O LÉXICO EM MOVIMENTO
COMENTÁRIOS SOBRE NEOLOGIA E NEOLOGISMOS.
Simone Nejaim Ribeiro (UERJ e UNESA)
INTRODUÇÃO
A comunicação a ser apresentada tem como referência o léxico, visto como parte viva da língua. Ele está em constante movimento, incorporando palavras novas e registrando novos significados, mas também constatando que outras deixam de ser usadas e, com isso, são esquecidas pelo falante.
O léxico de uma língua não é homogêneo: usamos palavras típicas da língua falada, palavras típicas da língua escrita, palavras técnicas, palavras antigas e palavras novas. Estas, chamadas neologismos, são o reflexo de como a língua acompanha as inovações da nossa sociedade. Ao estudá-los, estamos analisando não só os processos de formação de novas palavras como também a evolução dessa sociedade.
A DINAMICIDADE DA LÍNGUA
Como falantes de uma língua, temos a impressão de que ela é estática. Essa aparência, no entanto, não é gratuita. Segundo Martinet, em Elementos de Lingüística Geral,
Tudo conspira para convencer os indivíduos da imobilidade e homogeneidade da língua que praticam: a estabilidade da forma escrita, o conservantismo da língua oficial e literária, a incapacidade em que se encontram de se lembrarem de como falavam dez ou vinte anos antes. (MARTINET, 1975: 177)
Tal fato ocorre por dois motivos. Um deles deve-se ao fato de os elementos da língua estarem em sincronia, isto é, apresentarem-se em um estado de língua onde se apreende uma estrutura. O outro decorre de o falante estar sincronizado com sua língua a ponto de não percebê-la em movimento, já que a continuidade da língua se confunde com sua própria continuidade enquanto sujeito histórico, segundo Coseriu, em Sincronia, Diacronia e História. Podemos dizer, assim, que há uma dinamicidade na língua que faz com que ela “se faça”, “se realize” com o passar do tempo.
Deve ficar claro, contudo, que a mudança de que falamos não corresponde às que ocorrem nos seres vivos que nascem, crescem e morrem. Na verdade, como nos diz Coseriu, “os objetos culturais têm desenvolvimento histórico e não ‘evolução’ como os objetos naturais”.(COSERIU, 1975: 157)
Segundo Martinet,
Tudo pode mudar numa língua: a forma e o valor dos monemas, ou seja, a morfologia e o léxico; a ordem dos monemas no enunciado, quer dizer, a sintaxe; a natureza e condições de emprego das unidades distintivas, isto é, a fonologia. Aparecem novos fonemas, novas palavras, novas construções, enquanto outras unidades e maneiras de dizer diminuem de freqüência e caem no esquecimento. (MARTINET, 1975: 177)
Vemos, assim, que, nesse processo de mudança lingüística, há o que chamamos de inovação, isto é, tudo aquilo que se afasta dos modelos existentes na língua. Dependerá dos falantes da língua a aceitação, isto é, a adoção dessa inovação, fato que levará à mudança na língua. Essas fases (inovação, adoção e mudança) confundem-se pelo fato de que quando tomamos consciência da inovação ela já foi adotada pelos falantes e, portanto, já ocorreu a mudança.
Não se pode, contudo, chegar ao indivíduo criador da inovação nem ao momento em que ela ocorreu. Segundo Saussure, as inovações devem-se à coletividade dos indivíduos, à massa falante. Isso acontece, obviamente, devido às mudanças de ordem social que não são observadas independentemente dos indivíduos. Na verdade, as modificações sociais são feitas pelos indivíduos. Fato análogo se verifica com as mudanças lingüísticas.
A DINAMICIDADE DO LÉXICO:
NEOLOGIA E NEOLOGISMOS
De modo a atender às transformações socioeconômicas e culturais a língua se vale da criação de novos termos ou de novos significados para termos já existentes. Esse fenômeno recebe o nome de neologia, processo de criação lexical cujo produto é o neologismo. A palavra nova pode ser formada através de mecanismos da própria língua, por empréstimo ou por processos autóctones.
