A Forma do Objeto Direto em Português
Uma
análise motivada pela topicalidade

Luiz Alexandre Amaral
(The Ohio State University)

 

Introdução

Em um artigo intitulado Semantics and Pragmatics of Anaphoric Direct Objects in Brazilian Portuguese, Schwenter e Silva (2003) examinam os fatos que determinam o uso dos objetos nulos anafóricos (ODs) no português do Brasil. De acordo com a teoria por eles apresentada, a ocorrência de objetos pronominais nulos ou explícitos é “regulada pela interseção de dois fatores básicos de referência: animação e especificidade” (Schwenter e Silva, 2003: 101). Sua hipótese, que é baseada nas propriedades semântico-pragmáticas dos referentes pronominais, apresenta resultados quantitativamente interessantes e pode-se dizer que elaconta da maioria dos casos encontrados no corpus investigado. Entretanto, seus resultados mostram que existem exemplos que se comportam de forma “anômala” em relação ao tratamento proposto, ou seja, exemplos onde os falantes escolhem uma forma pronominal não prevista pelos critérios escolhidos.

Este artigo investiga esses casos ditos “anômalos” pela teoria de Schwenter e Silva (2003) e sugere um tratamento que não se limita às características semântico-pragmáticas dos referentes pronominais, reconhecendo a importância da estrutura discursiva. Segundo a nossa abordagem, o comprometimento do falante com a coerência discursiva local é o fator determinante na escolha da forma pronominal utilizada, ou seja, apesar das restrições impostas sobre as formas pronominais fazerem parte da competência do falante, as características do discurso se sobrepõem aos traços semântico-pragmáticos quando a coerência discursiva está em jogo. Acreditamos que a abordagem aqui descrita nos permite observar a correlação entre as formas lingüísticas e as propriedades discursivas, possibilitando o uso de ambas para calcular mais precisamente a interpretação desejada.

Este artigo está dividido em seis seções. Na segunda seção, após esta introdução, revemos as principais idéias apresentadas em Schwenter e Silva (2003). Na seção seguinte mostramos como as propriedades semântico-pragmáticas descritas em Schwenter e Silva são relevantes para a definição do tópico discursivo com base na Centering Theory (Grosz et al, 1995), que descreve a coerência local discursiva. Na quarta seção analisamos a contribuição do princípio-M de Levinson (1987) para a nossa abordagem. Na quinta seção apresentamos a proposta principal do trabalho junto com alguns exemplos que seriam considerados anômalos por Schwenter e Silva e mostramos como eles podem ser tratados dentro de uma abordagem que leva em consideração as características discursivas locais. Finalmente, na sexta seção, apresentamos os comentários finais.

 

Objeto Direto Anafórico no PB.

Características Gerais

Entre as quatro línguas românicas mais faladas (espanhol, português, francês e italiano), três são pro-drop, porém o português é a língua que apresenta o maior número de casos onde o objeto direto é omitido. Apesar de Raposo (1992) descrever o uso de objetos diretos nulos em português europeu, esse fenômeno é ainda mais comum na variante brasileira. Em nosso trabalho utilizamos somente dados referentes ao português brasileiro.

Um exemplo dessa construção pode ser visto em (1).

(1)                - O que você fez com os meus óculos?

                               - Ø Botei Ø ali em cima da mesa.

O sistema pronominal para objetos diretos anafóricos em PB apresenta basicamente duas possibilidades. A primeira, como no exemplo (2), com o uso de clíticos, ocorre quase que exclusivamente em textos escritos e no discurso culto. Esse uso é pouco freqüente mesmo entre falantes com maior grau de instrução. A segunda é a realização do objeto direto com o pronome tônico, como no exemplo (3), ou com um pronome nulo, como no exemplo (1). Esse uso é cada vez mais freqüente, mesmo entre falantes da variante culta da língua.

(2)   - Eu o estava observando durante as aulas.

(3)   - Eu estava observando ele durante as aulas.

