OS ADVÉRBIOS E SUA DESCRIÇÃO: NOÇÕES E FRONTEIRAS PARA MODO, TEMPO E LUGAR

Solange Nascimento da Silva (UERJ)

 

Introdução

Apresentamos neste trabalho um resumo de alguns aspectos importantes estudados sobre a teoria do advérbio, sua delimitação como classe, sua conceituação e classificação.

Muitos elementos pertencentes ao grande grupo denominado “Advérbios” apresentam, em relação a aspectos sintáticos e semânticos, comportamentos tão diferenciados que podem configurar, na verdade, grupos de palavras diferentes, devido a suas diversas naturezas e origens. Por outro lado, uma minuciosa distinção de subtipos ou mesmo de tipos diferenciados na classe dos advérbios provoca conseqüentemente um significativo aumento no grupo das “palavras denotativas”, gerando impasses e contradições difíceis de serem solucionados.

Na verdade, com a leitura de trabalhos mais especializados, foi possível perceber que havia muito o que se pesquisar sobre o assunto e, por esse motivo, houve a necessidade de delimitação maior do conteúdo. Em vista disso, resolvemos trabalhar, a princípio, com os advérbios de modo, tempo e lugar, considerados por muitos autores os verdadeiros advérbios, por apresentarem propriamente as idéias de modificação verbal (modo) e de circunstância (tempo e lugar) – ainda que também quanto a eles se possam fazer outras considerações.

O tema se apresenta em uma bibliografia rica e variada, em que nos detivemos tomando como ponto de partida as gramáticas de língua portuguesa mais representativas atualmente, como também trabalhos específicos, como por exemplo o trabalho de Eneida Bonfim – Advérbios –, entre outras. Queremos justificar, no entanto, a presença nas referências de uma obra direcionada à língua oral – Gramática do português falado, de organização de Rodolfo Ilari. Apesar de ser voltada exclusivamente à oralidade, aproveitamos os conceitos e as questões relacionadas, antes de mais nada, à língua portuguesa de maneira geral, no que há de comum entre as duas modalidades – oral e escrita. Dessa forma, não nos direcionamos às particularidades tratadas no referido trabalho em relação à forma oral nem ao corpus estudado.

A escolha do tema se justifica por ser parte, em desenvolvimento, de nossa dissertação de mestrado. Por isso, o trabalho ainda tem muitas lacunas e pontos a serem melhor estudados e analisados. Cientes da problemática envolvendo alguns aspectos da questão, não procuraremos apresentar posicionamentos rígidos sobre o assunto, muito menos fechar soluções, até porque este texto não comportaria isso.

 

ADVÉRBIOS: A PROBLEMÁTICA DA DEFINIÇÃO

Iniciaremos este estudo com uma síntese sobre a conceituação e a delimitação da classe de palavras denominada advérbios, registrada nas gramáticas normativas de língua portuguesa.

Um estudo um pouco mais superficial do advérbio nos passa a impressão de este fazer parte de uma classe homogênea, de configurar uma unidade. Tomaremos como ponto de partida algumas definições encontradas em nossas gramáticas tradicionalmente[1] mais representativas, a fim de verificar o tratamento conferido à classe:

O advérbio é, fundamentalmente, um modificador do verbo.

A essa função básica, geral, certos advérbios acrescentam outras que lhes são privativas.

Assim, os chamados advérbios de intensidade e formas semanticamente correlatas podem reforçar o sentido de um adjetivo e de um advérbio ou toda a oração. (CUNHA e CINTRA, 1997: 529).

Advérbio – É a expressão modificadora que por si só denota uma circunstância (de lugar, de tempo, modo, intensidade, condição, etc.) e desempenha na oração a função de adjunto adverbial.

[...]

O advérbio é constituído por palavra de natureza nominal ou pronominal e se refere geralmente ao verbo, ou ainda, dentro de um grupo nominal unitário, a um adjetivo e a um advérbio (como intensificador), ou a uma declaração inteira. (BECHARA, 1999:287).

Advérbios são palavras modificadoras do verbo. Servem para expressar as várias circunstâncias que cercam a significação verbal.

