Um estudo fonoestilístico
da
canção A rural II, a missão
, de Neo Pineo

Kilpatrick M. B. Campelo (UECE)

 

Introdução

O foco fundamental desse trabalho é de ordem fonoestilística, mas se travam discussões fonético-fonológicas com vistas a delimitar mais claramente o alcance dos fenômenos que são explorados para fins estilísticos.

Em razão da carência de assentamento acerca do lugar da estilística nos estudos lingüísticos, expomos nosso entendimento sobre o escopo epistêmico-metodológico de um estudo que se considera estilístico. Nesse trabalho, especificamente, tratamos da incidência de estilo no âmbito fonético e fonográfico.

A fonoestilística, por natureza, especula sobre fenômenos que excedem a funcionalidade estritamente fonológica, dado que lida com aspectos característicos da fala ou de produções individualizadas. Essa característica não lhe suprime o rigor descritivo, conquanto não se lhe possa prover com a mesma sistematicidade própria das descrições formais estruturais e gerativistas da fonologia.

Em razão de aspectos de ordem fonética e social serem levados em consideração, considerações sociolingüísticas serão feitas a fim de se apontar as possíveis fundações e implicações do emprego de fenômenos fonéticos próprios do Ceará. Além disso, serão mencionadas as escolhas lexicais relacionadas com as análises fonoestilísticas. Em se tratando de fenômenos regionais de caráter segmental, merece especial consideração a reificação, por ser um dos fenômenos fonéticos mais explorados pela canção. A saliência conferida à reificação fez-nos dedicar-lhe uma seção específica de análise.

Ademais, aspectos relativos ao humor serão conectados ao modo de exploração de questões fonéticas (segmentais e supra-segmentais). Ressalte-se que as explorações estilísticas de âmbito estritamente lexical não foram analisadas no corrente artigo.


 

A relação entre os conceitos de estilo
e a
canção sob análise

A escolha dessa canção para uma discussão sobre estilo é bastante interessante, porque vários conceitos de estilo podem ser observados. A princípio, deve-se atentar para a questão do estilo como desvio, dado que se pode dizer que o compositor explora o estilo (supostamente privativo dos falantes interioranos do Ceará) – modo de falar desviante – dos sertanejos para expressar o humor. Nesse caso, o estilo é tanto o desvio de uma norma lingüística, quanto o conjunto de seleções que compõem a própria variação, estilo entendido como marca peculiar de uma comunidade de falantes. O estilo também está presente como o enquadramento criativo de um referente, isto é, o macroevento da viagem de pessoas interioranas para o litoral foi expresso de forma singular. E ainda, o estilo pode ser encontrado como um recurso de adequação entre a forma e o conteúdo, isto é, a escolha da substância lingüística foi feliz por atingir os efeitos expressivos e conteudísticos pretendidos. Nesse último caso, pode-se alegar que houve uma similitude entre o plano da expressão e o plano do conteúdo, e essa motivação é que caracteriza o fenômeno estilístico.

 

Procedimento de análise
– a possibilidade de
estudo estilístico-científico

As análises de caráter fonoestilístico são muitas vezes tachadas de impressionísticas, porque, por vezes, correm muito ao sabor das impressões do analista. Isto ocorre porque os fenômenos fonoestilísticos estão pouco sujeitos a uma categorização rígida em um sistema de valores fechado por uma razão simples: não são fenômenos de ordem funcional. No entanto, procuramos desvelar as conexões pertinentes entre o conteúdo do texto e a forma expressiva empregada para transmiti-lo.

Ao principiarmos as reflexões para a consecução da análise, duas opções teóricas avultaram-se-nos: a primeira é a de que podemos assumir o impressionismo geral dos estudos estilísticos e tecer considerações igualmente eivadas de personalismo, o que significaria que, no mínimo, a assunção de que esse componente da língua é rebelde à taxonomização científica; a segunda é a de admitir a impossibilidade aplicativa dos estudos estilísticos em razão de sua insolubilidade teórica. Isto é, por indispor de um objeto e método de investigação precisos e consentidamente definidos, os estudos estilísticos extrapolam os limites de uma pesquisa de cunho lingüístico (Duarte: 2002). A primeira opção deposita demasiado poder ao escrutínio, à perspicácia e à inventividade do analista, é, portanto, demasiado engenhosa. A segunda manifesta uma impaciência ao lidar com fenômenos aparentemente fugidios e fluidos da língua: se não se pode apreendê-los com o rigor formal, então, abandonemo-los, esses temas; é, portanto, iconoclasta e rechaça qualquer tentativa de formalização.

