ORDENAÇÃO
DAS
LOCUÇÕES
ADVERBIAIS DE
TEMPO
Queli Cristina de Andrade
Este
trabalho consiste
em uma
pesquisa
sobre a
ordenação de
locuções
adverbiais
temporais,
baseada na
teoria
funcionalista.
Estudamos a
modalidade
escrita
formal do
português do Brasil.
Para
representar
tal
modalidade,
escolhemos 100
editoriais do
Jornal do
Brasil dos
quais
coletamos todas as
orações
com
locuções
adverbiais
temporais,
totalizando 225
dados.
Ao pesquisarmos
definições e
classificações
sobre as
locuções
adverbiais
em
gramáticas
tradicionais e nas de
orientação
lingüística, percebemos
que esta é uma
classe deixada à
margem,
isto é,
em
geral, é
definida e
exemplificada no
final da
abordagem
sobre a
classe de
advérbios.
Quando há
algum
tratamento
semântico
ou
sintático
referente às
locuções,
esse é
superficial,
embora seja
notória a
diversidade
das mesmas.
Entendemos
que
é
necessário
uma
análise
mais
profunda
sobre
as
locuções
adverbiais, abarcando
seus
tipos
ou
funções,
suas
posições
na
sentença
e outras
características.
Ressaltamos
que
devido
à heterogeneidade das
locuções
adverbiais, estudamos
aqui
somente
as
locuções
adverbiais
temporais.
Propomos
investigar
as
seguintes
questões:
a)
Como
classificar
as
locuções
adverbiais de
tempo?
b)
Por
que
a
locução
x aparece no
final
e a
locução
y no
início
da
oração?
c)
Há
fatores
que
contribuem
para
a
colocação
da
locução
num
dado
lugar
da
oração?
Se há,
que
fatores
são
estes?
Portanto, o
estudo
objetiva
classificar as
locuções
adverbiais
temporais de
acordo
com a
sua
função na
sentença,
observar a
posição de
cada
tipo de
locução na
oração e
investigar
fatores
que motivem a
ordenação dessas
locuções.
No
que concerne
aos
princípios
funcionalistas,
esses
pressupõem
que
conhecimento
do
mundo e
conhecimento
lingüístico
não estão
separados. Dessa
forma, a
gramática da
língua
constrói-se a
partir do
uso da
língua (Cezario,
2002).
Compreende-se
que as
diferentes
formas
que
um
elemento incorpora no
discurso
não
são
meramente
estilísticas,
mas motivadas
por
funções informacionais e
pragmáticas.
Por
conseguinte, há uma
relação
entre
forma e
função.
Martelotta (1994) afirma
que a
noção de
circunstância é
maleável, adaptando-se a
aspectos
pragmáticos discursivos do
ato da
comunicação.
Assim, a
circunstância
temporal apresenta-se de
formas
diferentes, expressando
funções distintas.
Para
exemplificar a
relação do
nosso
estudo
com a
teoria funcionalista, observemos as
orações a
seguir:
i- João viajará esta
noite.
ii- João, esta
noite, viajará.
iii- Esta
noite, João viajará.
Percebemos
que a
locução adverbial de
tempo “esta
noite” encontra-se
em
posições distintas:
imediatamente pós-verbal (i),
imediatamente pré-verbal (ii) e pré-verbal,
mas separada do
verbo (iii). Considerando
que
tais
orações estejam
em
um
contexto de
comunicação, acreditamos
que essas
diferentes
posições
não
são aleatórias,
mas influenciadas
por
diversos
fatores,
como: a
função da
locução, o
tamanho (peso) da
locução e a
estrutura da
oração.
Estabelecemos 6
categorias
para
verificarmos
esses
fatores,
a
saber:
1)posição
da
locução;
2)função
da
locução;
3)posição
inicial,
medial
ou
final;
4)
tamanho
da
locução;
5)função
textual;
e 6)
estrutura
da
oração.
Cada
dado
foi analisado
conforme
essas
categorias
que,
posteriormente,
foram
cruzadas
entre
si
para
obtermos
um
resultado
estatístico.
A
seguir
é apresentada a
análise
de
cada
uma delas.
