PROCESSOS
NÃO-CONCATENATIVOS DO
PORTUGUÊS
HIPOCORIZAÇÃO DE
ANTROPÔNIMOS
COMPOSTOS
Bruno Cavalcanti
Lima (UFRJ)
Carlos Alexandre Gonçalves (UFRJ)
Introdução
Neste
trabalho, analisamos o
fenômeno da hipocorização de
antropônimos
compostos,
como ocorre,
por
exemplo,
em ‘Malú’ (hipocorização do
nome
composto ‘Maria Lúcia’) e ‘Dúca’ (hipocorização do
nome
composto ‘Eduardo Carlos’).
A
análise se baseia na
Teoria da
Correspondência (McCarthy & Prince, 1995),
visto
que esta oferece
instrumentos
mais
eficazes
para o
estudo da
chamada
Morfologia Não-Concatenativa e segue os
princípios da Otimalidade
Clássica, estabelecidos
em Prince & Smolensky (1993), sendo,
por
isso,
igualmente otimalista e paralelista (Gonçalves,
2004).
O
hipocorístico deve
constituir
palavra
mínima na
língua e,
por
isso,
não pode
apresentar
mais de
um
pé
binário. Sendo
assim, as
restrições de
tamanho
são
dominantes na
hierarquia,
seguidas pelas
restrições de
marcação e de
fidelidade, nesta
ordem.
Como
corpus, utilizamos o
dicionário de hipocorísticos de Monteiro (1999),
disponível
em
http://www.geocities.com/Paris/cathedral/1036.
Para
constatar a
presença de
padrões
mais
gerais, foram aplicados
testes, levando-se
em
conta o
sexo, a
idade e a
escolaridade dos informantes.
Para
cada
forma
proposta
nos
testes, verificamos
qual delas sobressaía
em
relação às outras. Essa
forma
destacada seria,
portanto, o
output
ótimo.
Assim, o
trabalho
por
objetivo
comprovar
que as
restrições de
tamanho, no
fenômeno da hipocorização,
são as
mais
altas na
hierarquia, superando as de
marcação e de
fidelidade.
A
Teoria
da Otimalidade
A
Teoria da Otimalidade (daqui
em
diante, OT) é
um
modelo aplicável a
todos os
níveis de
descrição da
estrutura
lingüística. Apresenta duas
vertentes: a OT
Clássica e
Teoria da
Correspondência. Na OT
Clássica, analisa-se o
grau de
semelhança
entre o
input (forma de
base) e os
candidatos a
output gerados
por GEN.
Por
outro
lado, na
Correspondência, as
restrições de
fidelidade atuam
em
outros
domínios
que envolvem
identidade
entre
representações
lingüísticas, o
que
nos permite
afirmar
que
esse
modelo possibilita uma
melhor
análise da
Morfologia Não-Concatenativa.
Portanto, a OT
Clássica
não descreve satisfatoriamente
processos morfológicos,
já
que
eles,
além do
input e do
output, requerem
referência a outras
entidades representacionais,
como uma
base e o
produto de uma
operação morfológica.
O
papel
das
restrições
A OT
conta
com
um
mecanismo
gerador de
possíveis
outputs, a
partir de
um
dado
input.
Esse
mecanismo,
como vimos na
seção
anterior, é chamado de GEN. A
função das
restrições é de
avaliar
todos os
candidatos a
output gerados
por GEN. O
objetivo desse
mecanismo é
criar
um ranking
entre as
restrições, permitindo
ou
não
violações, fazendo,
assim, as devidas
seleções
entre os
candidatos a
output no
fenômeno analisado,
ou seja, a hipocorização de
antropônimos
compostos,
como se percebe
nos
exemplos
abaixo:
André Luís > Delú Eduardo Carlos >
Dúca
Carlos André >
Cadê
João Carlos > Jóca
Carlos Artur > Catú Luís Carlos > Lúca
Carlos Eduardo > Cadú Maria Isabel > Mabél
Célia Lúcia > Celú Maria Lúcia > Malú
Para
dar
conta do
fenômeno, utilizamos as
seguintes
restrições:
Restrições de
tamanho
TODO-PÉ (D) (Pés
à
direita)
Todos os
pés devem
permanecer na
posição de
final de
palavra
prosódica (PWd).
ANALISE - s (Analise
sílabas)
Todas as
sílabas (s) devem
estar integradas a
pés.
Restrições de
acento
*á] PWd
São proibidas
palavras terminadas
em “a”
que sejam acentuadas nessa
vogal.
IAMBO
Todos os
pés devem
ser iâmbicos,
ou seja, devem
apresentar
cabeça à
direita.
