A
Forma
do
Objeto
Direto
em
Português
Uma
análise
motivada
pela
topicalidade
Luiz Alexandre Amaral
(The Ohio State University)
Introdução
Em
um
artigo intitulado Semantics and Pragmatics of
Anaphoric Direct Objects in Brazilian Portuguese, Schwenter e Silva (2003)
examinam os
fatos
que determinam o
uso dos
objetos
nulos anafóricos (ODs) no
português do Brasil. De
acordo
com a
teoria
por
eles apresentada, a
ocorrência de
objetos
pronominais
nulos
ou
explícitos é “regulada
pela
interseção de
dois
fatores
básicos de
referência:
animação e especificidade” (Schwenter
e Silva, 2003: 101).
Sua
hipótese,
que é
baseada nas
propriedades semântico-pragmáticas dos
referentes
pronominais, apresenta
resultados
quantitativamente interessantes e pode-se
dizer
que
ela dá
conta da
maioria dos
casos encontrados no
corpus investigado.
Entretanto,
seus
resultados mostram
que existem
exemplos
que se comportam de
forma “anômala”
em
relação ao
tratamento proposto,
ou seja,
exemplos
onde os
falantes escolhem uma
forma
pronominal
não
prevista
pelos
critérios escolhidos.
Este
artigo investiga
esses
casos
ditos “anômalos”
pela
teoria de Schwenter e Silva (2003) e sugere
um
tratamento
que
não se limita às
características semântico-pragmáticas dos
referentes
pronominais, reconhecendo a
importância da
estrutura discursiva.
Segundo a
nossa
abordagem, o comprometimento do
falante
com a
coerência discursiva
local é o
fator
determinante na
escolha da
forma
pronominal utilizada,
ou seja,
apesar das
restrições impostas
sobre as
formas
pronominais fazerem
parte da
competência do
falante, as
características do
discurso se sobrepõem aos
traços semântico-pragmáticos
quando a
coerência discursiva está
em
jogo. Acreditamos
que a
abordagem
aqui descrita
nos permite
observar a
correlação
entre as
formas
lingüísticas e as
propriedades discursivas, possibilitando o
uso de ambas
para
calcular
mais
precisamente a
interpretação desejada.
Este
artigo está dividido
em
seis
seções. Na
segunda
seção,
após esta
introdução, revemos as
principais
idéias apresentadas
em Schwenter e Silva (2003). Na
seção
seguinte mostramos
como as
propriedades semântico-pragmáticas descritas
em Schwenter e Silva
são
relevantes
para a
definição do
tópico discursivo
com
base na Centering Theory (Grosz
et al, 1995),
que descreve a
coerência
local discursiva. Na
quarta
seção analisamos a
contribuição do princípio-M de Levinson (1987)
para a
nossa
abordagem. Na
quinta
seção apresentamos a
proposta
principal do
trabalho
junto
com
alguns
exemplos
que seriam considerados anômalos
por Schwenter e Silva e mostramos
como
eles podem
ser
tratados
dentro de uma
abordagem
que
leva
em
consideração as
características discursivas
locais.
Finalmente, na
sexta
seção, apresentamos os
comentários
finais.
Objeto
Direto
Anafórico no PB.
Características
Gerais
Entre as
quatro
línguas românicas
mais faladas (espanhol,
português,
francês e italiano),
três
são pro-drop,
porém o
português é a
língua
que apresenta o
maior
número de
casos
onde o
objeto
direto é omitido.
Apesar de Raposo (1992)
descrever o
uso de
objetos
diretos
nulos
em
português
europeu,
esse
fenômeno é
ainda
mais
comum na
variante
brasileira.
Em
nosso
trabalho utilizamos
somente
dados
referentes ao
português
brasileiro.
Um
exemplo dessa
construção pode
ser
visto
em (1).
(1)
- O
que
você fez
com os
meus
óculos?
- Ø
Botei Ø
ali
em
cima da
mesa.
O
sistema
pronominal
para
objetos
diretos anafóricos
em PB apresenta basicamente duas possibilidades. A
primeira,
como no
exemplo (2),
com o
uso de clíticos, ocorre
quase
que
exclusivamente
em
textos
escritos e no
discurso
culto.