1)Posição
da
locução
- Observamos
se a
posição
da
locução
na
oração
era
pré
ou
pós-verbal:
·
Pré-verbal
: Naquela
época
montou-se
um
modelo
tripartite...
(6-JB/1999)
·
Pós-verbal:...esses
doentes
malham o
dia
todo
nos
aparelhos
de
musculação.
(2-JB/1999)
Essa
categoria
sintática
é
essencial
para
o
nosso
trabalho
sobre
ordenação,
já
que
identifica a
posição
da
locução
na
oração.
De
acordo
com
nossa
hipótese,
há
fatores
que
influenciam a
colocação
da
locução
na
sentença.
Para
descobrirmos
tais
fatores,
a
categoria
posição
foi
cruzada
com
todas as outras
categorias.
Verificamos
também
em
que
posição
as
locuções
temporais
predominavam,
como
vemos na
seguinte
tabela:
Tabela 1
Posição
da
locução
adverbial
temporal
Pré-verbal |
Pós-verbal |
88/225 |
137/225 |
Conforme a
tabela 1, as
locuções
em
estudo encontram-se
em
sua
maioria na
posição pós-verbal:137
dados dos 225 analisados.
2)Função
da
locução
- Analisamos
essa
categoria
semântica
a
fim
de
classificar
a
locução
adverbial
temporal,
conforme
a
função
exercida
pela
locução
no
contexto,
a
saber:
·
Localizadora:
são as
locuções adverbiais
que têm
como
função
básica
localizar
um
evento/situação no
tempo, podendo determiná-lo
ou
não.
Ex.:
É
seu
primeiro
investimento
na
candidatura
a
presidente
em
2002.
(7-JB/1999)
·
Durativa:
são as
locuções
adverbiais
que têm
como
principal
função
expressar a
duração
inicial,
final e/ou
total de uma
situação
ou
processo, delimitando-o
ou
não.
Ex.:
Ao
longo
dos
anos
abriram-se
eixos
(...) e começou-se a
construção
de
um
anel
viário...
(38-JB/1999)
·
Reiterativa: a
principal
função dessas
locuções é apontarem a
repetição de
um
evento/situação,
determinando-o
ou
não.
Ex.:
Todos
os
anos,
portanto,
as
autoridades
se omitem
diante
de
providências
que
deveriam
ser
tomadas
automaticamente.
(32-JB/1999)
·
Simultânea:
são
as
locuções
que
funcionam, indicando
que
dois
eventos
ou
situações
ocorrem
concomitantemente.
Ex.:
O
ministro
José Dirceu e o secretário-geral Luiz Dulci cuidam do
assunto
ao
mesmo
tempo.
(71-JB/2003)
Levantamos
como
hipótese
que
o
tipo
(função)
da
locução
poderia
motivar
a
sua
posição
na
oração.
Para
verificarmos essa
hipótese,
cruzamos a
categoria
função
da
locução
com
a
categoria
posição
da
locução.
Vejamos:
Tabela
2
Função
da
locução
X
Posição
da
locução
Função
da
locução |
Pré-verbal |
Pós-verbal |
Total |
Localizadora |
46 |
90 |
136 |
Durativa |
32 |
39 |
71 |
Reiterativa |
7 |
7 |
14 |
Simultânea |
3 |
1 |
4 |
Total |
88 |
137 |
225 |
Na
tabela 2, a
função predominante da
locução é a localizadora (136 de 225
dados),
seguida da durativa (71 de 225
dados). As
funções
menos ocorridas foram a
reiterativa (14
dados) e a
simultânea (apenas
4
dados).
Como vemos, as
locuções
localizadoras prevalecem na
posição
pós-verbal. No
entanto, as
locuções
durativas e reiterativas parecem
não
ter
preferência
por uma
determinada
posição, uma
vez
que estão
distribuídas
quase
que
igualmente
em ambas as
posições.
Já as
simultâneas predominam na
posição
pré-verbal (3 dos 4
dados).
3)
posição
inicial,
medial
ou
final
-
verificamos se as
locuções
ocorriam no
início,
no
meio
e no
fim
de
cada
oração.
