ANÁLISE DA REDUPLICAÇÃO
EM DADOS DA AQUISIÇÃO
UMA ABORDAGEM OTIMALISTA

Luciana Rocha de Albuquerque (UFRJ/ FAPERJ)
Carlos Alexandre Gonçalves
(UFRJ)

Introdução

Neste texto, analisamos o fenômeno da Reduplicação na linguagem infantil, sob a luz da Teoria da Otimalidade, doravante OT (PRINCE & SMOLENSKY, 1993; MCCARTHY & PRINCE, 1994) em sua mais recente versão, a “Teoria da Correspondência” (MCCARTHY & PRINCE, 1995) que, ampliando a noção de Fidelidade, possibilita descrever melhor a interface Morfologia/Fonologia.

No decorrer do artigo, esclarecemos o fenômeno da Reduplicação e todas as suas manifestações, o que implica definir o processo. A seguir, resumiremos as bases da Teoria da Otimalidade para começar a tratar, especificamente, do fenômeno em questão em dados da aquisição da linguagem. Por fim, vocábulos serão analisados em tableaux, segundo a OT.

Reduplicação

Primeiramente, empenhamo-nos por definir o que seria exatamente a Reduplicação. Foram consultadas, de início, as seguintes obras de caráter normativo-tradicional: “Gramática Normativa da Língua Portuguesa” (LIMA, 2000: 225-226), “Moderna Gramática da Língua Portuguesa” (BECHARA, 1998) e “Nova Gramática do Português Contemporâneo” (CUNHA & CINTRA, 1985: 105,106).

Na Gramática de Rocha Lima, não foi encontrado tal processo de formação de palavras, porém encontrou-se o vocábulo “corre-corre”, apontado como resultado da composição. Na Gramática de Evanildo Bechara, é tratado o fenômeno da Reduplicação, porém afirma-se ser este o processo através do qual formam-se as onomatopéias. Também ali o vocábulo “corre-corre” é apontado como resultado de uma composição. Por fim, na Gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra, a reduplicação não é listada, assim como na Gramática de Rocha Lima, e também encontra-se o vocábulo “corre-corre”, tratado da mesma forma que nas anteriormente citadas. No entanto, nesta última Gramática há um adendo importante: a constatação de que uma palavra composta apresenta um elemento Determinado, que contém a idéia geral, e outro Determinante, que encerra a noção particular, na sua formação. Em palavras como “corre-corre” é impossível distinguir tais elementos; isso porque não se trata da junção de dois elementos com significados distintos, mas de uma cópia de um só elemento.

Foram também consultadas as obras “Morfologia lexical” (SANDMANN, 1990: 26,27) e “Morfologia portuguesa” (MONTEIRO, 1987: 177-179), nas quais não foram encontradas definições ou informações que se distanciassem muito daquelas já citadas anteriormente.

Com base nessas leituras, formulamos as seguintes condições para que um processo seja visto como Reduplicação:

(a) é necessário o reconhecimento de uma base a partir da qual atue a cópia. Assim, “pepeta” constitui Reduplicação, já que a base - chupeta - é sincronicamente depreendida;

(b) o produto deve ser uma forma que apresente função lexical (Basílio, 1987) ou função expressiva, como ocorre em “corre-corre” e “Fafá”, hipocorístico de “Fátima”, nesta ordem; e, por fim,

(c) a forma reduplicada não pode apresentar valor onomatopaico, como “tic-tac” e “auau”, entre outros.

Tendo chegado a uma definição para o fenômeno, elaborou-se um corpus contendo cerca de 50 vocábulos, constituído a partir de dados coletados das seguintes fontes:

(a) palavras ouvidas em situações de fala real, entre os meses de agosto e setembro de 2003;

(b) formas rastreadas a partir de jornais e revistas de circulação nacional, como Jornal O Dia e revista Placar;

(c) dados extraídos de artigos publicados sobre o fenômeno em periódicos nacionais (ARAÚJO, 2000);

(d) dados obtidos via rastreamento “on-line” em “sites” www.gramaticaportuguesa.com <http://www.gramaticaportuguesa.com> e www.educaterra.terra.com.br <http://www.educaterra.terra.com.br>

Assim, com base no corpus coletado, temos quatro tipos de Reduplicação, são eles:

1. Reduplicação com verbos: corre-corre, quebra-quebra.

2. Reduplicação no início de palavra: papai, mamãe.

3. Reduplicação em final de palavra: chororô, bololô.

4. Reduplicação na linguagem infantil: pepeta, dedera.

Otimalidade

A Teoria da Otimalidade se sustenta em cinco princípios básicos:

(1) Universalidade, que afirma a existência de restrições fornecidas pela Gramática Universal (revelando-se, portanto, um modelo gerativo);

(2) Violabilidade, as restrições são violáveis, porém tais violações são mínimas;

(3) Hierarquização, as restrições são hierarquizadas;

(4) Inclusividade, candidatos a output-ótimo são avaliados segundo tal hierarquia;

(5) Paralelismo, o output é calculado tendo por base a hierarquia inteira e todos os candidatos.