A Abordagem de Schwenter e Silva (2003)

Schwenter e Silva (2003) investigam as condições para o uso dos pronomes nulos em PB e para o uso dos pronomes explícitos. Eles argumentam que existe um contínuo no grau de aceitação dos ODs de terceira pessoa. Este contínuo é sensível a duas características dos referentes dos objetos anafóricos: (i) +- animado e (ii) +- específico. Segundo eles, os ODs de terceira pessoa tendem a ser explícitos (i.e. realizados com os pronomes tônicos ele/ela) quando seus referentes são +animados e +específicos. Eles fizeram uma análise de corpus usando o PEUL. Os resultados estão na tabela 1 abaixo.

 

+anim/+esp

+anim/-esp

-anim/+espe

-anim/-esp

Nulo

50 (24.4%)

102 (75.5%)

151 (87.3%)

604 (81.9%)

Pronomes

126 (61.5%)

12 (8.9%)

0 (0%)

13 (1.8%)

SNs

29 (14.1%)

21 (15.6%)

22 (12.7%)

120 (13.3%)

Total

205 (100%)

135 (100%)

173 (100%)

737 (100%)

Tabela 1 – Objetos diretos anafóricos no corpus PEUL.

Como podemos observar a partir de seus dados, existe uma clara preferência pelo uso do pronome explícito nos casos onde o referente é +animado e +específico. Porém, também existem casos onde essas duas propriedades semântico-pragmáticas não são suficientes para explicar a escolha feita pelos falantes (24% dos nulos +animados e +específicos, 8,9% dos explícitos +animados e –específicos e 1,8% dos explícitosanimados e –específicos). Além dos dados apresentados por eles, veremos na seção 5 que existem exemplos onde um pronome tônico é usado quando o referente do objeto anafórico é –animado e +específico.

Os resultados apresentados por Schwenter e Silva provam que sua abordagem captura uma generalização importante a respeito das restrições semântico-pragmáticas impostas à forma dos ODs, mas não explica o porquê da preferência pelos traços escolhidos.

Como veremos na seção seguinte, esses traços lingüísticos são imprescindíveis para o estabelecimento da coerência discursiva local e do tópico discursivo. Assim, entendemos que a relação entre a seleção da forma dos ODs e os traços lingüísticos apresentados se dá de forma indireta, através do papel desempenhado por ambos na construção de uma estrutura discursiva coerente. Em outras palavras, as escolhas feitas pelo falante são consistentes com a estrutura discursiva, e a mudança na forma pronominal pode ajudar o falante a sinalizar uma alteração (ou manutenção) do tópico do discurso sem que a coerência seja afetada.

 

Intuições
baseadas na Centering Theory of Discourse

Centering Theory of Discourse

Nesta seção apresentaremos algumas idéias básicas sobre a Centering Theory of Discourse (CTD) (Grosz et al, 1995), focalizando conceitos que serão importantes para a argumentação presente nas seções 4 e 5 deste trabalho[1].

O modelo usado pela CTD para descrever a coerência discursiva local usa um formalismo que é suficientemente detalhado para permitir o desenvolvimento de algoritmos computacionais. As principais idéias introduzidas por este formalismo constituem uma das bases da abordagem por nós proposta. A primeira delas é a de que certos elementos em um dado enunciado são mais centrais que outros. Cada enunciado tem um centro preferencial, e a maneira como esse centro é tratado no enunciado seguinte tem um impacto na coerência do discurso. A idéia principal da teoria é relacionar o foco de atenção e a escolha da expressão referencial com a coerência entre enunciados no mesmo segmento discursivo. Para tal, a CTD propõe um modelo do nível local do estado de atenção.

Um dos objetivos da teoria é analisar os níveis de complexidade inferencial de diferentes segmentos do discurso. O mecanismo criado pela teoria visa determinar os fatores de processamento discursivo responsáveis por diferenças na coerência de um dado segmento.

Observe a diferença na estrutura discursiva no exemplo (4) se ao invés de (4c1) o falante escolher (4c2) como enunciado final.

(4a) João ensina inglês.

(4b) Ele é muito bom professor para o Paulo.

(4c1) Ele explica a matéria com clareza.

(4c2) Ele está aprendendo muito rápido.

