AS
FALAS
REGIONAIS
DO
BAIXO
SÃO FRANCISCO
SERGIPANO
INFLUÊNCIAS
CLÁSSICAS, QUINHENTISTAS
E AFRICANAS
Stefania Buonamassa (UNIT e UFS)
INTRODUÇÃO
A
Língua
Portuguesa é
falada
em
Portugal,
em
alguns
pontos
da Espanha,
junto
à
fronteira
portuguesa,
nos
arquipélagos
de Açores e
Madeira,
no Brasil e
em
muitas
regiões
da África e da Ásia.
Segundo
Tagliavini (1999, pág. 440), a
história
da
Língua
Portuguesa pode
ser
dividida
em
dois
grandes
períodos:
o
arcaico,
do
século
XII
até
metade
do
século
XVI; e o
período
moderno,
da
metade
do
século
XVI
até
a
atualidade.
O
Português
arcaico
está intimamente ligado ao
Galego,
isto
é, ao
idioma
da Galícia,
tanto
é
que
a essa
fase
dá-se o
nome
de
Galego-Português.
Entretanto,
as
razões
históricas
ligadas
sobretudo
à reconquista do
território
ocupado
pelos
Árabes
fizeram
com
que
o
eixo
em
torno
do
qual
começou a moldar-se a
língua
se movesse
em
direção
ao
sul,
especificamente
entre
as
cidades
de Lisboa,
sede
da
corte,
e Coimbra,
sede
da
universidade.
Logo,
como
afirma Teyssier, “... esta
língua
galego-portuguesa do
Norte
vai
sofrer
uma
evolução
gradativa
e transformar-se no
português”
(1982: 7).
Durante
os
séculos
XV e XVI, a
expansão
do
português
correspondeu,
em
outra
escala
e
por
outros
parâmetros
sócio-históricos ao
mesmo
fenômeno
que
caracterizou a
expansão
do
Latim,
a
que
é
dado
o
nome
de
aculturação.
Do
ponto
de
vista
lingüístico,
a
aculturação
ocorre
porque
um
grupo
social
considerado
modelo
sócio-cultural age estabelecendo
através
da
norma
lingüística
um
paralelo
com
“normas
de
prestígio”,
ou
seja,
em
uma
sociedade
estratificada aparecem
configurações
lingüísticas
diferenciadas de uma
determinada
língua
histórica.
Transportando
esses
conceitos
ao descobrimento do Brasil, pode-se
identificar
uma
situação
parecida,
em
termos
de
escolhas
lingüísticas.Segundo
Teyssier os
indígenas,
que
foram os
primeiros
habitantes,
tinham
como
língua
principal
o
tupi
e a
partir
da
chegada
dos
colonos,
que
falavam o
português
europeu,
a
língua
oficializada passou a
ser
o
português.
Do
ponto
de
vista
de
diferenciação
dialetal,
no Brasil está
longe
de
ser
tão
variada e apresentando
formas
tão
diversas
entre
si
como
acontece,
por
exemplo,
em
alguns
países
da Europa,
onde
a
grande
variedade
de
línguas
de
substrato
determinou,
juntamente
com
outros
fatores,
uma
reação
étnica
mais
intensa
quando
da
queda
do
império.
As
variações geográficas do
Português
do Brasil correspondem
mais
a variações
fonéticas
e
lexicais,
correspondendo a
modos
diversos
de
pronunciar
as mesmas
palavras
ou
escolhas
lexicais
diversas
para
designar
o
mesmo
objeto.
Excluindo,
portanto,
áreas
fronteiriças,
que
ressentem
significativamente
do
idioma
de adstrato,
em
nosso
caso
o
espanhol,
não
se
poderia
afirmar
que
as
diferenças
dialetais
no Brasil
são
tamanhas a
ponto
de
impedir
a
comunicação
entre
membros
de
sociedades
diferentes,
coisa
que
acontece na Europa, na África, na Ásia,
por
exemplo,
se
esses
indivíduos
resolverem
utilizar,
cada
um,
seus
dialetos
correspondentes.