Alguns advérbios, chamados de intensidade, podem também prender-se a adjetivos, ou a outros advérbios, para indicar-lhes o grau: muito belo (= belíssimo), vender muito barato (= baratíssimo). (LIMA, 1990: 174).

Como se percebe, os autores se atêm à idéia principal de advérbio como modificador verbal, admitindo ainda seu funcionamento como modificador de adjetivo, advérbio ou oração.

Contudo, observaremos, conforme já foi constatado inclusive em estudos mais antigos, que a conceituação e a delimitação do advérbio como classe guarda algumas divergências complicadas de serem sanadas, pois na verdade, em função de sua grande mobilidade semântica e sintática, acaba se tornando um “componente perturbador” na tentativa de definições restritas, simplificadas e rígidas.

Esse caráter heterogêneo do advérbio se deve, em princípio, à sua natureza – alguns de origem nominal, outros de origem pronominal. Mattoso Câmara, em Estrutura da língua portuguesa (1999:77), defende que, por critérios semântico, morfológico e sintático, as palavras estão divididas em nomes, verbos e pronomes. O autor acrescenta: “O advérbio é nome ou pronome que serve de determinante a um verbo”. Em nota, esclarece que alguns advérbios dão uma qualificação a mais a um adjetivo, mas não sendo isso um aspecto geral, que deva entrar na definição da classe.

Assim, pela origem e significação, há os advérbios nominais e os pronominais. Como exemplo, temos os advérbios de base nominal (por “migração” vocabular, oriundos de adjetivos, substantivos, pronomes, numerais e verbos), como, por exemplo, “rapidamente”[2] – formado de adjetivo (rápido) no feminino + -mente –, e os de base pronominal, como os demonstrativos (aqui, aí, acolá), os relativos (onde, quando, como), os interrogativos (onde?, quando?, como?, por quê?).

Isso nos levaria ao seguinte questionamento: realmente existe uma classe dos advérbios? Será que esta não comportaria na verdade uma mistura de classes, tendo em vista seus comportamentos diferenciados?

Podem-se ainda trazer à tona mais dois fatores consagrados pela tradição gramatical que nos levam a noções em certa medida obscuras em relação à definição de advérbio: modificação e circunstância.

A noção de modificação de acordo com Perini (1996) tem em parte uma vertente semântica e outra sintática. Do ponto de vista semântico, funciona como uma espécie de ingrediente ao significado da ação; já em relação ao aspecto sintático implica uma ocorrência conjunta a um constituinte, ou seja, “estar em construção com”. Porém, Perini defende que nenhuma das duas idéias particulariza a classe, já que ambas se aplicam a outras classes; como também ainda não se aplicam a todos os elementos do mesmo grupo, já que os advérbios de negação, afirmação e dúvida, por exemplo, não “modificam” o verbo.

Ainda em relação ao plano sintático sobre a questão de “modificar”, de acordo com os estudos sobre os vocábulos adverbiais não é possível definir essa estrutura “conjunta” a “um constituinte” em muitos casos, haja vista a grande mobilidade do termo, que muitas vezes está relacionado à oração como um todo.

Sobre a idéia de “circunstância”, também ficam algumas dúvidas. Em uma das definições para a palavra no Dicionário Houaiss (2001), encontramos: “1 – Condição de tempo, lugar ou modo que cerca ou acompanha um fato ou uma situação e que lhes é essencial à natureza”. O conceito por si só é inexato para definir a classe, já que, dessa forma, nem todo advérbio é circunstancial.

Portanto, entendemos que os advérbios denominados de afirmação, negação, dúvida, por exemplo, não expressariam a noção de circunstância. A partir deste ponto, encontramos em muitos estudos a explicação de que o advérbio pode expressar outro tipo de idéia acessória, como uma opinião ou uma dúvida do emissor da mensagem sobre o enunciado, ou parte dele, como por exemplo: Infelizmente, o gerente está atrasado para a reunião; Talvez a festa aconteça neste fim de semana.