Apesar de não haver dúvidas sobre o referente de “elenos enunciados (4c1) e (4c2), a CTD prevê que o discurso em (4) é mais difícil de ser processado se o falante escolher (4c2) ao invés de (4c1) como enunciado final. A explicação para tal fato é porque em (4a) e (4b) o centro do discurso é João, assim como em (4c1). Porém, as características semânticas de (8c2) forçam uma mudança na interpretação de “ele”, que vira Paulo, e modificam o centro do discurso. Isso aumenta a carga de inferência (inference load) necessária para processar corretamente o discurso, fazendo com que ele seja classificado como menos coerente. Ou seja, para a CTD o grau de coerência discursiva está diretamente relacionado com a dificuldade de processamento do texto.

Para melhor compreender o formalismo é necessário conhecer algumas definições de conceitos centrais utilizados na CTD.

Centros (centers): os centros são entidades semânticas que constituem o modelo discursivo para cada enunciado em um dado segmento.

Cf – centros futuros (forward-looking centers): o conjunto de centros futuros, Cf(Ui, D), representa entidades discursivas evocadas em um enunciado Ui em um segmento D. Os elementos desse conjunto são ordenados de acordo com a sua saliência discursiva. Os critérios para ordenar os elementos são específicos de cada língua.

Cp – centros preferenciais (preferred center): O Cp é o membro que aparece na primeira posição do conjunto ordenado de Cf. O Cp representa a previsão sobre o Cb do enunciado seguinte.

Cb – centros passados (backward-looking center): O Cb é um membro especial do Cf que representa a entidade discursiva mais proeminente do enunciado Ui, que em outras teorias é chamado de tópico (Reinhart, 1981; Horn, 1986). Normalmente, o Cb do enunciado Un+1 é o Cp do enunciado Un.

Usando as definições acima, a CTD constrói um mecanismo capaz de classificar os tipos de transições que ocorrem de um enunciado Un para um enunciado Un+1. Essas transições são os elementos fundamentais para a identificação do nível de coerência local do discurso. A tabela 2 (Walker, Joshi e Prince, 1998) mostra os tipos de transições previstas na CTD.

 

Cb(Un) = Cb(Un-1)

or Cb(Un-1) = [?]

Cb(Un) ≠ Cb(Un-1)

Cb(Un) = Cp(Un)

CONTINUE

SMOOTH-SHIFT

Cb(Un) ≠ Cp(Un)

RETAIN

ROUGH-SHIFT

Tabela 2 – 4 tipos de transição na CTD.

A idéia básica por trás desses tipos de transição é que um segmento discursivo que apresenta apenas transições do tipo CONTINUE é mais coerente que um segmento que apresente uma transição do tipo RETAIN, e assim sucessivamente. Usando esse aparato para avaliar o exemplo (4), podemos entender como a CTD prevê a maior coerência do discurso com o enunciado final (4c1)

(4a) João ensina inglês.

Cb:                                            [?]

Cf:                                             [João, inglês]

Centering Transition               No transition

 

(4b) Ele é muito bom professor para o Paulo.

Cb:                                            [João]

Cf:                                             [João, professor, Paulo]

Centering Transition              CONTINUE

 

(4c1) Ele explica a matéria com clareza.

Cb:                                            [João]

Cf:                                             [João, matéria]

Centering Transition              CONTINUE

 

(4c2) Ele está aprendendo rápido.

Cb:                                            [Paulo]

Cf:                                             [Paulo]

Centering Transition              SMOTH-SHIFT

 


 

Ordem em Cf e as propriedades semântico-pragmáticas

Como vimos acima, a lista em Cf do enunciado Ui é ordenada de forma que o primeiro elemento é o centro preferencial (Cp) do enunciado, sendo assim o candidato em potencial para se tornar o Cb do enunciado Ui+1. Além disso, a confirmação do Cp de Ui como o Cb de Ui+1 tem um impacto no grau de coerência local do discurso[2].

É importante entendermos, então, o que faz de uma entidade do discurso um elemento mais proeminente que os outros. As propriedades escolhidas serão fundamentais para estabelecer o centro do discurso, ou seja, o tópico discursivo.

