itália
nos
anos 1960 e inscreve-se no
âmbito de uma
crítica do
direito ao
expor as
contradições
inerentes à
sociedade
capitalista de
manutenção das
injustiças
sociais. Tem
base
conceptual na
teoria
crítica da
Escola de Frankfurt ao
sustentar a possibilidade do
uso da
razão
como
instrumento de
libertação do
homem. A
ilusão burguesa da
igualdade de
direitos há
muito se esgotou,
razão
pela
qual, no
plano da
linguagem, o DA representa o
diálogo
possível
com
vozes excluídas,
em
direção a uma
sociedade multivocal amparada na multiplicidade de
discursos
próprios da
diversidade
humana.
Parece-nos
pertinente
descrever a
linguagem no
campo da
Análise do
Discurso estabelecendo uma
distinção
entre o descritivo e o
conceptual;
entre o
direito e o
justo. Diremos
que o descritivo se alinha às
marcas
evidentes do
texto, aquela
que
comanda a
ação decorrente da
expressão
lingüística; e o
que é
conceptual, ao
que nela se estabelece
como
um
cruzamento de
vozes,
propriedade da
linguagem
que avalia e calcula as
causas da
ação. Concebemos,
assim, a multivocidade da
linguagem
como o
lugar
onde se operam as
atribuições de
sentido,
onde se negociam os
valores
sociais e ideológicos
por
meio do
discurso.
Por
seu
turno, a Sociolingüística, ao se
fazer metodologicamente optando
pela
língua
falada, na
sua
espontaneidade, na
sua
abertura
para o
contexto multivariado de
sua
produção, pode
nos
indicar o
caminho
pelo
qual resolveremos o
problema da
pertinência dos
textos
que analisamos.
Tais
textos
legais concebem o
homem na
sua
diversidade
física,
intelectual,
social e
lingüística
como
fatos circunstanciais.
Por serem
textos de
leis,
eles emanam de
autoridades
máximas, os
legisladores, avalizados
pelo
estado de
direito;
por
isso,
eles prescrevem
ações a serem efetivadas
por
instituições
como a
escola, a
universidade, o
trabalho.
Tanto a
legislação de
inclusão
quanto
qualquer
discurso atravessado de
natureza
política se constrói a
partir do
conflito
inerente à
linguagem, i. e.,
até
onde a
linguagem constrói a
realidade?
Tanto
muda
ele
como o
modo
como o concebemos discursivamente,
dado
este
que faz a
própria
ciência
evoluir. No
mesmo
compasso,
sua
concepção
moral se transforma.
Então, o
que é descritivo permanece
como
tal:
todos os
homens
são
iguais
perante a
lei;
mas o
que é circunstancial
caminha
para a
esfera do
conceptual:
em
que
termos multívocos
todos os
homens
são
iguais
perante a
lei?
Quando uma
lei
precisa
ser promulgada
ou modificada
não é
só
porque a
natureza
concreta da
vida mudou,
mas
também
nossa
forma de concebê-la. Se
não houver a
concepção de
mudança, a
natureza
física
também permanece
intacta, e o
mundo continuará a
ser descrito
nos
mesmos
moldes. Mudam o
homem e o
seu
discurso
ou
então a
natureza
física permanece
intacta. E a
legislação –
como de
resto
todo o
discurso
em
outros
campos – pode
ser
um
sintoma desta
mudança –
para o
bem
ou
para o
mal. E a
tarefa do
discurso vai
ser a de
dar
conta de
mais
aspectos
tornados
essenciais na
natureza
humana.
Desde
os
anos
60,
quando
o
termo
Sociolingüística surgiu e se consolidou
nos
meios
acadêmicos,
opera-se a
noção
de
que
há
um
vínculo
bastante
perceptível
entre
linguagem
e
sociedade.
Mesmo
sujeitas a inúmeros
pontos
de
vista
e de
métodos,
as
teorias
sobre
a
relação
linguagem–sociedade
atentam
para
a
vinculação
da
linguagem
com
aspectos
de
natureza
social.
