O CUBISMO E A ARTE DE GRAFITAR
UM MÁGICO ENCONTRO ATRAVÉS DOS TEMPOS
Regina Lúcia de Araújo
(FACESA, FACEC e UNIPAC)
A Literatura é uma forma de arte, assim como a música, a pintura e a dança. O que a diferencia das demais manifestações artísticas é que a Literatura nos permite, pela interação com seus textos, tomar contato com um vasto conjunto de experiências acumuladas pelos ser humano ao longo de sua trajetória, sem que seja preciso vivê-la.
Toda forma de arte apresenta um determinado conhecimento, mas essa apresentação é feita de modo particularizado, pois o artista transpõe para um quadro, uma música, ou um livro, sua visão pessoal sobre determinada experiência ou acontecimento.
Nesse sentido, apreciar a arte significa lidar com sentimentos e dúvidas, emoções e perplexidades, enfim, todas as particularidades características dos seres humanos. (ABAURRE, PONTAR, FADEL, 2003: 2)
O mundo gira incessantemente. E neste movimento mágico e intrigante, ações e posturas, rebeldias e controvérsias acabam por se repetir, numa intrínseca relação de semelhança e cumplicidade.
Partindo desse pressuposto, a primeira fase do Modernismo com suas tendências de vanguarda, em especial o Cubismo - cujo principal objetivo era afastar-se da representação naturalista e mostrar formas sobre a superfície de um quadro a partir de vários ângulos - encontra-se novamente nos giros do mundo com a arte do grafite.
A proposta cubista centrava-se na liberdade que o artista deveria ter para decompor e compor a realidade a partir de seus elementos geométricos,segundo Picasso, ‘o trabalho do artista não é cópia nem ilustração do mundo real, mas um acréscimo novo e autônomo, (NICOLA, FLORIANA, ERNANI, 2002: 445)
O Modernismo surge num período de insatisfação, contradição, inquietação e desequilíbrio. O mundo espreitava uma ruptura com os laços tradicionais. Uma nova realidade se apresentava, sem limites, sem compromissos, sem preconceitos, primando-se pelo direito de expressar os pensamentos e desejos sem medo de recriminação. Sob este clima, surgiram movimentos artísticos voltados para uma nova interpretação e expressão da realidade.
Manifestado especialmente pela arte, mas manchando também com violência os costumes sociais e políticos, o movimento modernista foi o prenunciador, o preparador e por muitas partes o criador de um estado de espírito nacional. A transformação do mundo, com o enfraquecimento gradativo dos grandes impérios, com a prática européia de novos ideais políticos, a rapidez dos transportes e mil e uma outras causas internacionais, bem como desenvolvimento da consciência americana e brasileira, os progressos internos da técnica e da educação, impunham a criação de um espírito novo e exigiam a reverificação e mesmo a remodelação da Inteligência nacional. Isso foi o movimento modernista, de que a Semana de Arte Moderna ficou sendo o brado coletivo principal. (NICOLA, FLORIANA, ERNANI, 2002: 480 / ANDRADE, MÁRIO: 1974)
No campo da pintura, o cubismo como uma tendência artística propõe o fracionamento da realidade e, em seguida, sua remontagem através de planos geométricos e superpostos. Não existe preocupação com os padrões estereotipados das noções de belo ou de feio. O essencial é o registro da expressão do mundo, seguindo uma leitura do artista.
O movimento objetivava a imaginação contra a lógica, o domínio da consciência e a busca de imagens provocantes, renegando a arte enquanto imitação do real.
De acordo com Pablo Picasso,
Toda a arte é abstrata, pois deriva, evidentemente, de algo anterior a ela. E nada melhor que a liberdade criativa. Pois quem acha que arte é real, baseada em relações lógicas, não tem capacidade de abstrair.
A arte é o espelho social de uma época, pois nos mostra a face do artista e também o cenário no qual produziu sua obra, ou seja, a sociedade em que viveu. (ABAURRE, PONTAR, FADE, 2003: 2)
Analisando o grafitismo sob esta ótica, percebem-se semelhanças relevantes. O grafite também é usado por jovens e demais artistas adeptos para expressar sua visão da realidade, retratando sua inconformidade com o contexto social/econômico vigente, ou fazendo apenas “arte”, através de uma rica mistura de técnica e dom.