Esse
uso é
pouco
freqüente
mesmo
entre
falantes
com
maior
grau de
instrução. A
segunda é a
realização do
objeto
direto
com o
pronome
tônico,
como no
exemplo (3),
ou
com
um
pronome
nulo,
como no
exemplo (1).
Esse
uso é
cada
vez
mais
freqüente,
mesmo
entre
falantes da
variante
culta da
língua.
(2)
-
Eu o estava
observando
durante as
aulas.
(3)
-
Eu estava
observando
ele
durante as
aulas.
A
Abordagem de Schwenter e Silva
(2003)
Schwenter e Silva
(2003) investigam as
condições
para o
uso dos
pronomes
nulos
em PB e
para o
uso dos
pronomes
explícitos.
Eles argumentam
que existe
um
contínuo no
grau de
aceitação dos ODs de
terceira
pessoa.
Este
contínuo é
sensível a duas
características dos
referentes dos
objetos anafóricos: (i) +-
animado e (ii) +-
específico.
Segundo
eles, os ODs de
terceira
pessoa tendem a
ser
explícitos (i.e. realizados
com os
pronomes
tônicos
ele/ela)
quando
seus
referentes
são +animados e +específicos.
Eles fizeram uma
análise de
corpus usando
o PEUL. Os
resultados
estão na
tabela 1
abaixo.
|
+anim/+esp |
+anim/-esp |
-anim/+espe |
-anim/-esp |
Nulo |
50 (24.4%) |
102 (75.5%) |
151 (87.3%) |
604 (81.9%) |
Pronomes |
126 (61.5%) |
12 (8.9%) |
0 (0%) |
13 (1.8%) |
SNs |
29 (14.1%) |
21 (15.6%) |
22 (12.7%) |
120 (13.3%) |
Total |
205 (100%) |
135 (100%) |
173 (100%) |
737 (100%) |
Tabela
1 –
Objetos
diretos
anafóricos no
corpus
PEUL.
Como podemos
observar a
partir de
seus
dados, existe uma
clara
preferência
pelo
uso do
pronome
explícito
nos
casos
onde o
referente é +animado e
+específico.
Porém,
também existem
casos
onde essas duas
propriedades semântico-pragmáticas
não
são
suficientes
para
explicar a
escolha
feita
pelos
falantes (24% dos
nulos +animados e +específicos,
8,9% dos
explícitos +animados e
–específicos e 1,8% dos
explícitos –animados e
–específicos).
Além dos
dados apresentados
por
eles, veremos na
seção 5
que existem
exemplos
onde
um
pronome
tônico é usado
quando o
referente do
objeto anafórico é –animado
e +específico.
Os
resultados apresentados
por Schwenter e Silva provam
que
sua
abordagem
captura uma
generalização
importante a
respeito das
restrições semântico-pragmáticas impostas à
forma dos ODs,
mas
não explica o
porquê da
preferência
pelos
traços escolhidos.
Como veremos na
seção
seguinte,
esses
traços
lingüísticos
são
imprescindíveis
para o
estabelecimento da
coerência discursiva
local e do
tópico discursivo.
Assim, entendemos
que a
relação
entre a
seleção da
forma dos ODs e os
traços
lingüísticos apresentados se dá de
forma
indireta,
através do
papel desempenhado
por
ambos na
construção de uma
estrutura discursiva
coerente.
Em outras
palavras, as
escolhas
feitas
pelo
falante
são consistentes
com a
estrutura discursiva, e a
mudança na
forma
pronominal pode
ajudar o
falante a
sinalizar uma alteração (ou
manutenção) do
tópico do
discurso
sem
que a
coerência seja
afetada.
Intuições
baseadas na Centering Theory of Discourse
Centering Theory of Discourse
Nesta
seção apresentaremos algumas
idéias básicas
sobre a Centering Theory of Discourse (CTD) (Grosz
et al, 1995), focalizando
conceitos
que
serão
importantes
para a
argumentação
presente nas
seções 4 e 5 deste
trabalho.
O
modelo usado
pela CTD
para
descrever a
coerência discursiva
local
usa
um
formalismo
que é
suficientemente detalhado
para
permitir o
desenvolvimento de
algoritmos computacionais. As
principais
idéias introduzidas
por
este
formalismo constituem uma das
bases da
abordagem
por
nós
proposta. A
primeira delas é a de
que
certos
elementos
em
um
dado
enunciado
são
mais
centrais
que
outros.