Restrição de
alinhamento
ALINH - PWd1 (esq), PWd2 (CABEÇA)
O
segmento à
esquerda da
primeira
palavra
prosódica deve
estar
alinhado à
cabeça da
segunda
palavra
prosódica do
antropônimo
composto.
Restrições de
marcação
ONSET
Toda
sílaba
precisa
ter o onset preenchido. Trata-se de uma
restrição
que contribui
para a
definição de
um
padrão
silábico
ótimo.
CODA-COND [soante]
Define
que
tipo de
segmento pode
ocupar a
posição de
coda.
Assim,
somente as
soantes, nesta
análise, podem
ocupar essa
posição.
NÃO-CODA
A
posição de
coda
não deve
ser preenchida na
sílaba. Essa
restrição confirma
que o
padrão
ótimo é o de uma
sílaba é CV,
isto é, uma
sílaba
ótima é constituída
por onset e
núcleo.
*COMPLEX
É
proibida a
formação de
grupos
consonantais na
posição de onset de
sílaba.
Restrição de
fidelidade
MAX-IO
Nesta
restrição, o
output deve
estar maximamente contido no
input.
Portanto, uma
violação de MAX-IO levará à
perda de
um
elemento do
input (apagamento).
Abaixo, o ranking proposto
leva ao encurtamento (já
que a hipocorização é o
processo
responsável
pela redução de
antropônimos),
mas garante
mínima
fidelidade às
palavras do
antropônimo
composto:
(1) TODO-PÉ (D), (2) ANALISE-s >> (3) *á]PWd
>> (4) ONSET >> (5) PWd1 (esq), PWd2 (CABEÇA)
>> (6) CODA-COND [soante]
>> (7)
IAMBO
>> (8) NÃO-CODA, (9) *COMPLEX >> (10) MAX-IO
Como se pode
notar, as
restrições de
tamanho dominam a
hierarquia,
pois,
como se sabe, o hipocorístico deve
constituir
palavra
mínima na
língua.
Assim, as
restrições (1) e (2) atuam
em
conjunto e dominam o ranking de
restrições.
A
restrição (3), dominada
por (1) e (2), é acentual e proíbe
que
formas terminadas
em “a” sejam acentuadas nessa
vogal. Dessa
maneira,
antropônimos
como ‘Luís Carlos’ e ‘João Carlos’ produzem
formas
como ‘Lúca’ e ‘Jóca’, e
não ‘Lucá’ e ‘Jocá’.
Seguindo a
hierarquia, a
restrição (4) obriga
todos os
candidatos a
output a
preencher a
posição de onset. Sendo
assim, o
antropônimo ‘André Luís’,
por
exemplo, apresenta
como
output
ótimo a
forma ‘Delú’,
posto
que ‘Anlú’,
por
exemplo,
não preenche a
posição de onset,
como obriga a
restrição (4).
A
seguir,
em (5), tem-se uma
restrição de
alinhamento.
Segundo essa
restrição, o
segmento à
esquerda da
primeira
palavra
prosódica deve
estar
alinhado à
cabeça da
segunda
palavra
prosódica. Pode-se
afirmar,
então,
que, no
fenômeno
ora
em
exame, há
junção de duas
bases
que se encurtam, formando o hipocorístico.
A
restrição (6) determina
que
tipo de
segmento pode
ocupar a
posição de
coda. No
caso da hipocorização de
prenomes
compostos,
somente as
soantes podem
ocupar essa
posição.
Portanto, o
antropônimo ‘Carlos Eduardo’,
por
exemplo, apresenta
como
output
ótimo a
forma ‘Cadú’, e
não ‘Cardú’,
visto
que esta violaria a
restrição (6).
Outra
restrição acentual na
hierarquia está
em (7).
Viola essa
restrição o
candidato
que
não
apresentar
pés iâmbicos,
isto é,
pés
que apresentem
cabeça à
direita.
Como
exemplo, temos o
antropônimo ‘Maria Isabel’. O hipocorístico
correspondente a
esse
prenome é ‘Mabel’,
já
que ‘Mábel’ infringiria essa
restrição acentual.
As
restrições (8) e (9) atuam
em
conjunto,
assim
como (1) e (2). A
restrição (8) proíbe
que a
posição de
coda seja preenchida na
sílaba, ao
passo
que a (9)
não permite a
formação de
grupos
consonantais na
posição de onset.
Assim, ‘Carlos André’ tem
como hipocorístico ‘Cadé’, e
não ‘Cardré’.
A
última
restrição do ranking é a (10), de
fidelidade.