Dito
isto,
o
cerne
da
questão
da
inclusão
social,
hoje,
tem
como
foco
a
discussão
da
sociedade
no
seu
caráter
excludente,
o
que
faz da
legislação
um
vasto
campo
de
revisões,
naquilo
que
a
lei
não
acoberta.
Desde
Pêcheux, sabemos
que
“as
condições
sócio-históricas de
produção
de
um
discurso
são
constitutivas de
suas
significações”. Os
textos
de
lei,
como
os de
inclusão,
farão
parte
do
dia
a
dia
de
assessorias
jurídicas de
empresas,
que
por
sua
vez,
o repassarão às
gerências
de
recursos
humanos,
e
logo
estarão fazendo
parte
dos
universos
referencias das
pessoas
físicas
a
quem
tais
textos
competem. Os chamados
atores
sociais,
representantes de
classes
ou
grupos
que
são,
ver-se-ão representados, tornando-se, desta
forma,
sujeitos
com
funções
de
representação.
O
sujeito
é,
assim,
reabilitado
como
uma
representação.
Como
textos
de
lei,
são
co-enunciações, uma
vez
que
todo
cidadão
ali
se
vê
representado,
ou
pelo
menos,
obrigados
a se fazerem
co-autores,
ou
co-enunciadores. Os
legisladores,
pelo
menos
em
tese,
representam o
coletivo;
são
porta-vozes,
também
em
tese,
do
discurso
conceptual,
daquele
discurso
implícito
no
social
que
se
marca
no
discurso
descritivo das
leis.
Análise
da
legislação
de
inclusão
Inicialmente,
listamos a
legislação
de
inclusão.
Quadro
geral
das
Leis,
Declarações
e
Portarias
de
Inclusão
Social
Lei/Declaração/Portaria |
Ano |
Descrição |
Declaração
Universal
dos
Direitos
do
Homem |
1948 |
Todas as
pessoas
nascem
livres e
iguais
em
dignidade
e
direitos
...
sem
distinção
de
raça,
cor,
sexo,
língua,
religião,
opinião
política
ou de
outra
natureza... |
Declaração
de Salamanca |
1994 |
as
escolas
devem se
ajustar a todas as
crianças,
independentemente
das
suas
condições
físicas,
sociais,
lingüísticas
ou outras.
Neste
conceito,
terão de incluir-se ...crianças
de
minorias
lingüísticas... |
Carta
para o 3o Milênio |
1999 |
aprovada
em
Londres,
pela
Assembléia
Governativa da Rehabilitation International
onde as
oportunidades
iguais
para
pessoas
com
deficiência. |
Declaração
de Madri |
2002 |
As
pessoas
com
deficiência
têm os
mesmos
direitos
humanos
que
todos os
demais
cidadãos. |
Constituição
Federal
Brasileira |
1988 |
todos
são
iguais
perante a
lei |
Decreto
Federal
3.298, de 1999
que
regulamenta
a
Lei
7.853 De 1989 |
|
assegurar o
pleno
exercício
dos
direitos
individuais
e
sociais
das
pessoas
portadoras de
deficiência. |
Lei
Estadual nº 4.151 |
2003 |
lei de
cotas
para
ingresso
na
Universidades
públicas.
Com
vistas à
redução de desigualdades étnicas,
sociais e
econômicas, deverão as
universidades
públicas estaduais
estabelecer
cotas
para
ingresso
nos
seus
cursos de
graduação
aos
estudantes
carentes... |
Lei
Federal
nº 10.558 |
2002 |
diversidade
na
Universidade.
com a
finalidade
de
implementar e
avaliar
estratégias
para a
promoção
do
acesso ao
ensino
superior
de
pessoas
pertencentes a
grupos
socialmente
desfavorecidos,
especialmente
dos afro-descendentes e dos
indígenas
brasileiros. |
Portaria
1679 |
1999 |
que regula
o
credenciamento
de
curso nas
IES
que
propiciem a
adaptação
de
espaços/equipamentos
para
pessoas
com
deficiência |
Lei
de
Diretrizes
Bases
nº 9394,, cap. 5, |
1996 |
que
trata da
integração
da
pessoa portadora de
deficiência
na
educação |
LEI
8.213,
decreto
3048/99
que
regulamenta
a
lei
8.213 de 24 /07/1991 |
1999 |
regula as
cotas
para
inclusão de
pessoas
com
deficiência
no
mercado de
trabalho |
Portaria
1679 |
1999 |
Dispõe
sobre
requisitos
de
acessibilidade
de
pessoas
portadoras de
deficiências,
para
instruir os
processos
de autorização e de
reconhecimento
de
cursos, e
de
credenciamento
de
instituições.
|
Lei
10.436, de 2002 |
2002 |
Dispõe
sobre a
Língua
Brasileira
de
Sinais.