Cada
enunciado tem
um
centro
preferencial, e a
maneira
como
esse
centro é
tratado no
enunciado
seguinte tem
um
impacto na
coerência do
discurso. A
idéia
principal da
teoria é
relacionar o
foco de
atenção e a
escolha da
expressão referencial
com a
coerência
entre
enunciados no
mesmo
segmento discursivo.
Para
tal, a CTD propõe
um
modelo do
nível
local do
estado de
atenção.
Um dos
objetivos da
teoria é
analisar os
níveis de complexidade inferencial de
diferentes
segmentos do
discurso. O
mecanismo
criado
pela
teoria
visa
determinar os
fatores de
processamento discursivo
responsáveis
por
diferenças na
coerência de
um
dado
segmento.
Observe a
diferença na
estrutura discursiva no
exemplo (4) se ao
invés de (4c1) o
falante
escolher (4c2)
como
enunciado
final.
(4a) João
ensina
inglês.
(4b)
Ele é
muito
bom
professor
para o Paulo.
(4c1)
Ele explica a
matéria
com
clareza.
(4c2)
Ele está
aprendendo
muito
rápido.
Apesar de
não
haver
dúvidas
sobre o
referente de “ele”
nos
enunciados (4c1) e (4c2), a CTD prevê
que o
discurso
em (4) é
mais
difícil de
ser processado se o
falante
escolher (4c2) ao
invés de (4c1)
como
enunciado
final. A
explicação
para
tal
fato é
porque
em (4a) e (4b) o
centro do
discurso é João,
assim
como
em (4c1).
Porém, as
características
semânticas de (8c2) forçam uma
mudança na
interpretação de “ele”,
que
vira Paulo, e modificam o
centro do
discurso.
Isso
aumenta a
carga de
inferência (inference load)
necessária
para
processar
corretamente o
discurso, fazendo
com
que
ele seja
classificado
como
menos
coerente.
Ou seja,
para a CTD o
grau de
coerência discursiva está
diretamente relacionado
com a
dificuldade de
processamento do
texto.
Para
melhor
compreender o
formalismo é
necessário
conhecer algumas
definições de
conceitos
centrais utilizados na CTD.
Centros (centers): os
centros
são
entidades
semânticas
que constituem o
modelo discursivo
para
cada
enunciado
em
um
dado
segmento.
Cf –
centros
futuros (forward-looking centers): o
conjunto de
centros
futuros, Cf(Ui, D),
representa
entidades discursivas evocadas
em
um
enunciado
Ui
em
um
segmento D. Os
elementos desse
conjunto
são
ordenados de
acordo
com a
sua
saliência discursiva. Os
critérios
para
ordenar os
elementos
são
específicos de
cada
língua.
Cp –
centros
preferenciais (preferred center): O
Cp é o
membro
que aparece na
primeira
posição do
conjunto
ordenado de Cf. O Cp representa a
previsão
sobre o Cb do
enunciado
seguinte.
Cb –
centros
passados (backward-looking center): O
Cb é
um
membro
especial do Cf
que representa a
entidade discursiva
mais
proeminente do
enunciado
Ui,
que
em outras
teorias é chamado de
tópico (Reinhart,
1981; Horn, 1986).
Normalmente, o Cb do
enunciado Un+1 é o Cp do
enunciado Un.
Usando as
definições
acima, a CTD constrói
um
mecanismo
capaz de
classificar os
tipos de
transições
que ocorrem de
um
enunciado Un
para
um
enunciado Un+1. Essas
transições
são os
elementos
fundamentais
para a
identificação do
nível de
coerência
local do
discurso. A
tabela 2 (Walker,
Joshi e Prince, 1998)
mostra os
tipos de
transições previstas na CTD.
|
Cb(Un) = Cb(Un-1)
or Cb(Un-1) = [?] |
Cb(Un) ≠ Cb(Un-1) |
Cb(Un) = Cp(Un) |
CONTINUE |
SMOOTH-SHIFT |
Cb(Un) ≠ Cp(Un) |
RETAIN |
ROUGH-SHIFT |
Tabela
2 – 4
tipos
de
transição
na CTD.
A
idéia
básica
por
trás desses
tipos de
transição é
que
um
segmento discursivo
que apresenta
apenas
transições do
tipo CONTINUE
é
mais
coerente
que
um
segmento
que apresente
uma
transição do
tipo RETAIN, e
assim
sucessivamente.