Observa-se, também, que a definição de neologismo vem sempre vinculada a uma tipologia (neologismos formais, semânticos, de vocábulo, de significação, de sentido, completos, incompletos, estrangeiros, intrínsecos e extrínsecos, científicos, literários, populares).
Independente da tipologia, o importante é notarmos que nos neologismos encontramos o verdadeiro retrato da sociedade de uma determinada época. Neles estão presentes novidades no que diz respeito à economia, à política, aos esportes, à arte, à tecnologia, à faixa etária.
Abordaremos, a seguir, conceitos e visões de alguns estudiosos que se dedicaram aos neologismos para.
Ieda Maria Alves
Em seu livro Neologismo, criação lexical, Ieda Maria Alves afirma que são processos de formação neológica: neologia fonológica, neologia sintática (derivação, composição, formação por siglas, composição sintagmática), neologia semântica, neologia por empréstimo, conversão, entre outros processos.
Dentro dos outros processos citados por Ieda Maria Alves, encontram-se a truncação (processo pelo qual há uma abreviação em que uma parte da seqüência lexical, na maioria das vezes a última, é eliminada), palavra-valise (tipo de redução em que dois itens lexicais são privados de seus elementos para formarem um novo: um perdendo sua parte final e o outro, a parte inicial), reduplicação (processo pelo qual a mesma base é repetida duas ou mais vezes) e a derivação regressiva (processo em que a formação lexical resulta da supressão de um elemento, considerado de caráter sufixal).
Segundo a autora, o falante, ao criar um neologismo, tem consciência, muitas vezes, de que está inovando, gerando novas unidades léxicas. Isto ocorre tanto com os processos de formação vernácula quanto com os estrangeirismos. A sensação de neologia é traduzida graficamente pelo uso de aspas, maiúsculas e itálico, recursos que ajudam a realçar a inovação no léxico. Quanto ao estrangeirismo, o fato de ele ser traduzido revela que o falante percebeu o caráter neológico dessa forma não-vernácula.
Para Ieda, no que diz respeito à inserção do neologismo no dicionário,
Não basta a criação do neologismo para que ele se torne membro integrante do acervo lexical de uma língua. É, na verdade, a comunidade lingüística, pelo uso do elemento neológico ou pela sua não difusão, que decide sobre a integração dessa nova formação ao idioma. (ALVES, 1994: 84)
Se o neologismo for bastante freqüente, é inserido em obras lexicográficas e considerado parte do sistema lingüístico. Ocorre, no entanto, que há uma certa arbitrariedade no que se refere ao modo de agir dos lexicógrafos. Muitas vezes, termos muito usados são esquecidos e aqueles pouco difundidos fazem parte de seus dicionários. Apesar disso, essas obras lexicográficas são os parâmetros disponíveis para tomarmos conhecimento se um item léxico pertence ou não ao acervo lexical de uma língua.
Nelly Carvalho
Segundo Nelly Carvalho, quando se fala em neologismo, temos sempre como referência conceitos como mudança, evolução, novidade, novo, criação, surgimento, inovação.
Além de testemunhar a criatividade e a imaginação fértil de seus falantes, os neologismos têm profunda ligação com as manifestações do mundo exterior e as mais diversas áreas de conhecimento. (CARVALHO,1987: 9)
Nelly Carvalho chama neologismo formal as palavras que ainda não aparecem no verbete dos dicionários. Sob essa denominação encontram-se os casos de derivação, composição, redução, siglas, empréstimos, derivação imprópria. Encontramos também, em outros autores, a expressão neologismo lexical.
Para Nelly Carvalho, “a maneira mais simples e econômica de surgimento de uma palavra não é através de construção e sim de mudança de sentido.” (CARVALHO, 1987: 23) Ainda segundo a autora, “são conceitos novos, introduzindo novos hábitos, ou velhos hábitos vistos por um prisma diferente”(idem). Esse tipo de neologismo é chamado de neologismo conceptual ou semântico.