Escrito ou desenhado em qualquer superfície, as formas advindas do grafitismo remontam uma época, sociedade ou contexto cultural. Uma arte que transforma o feio em bonito, com um certo espírito missionário.
As obras também são realizadas mediante uma remontagem de quadros da realidade, com traços e cores que promovem a formação de um imenso mosaico. Os personagens reais constroem-se num universo que parte da ótica do artista. Às vezes chocante, outras de difícil compreensão, o grafitismo brinca com as cores e formas, distorcendo-as propositalmente. O resultado é um imenso quadro quase que alucinógeno do real. As formas realizam um jogo lúdico diante do olhar do espectador que percebe retratada à sua frente uma faceta do seu cotidiano.
O grafite firmou-se como arte e expressão dos jovens, e prova disso são os projetos realizados no seu entorno. Sob esse enfoque, destaca-se a homenagem feita ao jornalista Tim Lopes por um grupo de 20 grafiteiros que pintaram um muro com 30 metro de comprimento no Morro do Cantagalo. O painel fica na parte externa do Espaço Criança Esperança e, segundo o rapper Def Yuri, que ajudou na organização do evento, “o mural é um tributo à liberdade de expressão”. De acordo com Carlos Esquivel, outro artista participante, “não adianta pintar só flores, se a violência também faz parte da realidade.”
A pintura de um menino armado ao lado de um menino com um carrinho retrata a dura realidade da criança que tem sua infância roubada pelos grilhões do crime e da violência. É uma realidade gritante para a qual não adiante fechar os olhos.
Tal realidade foi também retratada, recentemente, em Vigário Geral (Rio de Janeiro), onde a CUFA - Central Única das Favelas - promoveu um grande mutirão de grafiteiros para pintar o quarteirão dos muros que cercam o Centro de Arte daquela localidade. Nos quadros retratados, as formas e as cores vibrantes denunciavam cenas diárias de um povo que sofre pela discriminação e com a violência. Em alguns quadros, o sonho da paz surgia evidente por entre o bailado das distorções geométricas.
Em São Paulo, o Projeto Aprendiz ensina a arte de grafitar a crianças e jovens, que entendem logo a importância do movimento como oportunidade de expressão.
Como ressalta ABAURRE, PONTAR, FADEL (2003: 2),
Pelo estudo das diferentes formas de arte, entramos em contato, de modo indireto, com as características da época em que as obras foram produzidas. Essa experiência nos permite compreender melhor, como, ao longo de sua existência, o ser humano tem visto o mundo em que vive. Afinal, se podemos dizer que somos fruto da sociedade em que vivemos, temos também de aceitar que nossas crenças são reveladas ao nos expressarmos e, principalmente, pelo modo que a fazemos.
Projetos como os supracitados revelam que, assim como o Cubismo, o grafitismo surge como a arte de luta e denúncia, como também de exaltação ao belo.
Vale ressaltar ainda que, na literatura, o Cubismo propunha a utilização do verso livre e a abolição da sintaxe, formando um estilo próprio. Assim, também, os grafiteiros têm uma linguagem própria, com gírias e costumes que lhes são peculiares.
A semelhança entre movimentos dispostos em épocas tão distantes revela que a arte rompe a fronteira dos tempos, firmando-se como um instrumento de protesto e reformulação dos preceitos já estabelecidos, porque toda arte é uma forma de construir.
A arte é um fazer. A arte é um conjunto de atos pelos quais se muda a forma, se trans - forma a matéria oferecida pela natureza e pela cultura. (Alfredo Bosi)
BIBLIOGRAFIA
ABAURRE, Maria Luíza. PONTARA, Marcela Nogueira. FADEL, Tatiana. Português: língua e literatura. 2ª ed. - São Paulo: Moderna, 2003.
ANDRADE. Mário. Aspectos da literatura brasileira. 5ª ed. São Paulo: Martins, 1974.
NICOLA, José de. TERRA, Ernani. CAVALLETE, Floriana Toscano. Português para o ensino médio: Língua, Literatura e Redação. São Paulo: Scipione, 2002
www.movimentohiphop1.hpg.com.br/grafite.htm