No
entanto,
se
não
há
grandes
diferenças
do
ponto
de
vista
dialetal,
é
verdade
que
as
diversidades
existentes chegaram a
estigmatizar
ou
privilegiar
determinadas
falas
regionais,
determinando, ao
nosso
ver
e ao
longo
do
tempo,
o
esquecimento
de algumas
variantes
que,
na
realidade,
encerram os
primórdios
da colonização
brasileira.
O
Nordeste
e a colonização portuguesa
Quando
os portugueses chegaram ao Brasil
em
1500
inicialmente
não
tinham
interesse
em
fixar-se no
território
o
interesse
só
veio
em
1530
com
Martim Afonso de Souza e
outros
governadores-gerais
com
implantação
das
capitanias
hereditárias.
Em
relação
ao
estado
de Sergipe,
vale
frisar
que
a
foz
do
São
Francisco
fora
descoberta
em
1501.
Imediatamente,
pensou-se no
rio
como
uma
via
de
penetração
e
exploração
do
território
recém-descoberto,
mas
a
existência
das
cachoeiras
de Paulo Afonso fez
com
que
logo
esse
propósito
fosse abandonado, e as
terras
do
São
Francisco foram destinadas à
criação
de
gado
para
corte
e
para
trabalho
nos
campos
de
cana-de-açúcar.
Testemunho
dessa
iniciativa
é o
nome
de muitas
cidades
do
Baixo
São
Francisco
sergipano
ligado à
criação
de
gado:
Poço
dos
Bois,
Poço
Redondo,
Malhada
dos
Bois,
Vaca
Serrada etc.
As
lavouras
de
cana
não
se serviram da
mão-de-obra
local.
É
importante
lembrar
que
os portugueses
não
encontraram uma
terra
desabitada,
pois
havia os
índios,
mas,
por
questões
diversas
que
não
cabe
discutir
nessa
ocasião,
não
se demonstraram
aptos
ao
trabalho
sistematizado, o
que
determinou a “importação”
de
mão-de-obra
escrava,
no
caso
específico
procedente
da África.
A
vida
na
colônia
brasileira
era
determinada,
portanto,
pela
convivência
do
português,
do
índio
e do
negro
sempre
resguardando
que
no Brasil a
produção
ligava-se aos
interesses
da
metrópole
e
por
isso
o
interesse
comercial
pela
cana-de-açúcar.
Assim,
o
litoral
brasileiro
guardava as
características
propícias
para
essa
cultura
por
isso
a
concentração
populacional na
região
Nordeste.
No
entanto,
não
se pode
esquecer
que
com
a
descoberta
de
ouro
no
século
XVIII o
eixo
econômico
começou a adentrar-se,
já
que
o
interior
brasileiro
começou a
ser
explorado e
então
começa
o
fluxo
populacional
para
São
Paulo,
Rio
de
Janeiro
e
Minas
Gerais.
Desse
modo,
e
desde
o
começo
da colonização, o
Baixo
São
Francisco
sergipano
aparece
como
um
“bolsão”
lingüístico,
no
qual,
em
função
da migração dos
interesses
econômicos
em
outras
direções,
permaneceram cristalizados os
falares
da
época.
Apanhado
das
características
dos
falares
do
baixo
são
francisco
sergipano
A
origem
dos
falares
no Brasil corresponde
exatamente
às
divergências
dos
falares
de Portugal
em
relação
às
regiões
do
norte
e do
sul
e ficamos
com
os
traços
marcados dos
falares
portugueses do
norte
e
por
generalização
das
maneiras
não
marcadas do Centro-Sul
(Teyssier, 1982: 98).
É
bom
destacar
que a
característica do
léxico nordestino se apresenta
com
reminiscências de “muytos
termos das
línguas bárbaras, e muytos
vocábulos do Portuguez
antigo” (Argote,
D. Jerônimo.
Contador de (1725), p.300)
No
entanto,
Teyssier (1982)
deixa
claro
que
tais
registros,
essencialmente
no
nível
fonético,
não
alteram
profundamente
a
estrutura
da
língua.
Efetivamente,
ao
observar
as variações
regionais
do Brasil, assistimos a alterações
fonéticas
importantes,
mas
a
estrutura
da
língua
permanece praticamente
intacta.