Libras a
forma de
comunicação
e ex-pressão,
em
que o
sistema
lingüístico
de
natureza
visual-motora,
com
estrutura
gramatical
própria,
constituem
um
sistema
lingüístico
de
transmissão
de
idéias e
fatos,
oriundos
de
comunidades
de
pessoas
surdas do Brasil. |
Declaração
Universal
dos
Direitos
Lingüísticos |
|
direitos
lingüísticos
como
direitos
fundamentais
da
pessoa. |
Para procedermos a uma
reflexão
sobre o
papel d a
legislação de
inclusão
social
no
que concerne
ao
campo da
prática
educacional,
ou seja, aos
direitos de
cidadãos à
educação, incluímos na
nossa
pauta
teórica a
diversidade de
variantes
sociais
como
campo de
atuação da Sociolingüística. A
prática
educacional,
como
prática de
interlocução, requer a
preservação do
caráter sócio-identitário dos
sujeitos envolvidos neste
processo (a
saber,
alunos,
professores, gestores da
escola
como
instituição)
já
que, na
diversidade
social, estão
inclusos
seus
bens
lingüísticos,
inalienáveis na
interação
social. Acontece
que a
sociedade de
direito tem
como
dever se
informar das
condições
sócio e psicofísicas de
cidadãos,
cujos
direitos
não estejam
plenamente atribuídos,
apesar do
conceito
universal
presente na
Constituição
Federal de 1988.
Assim, temos a
Lei Estadual nº 4.151, de
reserva de
vaga nas
universidades públicas
para
negros e
pardos,
bem
como
para
alunos
oriundos de
escolas públicas; a
LEI 8.213
para
garantir a
pessoas portadoras de alguma
deficiência
física o
acesso ao
serviço
público
via
concursos; a
Declaração
Universal dos
Direitos do
Homem,
que declara os
direitos da
pessoa.
Enfim, temos
também
que
considerar
que a
inclusão
social de
minorias
lingüísticas,
como as
comunidades de
surdos
que utilizam
como
meio de
comunicação a
Língua
Brasileira de Sinais-LIBRAS instituída
oficialmente
pela
lei 10.436 de 24 de
abril de 2002. E,
por
fim, fazemos
referência à
Declaração
Universal dos
Direitos
Lingüísticos (DUDL)
que, publicada
em 1996,
com
base
em
documentos
anteriores de
defesa da
identidade
lingüística
por
grupos e
instituições, considera
que a
maioria das
línguas ameaçadas do
mundo pertencem a
povos não-soberanos
como
resultado da
falta de
autonomia
política
imposta
por
práticas de
Estados
que impõem
sua
estrutura
político-administrativa e
sua
língua.
Pela
mesma
via a
Lei de
Diretrizes e
Bases da
Educação
Nacional (Lei
9.394, de 1996), ao
descrever no § 2º
que “a
educação
escolar deverá
vincular-se ao
mundo do
trabalho e à
prática
social”,
enuncia a
abertura da
formação de
jovens e
adultos
para
um
mundo
onde reinam
positivamente
o
trabalho e a participação
cidadã.
Mais
tarde, na
discussão dos
objetivos da
LDB
nos chamados
Parâmetros
Curriculares
Nacionais -
PCN, a conceptualização de uma
existência
social
conduzida
pela
liberdade e
pela
participação
crítica e
reflexiva a
partir da
escola
torna
evidente a
igualdade de
direitos
como
tópico
essencial da
vida
em
sociedade.