Usando
esse
aparato
para
avaliar o
exemplo (4),
podemos
entender
como a CTD
prevê a
maior
coerência do
discurso
com o
enunciado
final (4c1)
(4a) João
ensina
inglês.
Cb: [?]
Cf: [João,
inglês]
Centering Transition No
transition |
(4b)
Ele
é
muito
bom
professor
para
o Paulo.
Cb: [João]
Cf: [João,
professor,
Paulo]
Centering Transition
CONTINUE |
(4c1)
Ele
explica a
matéria
com
clareza.
Cb: [João]
Cf: [João,
matéria]
Centering Transition
CONTINUE |
(4c2)
Ele
está aprendendo
rápido.
Cb: [Paulo]
Cf: [Paulo]
Centering Transition
SMOTH-SHIFT |
Ordem
em Cf e as
propriedades
semântico-pragmáticas
Como vimos
acima, a
lista
em Cf do
enunciado
Ui é
ordenada de
forma
que o
primeiro
elemento é o
centro
preferencial (Cp) do
enunciado, sendo
assim o
candidato
em
potencial
para se
tornar o Cb do
enunciado
Ui+1.
Além disso, a
confirmação do Cp de
Ui
como o Cb de
Ui+1
tem
um
impacto no
grau de
coerência
local do
discurso.
É
importante entendermos,
então, o
que faz de uma
entidade do
discurso
um
elemento
mais
proeminente
que os
outros. As
propriedades escolhidas
serão
fundamentais
para
estabelecer o
centro do
discurso,
ou seja, o
tópico discursivo.
As
listas de Cf variam
conforme a
língua estudada, e nelas estão incluídas
propriedades sintáticas,
semânticas e
pragmáticas.
Dois
trabalhos se destacam na
investigação
sobre as
propriedades de Cf nas
línguas românicas. O
primeiro é Di Eugenio (1998), no
qual a autora analisa o
sistema
pronominal italiano e apresenta
dados
que corroboram a
teoria
por
ela descrita
em Di Eugenio (1990),
com
base na
qual
ela demonstra
como a CTD pode
ser usada
para
prever o
uso do
sujeito
nulo
em Italiano.
Sua
proposta está
baseada na
idéia de
que
sujeitos
nulos
normalmente assinalam uma
transição do
tipo CONTINUE,
enquanto
que
pronomes
explícitos marcam
transições do
tipo RETAIN
ou SHIFT. A
ordenação de
sua
lista de Cf é
baseada no
seguinte
modelo:
Empatia >
Sujeito >
Objeto2 >
Objeto1 >
Outros. O
segundo
trabalho é o de Taboada (2002), na
qual a autora
usa a CTD
para
analisar a
referência
pronominal
em
espanhol.
Ela propõe
um ordenamento de Cf
que inclui
não
apenas a
empatia
como
um dos
critérios,
mas
também a
animação. O
seu
modelo
para Cf é:
Empatia/Animação >
Sujeito >
Objeto
indireto
animado >
Objeto
direto >
Outros. É interessante
notar
que a
animação aparece
como uma
propriedade
que antecede o
sujeito e faz
com
que os
objetos
indiretos sejam
classificados
como
mais
proeminentes
que os
objetos
diretos.
Esse
fato é
particularmente interessante se lembrarmos
que
esse ordenamento é
baseado na
intuição de
que “algumas
características do
enunciado servem
como
guia
para a
estrutura atencional do
segmento discursivo” (Cote,
1998).
Apesar de serem necessárias futuras
pesquisas
para
determinar os
critérios de
ordenação da
lista
em Cf
para o
português, existem
razões
para
crer
que
eles sejam parecidos
com os
critérios
para a
língua espanhola.
Assim, a
animação deve
ser considerada uma
característica
relevante
para a
manutenção da
coerência discursiva
em
português, da
mesma
forma
que
em
espanhol.
Isso
nos remete às
propriedades semântico-pragmáticas utilizadas
por Schwenter e Silva (2003)
para
explicar a
forma do
objeto anafórico
em PB.
Além da
animação,
eles propõem
que a especificidade
deva
ser considerada na
escolha da
forma dos ODs.
Mais uma
vez, se faz
necessário o
desenvolvimento de futuras
pesquisas
para
comprovar a
importância da especificidade na
ordenação de Cf.