Entretanto, deixando-se à parte o plano semântico, podemos delimitar, a partir de um critério morfológico, que o advérbio é palavra invariável e, por um critério sintático, de acordo com os estudos tradicionais, que é palavra periférica em um sintagma cujo núcleo é, principalmente, um verbo, mas também pode ser um adjetivo ou outro advérbio, podendo ainda aparecer ligado a uma oração inteira.

Por outro lado, há ainda outros posicionamentos, como o de Neves (2000:235), que diz que o advérbio pode “modificar” também outras classes de palavras, como: numeral, substantivo, pronome e até conjunção. Esta consideração, em certa medida, já vem expressa em estudos mais antigos, como o de Pacheco da Silva Júnior e Lameira de Andrade, que assim conceituam advérbio:

É uma palavra que se junta ao verbo, e ainda a um adjetivo ou a outro advérbio, para (exprimindo as circunstâncias da ação) determinar-lhes ou modificar-lhes a significação.

[...]

Ainda podemos juntá-los ao substantivo comum: – Gonçalves Dias era verdadeiramente poeta.[3] (1907:155)

Sílvio Elia (1980:228), no artigo: “Sobre a natureza do advérbio”, posiciona-se contrário a esse preceito: “Essa extensão da função modificadora dos advérbios a outras classes de palavras que não o verbo foi uma das causas da confusão ainda reinante na compreensão de tal categoria léxica”. Há estudiosos que apresentam os advérbios só como modificadores de verbos. Dessa forma, os chamados advérbios de adjetivos e de outros advérbios, como os de oração, seriam outros tipos de palavras, na maioria dos casos tomados como palavras denotativas.

Bechara (1999:292) traz, aliás, casos em que esses termos, fora das características “canônicas” dos advérbios, passam para nível de frase. O autor delimita o processo como caso de hipertaxe ou superordenação – “... fenômeno pelo qual uma unidade de camada inferior pode funcionar sozinha em camadas superiores”. Exemplificando, temos: “Certamente!”, “Naturalmente!” e “Não.”, usados em respostas ou comentários.

Outro aspecto importante e problemático deve ser mencionado: a subclassificação dos advérbios, que ora parte de um pressuposto puramente semântico, do valor léxico – tempo, lugar, modo (que pode configurar uma lista diversificada e “interminável”) –, ora parte do valor funcional – demonstrativos, relativos, interrogativos.

Como se vê, são muitas as questões a serem discutidas no que diz respeito ao estudo do advérbio. Pontuamos aqui algumas observações de caráter geral, apenas necessárias para uma introdução ao assunto, para servir de base para as considerações um pouco mais detalhadas, expostas a seguir.

 

MAIS ALGUMAS OBSERVAÇÕES

Retomaremos um dos pontos mais importantes na delimitação e classificação dos advérbios: o fato de os estudiosos agregarem a todos os elementos entendidos na classe o fator circunstancial. Vimos anteriormente que nem todo advérbio indica circunstância. Temos como exemplos: o “não”, que não se opõe a “sim” mas à ausência de “não”; o “sim”, que funciona como um reforço, uma ênfase à afirmativa, já que esta não precisa de uma marca, como acontece com a negação; os advérbios de dúvida, que demonstram a incerteza do locutor e não da idéia expressa pelo verbo do enunciado; entre outros.

A partir disso, consideraremos aqui como únicos advérbios com a noção de “circunstância” os de tempo e de lugar. Em contrapartida, estes não correspondem à idéia de “modificação” verbal, que só compete aos advérbios de modo e de intensidade. Dessa maneira, pressupõe-se que as noções de circunstância e modificação não podem conviver simultaneamente na definição de advérbio.