Essa afirmação, ao
nosso
ver,
pode
ser
explicada
pela
relativa
ausência
de
substratos
no Brasil, de
modo
que
as
interferências
lingüísticas
dos
vários
grupos
que
aqui
se instalaram
em
épocas
diversas,
em
razão
também
da
situação
social
desses
grupos,
não
sempre
dominante,
limitaram-se às
questões
fonéticas,
ora
ligadas
à
inadequação
das
capacidades
fonéticas
de
quem
vinha
falar
a
língua,
ora
devidas à
diacronia
que
caracterizou as
ondas
sucessivas de colonização portuguesa.
Para
analisar
os
falares
da
região
em
estudo,
foram adotadas as
técnicas
sugeridas
por
Fernando Tarallo
em
seu
“A
pesquisa
sociolingüística”. Os
sujeitos
da
pesquisa
foram entrevistados e
lhes
foi
pedido
para
relatar
um
episódio
de
suas
vidas.
Evitamos
falar
da
questão
lingüística
para
que
não
se sentissem inquiridos
justamente
nesse
aspecto
e
com
isso
falsear
nossa
pesquisa.
Os entrevistados foram escolhidos
entre
jovens
de 10 a 18
anos
e
pessoas
idosas,
acima
dos 60. A
escolha
deve-se ao
fato
de considerarmos essas duas
fases
importantes
para
o
levantamento
que
foi
feito.
Nos
jovens,
mais
ligados aos
meios
de
comunicação
de
massa,
foi
possível
notar
influências
do
eixo
sul-sudeste
em
suas
falas.
Já
nos
idosos
procurou-se
buscar
a
sobrevivência
de
características
fonéticas
e
lexicais,
sobretudo,
eventualmente
para
colaborar
com
seu
resgate.
A
região
geográfica
que
abrangeu a
nossa
pesquisa
foi o
Baixo
São
Francisco
Sergipano,
desde
sua
foz,
até
o
município
de Gararu.
Após
a
análise
das
narrativas,
foi
possível
evidenciar
uma
série
de
características
fonéticas,
lexicais
e sintáticas, a
seguir
indicadas e, na
medida
do
possível,
justificadas.
Características
fonéticas
(vogais
e
consoantes)
Em
termos
gerais,
foi observada a redução da
vogal
pretônica; verifica-se
que
os
nossos
entrevistados,
em
linhas
gerais,
elevam as
vogais
pretônicas [a], [e], [o]. A
abertura
vocálica
também
é
traço
saliente
dos
falares
da
região.
O grafema “e”
guarda
cinco
possibilidades
para
as
apresentações
fonéticas,
por
exemplo,
em:
estilo
/ istilo,
selo
/ seelo.
“E
ele
sentado
assim,
si
isprimia
pum
ladu,
si
isprimia
ou
outro”(Regiane,
6a
série,
Propriá)
“Já
num disse queu tô isplicando o
assunto?”(ibidem)
Queda
ou
síncope
da
vogal
final,
quando
precedida de
outra
vogal,
mas
também
síncope
de
consoantes
inicias e
finais:
“Chegô
e matô”(Luiz,
19
anos,
Município
de
Cedro
de
São
João) –
queda
do u
final;
“Num tá tomano
nada
gelado?”(Dolores,
58
anos,
Gararu) –
Elisão
do d do
gerúndio,
“Não
pudia sê de
trabalho”(Luiz,
19
anos,
Município
de
Telha)
–
queda
do r
final
do
verbo
ser,
confirmando a
tendência
a
elidir
essa
consoante
em
todo
verbo
ao
infinitivo.
Uma
outra
característica
típica
da
fala
nordestina é a
manutenção
do
som
[t] e [d] alveolar
diante
das
vogais
e e i. No
entanto,
por
influência
da
fala
do
eixo
considerado privilegiado
Rio
–
São
Paulo, o
som
alveolar evolui
para
palatal,
diante
dessas
vogais.
Isso
foi notado,
com
mais
ênfase,
nos
jovens:
“ela
ficô chatiada”
– (Eduardo, 18
anos,
Povoado
Escurial - Propriá)
“eles
num tiveram a
capacidade
de prende”
[d¥]
– (ibidem)
Notou-se
também
a
aspiração
do [s], precedido de
vogal:
“Despôis de véia
pra
quê
trabaiá se os
mar
novo
num trabáia!”