Porém, na
literatura
sobre a CTD, as
entidades discursivas
que aparecem na
maioria dos
exemplos utilizados
para
apresentar os
critérios de
ordenação de Cf apresentam o
traço +
específico. A
idéia de
que a especificidade contribui
para a
ordenação dos
elementos
em Cf parece
ser intuitivamente
correta se
nós considerarmos
que a
estrutura atencional é
um
elemento
importante no
modelo descrito
pela
teoria. Nesta
pesquisa,
nós consideramos
que
não
somente a
animação,
mas
também a especificidade têm
um
papel
fundamental
para a
coerência discursiva
local.
Podemos
concluir
então
que os
traços semântico-pragmáticos escolhidos
por Schwenter e Silva
para
explicar a
forma dos ODs estão
diretamente relacionados
com a
estrutura do
discurso
proposta
pela CTD se notarmos
que (i)
segundo a CTD, as
entidades discursivas
que apresentam as
propriedades descritas
como
mais
proeminentes na
ordenação de Cf
são os
centros
preferenciais do
enunciado (no
caso do
português essas
propriedades
são +específico e +
animado) e (ii) Schwenter e Silva provaram
que os ODs
que tendem a
ser realizados
com
pronomes
explícitos
são
aqueles
cujos
referentes
são +específicos e +animados.
Não é
difícil
perceber
que os
pronomes
explícitos
são usados
quando se referem a
possíveis
centros
preferenciais. o
que significa
que a
forma
explícita vai
marcar os SNs pronominalizados, caracterizando-os
como
possíveis
tópicos discursivos (ou
na
terminologia da CTD,
fortes
candidatos a serem o Cp de
um Un e o Cb de
um Un+1).
Na
seção 5, a
idéia apresentada
acima será ilustrada
com
exemplos e será
mais
fácil
perceber a
importância de se
usar uma
forma
explícita
para os ODs
quando
eles
são
candidatos a serem
centros discursivos. Os
exemplos demonstrarão
que ODs +animados e +específicos
aparecem
em
enunciados
onde o
sujeito
também apresenta essas
propriedades.
Assim, a
forma do
objeto é
fundamental
para
marcar uma
possível
mudança no
centro do
discurso.
O
Princípio-M de Levinson
Antes de tecermos
considerações
sobre a
abordagem de Levinson, é
importante
frisar
que
seus
objetivos
são
diferentes dos
objetivos deste
trabalho. Levinson
tenta
lidar
com o
problema da
resolução de anáforas
através de uma
perspectiva neo-griceana.
Seus
princípios lidam
com as
estratégias
que
ele pressupõe
que o
falante e o
ouvinte usam
quando interpretam
diferentes
tipos de SNs.
Este
trabalho propõe uma
maneira de
ver a
escolha dos
tipos de SNs usados
pelo
falante
para
transmitir a
informação de uma
maneira consistente
com a
estrutura do
discurso.
Não é o
objetivo deste
trabalho
propor
nenhum
tipo de
modelo de
resolução de anáforas, e
sim de
compreender
como algumas
formas
lingüísticas estão
ligadas a
funções discursivas específicas de
determinados
elementos
em
um
enunciado.
Apesar disso, existem
idéias
que
são
comuns às duas
abordagens.
Primeiramente, utilizamos os
conceitos de
expressão marcada vs. não-marcada de uma
maneira
semelhante à de Levinson. Consideramos
que existe uma
escala de
formas
mais marcadas
para
menos marcadas
que variam de: SN
completo >
pronomes
explícitos >
pronomes
nulos.
Segundo, o princípio-M de Levinson tem
papel
fundamental na
análise
aqui
proposta.
Princípio-M (Manner Principle)
Máxima do
falante:
Não
use
sem
uma
razão
específica
uma
expressão
marcada,
prolixa
ou
obscura.
Máxima do
ouvinte:
Quando o
falante
utiliza uma
expressão
marcada M,
ele
não
quer
dizer o
mesmo
que ao
utilizar uma
expressão
não-marcada U –
Ele está
especificamente tentando
evitar as
associações
estereotípicas e a implicatura-I de U.
É
importante
entendermos
que
o princípio-M é
parte
de uma
abordagem
que
tenta
prever
as
interpretações
co-referenciais
para
diferentes
formas
de SNs, o
que
difere do
objetivo
deste
trabalho,
como
dissemos
acima.