 

Advérbios de modo

A maioria dos elementos desse grupo é representada pelas formas terminadas em -mente. Essa formação é muito freqüente no português. À forma feminina dos adjetivos se prende o sufixo, que na definição da gramática normativa indica fundamentalmente modo, maneira.[4] Said Ali traz a explicação histórica:

Dos advérbios latinos, originados, na maior parte, de nomes ou pronomes, poucos passaram às línguas românicas. Enriqueceram-se estas todavia com algumas formações desconhecidas do latim literário, com várias criações novas e, em especial, com os advérbios em –mente que se tiram de adjetivos. Esta terminação nada mais é do que o ablativo do latim mens, v. g. em bona mente. Por algumas locuções deste tipo se modelaram outras muitas, acabando por obliterar-se a significação primitiva do substantivo e passando este a valer tanto como um sufixo derivativo. (2001: 140)

O trabalho de Eneida Bonfim, Advérbios (1988), traz o estudo de Pottier, que defende que os legítimos advérbios são os de modo, verdadeiros qualificadores (modificadores) verbais, sustentando a teoria de que o advérbio está para o verbo, assim como o adjetivo está para o substantivo.

Contudo, é importante destacar que nem todas as formações em –mente são advérbios de modo, como nos seguintes exemplos:

1 – Provavelmente, a carga tributária continuará se elevando.

2 – É certamente difícil a disputa em concursos públicos.

3 – Mais investimento em educação é uma iniciativa extremamente importante.

4 – Crianças em situação de risco ficam em condições terrivelmente cruéis.

Dessa forma, além do tipo “modo”, encontramos os advérbios de dúvida (provavelmente, possivelmente), de intensidade (excessivamente, demasiadamente), de tempo (imediatamente, diariamente), de afirmação (certamente, realmente), de ordem (primeiramente, ultimamente).

Entretanto, em muitos casos, o que realmente acontece é um predomínio do caráter subjetivo no enunciado, que expressa uma opinião do emissor, não se referindo mais estritamente ao processo verbal. Nesse caso, o termo atua sobre toda a frase, por isso sua mobilidade é maior, sendo por vezes indiferente seu posicionamento no início ou no final da oração – característica não tão reconhecida para os advérbios de modo.

Azeredo (1999:96), seguindo uma subdivisão mais recente, distingue dois tipos para os advérbios em –mente: modalizadores e circunstancializadores (também classificados em outros estudos, inclusive considerado mais apropriado neste trabalho, como modificadores).[5] O primeiro tipo pode se referir a oração, sintagma verbal, sintagma adjetivo, sintagma preposicional e outro advérbio; o segundo diz respeito ao sintagma verbal – esses especificamente advérbios de modo.

A subjetividade é a característica maior do primeiro grupo. O fenômeno é denominado como modalização e se explica basicamente pela maneira como o sujeito (locutor) encara seu próprio enunciado.[6] Entre vários recursos, podem-se encontrar como modalizadores os advérbios de negação, de dúvida, de afirmação e os categorizados como modo, quando oracionais. Como exemplos, podem ser tomadas as frases 1 e 2.

Neves (2000:237-8) apresenta, dentro dessa categoria de modalizadores, uma subdivisão semântica a respeito desse numeroso conjunto de palavras.

a)      Epistêmicos: asseveram, avaliam, indicam um valor de verdade (evidentemente, efetivamente, obviamente, logicamente, absolutamente etc.).

b)      Delimitadores: fixam condições de verdade, delimitam o âmbito do enunciado (basicamente, praticamente, rigorosamente, historicamente etc.).

c)      Deônticos: revelam que o enunciado deve ocorrer, dada uma obrigação (obrigatoriamente, necessariamente etc.).

d)      Afetivos: demonstram reações afetivas (felizmente, espantosamente – subjetivas–, sinceramente, francamente – intersubjetivas).

Ainda apresentando traço subjetivo significativo, alguns termos em –mente têm seu valor semântico do adjetivo formador mais enfraquecido, em detrimento da noção muito mais nítida de intensidade – positiva ou negativa. Isso fica evidenciado nos exemplos 3 e 4.

Em síntese, considerando todo o grupo de palavras incluído nessa classe ainda como advérbios,[7] adotamos a seguinte subdivisão (provisória), apesar de não tratarmos especificamente no momento dos casos c e d:

a)      advérbios circunstancializadores: tempo e lugar;

b)      advérbios modificadores: modo e intensidade (que exprimem a maneira como se dá ou a intensidade do processo verbal);

c)      advérbios modalizadores: o grupo, na maioria os terminados em –mente, que denota a opinião ou a dúvida do emissor da mensagem sobre o enunciado ou parte dele;

d)      advérbios intensificadores: o grupo que intensifica um adjetivo, advérbio ou outra palavra.

