O MULTICULTURALISMO E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Fernanda da Silva de Barcellos (PC-RJ)

“O falante deve ser poliglota em sua própria língua”

Evanildo Bechara

O Multiculturalismo

Para Peter Maclaren, a questão central para os educadores críticos é desenvolver um currículo e uma pedagogia multicultural que se preocupem com a especificidade da diferença, mas que ainda, ao mesmo tempo, remetam-se à comunidade dos outros diversos sob a lei que diga respeito aos referentes que orientem para a liberdade e libertação.

Dessa maneira, esta perspectiva serve para nós professores refletirmos sobre nossas práticas pedagógicas, principalmente no que se refere ao fato de agora estarmos trabalhando sob a luz dos PCN’s, sabendo-se que as propostas apresentadas por esse documento compõem a reunião dos resultados e pressupostos teóricos de pesquisas desenvolvidas no Brasil desde a década de 1970, cujas bases teóricas (dentre elas, a teoria da enunciação e do discurso e a lingüística textual) vão da Sociolingüística à Analise do discurso.

Cabe ressaltar também, que os PCN’s são compostos por uma parte comum a todos os territórios, constituindo assim a parte básica obrigatória a ser desenvolvida em qualquer região e a parte diversificada que vai variar de região para região para poder assim assegurar uma educação de qualidade e funcional para a vida das pessoas.

Sendo assim, o multiculturalismo serve dessa forma para diminuir a exclusão social das pessoas em todos os aspectos, principalmente no ambiente escolar, que é por regra sempre um ambiente bastante rico em diferenças.

Trabalhando-se de acordo com essa perspectiva estaremos assegurando de fato uma educação de qualidade, funcional e efetiva que possibilita a todos os educandos terem conhecimento da grande variedade de culturas em todo o território brasileiro, não sendo permitido discriminações, exclusões e supremacias.

Essa questão apesar de ser, mesmo que sutilmente, de entendimento de todos, até porque é bastante notória a riqueza cultural e étnica do nosso país. Porém, essa riqueza, essa pluralidade ou não é levada em consideração no cotidiano das escolas, ou é mal trabalhada, tendendo ao estereótipo e a disseminação de preconceitos.

Então, é devido a isto tudo que nós, enquanto professores devemos estar atentos dentro do nosso universo, ou seja, em nossa sala de aula, comunidade escolar para estarmos trabalhando de acordo com as necessidades e valorizando todas as culturas para que com isso, além do aluno se sentir valorizado, ressaltar que todas as culturas são importantes e que não há como mensurar e nem caracterizar uma como superior a outra.

Variedades lingüísticas

Como já foi dito, aqui no Brasil, apesar de possuirmos uma língua padrão, a Língua Portuguesa, sabemos que devido a toda questão histórica ela sofre grandes variações de região para região e até mesmo de um Estado para outro dentro de uma mesma região. Então, dessa forma, a perspectiva do Multiculturalismo torna o ensino da Língua Portuguesa algo mais delicado do que já é pelo fato de ser muito complexa.

Especificamente no caso do ensino da Língua Portuguesa, nossa língua materna (daqui por diante LM), ao aprende-la, o homem assimilará as características pertinentes àquela região. A esses fatores próprios de cada região, tempo e grupo social, chamamos de variedades lingüísticas. Ou seja, a língua possui diferenças internas classificadas em: diatópicas (espaço geográfico), diastrática (camadas socioculturais) e diafásica (aspecto expressivo). Por exemplo, a palavra sinistro, que outrora tinha valor negativo, atualmente, os jovens a utiliza com valor positivo (significa algo bom). O homem pode também criar outras para designar novas realidades, por exemplo, na área da informática foi criado o verbo deletar (inglês delete) para nomear a ação de apagar e para nomear homem vaidoso foi criada a palavra metrosexual (prefixo metro + radical sexual). Verifica-se assim que a linguagem é um fenômeno social, o homem se constitui enquanto sujeito ouvindo e assimilando as palavras e os discursos do outro.

Então devido a grande variedade lingüística existente no Brasil, refletimos sobre o momento em que nós colocamos a linguagem em uso, quando ocorre a interação verbal, que por sua vez é: “o lugar de uma atividade coletiva de produção de sentido, atividade que implica o emprego de negociações explicitas ou implícitas que podem ter êxito ou fracassar” (KERBRAT-ORECCHIONI, 1990: 28). Por isso, ao interagir, emissor e destinatário compartilham códigos e negociam sentidos e posições. Assumindo assim a linguagem o seu estatuto de ação (BRONCKART: 1999) no outro e sobre o outro.

Enfim, é imprescindível que o professor mostre ao aluno que a língua (Portuguesa ou mesmo estrangeira) não é homogênea. Ou seja, é preciso que o professor desenvolva um trabalho enfatizando essas diversidades existentes nas línguas. E ressalte que não há nenhuma variedade melhor ou mais correta do que outras.

