A
COESÃO
LEXICAL
NAS
REDAÇÕES
DE
VESTIBULAR
Lygia Maria Gonçalves Trouche
(UFF)
Esta
comunicação
tem
como
objetivo
descrever
especificamente os
processos
de
coesão
lexical,
predominantes nas
redações
de
vestibular
de 2002 da
Universidade
Federal
Fluminense,
como
um
dos
focos
da
pesquisa
que
venho desenvolvendo no
Departamento
de
Letras
Clássicas e Vernáculas da
Universidade
Federal
Fluminense.
Escolhemos,
como
corpus
de
pesquisa,
as
redações
de
vestibular,
como
um
gênero
discursivo,
que
supostamente
o
aluno
deve
dominar
ao
término
do
Ensino
Médio,
e
por
constituírem
um
material
rico
e adequado à
análise
proposta,
visto
configurarem uma
amostra
do
domínio
(ou
falta
de
domínio)
desse
aspecto
relevante
da
escrita.
Espera-se do
aluno,
nesta
fase,
que
produza
texto
na
modalidade
e
nos
limites
solicitados, mostrando
ser
capaz
de
inter-relacionar
idéias,
argumentar
e expressar-se
com
vocabulário
apropriado
e
em
estruturas
lingüísticas
adequadas e
bem
articuladas, realizando a
coesão
textual.
O
resultado
dessa
análise
poderá
servir
de
indicador
para
procedimentos
pedagógicos
que
visem à
aquisição
de
competência
na
produção
textual
dos
alunos.
A
experiência,
no
entanto,
tem apontado sérias
dificuldades
que
os
candidatos
apresentam na
realização
de
seus
textos
referentes
à
prova
de
redação.
Esse
fato
traz à
reflexão
algumas
questões
recorrentes
no
ensino
de
língua
portuguesa
que
tem sido tradicionalmente
desenvolvido
em
nosso
país,
enfatizando a
metalinguagem
em
detrimento
da
reflexão
didática
sobre
os
aspectos
textuais
propriamente
ditos.
Para
a
análise
da
coesão
lexical,
tomo
por
base
teórica
o
texto
de Inês Duarte “Aspectos
lingüísticos
da
organização
textual”
publicado na
Gramática
da
Língua
Portuguesa (Lisboa:Caminho,
Coleção
Universitária
,
série
Lingüística,
2003) e de Ingedore Koch “Coesão
textual;
conceitos
e
mecanismos”
(Coesão
textual.
São
Paulo:Contexto,
2001.)
A
discussão
teórica
sobre
o
assunto
permite-nos
entender
que
a
coesão
lexical
não
constitui
um
mecanismo
independente
das
demais
formas
de
remissão
a
elementos
do
texto.
Os
mecanismos
coesivos
são
responsáveis
pela
progressão
textual,
ativando as
instruções
de
sentido
que
vão
conferindo organicidade ao
texto.
Pode-se
dizer
que
a
coesão
lexical
responde
fundamentalmente
por
aspectos
semânticos,
já
que
as
formas
remissivas referenciais
devem
manter
com
seu
referente
textual
relações
de contigüidade
semântica,
quer
dizer,
as
expressões
lingüísticas
que
promovem a
coesão
no
plano
lexical
caracterizam-se
pela
co-presença de
traços
semânticos
(total
ou
parcialmente)
idênticos
ou
opostos.
Os
processos
de
coesão
lexical
são
definidos,
pois,
pelo
tipo
de contigüidade
semântica
entre
as
expressões
lingüísticas
e podem
ser
classificados
como
procedimentos de reiteração,
sinonímia,
antonímia,
hiperonímia/hiponímia, holonímia/meronímia,
remissão
através
de
expressões
ou
grupos
nominais
definidos,
nominalização,
retomada
por
palavras
cujo
lexema fornece
instruções
de
sentido
que
representam uma ‘categorização’ das
instruções
de
sentido
de
partes
antecedentes
do
texto
(nomes
genéricos)
e
elipse.
Esses
mecanismos
colocam a
coesão
como
uma dos
aspectos
da textualidade
que
é a
propriedade
que
uma
manifestação
lingüística
deve
possuir
para
ser
entendida
como
texto.