Encontramos, ainda na OT, as noções de input e output. A primeira diz respeito à forma subjacente da unidade que se quer analisar (estrutura profunda) e a segunda, à sua forma concreta (estrutura superficial). As formas candidatas são avaliadas por AVAL (avaliador - a hierarquia de restrições) para se chegar a um output-ótimo, ou seja, à forma que melhor satisfaz a hierarquia de restrições.

Como explicitado anteriormente, tal teoria difere de outros modelos de base gerativa. Esquematizamos as principais diferenças no quadro a seguir:

MODELOS GERATIVOS OT
Regras invioláveis Restrições violáveis minimamente
Os princípios não podem estar em conflito Os princípios estão em conflito (ranqueamento)
Um princípio não pode preceder o outro Um princípio precede o outro

Os candidatos a output-ótimo são avaliados no que denominamos de Tableau e nele se aponta o vencedor, como exemplificado abaixo no Tableau A:

/XYZ/ 1 2 3
FA   * * * *
B *! *  

/XYZ/ - input

1, 2 e 3 - restrições

A e B - candidatos

* - não atendimento à exigência da restrição (um candidato pode ter vários *)

! - violação fatal (candidato eliminado)

F - output-ótimo

No tableau acima, percebe-se que mesmo o candidato A tendo violado duas vezes as restrições 2 e 3, enquanto o candidato B viola apenas uma vez a restrição 2 e nenhuma a restrição 3, o candidato A é o vencedor, porque ele não viola a restrição mais alta da hierarquia.

Estando os principais conceitos da OT explanados, partimos para as restrições, que podem ser de Fidelidade ou de Marcação. As primeiras tratam das relações de identidade nas linhas input-output (I-O) e output-output (O-O). Dentre as restrições universais encontradas na literatura, as mais importantes para o fenômeno estudado foram as seguintes:

· DEP - restrição que proíbe deleção de elementos do input para o output ou de output para output;

· MAX - restrição que proíbe inserção de elementos do input para o output ou de output para output;

· ONSET - sílabas iniciam-se por uma consoante;

· NÃO-CODA - sílabas não devem ter CODA;

· CODA-COND - CODAs não são preenchidas por obstruintes, ou seja, há limites para o preenchimento da margem direita da sílaba;

· Pd-BIM - os pés são binários sob análise moraica;

· ANALISE-SIL - cada sílaba pertence a um pé;

· ALINH-R-E - R é prefixo, ou seja, a margem esquerda de R coincide com a margem esquerda do radical.

Focalizamos a Reduplicação em dados de aquisição da linguagem, como os exemplificados a seguir: guaraná à naná, chupeta à pepeta, madrinha àdindinha, dormir à mimi.

Continuamos a coleta de dados, agora através de um questionário proposto a indivíduos de diversas faixas etárias e graus escolaridade variados, contendo diversos possíveis vocábulos reduplicados ou passíveis de reduplicação.

Pretendemos averiguar, na prática, como se manifesta esse processo, assim como objetivamos verificar o julgamento dos falantes a respeito de formas que possam apresentar realizações variáveis.

Ao aplicar os testes, estabelecemos uma tabela de tendências através da qual foi possível:

· sugerir análises candidatas fundamentadas em critérios objetivos;

· detectar padrões de uso, analisando quais são as respostas (selecionadas por AVAL) que se sobressaem, visando a estabelecer outputs-ótimos; e

· apontar eventuais variações para o processo. Tais variações são analisadas através de restrições flutuantes e ranqueamento parcial, e, sendo regulares, serão consideradas outputs sub-ótimos.

Os resultados dos testes de avaliação demonstraram que o maior número de produções de formas reduplicadas encontra-se exatamente entre as crianças e que quase todas as formas propostas foram reconhecidas.

Com base no teste, percebemos que a maioria das formas obedece à estrutura CV (consoante - vogal), o que nos levou a crer que restrições do tipo ONSET e RED=CV são importantes na hierarquia, exceto no caso de a consoante travadora ser nasal, o que nos levou a postular a restrição CODA-COND [nasal]. Há também o fato de que nenhuma forma proposta pelos falantes apresentou mais de três sílabas, assegurando, portanto, uma alta posição na hierarquia de restrições que limitam o tamanho do vocábulo que se forma, com o intuito de eliminar candidatos com total impossibilidade de ganhar a disputa. Outro importante fator observado foi a relevância do acento (tonicidade) na produção de formas de reduplicação, posto que a grande maioria das sílabas replicadas é tônica na base. Esse fato revela a existência de uma restrição de fidelidade acentual no “ranking”.