Essa
categoria,
embora
parecida
com
a
categoria
posição
da
locução,
permitiu-nos
ver
se a
locução
era
realmente
o
primeiro
elemento
da
oração
ou
o
último.
Tínhamos
como
hipótese
que
as
locuções
grandes,
ou
seja, as
mais
pesadas
tenderiam a
aparecer
nas
margens
da
oração,
isto
é, na
posição
inicial
ou
final.
Já
as
locuções
pequenas
ou
mais
leves
tenderiam a
estar
no
centro
da
oração,
ou
seja, na
posição
medial.
Isto
aconteceria
para
não
prejudicar
ou
interromper
a
informação
essencial
da
oração:
o
verbo
e
seus
argumentos.
Portanto,
cruzamos a
categoria
posição
inicial,
medial
ou
final
com
a
categoria
tamanho
da
locução.
4)
Tamanho
da
locução
-
codificamos as
locuções
de
acordo
com
o
seu
peso
para
verificar
se
isto
interferia na
sua
colocação
na
sentença:
·
Locução
pequena
(2
palavras)
·
Locução
média
(3
palavras)
·
Locução
grande
(mais
de 3
palavras)
Essa
categoria
estrutural foi escolhida
para
verificarmos a
hipótese
mencionada
anteriormente
que
se refere à
influência
do
peso
da
locução
sobre
a
posição
da
mesma
na
oração:
marginal
ou
central.
Para
isto,
cruzamos as
categorias
tamanho
da
locução
e
posição
inicial,
medial
ou
final.
Tabela
3
Tamanho
da
locução
X
Posição
inicial,
medial
e
final
Tamanho
da
locução |
Início |
meio |
fim |
Total |
Pequeno |
23 |
27 |
28 |
78 |
Médio |
17 |
23 |
22 |
62 |
Grande |
26 |
17 |
42 |
85 |
Total |
66 |
67 |
92 |
225 |
A
tabela
3 mostra-nos
que
as
locuções
adverbiais
grandes
são
em
maior
número
(85
dados)
seguidas
das
pequenas
(78
dados)
e das
médias
(62
dados),
respectivamente.
Percebemos
que
as
locuções
grandes
predominam no
fim
da
oração
(42 de 92
dados).
As
locuções
pequenas
e
médias
estão
bem
distribuídas nas 3
posições.
Isso
parece
demonstrar
que
o
tamanho
da
locução
não
motiva
a
sua
posição
na
oração.
Provavelmente,
por
se
tratar
de
um
estudo
baseado
na
língua
escrita
formal.
O
uso
das
vírgulas
e o
tipo
de
texto
(editoriais)
anulam uma
possível
influência
do
tamanho
da
locução.
5)
Função
textual-
observamos
quais
as
locuções
que
exerciam
função
anafórica,
ou
seja,
quais
que
serviam
como
elo
de
ligação
entre
o
que
já
foi e o
que
seria
dito
no
texto,
bem
como
aquelas
que
não
desempenhavam
papel
anafórico:
·
Anafórica
·
Não-anafórica
Acreditamos
que
as
locuções
com
função
anafórica tenderiam a
aparecer
na
posição
pré-verbal,
já
que
serviam
como
um
elemento
coesivo do
texto.
Portanto,
assumindo
um
papel
com
valor
conjuntivo,
aparecendo
em
uma
posição
mais
fixa
na
oração.
Para
esta
análise,
cruzamos a
categoria
função
textual
com
a
categoria
posição
da
locução.
Tabela
4
Função
textual
X
Posição
da
locução
Função
textual |
Pré-verbal |
Pós-verbal |
Total |
Anafórica |
11 |
8 |
19 |
Não-anafórica |
77 |
129 |
206 |
Através
desta
tabela,
verificamos
que
11 dos 19
dados
das
locuções
com
papel
anafórico encontram-se
em
posição
pré
verbal.
As não-anafóricas predominam na
posição
pós-verbal.
Nossa
hipótese
ainda
não
foi comprovada
devido
talvez
ao
pequeno
número
de
dados
com
orações
exercendo
função
anafórica (19
dados
dos 225 analisados).