Assim
identificamos os
seguintes
processos
de
coesão
lexical:
a) reiteração : consiste na
repetição
de
palavra
ou
expressão
lingüística;
b) contigüidade
semântica:
caracteriza-se
pela
identidade
dos
traços
semânticos;
c)
sinonímia:
diz
respeito
à
relação
de
sentido
que
se estabelece
entre
dois
vocábulos
que
têm significação
muito
próxima;
d)
antonímia:
refere-se às
expressões
lingüísticas
com
traços
semânticos
opostos,
seja numa
gradação,
ou
numa complementaridade;
e) hiperonímia: indica a
relação
estabelecida
entre
um
vocábulo
de
sentido
mais
genérico
e
outro
de
sentido
mais
específico;
f) hiponímia: indica
que
a
primeira
expressão
mantém
com
a
segunda
uma
relação
de
elemento/classe;
g) holonímia: indica
que
a
primeira
expressão
mantém
com
a
segunda
uma
relação
todo/parte;
h)
meronímia:
indica
que
a
primeira
expressão
mantém
com
a
segunda
uma
relação
de
parte/todo;
i) nominalização: trata-se
de
nomes
deverbais
que
se remetem ao
verbo
e a
argumentos
da
oração
anterior.
Para
que
estes
mecanismos
funcionem
plenamente,
torna-se
necessário
que
o
falante,
bem
alfabetizado, domine o
sistema
da
escrita;
esta é uma aprendizagem
sistemática
que
se realiza
pela
educação
formal.
Também
se faz
necessário
um
conhecimento
de
mundo
que
permita ao
indivíduo
a
emissão
de
opiniões
e a
formulação
de
juízos
de
valor
sobre
a
realidade
que
o circunda e
sobre
aquela formalizada
pela
linguagem.
O
conhecimento
de
mundo,
como
um
conceito
técnico,
pode
ser
vivencial e
enciclopédico.
O vivencial resulta das
experiências
de
vida,
sendo,
portanto,
assistemático,
enquanto
o
enciclopédico
é
sistemático
e advém
pela
ação
da
escola
e das
leituras
que
o
indivíduo
(aluno)
realize. Provavelmente, as
dificuldades
de
escrita
de
nossos
alunos
resultem
justamente
da
pouca
leitura
que
fazem ao
longo
do
ensino
médio
e
mesmo
da
vida,
bem
como,
de
fatores
de
ordem
sociocultural,
em
função
da
distribuição
de
renda
antidemocrática
em
nosso
país.
Analisamos os
mecanismos
da
coesão
lexical
em
25 (vinte e
cinco)
redações
do
vestibular
da UFF de 2002,
como
amostragem.
Nessa
análise,
não
levamos
em
conta
os
casos
de
elipse,
por
tratar-se de
um
mecanismo
mais
sintático
do
que
semântico
e
nosso
interesse
maior
recair,
no
momento,
sobre
a
utilização
do
léxico.
Observemos o
gráfico
do
levantamento
dos
mecanismos
predominantes nas referidas
redações.
A
análise
dos
dados
nos
mostra
que
houve
um
predomínio
da
sinonímia
e/ou
expressões
quase
sinônimas e da reiteração (repetição
do
mesmo),
apontando uma
limitação
de
vocabulário
que
refletiu a
dificuldade
do
desenvolvimento
da
progressão
textual
e,
portanto,
do
pleno
desenvolvimento
temático.
Nota-se
que
os
textos
se constroem
quase
que
por
parágrafos
que
são
paráfrases
uns dos
outros.
Os
outros
mecanismos
encontram-se
pouco
contemplados
como
formas
de
remissão
para
a
retomada
de
elementos
do
texto,
apresentando as
idéias
pouco
articuladas e dificultando o
processamento
da
coesão
referencial.
Esse
fato
certamente
faz
vir
à
tona
outro
problemas
grave
de
nosso
ensino
de
língua
materna
– a
compreensão
e a
interpretação
dos
textos.
As
dificuldades
de
leitura
são
o
outro
lado
das
dificuldades
de
escrita;
nenhum
trabalho
de
escrita
prescinde da
faculdade
interpretativa.
Sugerimos, a
seguir,
alguns
exemplos
de
exercícios
já
divulgados
em
literatura
específica,
mas
que
merecem
ser
retomados,
em
destaque,
pela
sua
eficácia
no
ensino
produtivo
do
léxico
e da
semântica
da
língua
portuguesa,
bem
como
são
facilitadores das
atividades
de
interpretação
textual.