(Dolores, 58
anos,
Gararu)
“Só
vai botano duardequinhento”(Lucicleide,
23
anos,
Japaratuba)
“Hoje
eu
num quero mairnada
com
você”(ibidem)
“Oro dezocho mermo
aí”(ibidem)
A
mesma
aspiração
ocorre
com
o g
inicial:
“dexe
aberto
pra
quando
os
boi
viere a
rente
passar”
(rente
=
gente)
(Vanessa, 6a
série,
povoado
Escurial, Propriá).
Os
depoimentos
de Lucicleide alertam
para
outra
característica
do
linguajar
sergipano,
isto
é, a palatalização do [t]
mesmo
diante
de [o],
enquanto
característica
local.
É
comum
ouvir,
em
todos
os
níveis
de
população,
pronunciar
otcho (por
oito),
jeitcho (jeito).
Esse
fato
parece
ter
laço
com
a pronuncia espanhola,
porém
vale
ressaltar
que
tal
traço
existia na
Língua
Portuguesa
arcaica,
antes
que
o
século
XVIII providenciasse à
definitiva
ortografia
de
oito
ao
invés
de octo, o
que
deixa
pressupor
que
talvez
a palatalização do t seja
também
conseqüência
da
presença,
por
assim
dizer,
mal
administrada foneticamente, do c
oriundo
do
Latim.
Os entrevistados mostraram uma
certa
dificuldade
também
em
pronunciar
determinadas
seqüências
consonânticas,
como
taxi – takis / Claudiane – Caudiane / Clauber – Cauber.
“Tomei
um
ômbus
para
chegar
aqui”(Anônimo,
Neópolis)
“Cai
quando
desci do ombidus”(Lucila,
17
anos,
Neópolis).
Frise-se
que
nos
dois
casos
acima,
os entrevistados relutavam
em
pronunciar
a
palavra
certa,
preferindo
coletivo,
ligeirinho.
Lucila, especificamente, prefere “coletivo”,
palatalizando o [t], o
que
responde à
tendência
de uniformização à
fala
das
regiões
do
Sul.
Segundo
Serafim
da Silva
Neto,
essa
dificuldade
pode
ser
reconduzida às mesmas
dificuldades
ressentidas pelas
populações
africanas
quando
da
necessidade
de
pronunciar
determinadas
seqüências
consonânticas,
que
hoje
aparecem “quebradas”
pela
inserção
de uma
vogal:
Advogado
– adevogado
Objeto
– obijeto
Virgem
– vixi (em
exclamações)
Mulher
– mulé
ou
muié
Registro
- resistro
A
influência
dos africanismos
veio
se
somar
uma
influência
particularizada,
porque
quando
os
negros
chegaram
aqui
a
separação
da
língua
indígena
ainda
não
havia acontecido,
pois
a
imposição
do
Marquês
de
Pombal
só
aconteceu no
século
XVIII e parecido
com
o
tupi
o
Português
do Brasil se adaptou ao
linguajar
africano,
no
entanto
apenas
incorporando
palavras
no
seu
léxico
e à
medida
que
eles
foram se instalando no
interior
por
haver
justamente
uma
discriminação
por
serem
escravos.
Características
lexicais
Mais
uma
vez,
aquilo
que
é considerado “erro”,
em
muitas
ocasiões
pode
ser
reconduzido a
fases
arcaicas da
língua,
a
influências
clássicas
ou
de africanismos.
Alguns
exemplos:
Centrina,
indicando a
fossa
abaixo
do
banheiro
(Município
de
Cedro
de
São
João). O
termo
remonta
ao
século
XV,
quando
significava
esgoto,
latrina.
Cazupi,
indicando
pessoa
da
pele
branca.
O
termo
é uma
corruptela
de
cazumbi
ou
canzumbi,
regionalismo
de Brasil,
Angola,
São
Tomé e
Príncipe
para
identificar
fantasma,
espectro,
zumbi.
Também,
em
Angola,
o
termo
refere-se a uma
variedade
de
batata
selvagem,
azeda
e
esbranquiçada
interiormente.
A
etimologia
aponta
por
ka-nzumbi,
diminutivo
de nzumbi (angolano). Note-se
que,
em
ambos
os
casos,
as
palavras
têm
um
tom
pejorativo
e,
com
efeito,
os
falantes
utilizam essa
expressão
com
o
mesmo
tom
de
zombaria.