A
categoria
função
da
locução
(tipo
da
locução)
também
foi
cruzada
com
a
categoria
função
textual
a
fim
de verificarmos
que
tipo
de
locução
desempenhava
esse
papel
anafórico.
Tabela
5
Função
textual:
anafórica
Localizadora |
15 / 136 |
Durativa |
0 / 71 |
Reiterativa |
0 / 14 |
Simultânea
|
4 / 4 |
Total |
19 / 225 |
Verificamos, na
tabela 5,
que
somente as
locuções localizadoras (15 dos 136
dados) e as simultâneas (os 4
dados) desempenham a
função
textual anafórica.
6)Estrutura
da
oração
-
verificamos se a
estrutura
sintática
da
oração
influenciava a
ordenação
da
locução.
Nos
dados
analisados, encontramos as
seguintes
estruturas:
·
SV
ou
S(aux)V
·
S(aux)VCo
·
(aux)VS(aux)
·
(aux)V
·
CoVS
·
VCoS
·
CoV
·
VCo
Analisamos a
estrutura
sintática
da
oração
com
a
finalidade
de
verificar
se as
estruturas
mais
freqüentes,
como
SVCo, SV, VCo, favoreceriam a
posição
também
mais
freqüente
da
locução:
a pós-verbal.
Já
as
estruturas
menos
freqüentes,
como
VS,
por
exemplo,
propiciariam a
posição
da
locução
menos
freqüente:
a pré-verbal.
Para
averiguarmos
tal
hipótese,
cruzamos as
categorias
estrutura
sintática
e
posição
da
locução.
Tabela
6
Estrutura
sintática
X
posição
da
locução
Estrutura |
Pré-verbal |
Pós-verbal |
Total |
SV |
17 |
28 |
45 |
SVCo |
46 |
42 |
88 |
VS |
7 |
3 |
10 |
V |
2 |
30 |
32 |
Vco |
16 |
27 |
43 |
Outros |
0 |
7 |
7 |
Total |
88 |
137 |
225 |
No
que se refere à
tabela
acima, constatamos
que na
maioria das
estruturas
freqüentes, as
locuções
temporais encontram-se
em
sua
posição
também
mais
freqüente (pós-verbal). Excetuamos a
estrutura SVCo na
qual a
locução
temporal se apresenta
bem distribuída (46
dados pré-verbais e 42
dados pós-verbais).
Já na
estrutura
menos
freqüente VS, a
locução predomina
em
sua
posição
menos
freqüente.
Conclusão
Até o
momento da
pesquisa, podemos
concluir
que as
locuções
temporais apresentam
diferentes
funções, o
que
nos permite classificá-las
de
acordo
com o
papel
que desempenham na
oração:
localizar
um
evento no
tempo (localizadoras);
expressar uma
duração (durativas);
indicar a
repetição de
um
evento
ou
situação (reiterativas) e
denotar a
simultaneidade de
dois
eventos (simultâneas).
Verificamos
que as
locuções simultâneas predominam na
posição pré-verbal,
enquanto as localizadoras na
posição pós-verbal. Observamos
também
que
somente essas
locuções exercem
função anafórica.
Quanto à
estrutura
sintática,
nossa
hipótese
não foi
totalmente comprovada, uma
vez
que a
locução
temporal na
estrutura SVCo,
que é
freqüente,
não apresenta uma
preferência de
posição.
Além disso, constatamos
que o
tamanho da
locução
em
estudo
não foi
um
fator
relevante
para
motivar
sua
posição na
oração.
Nosso
próximo
passo será
observar,
nos
dados, a
razão desses
resultados
através de uma
análise
qualitativa. Examinaremos
também
outros
fatores
funcionais
para explicarmos a
ordenação da
locução
temporal na
oração.
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Primeiramente,
analisamos as
posições
considerando a
presença
ou
ausência
de
material
interveniente, representado
por
X:
AdvV, AdvXV, Vadv,
VXAdv e AuxAdvV. No
entanto,
neste
trabalho,
agrupamos essas
posições
e focalizaremos as
posições:
pré-verbal e pós-verbal.