Contudo, a LDB
não contempla a
necessária
diferença de
oportunidades,
pois supunha a universalidade do
acesso à
escola. Esta
lei cai
em
parte no descritivismo da
razão instrumental e,
para a
sua complementação, cria-se uma
outra
lei
que cobrirá
um
aspecto
conceptual
não
previsto:
nem
todos têm
acesso à
escola,
principalmente ao
ensino
superior,
como
serviço
público organizado
pelo
estado
por
meio de
legislação. Estamos
nos referindo às
chamadas
leis de
cotas,
ou a
Lei Estadual 4.151
que prevê a redução de desigualdades étnicas,
sociais e econômicas. A
elaboração desta
lei
parte do intertexto das
desvantagens sofridas historicamente no Brasil
por
negros e
minorias étnicas. Acrescenta a
este
grupo,
outros
segmentos
que padecem de
certo
descompasso sócio-econômico. A
lei de
cotas
também
cria
jurisprudência
quando concebe
que “estudantes
carentes
oriundos da
rede
pública de
ensino” estavam afastados do
direito: a
escola
pública no Brasil
não tem competitividade
com as da
rede
privada, haja
vista o
sofrível
número de
universitários
oriundos da
rede
pública. O
texto da
Lei Estadual 4.151, no
seu Art. 1º, conceptualiza: “Com
vistas à redução de desigualdades étnicas,
sociais e econômicas, deverão as
universidades públicas estaduais
estabelecer
cotas
para
ingresso
nos
seus
cursos de
graduação aos
seguintes
estudantes
carentes: I -
oriundos da
rede
pública de
ensino; II -
negros; III -
pessoas
com
deficiência,
nos
termos da
legislação
em
vigor, e
integrantes de
minorias étnicas”. O
idealismo das
leis, limitado
pelo
conhecimento lógico-formal
meramente descritivo, positivado
pelo
legislador
racional,
não
mais responde
pela
base
material da
sociedade,
razão
pela
qual o
discurso
intertextual deve
aparecer na
nova
legislação.
O interdiscurso é o das
naturais
desigualdades
sociais e
econômicas,
que, no
caso
brasileiro, atinge
grupos
étnicos
em
função de uma
desigualdade marcada
como
histórica. As
vozes
não
presentes
em
textos
legais
anteriores
assomam a
nova
legislação de
inclusão
como
pertinência
discursiva e
conceptual
advindos do interdiscurso do DA (Direito
Alternativo).
Esta
nova
voz se
torna
presente e
completa
com
discurso o
vácuo deixado
na
não
contemplação
total do
paradigma
todos
são
iguais
perante
a
lei.
Confirmamos
nossa
hipótese de
que os
textos de
leis surgem
com
significados
conceptuais
implícitos, o
que significa
dizer
que a
vivência
histórica,
ou a
experiência
histórica,
informa da
necessidade de
regulação da
vida
em
sociedade
pela
via da
inclusão. A
vida
em
sociedade
também requer
recursos
próprios de
acessibilidade
a
portadores de
deficiência ao
mercado de
trabalho e a
lugares
públicos
tais
como
escolas e
universidades,
ou
mesmo no
espaço
público da
própria
cidade. A
Portaria 1679,
de 1999, dispõe
legislação de
“acessibilidade
de
pessoas
portadoras de
deficiências,
para
instruir os
processos de
autorização e de
reconhecimento
de
cursos, e de
credenciamento
de
instituições”.
Assim, a
conceptualização desta
lei,
nos
termos do
discurso de
igualdade, diz
respeito ao
fato de
que
não há
igualdade
plena se o
cidadão se
abstiver do
mero
direito de
ir e
vir. O
direito emana
das
necessidades
da
pessoa.
Ou seja, a
lei condiciona
o
funcionamento
de
direito se e
quando os
estabelecimentos
de
ensino
abolirem as
barreiras
arquitetônicas dos
espaços
públicos a
deficientes
físicos e
visuais. A
educação
especial será
o
modo
como a
Educação
promoverá a
inclusão.