Pontos positivos e negativos
do Multiculturalismo no ensino de LP

Para Mclaren, a questão de respeitar as diferenças/diversidades em todos os sentidos e de todos os alunos, vem nessa perspectiva se inclinar a se opor aos exclusivismos hierárquicos através do discurso da inclusão irrestrita articulando-se assim numa nova relação entre identidade e diferença.

Enfim, o multiculturalismo reside, na verdade, na aceitação intercultural, por uma solidariedade que se desenvolva a partir dos imperativos de libertação, democracia e cidadania crítica.

Então, após estas considerações, percebemos que quando o trabalho pedagógico é pautado de acordo com esse mote todos ganham com essa experiência, já que o objetivo é fazer um acréscimo e não uma troca de culturas.

Como pontos positivos destacamos:

– aumento da auto-estima;

– melhora no relacionamento interpessoal;

– entendimento e capacidade de realizar intertextualidades maior;

– elevação do interesse pelas atividades pedagógicas;

– maior interesse em pesquisar sobre sua cultura;

– valorização das origens;

– percepção de que não há culturas melhores e sim distintas;

– respeito as culturas, etnias;

– compreensão das variações lingüísticas;

– entendimento de palavras não utilizadas em sua região, tornando assim migrações de regiões menos complexas e compreensíveis;

– maior capacidade de interação e compreensão verbal entre indivíduos de diferentes regiões; etc.

E, como pontos negativos podemos destacar:

– mal utilização dos conceitos de multiculturalismo;

– distorção da proposta;

– hierarquizar culturas;

– realizar classificações por conta própria;

– e todas as outras que sejam o contrário da proposta.

Proposta de atividades

Para ensinar Língua Portuguesa dentro da linha do multiculturalismo, o professor deve em primeiro lugar, ter conhecimento amplo e aprofundado do conceito para a partir disso ser capaz de propor atividades que contemplem esta proposta.

Dessa maneira, o professor deve enquanto pesquisador, estar colhendo informações e materiais didáticos, paradidáticos e midiáticos que exemplifiquem estas variantes lingüísticas, para assim poder estar instrumentalizando seus alunos para a vida, mostrando que essas variações estão cada vez mais presentes no nosso cotidiano.

Assim, teremos como exemplos de atividades:

– leitura de diferentes textos;

– confeccionar um dicionário de palavras;

– trabalhar músicas de diferentes regiões;

– fazer a leitura de jornais e revistas de todas as regiões;

– pesquisar os hábitos culturais de cada região;

– dramatizar diferentes situações utilizando palavras diferentes;

– produção de diferentes textos;

– realizar intercâmbios utilizando a Internet;

– realizar uma exposição;

– produção de cartazes;

– realizar uma mostra de danças típicas;

– convidar os pais de alunos de diferentes naturalidades para darem uma entrevista;

Considerações finais

Então, a partir do que foi explanado acerca do Ensino de Língua Portuguesa, levando-se em consideração a perspectiva do multiculturalismo. Concluímos que, esse tema deve ser mais discutido nas escolas pois devido a própria proposta educacional do país, apresentada através dos PCN’s, que visam o intercambio de culturas, devemos estar desenvolvendo, enquanto professores, nosso trabalho de modo a instrumentalizar nossos alunos para viverem e conviverem em sociedade, respeitando e valorizando as diferenças.

E também, não esquecermos, como cita Bechara, que o falante deve ser poliglota em sua própria língua, e como vimos e sabemos, aqui no Brasil as variações lingüísticas são bastante acentuadas. Então, para que consigamos tornar nosso ensino eficiente e eficaz, devemos estar atentos às necessidades dos nossos alunos, trabalhando de forma a elevar a auto-estima, fazendo-os perceber e compreender que não há culturas melhores e nem piores e sim diferentes e que devemos em primeiro lugar respeitá-las e sempre que possível estarmos trabalhando os significados para nos fazer compreendidos.

Para isso, nós professores devemos realizar sondagens para verificar a naturalidade dos nossos alunos e utilizar variados tipos de materiais que mostrem essas diferenças e faça com que os alunos deixem de apresentar atitudes desrespeitosas no que diz respeito à convivência com colegas de outras regiões, hábitos e características físicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CHIANCA, Rosalina Maria Sales. L’ Enseignement pluriel du francais. In: ELOS. N 2, 1996.

DABÈNE, Louise. Variations et rituels en classe de langue. Paris: Hatier, 1990.

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KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. Les interactions verbales. Paris: A.Colin, 1990.

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McLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez, 1997.

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REVUZ, Christiane. A LE entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio. In: Linguagem e identidade. (org. SIGNOZINI, Inês) Campinas: Mercado de Letras, 1998.

 

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