A partir dos dados coletados, através da aplicação dos testes e da observação das formas mais eleitas pelos diversos informantes, pôde-se chegar às seguintes restrições para a Reduplicação na linguagem infantil:

· Td-P-D: indica que todo pé deve se encontrar à direita da palavra prosódica (restrição de alinhamento de palavra prosódica com pé);

· P-BIM: os pés são binários sob a análise moraica;

· ALINH-RED-E: a margem esquerda do reduplicante deve coincidir com a margem esquerda da palavra prosódica, ou seja, o reduplicante torna-se prefixo;

· ANALISE-SIL: cada sílaba pertence a um pé;

· ONSET: sílabas iniciam-se por uma consoante;

· CABEÇAMAX-IO: restrição que diz respeito à acentuação do vocábulo. Todo segmento na cabeça do input tem um correspondente no output, isto é, não pode haver deleção da sílaba tônica do input para o output;

· RED=CV: o reduplicante deve apresentar o formato CV (consoante + vogal);

· CABEÇAMAX-BR: todo segmento na cabeça da base prosódica tem um correspondente no reduplicante, ou seja, não pode haver deleção da sílaba tônica da base do vocábulo para o reduplicante;

· CODA-COND [nasal]: CODAs não são preenchidas por obstruintes, ou seja, há limites para o preenchimento da margem direita da sílaba, para a qual só estão licenciadas nasais;

· NÃO-CODA: sílabas não devem ter CODA, ou seja, sílabas não podem terminar em consoante.

Com isso, chegamos a uma hierarquia, tendo como base as formas mais priorizadas pelos informantes que participaram do teste, agrupando primeiro as restrições referentes à palavra prosódica e tamanho; em seguida, as referentes à sílaba; e, por fim, as de fidelidade:

Td-P-D >> P-BIM >> ALINH-RED-E >> ANALISE-SIL >> ONSET >> CABEÇAMAX-IO >> CABEÇAMAX-BR >> RED = CV >> CODA-COND [nasal] >> NÃO-CODA

Análise

Nas tabelas a seguir, analisaremos duas formas: rodapéàpepé e chupetaàpepeta.

/rodapé/ + RED Td-P-D P-BIM ALINH-RED-E ANALISE-SIL ONSET CAB MAX-IO CAB MAX-BR RED=CV CODA-COND [nasal] NÃO-CODA
1[da(da.pé)]       *!     *      
2[da(pe.pé)]     *! *            
3[(da.da)(pe.pé)] *!   *              
4[(pe.pé)] E                    
5[(da.dá)]           *! *      

No tableau acima, estão numerados candidatos de 1 a 5. O primeiro a ser eliminado, por violar a restrição mais alta na hierarquia (Td-P-D) é o candidato 3, que apresenta um pé mais à esquerda da palavra prosódica. Nenhum candidato apresenta, nesta seleção, pés que não sejam bimoraicos; portanto, P-BIM não é violado. O output 2 é o próximo a violar uma restrição, ALINH-RED-E, pois apresenta o reduplicante à direita da palavra prosódica, o que implica sua saída da competição. O próximo a cometer uma violação fatal é o candidato número 1, que não tem todas as suas sílabas incorporadas a pés, não satisfazendo, portanto a restrição ANALISE-SIL. Nenhum candidato viola ONSET. O output número 5 viola a restrição CABEÇAMAX-IO, não apresentando um correspondente da cabeça prosódica (sílaba tônica) do input no output. O candidato 4 revela-se, assim, o output- ótimo, não violando nenhuma restrição do “ranking”.

Vejamos, a seguir, a análise do output-ótimo para o input ‘chupeta’, uma palavra sugerida no teste:

/chupeta/ + RED Td-P-D P-BIM ALINH-RED-E ANA-LISE-SIL ONSET CAB MAX-IO CAB MAX-BR RED=CV CODA-COND [nasal] NÃO-CODA
1[pe(ta.ta)]     *! *     *      
2[chu(pe.pe)]     *! *            
3[(pe.pe)(ta.ta)] *!   *              
4[pe(pe.ta)] E       *            
5[(chu(chu.pe)]       *     *!      

No tableau exposto acima, o candidato 3 viola a restrição mais alta da hierarquia (Td-P-D) e é eliminado da disputa, o que habilita todos os demais candidatos para a próxima restrição (P-BIM), a qual nenhum deles viola, já que todos possuem pés bimoraicos. A restrição (ALINH-RED-E) que se segue é violada pelos candidatos 1 e 2 simultaneamente, implicando sua saída da competição. Os dois candidatos que ainda competem violam ANALISE-SIL, passando para a próxima restrição. ONSET e CABEÇA MAX-IO não sofrem violação. O output número 5 acaba violando a restrição CABEÇAMAX-BR, por não possuir um correspondente no reduplicante para todo segmento presente na cabeça da base. É eleito, então, por AVAL, como output-ótimo o candidato número 4.

Conclusão

No presente artigo, procuramos descrever o fenômeno da Reduplicação na língua portuguesa, a partir da Teoria da Otimalidade. Um maior enfoque foi dado ao referido processo em dados de aquisição da linguagem. Foi exposto um “ranking” de restrições que atua em tal contexto de reduplicação, formulado a partir de dados coletados através de testes propostos a falantes de diversas faixas etárias. A análise dos candidatos a output-ótimo foi sistematicamente explanada em tableaux e o output-ótimo foi apresentado. Essa pesquisa teve o apoio financeiro da FAPERJ por um ano.

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www.educaterra.terra.com.br

www.roa.rutgers.edu