Talvez tais considerações, ao fim e ao cabo, correspondam à verdade, de um ponto de vista estrutural. Mas, essa limitação não deve impedir que sugerências enriquecedoras sejam trazidas a lume em virtude da ainda incipiente delimitação do alcance teórico-conceptual da estilística e da propalada insolvência empírica de seu objeto, o qual se furta a um rigoroso raciocínio teórico-dedutivo.

Admitamos, enfim, essas limitações, e mesclemos categorias que têm a pretensão de generalidade, o que constituiria em parte o arcabouço teórico-dedutivo, com observações oriundas das reflexões do analista, o que constituiria a banda indutiva da análise. Com tal composição, encontramo-nos de algum modo justificados para levarmos a cabo uma descrição que não parta exclusivamente de descrições vinculadas ao texto, o que configuraria uma análise puramente engenhosa e demasiado específica, mais próxima da impressão ou até mesmo, in limine, da co-criação ficcional; nem tampouco, por outro lado, creditarmos uma pretensão de alcance de generalidade extensível a outros corpora, o que se aproximaria de uma axiomatização com alto poder de predictibilidade e generalidade, conferindo uma potência descritivo-formal excessiva a um conhecimento que lida com especificidades. A análise de quaisquer outros corpora, na verdade, desde que se queira respeitar a singularidade de cada produção estilística, deve dobrar-se a essa tarefa de confrontar a generalidade teórica, conceptual e metodológica e a singularidade da criação a fim de que se assegure, minimamente, a sua cientificidade.

Na verdade, o fenômeno estilístico requer um tratamento analítico capaz de equilibrar informações de cunho estritamente formal e informações provenientes da obra ou produção artística sob análise.

 

A relevância da reificação
um tratamento estigma

Convém asseverar inicialmente que a reificação ocorre em três contextos fundamentais, a saber: declive silábico em sândi externo; aclive silábico em início de palavra; aclive silábico em meio de palavra; e declive silábico em meio de palavra. Não ocorre, portanto, em posição de declive em final de palavra, quando, na verdade, no falar cearense, há uma tendência de apagamento da fricativa /s/, única possibilidade fonética de substituição pela glotal característica da reificação [h].

A motivação original, supõe-se, para a aparição desse fenômeno se atribui a uma lenização, dado que a posteriorização implica um menor esforço articulatório.

Em se tratando especificamente da reificação, fenômeno responsável pela posteriorização de fricativas, RONCARATI(s/d) postula que a incidência da reificação não deve ser atribuída estritamente a fatores de ordem fonética. Em seu estudo, lança mão do difusionismo lexical para caracterizar os contextos de ocorrência da reificação. Os contextos relacionados pela autora são os seguintes:

a)     distância da tônica antecedente/subseqüente

b)    contexto fonológico antecedente e subseqüente;

c)     marca de desinência verbal.

Façamos um comentário sucinto a respeito de cada um dos tópicos considerados relevantes. A distância somente mostrou-se representativa para provocar a reificação ou apagamento nos itens lexicais mesmo (['meɦmʊ] e ['meØmʊ]) e gente (['hěʧɪ] e ['ěʧɪ]) e a reificação na desinênciaava das formas verbais da primeira conjugação.

Com relação ao contexto fonológico, a intercalação da fricativa labiodental entre as vogais [a] e [ə] da desinência de pretérito imperfeito mostrou-se bastante produtiva como ambiente de ocorrência da reificação. Quanto à interferência do segmento consonantal, a autora assinala a recorrência de contextos em que contínuas sem fricção – as laterais e nasais /l/, /m/ e /n/ – sucedem a reificação, conquanto ocorra também ante o fonema /d/.

Finalmente, a articulista destaca a marca de desinência verbal ava, em que a reificação se mostra bastante produtiva.