 

Advérbios de tempo

Os elementos classificados como advérbios de tempo respondem à pergunta: quando? Estão nesse grupo: cedo, tarde, ontem, hoje, amanhã, antes, depois, sempre, nunca etc. Bonfim salienta que, excluindo-se ontem, hoje e amanhã, os demais não respondem a essa pergunta. Acreditamos que em certa medida e em determinados contextos respondem sim, mesmo que seja de maneira mais imprecisa e subjetiva.

Nesse conjunto aparentemente homogêneo é possível observar alguns traços particularizantes que distinguem umas formas de outras.

O par “cedo/tarde”, por exemplo, tem ligação direta com o processo verbal, como em: “Ele dorme cedo” ou “A professora chegou tarde”. Entretanto, não especifica uma posição no tempo determinada, ou seja, não focaliza um momento específico, e por isso pode conviver com, e até determinar, outra forma temporal precisa. Por exemplo:

5 – O mestre chegou cedo hoje.

6 – O mestre chegou hoje cedo.

Além da alteração semântica, a troca de posição implica também mudança do termo determinado: no exemplo 5, “cedo” refere-se ao verbo; no 6, ao advérbio “hoje”, considerando ainda que a faixa temporária específica está sempre no “hoje”.

Como mais uma característica particular, podemos destacar que “cedo/tarde” podem ser intensificados:

7 – O carteiro passou hoje bem cedo / muito cedo / cedo demais / cedinho.

Em relação ao grupo “ontem/hoje/amanhã”, podemos identificar uma extensão definida de tempo (24 horas), que pode se referir ao verbo, como também ao enunciado como um todo.

Porém, a característica mais notável desses advérbios é seu caráter dêitico[8]. Assim, em “hoje” o tempo do enunciado coincide com o tempo de sua emissão (enunciação); “ontem” é o tempo anterior a este, e “amanhã”, o posterior. Além disso, diferenciam-se do par anterior por não serem passíveis de intensificação e por poderem desempenhar a função de sujeito. Por exemplo:

8 – Hoje e amanhã serão dias de festa.

Por isso, Bonfim explicita que este grupo se aproxima muito mais da classe de pronomes que da de advérbios. O advérbio “agora” apresenta as mesmas propriedades de “hoje”, com a diferença de estreitar muito mais o espaço temporal.[9]

Além desses casos, sintetizamos a seguir mais alguns pontos notadamente estudados por Bonfim, a título, por enquanto, de organização didática dos tópicos.

* A dupla “antes/depois” expressa, além da noção de tempo, a idéia de espaço. Os pontos de referência indicados pelo par podem relacionar-se tanto a elementos do interior do enunciado quanto do exterior. Por exemplo:

9 – Antes não havia tanta violência. (Ponto de referência externo)

10 – Devo estudar à tarde, depois ajudarei você com o trabalho. (Ponto de referência interno)

Esses elementos referem-se não só ao verbo, mas a toda a oração; podem vir estruturados com preposição (antes de, depois de); podem aparecer com outros indicadores de tempo; e são passíveis de intensificação.

* “Antigamente/atualmente/futuramente” também não apresentam um ponto de referência definido; além da questão temporal, também ligam-se à aspectual; referem-se ao enunciado como um todo; e não são passíveis de intensificação.[10]

* “Nunca/sempre/freqüentemente”, com maior propriedade até que o grupo anterior, identificam-se mais com a idéia de aspecto – freqüência, hábito, repetição etc. –, que é sempre subjetiva, já que parte de uma escolha; “nunca” é a marca de ausência de freqüência. Podem incidir sobre o verbo ou sobre toda a oração.