Ao
estudar
a
história
do
município
no
qual
esse
termo
é
bastante
usado, percebe-se
que
a
cidade
nasceu de uma
fazenda,
desmembrada
por
seu
dono
por
problemas
econômicos.
Os
lotes
foram adquiridos
pelos
trabalhadores,
todos
negros,
o
que
deve
ter
representado uma
espécie
de “vingança”
em
relação
ao
antigo
patrão,
permitindo
assim
associar
aos
brancos
essa
idéia
de
desprezo.
Purrão,
pote
contendo
água,
guardado nas
casas,
às
vezes
enterrado, de
grandes
dimensões.
Frise se
que
em
documento
literário
do Séc. XVIII aparece o
termo
púcaro
para
identificar
um
pote
de
água,
de
pequenas
dimensões:
“Ai
mulher, dá-me
um púcaro de
água
que
me
desmaio de
gosto!” (Antonio José da Silva –
Vida de d.
Quixote de la
Mancha e do
gordo Sancho
Pança).
De curiona
ou De curiola, utilizada
em
expressões do
tipo “trabalhei de curiona
durante 8
anos” indica
professor
auxiliar
que tomava
conta de
pequenos
grupos de
alunos. A
etimologia
mais
provável parece
ser
latina, decurio, onis,
chefe de uma decúria,
grupo de
dez
cavaleiros.
Alguns
termos
são
devidos à
etimologia
popular,
ou ao
uso dos
objetos
que as
palavras designam:
Baleadeira
por
estilingue,
devido ao
fato de
arremessar
balas;
Galinhota
ou
galeota, carrinho-de-mão utilizado
também
para o
transporte de
galinhas
para a
feira. Note-se
que
alguns entrevistados,
que passaram
anos trabalhando na
construção
civil
em
São Paulo abandonam o
termo de
suas raízes (compartilhado
com a Bahia)
em
favor de carrinho-de-mão.
Fubaiado
ou saruê:
adjetivo
dado às
pessoas de
pele
morena
que, ao permancerem expostas ao
sol, ganham
um
tom acinzentado
por
conta do
ressecamento da
epiderme.
Segundo Antonio Houaiss, o
termo fubaiado tem
origem no
dialeto de Moçambique, na
palavra fuba,
que identifica
espiga de
milho
sem
grãos (logo,
com
aspecto
esbranquiçado
ou descamado)
ou
ainda pêlagem de
gado branco-acinzentado.
Mulungum (galho
de
árvore
que serve
como
bóia). É
sempre Antônio Houaiss
que aponta o
termo
mulungu
como
planta,
árvore, de várias
espécies, dependendo da
região do Brasil. A
origem,
pouco
clara, parece
ser do
banto umbundo,
procedente das
áreas do
sul e do
centro de
Angola.
Imbuzada (preparado
de
umbu
com
leite). Percebe-se, nesse
termo, a
alternância
entre i / u
que caracteriza
vários
períodos da
evolução da
Língua Portuguesa,
até o
século XIX,
quando o
próprio
Machado de Assis
ainda
usa as
palavras dous, cousa,
em Quincas Borbas.
Bufum (doce
de
raiz de
pé de
umbuzeiro).
Esse
prato é
feito utilizando a
raiz do
umbuzeiro
em
períodos de
estiagem,
quando a
raiz absorve o
máximo de
água
que puder,
por
conta da
seca.
Logo, torna-se
mais
doce, evitando o
uso de
açúcar no
preparo do
prato. Etimologicamente, achamos
que a
conexão está no
fato de a
raiz
inchar
por
causa da
água.
Ora o
elemento buf- é
um antepositivo
em
voga
desde o
século XVI,
que está
associado à
idéia de
assoprar, inchando, provavelmente
por
influência do
francês bouffer.
Putiar,
que
não
poucos
sorrisos despertou, a
ser utilizado
por uma
senhora de
idade
avançada entretida na
confecção de
abanos de
palha de
bananeira, tem o
significado de
cortar e
entrelaçar,
com
clara
alusão ao
latino putare,
podar
em
português.
Características sintáticas
O
sistema
pronominal
do nordestino
trabalha
com
a
colocação
pré-verbal de
pronomes
átonos.