As listas de Cf variam conforme a língua estudada, e nelas estão incluídas propriedades sintáticas, semânticas e pragmáticas. Dois trabalhos se destacam na investigação sobre as propriedades de Cf nas línguas românicas. O primeiro é Di Eugenio (1998), no qual a autora analisa o sistema pronominal italiano e apresenta dados que corroboram a teoria por ela descrita em Di Eugenio (1990), com base na qual ela demonstra como a CTD pode ser usada para prever o uso do sujeito nulo em Italiano. Sua proposta está baseada na idéia de que sujeitos nulos normalmente assinalam uma transição do tipo CONTINUE, enquanto que pronomes explícitos marcam transições do tipo RETAIN ou SHIFT. A ordenação de sua lista de Cf é baseada no seguinte modelo: Empatia > Sujeito > Objeto2 > Objeto1 > Outros. O segundo trabalho é o de Taboada (2002), na qual a autora usa a CTD para analisar a referência pronominal em espanhol. Ela propõe um ordenamento de Cf que inclui não apenas a empatia como um dos critérios, mas também a animação. O seu modelo para Cf é: Empatia/Animação > Sujeito > Objeto indireto animado > Objeto direto > Outros. É interessante notar que a animação aparece como uma propriedade que antecede o sujeito e faz com que os objetos indiretos sejam classificados como mais proeminentes que os objetos diretos. Esse fato é particularmente interessante se lembrarmos que esse ordenamento é baseado na intuição de que “algumas características do enunciado servem como guia para a estrutura atencional do segmento discursivo” (Cote, 1998).

Apesar de serem necessárias futuras pesquisas para determinar os critérios de ordenação da lista em Cf para o português, existem razões para crer que eles sejam parecidos com os critérios para a língua espanhola. Assim, a animação deve ser considerada uma característica relevante para a manutenção da coerência discursiva em português, da mesma forma que em espanhol.

Isso nos remete às propriedades semântico-pragmáticas utilizadas por Schwenter e Silva (2003) para explicar a forma do objeto anafórico em PB. Além da animação, eles propõem que a especificidade deva ser considerada na escolha da forma dos ODs. Mais uma vez, se faz necessário o desenvolvimento de futuras pesquisas para comprovar a importância da especificidade na ordenação de Cf. Porém, na literatura sobre a CTD, as entidades discursivas que aparecem na maioria dos exemplos utilizados para apresentar os critérios de ordenação de Cf apresentam o traço + específico. A idéia de que a especificidade contribui para a ordenação dos elementos em Cf parece ser intuitivamente correta se nós considerarmos que a estrutura atencional é um elemento importante no modelo descrito pela teoria. Nesta pesquisa, nós consideramos que não somente a animação, mas também a especificidade têm um papel fundamental para a coerência discursiva local.

Podemos concluir então que os traços semântico-pragmáticos escolhidos por Schwenter e Silva para explicar a forma dos ODs estão diretamente relacionados com a estrutura do discurso proposta pela CTD se notarmos que (i) segundo a CTD, as entidades discursivas que apresentam as propriedades descritas como mais proeminentes na ordenação de Cf são os centros preferenciais do enunciado (no caso do português essas propriedades são +específico e + animado) e (ii) Schwenter e Silva provaram que os ODs que tendem a ser realizados com pronomes explícitos são aqueles cujos referentes são +específicos e +animados. Não é difícil perceber que os pronomes explícitos são usados quando se referem a possíveis centros preferenciais. o que significa que a forma explícita vai marcar os SNs pronominalizados, caracterizando-os como possíveis tópicos discursivos (ou na terminologia da CTD, fortes candidatos a serem o Cp de um Un e o Cb de um Un+1).

Na seção 5, a idéia apresentada acima será ilustrada com exemplos e será mais fácil perceber a importância de se usar uma forma explícita para os ODs quando eles são candidatos a serem centros discursivos. Os exemplos demonstrarão que ODs +animados e +específicos aparecem em enunciados onde o sujeito também apresenta essas propriedades. Assim, a forma do objeto é fundamental para marcar uma possível mudança no centro do discurso.