A
Abordagem
e os
Casos
“Anômalos”
A
abordagem
por
nós
proposta
pode
ser
resumida
nos
seguintes
princípios:
1)
Em
PB, os
elementos
em
um
enunciado
U
em
um
segmento
discursivo D
são
classificados
como
possíveis
tópicos
a
partir
do
modelo:
Animação/Especificidade >
Sujeito >
Objeto >
Outros.
2) A
escala
para
formas
anafóricas,
que
vai de +marcadas
para
–marcadas, é: SNs
completos >
Pronomes
explícitos >
Pronomes
nulos.
3) Se
um
elemento
anafórico no
discurso
tem
um
referente
que
não
apresenta as
possíveis
propriedades
para
ser
o
tópico
discursivo, e se o
falante
quer
que
ele
seja o
tópico,
esse
falante
optará
por
uma
forma
mais
marcada.
Assim,
podemos
justificar
a
distribuição
das
formas
dos ODs
com
base
nos
traços
semântico-pragmáticos +-animado e +-específico da
seguinte
forma:
(i) As
propriedades
+específico
e +animado
são
as
mais
importantes
para
o
estabelecimento
do
tópico
em
um
determinado
segmento
discursivo.
(ii) O
falante
tende a
usar
as
formas
mais
marcadas
para
indicar
os
possíveis
tópicos
desse
segmento,
por
isso
é
mais
provável
encontrarmos ODs
cujos
referentes
são
+específicos
e +animados
realizados
como
pronomes
explícitos,
e ODs
cujos
referentes
têm todas as
outras
três
possíveis
combinações
realizados
como
ODs
nulos.
Como
os
objetos
tendem
menos
a
ser
o
tópico
discursivo
que
o
sujeito,
espera-se
que
em
um
corpus
que
tenha 1250 ODs,
como
o examinado
por
Schwenter e Silva (2003), a
grande
maioria
dos
objetos
seja
nulo
(970,
ou
72,6%),
enquanto
que
apenas
uma
pequena
parte
seja
explícito
(151,
ou
12,1%).
A
pergunta
que
se coloca
então
é se
nossa
abordagem
pode
explicar
os
casos
chamados “anômalos”.
Para
responder
essa
questão
devemos
analisar
os
contextos
nos
quais
esses
casos
ocorrem. Começamos
com
os
casos
onde
encontramos
um
pronome
explícito
quando
as
propriedades
parecem
indicar
o
uso
de uma
forma
nula.
Essas
situações
ocorrem
quando
o
referente
do
objeto
direto
é (i) +animado/-específico,
(ii) –animado/+específico
ou
(iii) –animado/-
específico.
Schwenter e Silva
não
encontram
nenhum
exemplo
de (ii) no
corpus
e afirmam
que
(iii) ocorre
somente
em
contextos
onde
o
falante
está dando
instruções
sobre
receitas
culinárias.
Nossa
abordagem
sugere
que
os
casos
(i), (ii) e (iii)
são
instâncias
do
princípio
3 descrito
acima.
O
fato
de Schwenter e Silva
não
terem encontrado
nenhum
exemplo
de (ii) nas
entrevistas
analisadas
não
significa
que
esse
tipo
de
exemplo
não
exista na
língua.
Para
fins
de
análise,
usaremos
dois
exemplos
do
tipo
(ii)
para
ilustrar
a
solução
que
propomos, sendo
que
um
trata
de
receitas
culinárias
e o
outro
não.
(5) –
Esse
telefone
sem
fio
nunca
está funcionando!
B–
Não,
ele
é
muito
bom!
É
que
eu
larguei
ele
em
cima
da
cama
e
ele
descarregou.
(6) – Essa
massa
de
pão
não
cresce?
–
Deixa
ela/?Ø
quieta
durante
2
horas
que
ela
vai
crescer.
É
importante
notarmos
que
em
ambos
os
casos
os
falantes
preferem os
enunciados
onde
pronome
aparece explicitamente.
Para
alguns
falantes,
inclusive,
o
exemplo
(6)
sem
a
presença
do
pronome
parece
ser
agramatical. De
acordo
com
nossa
abordagem,
a
forma
do
objeto
direto
anafórico
selecionada
pelo
falante
reflete
seu
desejo
de
marcar
um
determinado
elemento
como
possível
tópico
do
discurso.