Na canção sob análise, o compositor se apercebeu da existência do fenômeno. Mas, limitou seu contexto de ocorrência à fricativa labiodental /v/. Essa restrição comprova a sensibilidade parcial do artista para o fenômeno da reificação, o qual, para ele, serviu de matéria-prima para a produção de uma canção com fins humorísticos. Vejamos detidamente todos os casos de reificação apresentados pela canção no tocante à reificação:

Forma transcrita
do
texto

Transcrição
fonética

Forma
ortográfica

Total de
ocorrências

1. laireym

['ɦěɪ]

vem

5

2. raí

['ɦaɪ]

vai

8

3. ramu

['hamʊ] ['ɦamʊ]

vamos

19

4.

['ɦe]

6

5. carra

[ka'ɦə]

cavar

2

6. lylerrá / lerráa

[le'ɦə]

levar

2

7. roce

[ho'se]

você

2

8. sórrenussenarw

rreno

['ɦěnʊ]

vendo

2

9. num nada

['ɦa]

3

10. syrrôla´atrayz

ôssyrrôla na frent

['ɦo]

vou

3

Percebe-se pelas ocorrências listadas acima que o compositor restringe a reificação estritamente à substituição da fricativa labiodental vozeada /v/ pela glotal vozeada ou desvozeada marcadora da reificação no Ceará. Ora, essa restrição evidencia o desconhecimento do cantor das outras possibilidades de reificação. A própria canção oferta contextos favoráveis à reificação, os quais não foram explorados pelo artista, tais como os seguintes:

(1)  In´rriba das maaala... (em riba das malas)

(2) naja nela (na janela)

Tanto em (1) quanto em (2) poderia ter havido a reificação, que as fricativas alveolar sonora e palatal sonora são substituíveis pela glotal[1].

Não se trata de uma canção que intente promover ou valorizar esse traço da fala e, por conseguinte, da cultura cearense. Ao contrário, seu intuito é gerar o riso por meio da saliência conferida, supostamente, a um traço privativo da cultura cearense, e, quiçá, de parcela da cultura, aquela que é popular e economicamente carente.

A estigmatização da reificação não encontra guarida entre outros falantes nordestinos que a praticam. Segundo CANOVAS (1996:191-2, apud RONCARATI), os falantes soteropolitanos, ainda que alertados para a pronúncia reificada, não se sentem constrangidos em nenhuma medida. Ressalte-se que a reificação, conforme os resultados do autor mencionado, não se limita às classes populares ou a informantes de baixa escolaridade. Não se trata, portanto, de um fenômeno restrito a determinados grupos de falantes. Nem tampouco um fenômeno que ocorra tão somente em situações de distensão comunicativa, dado que foram registradas ocorrências em situações tensas. Descarta-se, portanto, a regulação do fenômeno com base nas variáveis registro e classe social. Talvez seja mais acertado dizer que se trata de um fenômeno regional, ainda que estudos mais aprofundados, fundamentados em corpora de diversa natureza, precisem ser empreendidos a fim de comprovar a difusão regional da reificação.

A reificação, portanto, de forma assistemática, presta-se principalmente para provocar o riso entre os ouvintes da canção ou leitores da letra. O compositor conta com um julgamento estigmatizador da produção da reificação, como um traço revelador de baixa escolaridade e de estatuto sócio-econômico baixo. A ridicularização da forma de falar de indivíduos provenientes de classes baixas, os quais, geralmente, são também os menos escolarizados revela uma avaliação sócio-econômica e lingüística extremamente preconceituosa. Ainda que a canção apresente traços engenhosos e estabeleça vínculos curiosos de aspectos culturais e interculturais da cearensidade, ela não se questiona sobre suas implicações estigmatizadoras. Além disso, ela apresenta uma falsa impressão sobre o estatuto efetivo da reificação no Ceará, cujo levantamento ainda necessita ser feito, dado que provavelmente, conforme os trabalhos de pesquisadores de outros estados nordestinos, ela não se limita à fala de usuários sócio-economicamente desfavorecidos ou de baixa escolaridade. Nesse sentido, ela exerce uma influência negativa sobre esses possíveis usuários, porque os torna alvo de ridicularização.

Feitas essas considerações, conquanto pareça curiosa e engenhosa a canção, ela difunde um juízo negativo sobre a reificação cearense.