 

O Princípio-M de Levinson

Antes de tecermos considerações sobre a abordagem de Levinson, é importante frisar que seus objetivos são diferentes dos objetivos deste trabalho. Levinson tenta lidar com o problema da resolução de anáforas através de uma perspectiva neo-griceana. Seus princípios lidam com as estratégias que ele pressupõe que o falante e o ouvinte usam quando interpretam diferentes tipos de SNs. Este trabalho propõe uma maneira de ver a escolha dos tipos de SNs usados pelo falante para transmitir a informação de uma maneira consistente com a estrutura do discurso. Não é o objetivo deste trabalho propor nenhum tipo de modelo de resolução de anáforas, e sim de compreender como algumas formas lingüísticas estão ligadas a funções discursivas específicas de determinados elementos em um enunciado. Apesar disso, existem idéias que são comuns às duas abordagens. Primeiramente, utilizamos os conceitos de expressão marcada vs. não-marcada de uma maneira semelhante à de Levinson. Consideramos que existe uma escala de formas mais marcadas para menos marcadas que variam de: SN completo > pronomes explícitos > pronomes nulos. Segundo, o princípio-M de Levinson tem papel fundamental na análise aqui proposta.

Princípio-M (Manner Principle)

Máxima do falante:

Não use sem uma razão específica uma expressão marcada, prolixa ou obscura.

Máxima do ouvinte:

Quando o falante utiliza uma expressão marcada M, ele não quer dizer o mesmo que ao utilizar uma expressão não-marcada U – Ele está especificamente tentando evitar as associações estereotípicas e a implicatura-I de U.

É importante entendermos que o princípio-M é parte de uma abordagem que tenta prever as interpretações co-referenciais para diferentes formas de SNs, o que difere do objetivo deste trabalho, como dissemos acima.

 

A Abordagem e os Casos “Anômalos”

A abordagem por nós proposta pode ser resumida nos seguintes princípios:

1) Em PB, os elementos em um enunciado U em um segmento discursivo D são classificados como possíveis tópicos a partir do modelo: Animação/Especificidade > Sujeito > Objeto > Outros.

2) A escala para formas anafóricas, que vai de +marcadas para –marcadas, é: SNs completos > Pronomes explícitos > Pronomes nulos.

3) Se um elemento anafórico no discurso tem um referente que não apresenta as possíveis propriedades para ser o tópico discursivo, e se o falante quer que ele seja o tópico, esse falante optará por uma forma mais marcada.

Assim, podemos justificar a distribuição das formas dos ODs com base nos traços semântico-pragmáticos +-animado e +-específico da seguinte forma:

(i) As propriedades +específico e +animado são as mais importantes para o estabelecimento do tópico em um determinado segmento discursivo.

(ii) O falante tende a usar as formas mais marcadas para indicar os possíveis tópicos desse segmento, por isso é mais provável encontrarmos ODs cujos referentes são +específicos e +animados realizados como pronomes explícitos, e ODs cujos referentes têm todas as outras três possíveis combinações realizados como ODs nulos.

Como os objetos tendem menos a ser o tópico discursivo que o sujeito, espera-se que em um corpus que tenha 1250 ODs, como o examinado por Schwenter e Silva (2003), a grande maioria dos objetos seja nulo (970, ou 72,6%), enquanto que apenas uma pequena parte seja explícito (151, ou 12,1%).

A pergunta que se coloca então é se nossa abordagem pode explicar os casos chamados “anômalos”. Para responder essa questão devemos analisar os contextos nos quais esses casos ocorrem. Começamos com os casos onde encontramos um pronome explícito quando as propriedades parecem indicar o uso de uma forma nula. Essas situações ocorrem quando o referente do objeto direto é (i) +animado/-específico, (ii) –animado/+específico ou (iii) –animado/- específico. Schwenter e Silva não encontram nenhum exemplo de (ii) no corpus e afirmam que (iii) ocorre somente em contextos onde o falante está dando instruções sobre receitas culinárias.

Nossa abordagem sugere que os casos (i), (ii) e (iii) são instâncias do princípio 3 descrito acima. O fato de Schwenter e Silva não terem encontrado nenhum exemplo de (ii) nas entrevistas analisadas não significa que esse tipo de exemplo não exista na língua. Para fins de análise, usaremos dois exemplos do tipo (ii) para ilustrar a solução que propomos, sendo que um trata de receitas culinárias e o outro não.

(5) – Esse telefone sem fio nunca está funcionando!

B– Não, ele é muito bom! É que eu larguei ele em cima da cama e ele descarregou.

(6) – Essa massa de pão não cresce?

Deixa ela/?Ø quieta durante 2 horas que ela vai crescer.