O
mesmo
ocorre
em
exemplos
apresentados
por
Schwenter e Silva,
como
(7)
abaixo,
onde
o
referente
é –animado
e -específico.
(7) -
Ora,
um
pudim,
meu
Deus do
céu,
não vai
tomar
tanto
tempo
assim
não.
Vocês
trabalham,
realmente, (est)
mas
não vai
tomar
muito
tempo
não.
Enquanto
você
lava a
louça de
noite,
ou vai
jantar,
você
bate
ele
no
liquidificador
e
larga
ele
lá
no
forno.
Analisando o
segmento
acima, vemos
que o “pudim” foi
introduzido
como
tópico no
primeiro
enunciado.
Em
seguida, aparecem
alguns
comentários
sobre o
cotidiano dos
interlocutores. Na
seqüência o
falante decide
reintroduzir o “pudim”
como o
tópico e utiliza uma
forma
mais marcada
para
assinalar
sua
intenção. Se uma
forma
menos marcada fosse escolhida (o
pronome
nulo), o
falante
não teria
como
indicar
para o
seu
interlocutor a
mudança no
tópico discursivo e o
sujeito dos
últimos
enunciados seria
mais
proeminente
que o
objeto.
O
segundo
caso considerado anômalo ocorre
quando
um
objeto
nulo tem
um
referente +animado e +específico.
Uma possibilidade seria
pensar
que, ao
contrário dos
objetos anafóricos
explícitos, os
objetos
nulos designam
um não-tópico. Essa
solução,
além de
ser refutada
pelos
dados,
também
não é
compatível
com a
abordagem
aqui
proposta,
já
que uma de
suas
idéias
principais é a de
que as
propriedades +animado
/ +específico
são
elementos
fundamentais na
determinação do
tópico discursivo. Ao analisarmos os
exemplos
presentes no
corpus, vemos
que existem
três
situações
onde os ODs
nulos +animados / +específicos
aparecem: (i)
quando existe
um
paralelismo
entre
enunciados
adjacentes; (2)
quando existe uma quase-topicalização do OD e (3)
quando existe a
repetição do
verbo
sem o OD,
que
já foi realizado
anteriormente
por
um
pronome
explícito.
Essas
características apontam
para uma
outra
solução.
Em
todos os
casos descritos
acima, o
elemento +animado / +específico
já está estabelecido
como
tópico do
discurso
quando aparece
como
objeto
nulo.
Isso significa
que,
como
outros
elementos discursivos usados
anteriormente
já asseguraram a topicalidade do
discurso, o
falante pode
optar
por uma
forma
menos marcada
sem
dar
indicações errôneas
ou
permitir
falsos
julgamentos
sobre o
tópico do
discurso. Analisando
outro
exemplo apresentado
por Schwenter e Silva, compreendemos
mais facilmente
como
esse
mecanismo opera.
(8) – E o
seu
avô?
Você conheceu Ø
também?
–
Muito
mal.
Ele
quando morreu,
eu
era
bem -
eu
era
bem
pequena.
No
exemplo
acima
o
falante
podia
escolher
entre
o
pronome
explícito
e o
nulo.
Porém
acabou optando
pelo
nulo,
uma
vez
que
o
tópico
já
estava garantido
por
uma quase-topicalização. Dessa
forma,
para
que
nossa
abordagem
esteja
completa
devemos
acrescentar
um
quarto
princípio.
4) Se
um
elemento anafórico
que é
tópico do
discurso tem
um
referente
que apresenta as
propriedades de
um
possível
tópico (de
acordo
com o
modelo proposto), e se outras
características do
discurso garantem
que
este
elemento seja o
tópico, o
falante pode
optar
por uma
forma
menos marcada
para
sua
realização.
Conclusão
Acreditamos
que a
abordagem
proposta pode
ser ampliada incorporando outras
instâncias
onde existam variações na
forma dos
constituintes,
especialmente no
caso de
pronomes
nulos e
explícitos,
como o
sujeito
em
espanhol
ou o
sujeito e o
objeto
direto
em italiano. Possivelmente ocorrerão variações nas
propriedades escolhidas
por
cada
língua
para
determinar a
escala de topicalidade,
mas os
princípios
gerais de
nossa
proposta
ainda poderão
ser mantidos.
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