Quadro
resumido
da
análise
do
discurso
de
lei
(Este
quadro resume
apenas
parte sas
leis
comentadas)
Lei/Declaração/
Portaria |
Ano |
Descrição |
Conceptualização |
Lei
Estadual nº 4.151 |
2003 |
lei de
cotas
para
ingresso
nas
Universidades
públicas,
com
vistas à
redução de desigualdades étnicas,
sociais e
econômicas. |
Intertexto
histórico
sobre as
desvantagens
sócio-econômi-cas sofridas
por
segmentos
étnicos
precisos |
Lei de
Diretrizes
e
Bases nº
9394. |
1996 |
que
trata da
integração
da
pessoa portadora de
deficiência
na
educação |
Interdiscurso
educacional
segundo o
qual a
deficiência
e
diversidade
não
impedem o
caráter
socializante da
prática
educacional.
|
Declaração
Universal
dos
Direitos
Lingüísticos |
1996 |
direitos
lingüísticos
como
direitos
fundamentais
da
pessoa.
|
Interdiscurso sociolingüístico,
segundo o
qual as
diferenças
lingüísticas
constituem variação,
diversidade,
discurso
que
coincide
com a
liberdade
política
de
expressão,
de
credo. |
LEI 8.213,
que
regulamenta
a
lei 8.213
de 24 /07/1991 |
1999 |
regula as
cotas
para
inclusão de
pessoas
com
deficiência
no
mercado de
trabalho |
Interdiscurso médico-trabalhista,
segundo o
qual
certas
deficiências
físicas
são
superadas
pelos
próprios
mecanismos
de
produção, no
trabalho.
|
Uma
breve
análise do
quadro das
leis de
inclusão
social
nos diz de uma transformação
que vem ocorrendo no
modo
como concebemos as
formas de
relações
já instituídas. Trata-se de
opor à
visão
comum, uma
outra
visão, aquela
que
nos diz
que
algo
falta à
legislação
que contemple o
que
não foi contemplado. E o
que
não havia sido contemplado
ainda
em
confirmações de
autoridade
legal
tão elásticas
como “todos
são
iguais
perante a
lei”, a
Constituição
Federal, e “todas as
pessoas nascem
livres e
iguais
em
dignidade e
direitos”, da
Declaração
Universal dos
Direitos
Humanos? O
caráter da
linguagem aponta
mais
para a
concepção
que
para a
descrição.
Assim, a
contemplação da
realidade parece se
fazer
com
termos
mais descritivos, daí a profusão de
Leis,
Cartas,
Declarações,
Portarias
que procuram
dar
conta
mais
concreta do
real. Trata-se
aqui da
crença de
que as
coisas
só se tornam
mais
eficazes
quando
escritas no
registro descritivo do
que
conceptual. A
concepção parece
ser aquela
estrutura
que
nos orienta
espiritualmente, ao
passo
que a
descrição,
para a
vida
concreta. É
como se a
concepção de
liberdade, de
direitos, de
igualdade estivessem
inteiramente
presentes no
caráter
geral de
textos
como o da
Declaração
Universal dos
Direitos
Humanos e da
Constituição
Federal,
contudo, à
espera de
seu
aspecto
prático,
aquele
que a
linguagem
não é
capaz de
estabelecer.
A
Declaração
Universal
dos
Direitos
e a
Língua
Brasileira
de
Sinais
-
Libras
Em
que
condições conceptuais surge uma
Declaração
Universal dos
Direitos
Lingüísticos,
bem
como uma
língua de
sinais
com
caráter de
língua
autônoma? A
própria
ciência
lingüística age de
forma
plena neste
sentido.
Primeiro
porque o
fator
político entrou no
mérito dos
estudos da
língua a
partir da
fundamentação da
Análise do
Discurso,
segundo a
qual as
circunstâncias do
dizer informam
sobre a
identidade de
falantes;
depois
porque a sociolingüística desenvolveu o
conceito de variações
lingüísticas, no
espaço de uma
mesma
língua a
partir das
pesquisas pioneiras de Labov
sobre a variação do
inglês
standard. O
conceito de
diferença ocupava o
lugar do
conceito de variação. O
conceito de
diferença
lingüística pressupõe
diferenças outras
fundamentais,
tais
como o
mau
falante tem
deficiências
em
outros
campos de
sua
formação, incluindo o cultural.