É importante notarmos que em ambos os casos os falantes preferem os enunciados onde pronome aparece explicitamente. Para alguns falantes, inclusive, o exemplo (6) sem a presença do pronome parece ser agramatical. De acordo com nossa abordagem, a forma do objeto direto anafórico selecionada pelo falante reflete seu desejo de marcar um determinado elemento como possível tópico do discurso. O mesmo ocorre em exemplos apresentados por Schwenter e Silva, como (7) abaixo, onde o referente é –animado e -específico.

(7) - Ora, um pudim, meu Deus do céu, não vai tomar tanto tempo assim não. Vocês trabalham, realmente, (est) mas não vai tomar muito tempo não. Enquanto você lava a louça de noite, ou vai jantar, você bate ele no liquidificador e larga ele no forno.

Analisando o segmento acima, vemos que o “pudim” foi introduzido como tópico no primeiro enunciado. Em seguida, aparecem alguns comentários sobre o cotidiano dos interlocutores. Na seqüência o falante decide reintroduzir o “pudimcomo o tópico e utiliza uma forma mais marcada para assinalar sua intenção. Se uma forma menos marcada fosse escolhida (o pronome nulo), o falante não teria como indicar para o seu interlocutor a mudança no tópico discursivo e o sujeito dos últimos enunciados seria mais proeminente que o objeto.

O segundo caso considerado anômalo ocorre quando um objeto nulo tem um referente +animado e +específico. Uma possibilidade seria pensar que, ao contrário dos objetos anafóricos explícitos, os objetos nulos designam um não-tópico. Essa solução, além de ser refutada pelos dados, também não é compatível com a abordagem aqui proposta, que uma de suas idéias principais é a de que as propriedades +animado / +específico são elementos fundamentais na determinação do tópico discursivo. Ao analisarmos os exemplos presentes no corpus, vemos que existem três situações onde os ODs nulos +animados / +específicos aparecem: (i) quando existe um paralelismo entre enunciados adjacentes; (2) quando existe uma quase-topicalização do OD e (3) quando existe a repetição do verbo sem o OD, que foi realizado anteriormente por um pronome explícito.

Essas características apontam para uma outra solução. Em todos os casos descritos acima, o elemento +animado / +específico está estabelecido como tópico do discurso quando aparece como objeto nulo. Isso significa que, como outros elementos discursivos usados anteriormente asseguraram a topicalidade do discurso, o falante pode optar por uma forma menos marcada sem dar indicações errôneas ou permitir falsos julgamentos sobre o tópico do discurso. Analisando outro exemplo apresentado por Schwenter e Silva, compreendemos mais facilmente como esse mecanismo opera.

(8) – E o seu avô? Você conheceu Ø também?

Muito mal. Ele quando morreu, eu era bem - eu era bem pequena.

No exemplo acima o falante podia escolher entre o pronome explícito e o nulo. Porém acabou optando pelo nulo, uma vez que o tópico estava garantido por uma quase-topicalização. Dessa forma, para que nossa abordagem esteja completa devemos acrescentar um quarto princípio.

4) Se um elemento anafórico que é tópico do discurso tem um referente que apresenta as propriedades de um possível tópico (de acordo com o modelo proposto), e se outras características do discurso garantem que este elemento seja o tópico, o falante pode optar por uma forma menos marcada para sua realização.

 

Conclusão

Acreditamos que a abordagem proposta pode ser ampliada incorporando outras instâncias onde existam variações na forma dos constituintes, especialmente no caso de pronomes nulos e explícitos, como o sujeito em espanhol ou o sujeito e o objeto direto em italiano. Possivelmente ocorrerão variações nas propriedades escolhidas por cada língua para determinar a escala de topicalidade, mas os princípios gerais de nossa proposta ainda poderão ser mantidos.

 

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[1] Para uma descrição detalhada da CTD ver Grosz, Joshi e Weinstein (1995) ou Walker, Joshi e Prince (1998).

[2] A teoria também prevê o tipo de SN mais provável. Uma das previsões é chamada de regra 1, que diz: se um elemento de Cf (Un) é realizado por um pronome em Un+1, então o Cb (Un+1) deve ser realizado como um pronome também.