 

Advérbios de lugar

A idéia geral guardada por este grupo é que seus elementos respondem à pergunta: “onde?”. Mas, assim como no caso dos temporais, neste conjunto também ocorrem subdivisões, mais claramente definíveis em dois grupos: aqueles elementos que estão ligados ao emissor e ao receptor da mensagem (aqui, aí) – os dêiticos –; e aqueles que se relacionam com outro ponto de referência, que pode ser interno ao enunciado ou não.

Os primeiros podem exercer a função sintática de sujeito, além da função adverbial. Por exemplo:

11 – Aqui não é um bom lugar para conversarmos. (Sujeito)

12 – Estarei aqui amanhã aguardando sua resposta. (Adjunto adverbial)

Note-se que o advérbio traz a preposição implícita, no caso da função adverbial, o que também acontece com os advérbios de tempo dêiticos. Excetua-se a ocorrência com a preposição “de”:

13 – Depois de ser atendido, sairei daqui o mais rápido possível.

O segundo grupo dos locativos pode apresentar uma relação com um ponto de referência mais subjetivo (longe/perto) ou mais objetivo (abaixo, acima, dentro, fora etc.). Da mesma forma como foi exposto sobre a questão temporal, Bonfim diz também que aqueles, ao contrário destes e dos dêiticos, não respondem satisfatoriamente à pergunta: “onde?”. Também aqui continuamos com a mesma posição: dependendo do contexto, pode responder. Não levamos em consideração aqui se a resposta é objetiva e precisa ou não.

Muitos pontos em comum podem ser observados entre os temporais e os locativos, afinal ambos na verdade são localizadores: no tempo ou no espaço. Desse modo, também pontuaremos aqui mais dois aspectos sobre os quais poderemos nos ater futuramente.

* Todos os elementos dos advérbios de lugar podem ocorrer conjuntamente com outros elementos do grupo:

13     A universidade fica bem perto daqui, depois desse estádio de futebol.

* Normalmente esses advérbios são passíveis de intensificação, com exceção dos dêiticos: bem depois[11] / muito abaixo / longe demais / pertinho.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre algumas conclusões a que poderíamos chegar com o que sintetizamos até aqui, uma das mais importantes é que a definição e a classificação dos advérbios não estão fechadas nem resolvidas, sendo necessários maiores estudos para esclarecimento sobre alguns pontos fundamentais da teoria.

Talvez isso não seja possível a curto prazo, nem muito menos em nossa dissertação, que comportará como parte estudo desenvolvido nesta pesquisa; mas procuramos aqui, além de distinguir, julgar e sintetizar as leituras a respeito do tema, organizar parte do conteúdo para melhor entendimento.

No decorrer deste trabalho, após expormos alguns pontos acerca da definição do vocábulo, escolhemos alguns aspectos que consideramos fundamentais a princípio, apresentados sinteticamente a seguir:

·         nem todo advérbio é circunstancial ou modificador;

·         alguns advérbios em –mente, geralmente classificados como modais, na verdade são modalizadores;

·         os advérbios de modo (e de intensidade) são os únicos que realmente modificam o verbo, mas não indicam propriamente uma circunstância;

·         os advérbios de tempo e de lugar são circunstanciais e não modificam o verbo;

·         ainda neste conjunto, existem dois grupos: os ligados ao tempo e ao lugar da enunciação (dêiticos), que apresentam características pronominais, e os ligados a um tempo e a um lugar relacionados a outro ponto de referência (interno ou externo ao enunciado).

Além dessas, outras questões foram abordadas nesta pesquisa, porém não podem ser tomadas em conclusão por enquanto, pois apresentam pontos não esclarecidos, e por isso não podem ser delimitados nem definidos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do português. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. (Coleção Letras).

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

––––––. Lições de português pela análise sintática. 10. ed. rev. Rio de Janeiro: Grifo, 1976.

BONFIM, Eneida. Advérbios. São Paulo: Ática, 1988.

CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de lingüística e gramática. 9ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1981.

––––––. Estrutura da língua portuguesa. 30ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

CASTILHO, Ataliba T. de; CASTILHO, Célia M. M. de. Advérbios modalizadores. In: ILARI, Rodolfo (org.). Gramática do português falado – volume II: níveis de análise lingüística. São Paulo: Unicamp, 1992.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

ELIA, Sílvio. Sobre a natureza do advérbio. In: NETO, Raimundo Barbadinho (org.). Miscelânea em honra de Rocha Lima. Rio de Janeiro: Oficinas Gráficas do Colégio Pedro II, 1980.