Já o
conceito de variação diz
respeito
inicialmente a uma
propriedade da
língua,
que repercute no
falante. Sendo
um
fenômeno multivariacional, a
língua
projeta o
falante
dentro de
um
grupo (ou
comunidade de
falantes)
que se distingue dos
demais. Assumindo o
princípio da universalidade e da
premissa da
diversidade
lingüística e cultural (DUDL) e de
código (Libras)
abolimos a
distorção do
valor das
línguas.
A DUDL
também entende
que a
não
compreensão da variação
ameaça
etnias inteiras. A
maioria das
línguas ameaçada do
mundo
pertence a
povos não-soberanos
como
resultado da
falta de
autonomia
política
imposta
por
prática de
Estados
que impõem
sua
estrutura político-administrativa e
sua
língua. Decorre
que a
imposição
direta de uma
língua
alheia gera
conflitos.
A
língua é
um
fator de
identidade,
por
ser “um
instrumento de
coesão,
identificação,
comunicação e
expressão
criativa”. Os
instrumentos desta avaliação, deste
discernimento,
são
primeiramente
científicos,
depois
políticos,
instrumentos
estes
definidos
tanto na
esfera da
lingüística
como
ciência
quanto dos
próprios
conteúdos
inerentes aos
textos de
lei. Há uma
clara
intenção
política,
quando uma
Declaração reconhece na
pessoa o
direito de “ser reconhecido
como
membro de uma
comunidade
lingüística”
ou de “ser atendido na
sua
língua
nos
organismos
oficiais e nas
relações socioeconômicas”.
Igualmente
quanto “a uma
presença
eqüitativa da
língua e da
cultura do
grupo
nos
meios de
comunicação” e “ao
ensino da
própria
língua e
cultura”. A DUDL legitima a
Libras.
Palavras
finais
O
que é
inclusão
social?
Como podemos
discursar
sobre
leis
que procuram
corrigir
gestos
humanos inscritos na
sua
natureza,
entre os
quais o
preconceito?
Nossa
hipótese é a de
que
toda
legislação,
por se
constituir
como
discurso, concebe a
linguagem na
sua
relação
intrínseca
com a
sociedade.
Diante da
legislação, o
material
lingüístico constrói
mais do
que
conteúdos
claros
sobre a
vida,
sobre
homens,
sobre a
sociedade:
ele recria o
modo
como procuramos
entender a
realidade, e as
formas de
relações
que procuramos
estabelecer
socialmente. Sabemos de
sua
precariedade (da
língua),
razão
pela
qual procuramos
conciliar nela todas as
forças
que atuam
positiva e
negativamente
sobre o
social. Sabemos
que
ela, a
língua,
não é
capaz de
tudo, de
notificar a
realidade
tal
qual
ela é (ou seria).
Assim, o
traço
político
essencial de
nossa
existência
só pode se
aninhar no
discurso.
Sobre a
língua, Benveniste (1963) atestou
que é
por
ela
que
indivíduo e
sociedade se determinam mutuamente,
dado
que
ambos
só ganham
existência
pela
língua. É
que a
língua é a
manifestação
concreta da
faculdade
humana da
linguagem, i. e., da
faculdade
humana de
simbolizar.
Língua e
sociedade
não podem
ser concebidas uma
sem a
outra. A
língua contém a
sociedade e,
por
isso, é o
interpretante da
sociedade. “A
língua é necessariamente o
instrumento
próprio
para
descrever,
para
conceptualizar,
para
interpretar
tanto a
natureza
quanto a
experiência”. A
língua permite
que o
homem se situe na
natureza e na
sociedade, se situe necessariamente
em uma
classe, seja uma
classe de
autoridade
ou
classe de
produção. A
língua sendo uma
prática
humana revela o
uso
particular
que
grupos
ou
classes de
homens fazem dela e as
diferenciações
que daí resultam no
interior da
língua
comum.
A
língua vem assumindo
gradativamente
um
posto
mais abrangente na concretização do
sonho
humano da
liberdade e da
igualdade de
direitos.
Isto se deve ao
desenvolvimento da
noção de
que a
língua
não é
um
mero
instrumento de
comunicação
isento. A
língua é
mais
que
isso: é
um
bem
capital
que
nos coloca no
mundo naquilo
que é
decisivo na
construção de
universos referenciais da
realidade.
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