 

As sugerências evocadas pela reificação
e
por elementos supra-segmentais e gráficos

No que diz respeito à reificação, o seu uso reiterado ao longo da canção, juntamente com a escolha de palavras com a presença da glotal [h] (CALLOU, definição clara da posteriorização do /R/ no português em geral, e no falar cearense em particular. P.77), provoca a evocação do universo árabe. Na língua árabeum uso marcante de vários fones velares e aspirados. Essa similitude fundamenta a ligação entre a cearensidade e a arabicidade. O compositor, conquanto possivelmente não conheça a língua árabe, sabe da existência de sons líquidos velares e aspirados semelhantes aos existentes em português, em especial, no Ceará. Essa semelhança fônica é a matriz para a produção de outras conexões com o mundo árabe. Essas conexões se expandiram, portanto, do universo lingüístico para o universo semiótico em geral. Ícones característicos do mundo árabe são apresentados no encarte em que a letra da canção é apresentada. São eles: o formato especial que se conferiu à letra, com uma estilização que evoca o sistema de escrita árabe; um desenho de fundo com a presença de edifícios com a arquitetura árabe, com uma duna e com beduíno sobre um camelo; finalmente, o próprio compositor, trajando um turbante árabe. Toda essa série de ícones assinala com clareza as conexões pro-vocadas e e-vocadas pelo assemelhamento lingüístico.

O compositor revela um conhecimento extremamente leigo do fenômeno da reificação, dado que o associa aos falantes interioranos. Além disso, ridiculariza-os pelo embaraço e constrangimento sofridos ao seguirem para o litoral e terem seu primeiro contato com o mar (ramu o mar). O modo de narrar as peripécias ridiculariza o sertanejo, mas essa ridicularização é, de forma preponderante, assinalada por meio da reificação. Não há, por conseguinte, uma promoção da cultura, no sentido de exaltá-la (como ocorre em canções de Luís Gonzaga, por exemplo), mas de ridicularizá-la.

É importante frisar também que esse caráter escarnecedor é típico do gênero discursivo forró. Nas canções de forró, gênero musical nordestino por excelência, o escárnio e o humor erótico (pornoinsinuante) são muito comuns. As letras das canções de forró têm, em regra, esse caráter bufão e debochado. Em cantores como Luiz Gonzaga, explora-se o modo de viver do sertanejo de forma pitoresca e, mesmo nele, um tanto quanto depreciativo, mas não com a intensidade das canções mais recentes. O rir de si mesmo, no entanto, não é necessariamente encarado, ao menos conscientemente, como um elemento provocador de depreciação cultural. Trata-se de uma cultura que não se leva a sério. Enfim, essas letras têm algo de arlequinesco de picaresco.

A ocasionalidade de exploração do fenômeno, isto é, a sua restrição apenas à substituição da fricativa labiodental demonstra claramente o desconhecimento do compositor da complexidade e da extensão da reificação. A reificação não se limita a substituir a labiodental vozeada [v], conforme explicitamos acima.

Além dos fatores de ordem segmental, entre os quais centramos maior atenção à reificação (outros estão presentes como ditongação, monotongação, síncope da oclusiva dental em formas de gerúndio, despalatalização), é relevante ressaltar a importância da entoação como forma de verticalização da sugerência de conexão entre a cearensidade e a arabicidade. O modo de entoar a canção evoca nitidamente o modo de cantar dos dervixes ou daroês, os quais são religiosos ascetas que demonstram sua devoção por meios de cantos ou gritos.

outros elementos reveladores de uma visão estigmatizadora desses turistas atrapalhados, tais como o apagamento da líquida glotal ou vibrante das formas de infinitivo, a síncope da oclusiva dental ou alveolar vozeada [d] das desinências de gerúndio (renu), no nível fonético; ou o emprego do pronome ´lhe´ como pronome objeto diretoembora tal fenômeno não se restrinja a falantes de comunidades sertanejas; ou pelas escolhas lexicais populares tais comoacunhar’, ‘merol’, ‘in riba’.

Essas evocações oriundas dessa contigüidade fônica podem sugerir ainda outras similitudes entre o Nordeste o mundo árabe, em termos etnográficos, o biótipo (provavelmente em virtude do fluxo migratório de indivíduos daquela região) e, em termos geográficos, a paisagem semi-árida.