“Eu
num
si
esquici de
você
e das
coisa
que
si
passou “(Mônica,
27
anos,
Cedro
– note-se,
além
da
colocação,
a
falha
de
concordância).
“Ei
si
você
passassi
mais
alguns
dias
ia perdê a
perna”(Vanessa,
6a
série,
Município
de Propriá)
Existe a
junção
de
termos:
Purquela
num falôo”(Vanessa, 6a
série,
Município
de Propriá)
É
freqüente
a alteração da
concordância,
não
respeitando o
verbo
o
número
do
sujeito.
Sabe-se,
contudo,
que
isso
é
característica
da
Língua
portuguesa
desde
os
séculos
XII, XIII e XIV,
quando,
em
razão
da
influência
do
neutro
plural
latino
(terminação
em
–a), confundia-se
este
plural
com
o
feminino
singular,
gerando
confusões
sintáticas:
“As
mancambira (macambira
planta
de
folhas
duras e espinhosas) tomô
conta
de
tudo”(Zeinha,
38
anos
Estância)
“O chocaio
(sino
pequeno
presos
nos
animais)
das
vaca
faz baruio e
ela
fica cum neuvôso”(ibidem)
“e hi
moreo
grandes
gentes”
(A
batalha
de Salado,
autor
anônimo,
Período
arcaico)
Considerações
finais
Muito
embora
a
nossa
pesquisa
baseou-se
essencialmente
no
Estado
de Sergipe, pode-se
considerar,
com
relativa
margem
de
segurança,
que
também
em
outras
regiões
do
Nordeste
deva
existir
uma
cultura
e uma
língua
que
guardam as raízes da
formação
do
caboclo
em
sua
miscigenação,
ou
seja, a
mistura
do
europeu
com
o
índio
e
com
o
africano,
sempre
levando
em
consideração
que
a
componente
genuinamente portuguesa é de
origem
arcaica.
Nos
séculos
passados,
a
tradição
lingüística
do
português
brasileiro
aparece
bastante
maleável
em
relação
à
variante
de prestigio
oriunda
da
metrópole.
Com
efeito,
a
partir
do
século
XVIII inicia a delinear-se a “deriva
brasileira”,
ou
seja, o
modo
de
fala
português
típico
do Brasil
que
começa
a
rejeitar
as
formas
lusitanas da
península
Ibérica.
A
discussão
em
torno
desse
assunto,
torna-se
mais
acirrada no
século
seguinte,
quando
nomes
como
Machado
de Assis e Rui Barbosa (até
ele!)
defendem o
uso
de uma
língua
portuguesa no Brasil diferenciado daquela de Portugal. É
como
se o Brasil começasse a
tomar
consciência
de
sua
identidade
nacional
e
lingüística.
Em
algumas
regiões,
como
é o
caso
da nordestina, os
nativos
dos
municípios,
por
estarem isolados lingüisticamente de Portugal, guardaram na
mestiçagem
de
brancos,
índios
e
negros
as
adaptações
que
veiculam
um
português
que
ganha
palavras
em
seu
léxico.
Porém,
nos
últimos
tempos,
como
apareceu
em
alguns
traços
da
pesquisa,
as
influências
econômicas e
políticas
fizeram
com
que
os nordestinos começassem a
identificar
no
falar
da
região
Sudeste,
que
apresenta
um
grau
de
desenvolvimento
econômico
diferente,
uma
variante
de prestigio, abdicando de
seu
modo
de
falar
em
prol
da
adoção
dessa
língua
mais
sedutora,
por
assim
dizer.
Da
mesma
maneira
que
as ramificações dos
dialetos
brasileiros
se espalharam
por
este
país
vasto
pode-se
perceber
que
o
problema
lingüístico
é
apenas
um
reflexo
da
dependência
econômica,
política,
e cultural Se as
relações
de
dependência
forem alteradas,
certamente
também
haverá alterações no
comportamento
lingüístico.
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Até
a
metade
do
século
XVIII o
português
e o
tupi
eram usados
concomitantemente,
no
entanto
quando
da
descoberta
de
ouro
o Brasil teve
por
parte
do
Marquês
de
Pombal
um
controle
maior
e
assim,
fomos
obrigados
a utilizarmos
exclusivamente
a
língua
portuguesa.