HENRIQUES, Claudio Cezar. Sintaxe portuguesa: para a linguagem culta contemporânea. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 2003.

LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 35ª ed. ret. e enriq. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1998.

NEVES, Mª Helena de Moura. Os advérbios circunstanciais (de lugar e de tempo). In: ILARI, Rodolfo (org.). Gramática do português falado – volume II: níveis de análise lingüística. São Paulo: Unicamp, 1992.

––––––. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000.

PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1996.

SILVA JR., Pacheco da; ANDRADE, Lameira de. Gramática da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1907.


 


 


[1] Entende-se por tradicional neste caso o que é tomado como base e referência, por se configurar estudo consagrado desde aproximadamente a segunda metade do século passado. Assim, essas obras são indicadas em bibliografias do currículo escolar, de concursos públicos, de monografias, dissertações e teses em língua portuguesa etc. Podem-se citar aqui as gramáticas de Celso Cunha e Lindley Cintra, Evanildo Bechara e Rocha Lima, referenciadas neste texto.

[2] Inclusive, são considerados complementos nominais os termos relacionados a advérbios de base nominal, como em: “Referentemente aos assuntos”.

[3] Alguns autores, como Sílvio Elia e Eneida Bonfim, argumentam quepoetanão pode ser entendido neste caso como substantivo, que se refere mais propriamente ao conjunto de qualidades ligadas ao referente. É o que acontece ainda em exemplo como: “Ela é suficientemente mulher”. Porém, a questão é mais nebulosa do que parece, pois da mesma forma que essas palavras são substantivos (Gonçalves Dias é verdadeiramente um poeta) também deve-se levar em conta que essa ocorrência do advérbio é favorecida que o termo ocupa uma posição sintática própria do atributo. Um reforço a isso está na dificuldade de encontrar exemplos de substantivos sendo determinados por advérbios quando em outra função sintática.

[4] Excetuando alguns casos, como por exemplo: cortesmente e burguesmente, que são formados pelo adjetivo masculino.

[5] No estudo para este trabalho, verificamos que alguns pesquisadores admitem o “modocomo uma circunstância, posição que não acolheremos aqui. Tomaremos por circunstância apenas as idéias de tempo e de lugar.

[6] O processo de modalização não se verifica somente nas palavras entendidas como advérbios. Pode se realizar de várias maneiras diferentes, como no uso de determinados verbos auxiliares e adjetivos, por exemplo.

[7] Essa consideração diz respeito ao fato de alguns estudiosos apresentarem como advérbios somente os de modo, tempo e lugar (como CAMARA JR., 1981:43), agrupando os outros tipos na classe das palavras denotativas: de modalização, intensificação etc., como no estudo de Sílvio Elia, por exemplo; ou, diferentemente, como no trabalho de Pottier (aqui citado por fazer parte do livro de Bonfim), que considera advérbios apenas os de modo. Até o momento, não foi ainda possível definirmos uma posiçãosegura” a respeito, questão a ser melhor desenvolvida na dissertação.

[8] O conceito diz respeito à referência a elementos do contexto extralingüístico no enunciado. A palavra “dêixis” contém a idéia de “apontar”, no caso para elementos da enunciação. Esse é o caso dos pronomes pessoais eu e tu e dos advérbios aqui, , hoje, ontem e amanhã. Esses termos têm seus sentidos vinculados aos participantes e à situação de fala.

[9] Ainda não estamos considerando aqui os usos desses advérbios nos casos de “alargamento” do aspecto semântico, como em: “Hoje não fumo mais” (não as 24 horas da enunciação); “Agora vou me dedicar ao trabalho”;  “Ontem eu era outra pessoa” etc.

[10] Apesar de não parecer absurda construção como: “Isso aconteceu muito antigamente”.

[11] Apesar da possível ocorrênciabem aqui”.