Sem
dúvida,
a
reflexão,
que
tais
exercícios
propõem, encaminha uma
escolha
lexical
refletida, na
produção
adequada de
textos.
Observemos algumas
sugestões
sobre
aspectos
de
antonímia,
de
campos
lexicais,
de
sinonímia,
e de
termos
genéricos
e
específicos.
1-
Antonímia
Propriedade
de duas
palavras
terem significações opostas, tornando-se antônimas.(Mattoso
Câmara,
1977).
Relação
de
sentido
que
se estabelece
pela
oposição
dois
termos
(prefixos,
palavras,
locuções,
frases)
contrários,
seja numa
gradação,
p.ex.:
alto/
baixo,
jovem/idoso,
seja numa
reciprocidade,
p.ex.:
comprar/vender,
perguntar/responder,
ou
numa complementaridade, p.ex.:
ele
não
é
casado/ele
é
solteiro
1.1-
observação
e
exploração
de
palavras
e de
frases
que,
em
dados
contextos,
devem
ser
colocadas
em
oposição
para
a
produção
de determinadas
instruções
de
sentido.
1.2-
Buscar
antônimos,
segundo
a
classe
de
palavras:
substantivo
–
pressa/calma
adjetivo
–
grosseiro/gentil
verbos
–
sair/ficar.
1.3-
Identificar
a
propriedade
específica
(posição
numa
escala,
início
e
fim
de
processo
etc)
em
que
a
oposição
se dá:
escala
de
temperatura
–
frio/quente
início
e
fim
de
processo
–
iniciar/finalizar.
1.4-
Elaborar
uma
lista
de
antônimos
e
avaliar
a possibilidade de
inserção
de uma
terceira
palavra
representativa de
um
meio-termo
das
propriedades
apresentadas:
pobre
–
remediado
–
rico
jovem
–
meia-idade
–
idoso.
2-
Campos
lexicais
Distribuição
das
palavras
por
campos
semânticos,
isto
é,
por
associações
de
significado
para
um
certo
número
de semantemas,
como
os
termos
para
cor,
partes
do
corpo
do
animal,
para
os
fenômenos
meteorológicos etc. .(Mattoso
Câmara,
1977).
2.1-
Apresentar
traços
comuns
e os
ausentes
(
ou
diferentes)
entre,
por
exemplo,
os
meios
de
transporte.
2.2-
Apresentar
características
específicas de
determinado
objeto,
tomado
como
generalizante,
para
identificação
de
cada
um
em
função
de
suas
particularidades.
Móvel
para
sentar-
cadeira,
sofá,
poltrona
etc;
agasalho
–
casaco,
xale,
capa
etc;
móvel
para
deitar-
cama,
colchonete,
saco
de
dormir
etc.
2.3-
Relacionar
quatro
detalhes
que
permitam a
identificação
de:
um
objeto
de estimação; a
sala
de
aula;
promessas
políticas
demagógicas etc.
2.4- Os
seguintes
verbos
encerram o
sentido
de
geral
de
relatar
ou
contar.
Redistribua o
conjunto
em
três
subconjuntos
de
com
sentidos
particulares
:
confidenciar,
segredar,
cochichar,
murmurar,
sussurrar,espalhar,
propagar,
proclamar,
divulgar,
aludir,
trair,
insinuar,
soprar,
referir-se a,
publicar,
proferir
em
altas
vozes,irradiar.
3-
Sinonímia
Propriedade
de
dois
ou
mais
termos
poderem
ser
empregados
um
pelo
outro
sem
prejuízo
do
que
se pretende
comunicar.
(Mattoso
Câmara,
1977).
Assim,
em
alguns
contextos,
sem
alterar
o
sentido
literal
da
sentença
como
um
todo
3.1-
Substituir
a
expressão
sublinhada
por
uma
palavra
iniciada
por
um
dos
elementos
abaixo:
ante-, pré- (antes);
anti-,
contra
(oposição);
circun-(ao
redor
de); re-(repetição)
etc .
a) O
aluno
leu
novamente
o
trabalho
antes
de entregá-lo ao
professor.