Maria Aparecida Barbosa
Para Maria Aparecida Barbosa, em “Da neologia à neologia na literatura” (Apud ISQUERDO, Aparecida & OLIVEIRA, Ana Maria, 1998: 32), o estudo da renovação lexical é muito importante na medida em que mostra de maneira clara as transformações pelas quais o sistema de valores compartilhados por um grupo passa. Segundo ela,
Não é pelo fato de uma palavra ter caráter inédito que passa a ser imediatamente considerada neológica. Com efeito, há vários momentos importantes na criação do neologismo: a) o instante mesmo de sua criação; b) o momento pós-criação, que se refere à recepção, ou ao julgamento de sua aceitabilidade por parte dos destinatários, bem como sua inserção no vocabulário e no léxico de um grupo lingüístico cultural; c) o momento em que começa a dar-se a sua desneologização. Na criação lexical, devem distinguir-se duas fases: aquela que considera o neologismo no instante em que é produzido no quadro enunciativo e aquela em que é apreendido e registrado pelos falantes-ouvintes do grupo. (Idem, p. 35)
Para Maria Aparecida, a partir do momento em que o neologismo é criado, ele só passa a ter esse estatuto, se for usado generalizadamente a ponto de ser um vocábulo disponível para pelo menos um grupo de indivíduos e se, depois, começa a ser empregado, difundindo-se. Assim, segundo a autora, o neologismo pode completar seu percurso, perdendo a consciência de fato neológico, ou seja, pode ocorrer a desneologização. Isso vai ocorrendo na medida em que seu uso aumenta, diminuindo, portanto, seu impacto de novidade lexical.
A autora ainda chama a atenção para o fato de o conceito de neologismo ser relativo, já que pode ser analisado do ponto de vista diacrônico, diatópico, diastrático e diafásico.
Segundo a perspectiva diacrônica, o neologismo criado em determinada etapa da língua, caso não desapareça, integra-se à norma, isto é, se desneologiza. Se quisermos conhecer os neologismos de uma determinada época, será preciso ter como parâmetro fontes dessa época, como jornais, revistas, cartas e dicionários para confrontá-los com as de etapas posteriores.
O neologismo diatópico, segundo Maria Aparecida, pode ocorrer das seguintes maneiras.
Um neologismo pode ser criado, por exemplo, numa única região, ficando a ela restrito. Ainda na perspectiva diatópica, pode ocorrer, que um vocábulo pertencente a uma norma regional e exclusivo dessa região, às vezes até um arcaísmo, passe para outra região, se torne conhecido nesta, onde é adotado com função neológica. Trata-se de um fenômeno comum, favorecido pelas correntes migratórias, pelo comércio ou pela difusão através da mídia, etc., como, por exemplo, no caso do vestuário, das comidas típicas, da dança. (op. cit., p. 37)
Fato semelhante acontece com o neologismo diastrático, segundo a autora. Vocábulos característicos de uma camada social, ou mesmo os neologismos que já sofreram o processo de desneologização, podem ser introduzidos em outra camada social, como uma novidade lexical, como um neologismo. As causas dessa “viagem” de vocábulos são as mesmas dos neologismos diatópicos.
A respeito dos neologismos diafásicos, vejamos o que nos diz Maria Aparecida:
Algo comparável, embora mais complexo - em virtude do número de universos de discurso co-ocorrentes, sobretudo nas sociedades heterogêneas, industriais e pós-industriais - sucede na variação diafásica. Desse modo, um termo metalingüístico, técnico-científico, específico de uma ciência, onde surgiu, no passado, como neologismo específico, mas que naquele já se desneologizou, já integra a norma discursiva daquele universo de discurso, pode ser adotado noutra área de conhecimento, onde é assumido justamente por sua função neológica, para designar novo recorte; da mesma forma, vocábulos de normas técnico-científicas passam para o universo de discurso político, econômico, até para o discurso coloquial, onde são adotados como o já mencionado impacto da novidade lexical. De maneira geral, pois, um vocábulo que já se desneologizou num universo de discurso se neologiza noutro universo de discurso. (Idem: 37)
CONCLUSÃO
Diante do exposto, podemos observar que o estudo do léxico nos mostra como o falante pode ser criativo a partir dos recursos oferecidos por uma língua.
Desse modo, vemos a possibilidade de enriquecermos a língua com os neologismos. Isso nos mostra que o léxico é a parte “viva” da língua, que está sempre aberta a inovações oriundas da diversidade dos seus usuários.
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