Como
já foi
dito na
introdução do
trabalho,
restrições de
fidelidade devem
ser hierarquizadas no
fim,
pois
formas
totalmente fiéis ao
input
não podem
ser consideradas hipocorísticas. Deve
haver,
portanto,
perda segmental
para
ocorrer o encurtamento.
O
fenômeno
da Hipocorização
Este
processo morfológico não-aglutinativo corresponde, de
acordo
com Gonçalves (2004), à
formação de
nomes
próprios
diminutos. Benua (1995) e
outros
teóricos classificam o
fenômeno
como Truncamento,
por se
tratar de
um
processo de encurtamento.
Devido à
existência de
distintos
processos de encurtamento
em
português, Gonçalves (2004) restringe o
termo Hipocorização à redução de
antropônimos e Truncamento a
outros
processos de encurtamento.
Neste
trabalho, analisamos a hipocorização de
antropônimos
compostos,
ou seja, a
junção de duas
bases
que se encurtam.
Como se utilizam, neste
processo, duas
bases distintas, o
resultado será
sempre
um
output
de
um
pé
binário,
como
exemplificado na
seção
três.
Validação
dos
dados
Para
validar os
dados
referentes ao
processo estudado, foram aplicados
dez
testes, num
total de
quatro
questões. Na
primeira
questão, apresentaram-se aos informantes
dez
antropônimos
para
que
ele indicasse o hipocorístico
correspondente a
cada
forma. Na
questão
seguinte, fez-se o
contrário: apresentou-se a
forma encurtada
para
que o informante recuperasse o
antropônimo
correspondente. A
seguir, na
terceira
questão, forneciam-se
nomes
próprios e algumas
opções de
formas encurtadas
para
que o entrevistado marcasse
opções
que
lhe parecessem
comuns. A
questão
final foi considerada a
mais
difícil
pelos informantes,
já
que deveriam
encurtar
nomes
dissílabos,
como,
por
exemplo, ‘Áurea’ e ‘Lana’.
Alguns
fatores foram observados
para a
execução dos
testes,
como o
sexo, a
idade e a
escolaridade dos informantes.
Assim, dos
dez
testes aplicados,
cinco foram respondidos
por
homens e os
outros
cinco
por
mulheres. A
idade dos entrevistados variava de
sete a
mais de quarenta e
cinco
anos.
Quanto à
escolaridade, esta variava da
primeira
série do
ensino
fundamental
até o
ensino
superior
completo.
Concluídos os
testes aplicados, criou-se uma
tabela de
tendências
com os
seguintes
objetivos:
propor
candidatos
com
base
em
critérios
objetivos;
detectar o
output
ótimo,
isto é, a
forma
que se destaca
em
relação às
demais;
comparar os
dados coletados
com os apresentados
nos
testes;
verificar o
aparecimento de
outros
candidatos, o
que pode
implicar na
existência de
um
output sub-ótimo.
Casos
analisados
Nesta
parte do
trabalho, apresentamos
dois
casos
distintos do
ponto de
vista acentual. Dessa
forma, analisamos os hipocorísticos ‘Malú’, do
antropônimo ‘Maria Lúcia’, e ‘Dúca’, de ‘Eduardo
Carlos’. ‘Malú’ apresenta
cabeça à
direita,
ou seja, é
um
iambo.
Por
outro
lado, ‘Dúca’ se classifica
como
um troqueu,,
já
que possui
cabeça à
esquerda.
‘Malú’
I: /Maria
Lúcia/ |
TD-PÉ |
AN |
*á |
ON-SET |
ALIN |
CD-CON |
IAM-BO |
N-CD |
COM-PLEX |
MAX |
a) [(lú.ma)] |
|
|
|
|
*! |
|
* |
|
|
****** |
b) [ma (ri.lú)] |
|
*! |
|
|
|
|
|
|
|
**** |
c) [mar
(lú.cia)] |
|
*! |
|
|
|
* |
* |
* |
|
** |
d) [(má.lu)] |
|
|
|
|
|
|
*! |
|
|
****** |
e) [(lu.má)] |
|
|
*! |
|
* |
|
|
|
|
****** |
f) [(mar.lú)] |
|
|
|
|
|
*! |
|
* |
|
***** |
g) [(ma.lú)]
B |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
****** |
Como
se pode
perceber
no tableau, os
primeiros
candidatos
a serem eliminados da
disputa
são
(b) e (c),
já
que
apresentam uma
sílaba
que
não
está integrada a
nenhum
pé,
violando, dessa
forma,
ANALISE-s. A
seguir,
o
candidato
(e) é eliminado
porque
infringe a
restrição
acentual
que
proíbe
que
palavras
terminadas
em
“a” sejam acentuadas nessa
vogal.