O
aluno
releu o
trabalho
antes
de entregá-lo ao
professor.
3.2-
Reescrever
três
vezes
cada
sentença,
substituindo a
oração
sublinhada
por
outras
que
contenham
conectivos
que
possam
ocorrer
no
lugar
de
porque,
mantendo
sentido
semelhante.
a) A
equipe
perdeu o
jogo
porque
os
jogadores
estavam cansados.
3.3-
Separar
as
frases
em
conjuntos,
conforme
o
nível
de
formalidade
dos
discursos
em
que
poderiam
ser
realmente
encontradas:
Ele
foi uma das
melhores
cabeças
que
já
passaram
por
nossa
firma.
Aquele
menino
não
tinha
nada
na
cachola.
Aí,
deu na
telha
dele de
fazer
essa
viagem.
Não
esquenta a
moringa
com
dívidas.
Eu
faço o
que
me
dá na
bola.
3.4- Substitua as
frases
ou
expressões
de
sentido
conotativo
por
outras de
sentido
denotativo:
Não
há
rosas
sem
espinho.
É
preciso
separar
o
joio
do
trigo.
De
noite,
todos
os
gatos
são
pardos.
Atirar
pérolas
aos
porcos.
3.5- As
palavras
sublinhadas têm
sentido
denotativo (
ou
referencial); construa
frases
em
que
elas
apareçam
com
valor
conotativo (ou
metafórico):
A
torrente
de
um
rio;
o
calor
do
sol;
raiz
da
árvore;
tempestade
marítima;
lago
sereno;
pérolas
cultivadas etc
4-
Termos
genéricos
e
específicos
Enquadram-se
aqui
os
casos
de hiperonímia, hiponímia, holonímia,
meronímia
e de
palavras
cujo
lexema representa uma categorização das
instruções
de
sentido
de
partes
antecedentes
do
texto.
4.1-
Redistribuir
palavras,
partindo do
mais
geral
para
o
mais
específico:
mecânico
–
operário
–
trabalhador
–
torneiro
casa
–
cidade
–
continente
–
bairro
–
rua
–estado
-
país
raça
–
povo
–
humanidade
–
multidão
–
indivíduo
poesia
–
literatura
– lirismo- poema-
soneto
4.2- A
partir
de
um
hiperônimo,
apresentar
uma
relação
hierárquica
de
palavras.
Por
exemplo:
animal,
alimentação,
exercícios
físicos.
4.3-
Sugerir
que
sejam
propostas
delimitações
para
um
assunto
geral.
Exemplo:
Esportes,
futebol,
papel
do
futebol
na
sociedade,
o
futebol
como
mecanismo
liberatório de
tensões.
Sugestões
de
assuntos
para
delimitação:
liberdade;
o
homem
e a
máquina;
o
poder
da
imprensa;
as
revistas
em
quadrinho;
educação
etc.
4.4-
Dar
um
texto,
para
que
o
aluno
possa
identificar
seu
assunto
e a delimitação do
assunto.
Esses
são
alguns
dos procedimentos
que
podem
ser
aplicados
em
sala
de
aula,
no
sentido
do
domínio
crescente
de
vocabulário
e do aperfeiçoamento da
escolha
lexical
dos
alunos
da
escola
média,
para
a
escrita
de
textos
adequados.
Sem
dúvida,
a
realização
competente
da
coesão
lexical
nos
diferentes
gêneros
textuais
será
um
ganho
importante
no
desenvolvimento
da
capacidade
textual
dos
alunos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ILARI, Rodolfo.
Introdução à
semântica. Brincando
com a
gramática.
São Paulo:
Contexto, 2001.
––––––.
Introdução ao
estudo do
léxico. Brincando
com as
palavras.
São Paulo:
Contexto, 2002
GARCIA, Othon M.
Comunicação
em
prosa
moderna. 21ª ed.
Rio de
Janeiro: FGV, 2001.
KOCH, Ingedore. A
Coesão
Textual.
São
Paulo:
Contexto,
1990.
––––––. A
coerência
textual.
São
Paulo:
Contexto,
1992.
––––––. O
texto
e a
construção
dos
sentidos.
São
Paulo:
Contexto,
2002.
VAL, Maria da
Graça
Costa.
Redação
e textualidade.
São
Paulo: Martins
Fontes,1993.