 

Considerações finais

O trabalho revelou quereconhecimento da reificação na comunidade cearense, no entanto, aponta para a presença de preconceito lingüístico. O preconceito lingüístico, com suas características escarnecedoras de determinadas possibilidades de articulação ou expressão lingüística, estigmatiza usuários, expondo-os ao ridículo. Sob a faceta humorística, novamente, se permeiam e perenizam preconceitos, dado que não se empreendem reflexões mais acuradas sobre as possíveis repercussões da propagação desses preconceitos. Como preconceitos, são meros juízos que se afirmam pela imposição de determinadas preferências de determinados grupos de falantes, de forma assistemática, dado que, não raras vezes, os estigmatizadores, ele próprios, também são usuários de possibilidades expressivas estigmatizadas pela norma prestigiada ou pela norma difusamente descrita pelos manuais normativos.

Por outro lado, o artigo mostrou como o compositor, mui engenhosamente, trouxe a lume sugerências com o universo cultural árabe por intermédio de uma similitude fônica entre o fenômeno da reificação e o sistema fonológico do árabe. Essa contigüidade fônica está na base de todas as evocações reflexas, conquanto não se possa conceber que o efeito humorístico produzido pela audição da canção e leitura de seu encarte provenha apenas do achado da referida similitude ou do embaraço dos personagens vagamente descritos no evento codificado pela letra da canção, nem tampouco das sugerências de vocábulos fonológicos que se reportam ao universo semântico do baixo corporal (syrrôla´atrayz, ôssyrrôla na frent, ôsyrrôla naja (a cobra) nela). O efeito humorístico provém, sobretudo, da exploração preconceituosa e estigmatizadora da reificação, cujo perfil no estado do Ceará, repetimos, ainda está por ser criteriosamente traçado, mas que, com base em trabalhos de pesquisa em outros estados nordestinos, não se limita a falantes de baixa escolaridade ou baixa renda, como a letra da canção, infelizmente, sugere.

É preciso considerar que aindamuito o que se dizer sobre a manifestação da reificação e fenômenos similares na(s) norma(s) popular(es) do português do Ceará. Da mesma forma, é necessário refletir sobre as repercussões dos juízos, a chamada norma subjetiva de Labov, da comunidade praticante dessa sorte de realização fonética. Não há, parece-nos, um ajuizamento constituído a respeito. Há uma difusa impressão de hilaridade ao se ouvirem realizações fonéticas do mesmo estatuto da reificação. Não desconsideramos, contudo, que outros fatores de ordem lingüística e etnológica mereçam apreço para se configurar o preconceito lingüístico no Ceará, noutros termos, a posição social do usuário, outros fatores de ordem fonética e supra-segmental, como a realização das vogas pré-tônicas, apócopes de sibilantes constituintes da assim chamada concordância redundante e elementos da prosódia local, como o não devidamente investigado contorno nasal em contextos não nasais e a existência de sons vocálicos nasais baixos (descrição não prevista entre foneticistas nacionais para a variedade brasileira do português). Para declararmos o que ora declaramos, valemo-nos de nossa própria convivência com falantes cearenses das mais diversas idades, níveis de escolaridade, gênero e regiões do estado.


 

Referências bibliográficas

ALLOU, D; LEITÃO, Y; MORAES, J. Processos de  enfraquecimento consonantal no português do Brasil. In: ABAURRE, Mª & RODRIGUES, Ângela. Gramática do  português falado. v. VIII: Novos estudos descritivos. Campinas: UNICAMP, 2002.

PINEO, N. Forrock arabience. Fortaleza: Somzoom, 1999.CD.

RONCARATI, C. Variação fonológica e morfossintática na fala  cearense.

DUARTE, P. M. T. Fato de estilo. Fortaleza: EDUFC, 2002.

 


 


[1] Em verdade, não houve uma construção embasada em uma pesquisa, nem se pode alimentar essa expectativa em uma canção de caráter popular, cujo público alvo não é seguramente constituído por lingüistas ou, mais especificamente, por foneticistas ou fonólogos. De qualquer forma, evidencia-se que o autor somente leva em consideração um dos contextos possíveis de incidência da reificação.