Na
seqüência,
o
candidato
(a) sai da
disputa
pela
restrição
de
alinhamento,
pois
seu
primeiro
segmento
é a
cabeça
da
segunda
palavra
prosódica.
Pela
restrição
CODA-COND [soante],
é eliminado o
candidato
(f),
visto
que
a
posição
de
coda
em
sua
estrutura
não
está sendo
ocupada
por
uma
soante.
Seguem na competição,
então,
os
candidatos
(d) e (g).
Como
a
próxima
restrição,
na
hierarquia,
determina
que
todos
os
pés
apresentem
cabeça
à
direita,
o
candidato
(d) perde a
disputa
por
apresentar
cabeça
à
esquerda
da
palavra
prosódica.
Portanto,
o
output
ótimo
é (g),
que
só
infringe MAX-IO, a
restrição
mais
baixa
da
hierarquia
e
que
será
sempre
violada,
já
que
candidatos
totalmente
fiéis ao
input
não
podem
ser
considerados hipocorísticos.
“Dúca”
I: /Eduardo
Carlos/ |
TD-PÉ |
AN |
*á |
ON-SET |
ALIN |
CD-CON |
IAM-BO |
N-CD |
COM-PLEX |
MAX |
a) [e (dú.ca)] |
|
*! |
|
* |
|
|
* |
|
|
******* |
b) [(ê.ca)] |
|
|
|
*! |
|
|
* |
|
|
********** |
c) [(du.cá)] |
|
|
*! |
|
|
|
|
|
|
********* |
d)[du (cár.los)] |
|
*! |
|
|
|
** |
* |
** |
|
***** |
e) [(dú.los)] |
|
|
|
|
*! |
* |
* |
* |
|
******** |
f) [(ca.dú)] |
|
|
|
|
*! |
|
|
|
|
********* |
g) [(dú.ca)]
B |
|
|
|
|
|
|
* |
|
|
********* |
A
partir da
análise do tableau
acima, vê-se
que os
primeiros a
deixar a
disputa
são (a) e (d),
visto
que infringem ANALISE-s,
isto é, apresentam uma
sílaba
que
não está integrada a
nenhum
pé. O
candidato (c) é eliminado a
seguir,
por
ser uma
palavra terminada
em “a” e
receber
acento nessa
vogal. O
próximo
candidato
que sai da competição é (b),
pois a
posição de onset, na
estrutura,
não está preenchida. Na
seqüência, (e) e (f)
são eliminados
pela
restrição de
alinhamento. O
candidato (e)
não apresenta,
em
sua
forma, a
cabeça da
segunda
palavra
prosódica, o
que faz
com
que a
restrição seja violada.
Já o
candidato (f) apresenta a
cabeça da
segunda
palavra do
antropônimo à
esquerda da
estrutura.
Assim, a
forma
ótima
para o
antropônimo ‘Eduardo Carlos’ é (g),
que recebe uma
infração
em
IAMBO e
nove
em MAX-IO.
Entretanto,
por
obedecer de
modo
mais
sistemático a
hierarquia de
restrições, o
candidato (g)
é o
output
ótimo.
Conclusão
Nota-se
que,
na
análise
dos hipocorísticos, as
restrições
de
tamanho
dominam a
hierarquia,
já
que
são
responsáveis
pelo
encurtamento de
antropônimos,
uma
vez
que
o hipocorístico deve
constituir
palavra
mínima
na
língua
e, sendo
assim,
não
pode
apresentar
mais
de
um
pé
binário.
Após as
restrições de
tamanho, aparecem, na
hierarquia, as
restrições de
marcação e de
fidelidade,
pois,
para
haver hipocorização, alguma
perda segmental deve
ocorrer.
Em
conseqüência,
estruturas
totalmente fiéis ao
input
jamais
serão consideradas hipocorísticas. Os
resultados apresentados neste
trabalho confirmam,
portanto, os de Gonçalves (2004),
sobre o
padrão
default de
formação de hipocorísticos, e o de Silva (neste
número dos CNLF),
sobre o
padrão de
cópia dos
segmentos à
esquerda.
Referências
Bibliográficas
BENUA, L. Identify effects in morphological
truncation. In: BECKMAN, J. (ed.). Papers in Optimality Theory,
1995, 18 (1): 77-136.
GONÇALVES, C.
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tipologia e funcionalidade.
ALFA –
Revista de
Lingüística. Araraquara, 2004, 42 (1): 9-42.
McCARTHY, J. & PRINCE, A. Faithfulness and
reduplicative identity. Rutgers: Rutgers University, 1995.
PRINCE, A & SMOLENSKY, A. Optimality Theory:
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Colorado/Rutgers University, 1993.