A
crítica
textual
e a
autenticidade
das
informações
preservadas
nos
textos
José
Pereira da Silva (UERJ)
A
necessidade
de
construir
textos
autênticos
se faz
sentir
quando
um
povo
de
alta
civilização
toma
consciência
dessa
civilização
e
deseja
preservar dos
estragos
do
tempo
as
obras
que
lhe
constituem o
patrimônio
espiritual.
(AUERBACH, [1972]: 11)
Conforme
nos ensinam os filólogos italianos Barbara
Spaggiari e Maurizio Perugi
em
seus
Fundamentos da
crítica
textual (SPAGGIARI & PERUGI, 2004:
19-20),
Antes da
invenção da
imprensa,
um
texto
muito
divulgado e
muito lido é,
necessariamente,
um
texto
que foi
copiado muitas e muitas
vezes. E, a
cada
cópia, o
texto é
sujeito ao
risco de
ser alterado, de
maneira
mais
ou
menos
grave, no
que diz
respeito à
sua
versão
original.
Transcrever
um
texto
qualquer
sem
cometer
erros,
ou
sem
introduzir alterações, é
tarefa
quase
impossível.
Uma
cópia
representa a
versão
necessariamente alterada do
original
que
intende
[que
tem a
intenção de]
transmitir.
Por
isso, foi
especialmente
criada uma
disciplina, a
crítica
textual (ou
ecdótica),
que tem
por
fim o
exame
exaustivo de
toda a
tradição
manuscrita,
para
verificação do
seu
grau de
autenticidade,
e no
intento de
estabelecer o
texto
original
perdido.
Num
trabalho
que escrevi
para o III
ENCONTRO
NACIONAL
COM A
FILOLOGIA,
que ocorreu
em
maio de 2004 na
Academia
Brasileira de
Letras, tratei da
importância da
filologia
nos
estudos
literários
em
geral.
Aproveito
para
relembrar
dois
tópicos,
em
que tratei dos
trabalhos
relativos à
bibliografia e à
história
literária:
A
bibliografia
de
um
autor deve
conter
primeiramente
a
lista de
suas
obras
autênticas,
com todas as
edições
que delas se
fizeram; a
seguir, as
obras
duvidosas
que se
lhe atribuem;
por
fim, os
estudos
que
outros
autores
lhe
consagraram, se a
lista
assim
compilada contiver
manuscritos,
será
mister
assinalar o
local
onde se
encontra o
manuscrito e
dar uma
descrição
exata de
sua
forma;
para os
livros
impressos, é
preciso
indicar, ao
lado do
título
exato, o
local e o
ano da
publicação, o
número da
edição (p. ex.
5ª ed.
revista
e corrigida), o
nome de
quem fez a
edição
crítica
ou comentada
ou a
tradução, o
nome do
impressor
ou da
editora, o
número de
volumes e de
páginas de
cada
volume, o
formato;
algumas
bibliografias
dão outras
indicações
suplementares,
que variam
segundo as
necessidades
do
caso. (SILVA,
2004a: 90)
Naquela
oportunidade, foi lembrado
também o
papel da
Lingüística
como
importante
ciência
auxiliar da
Filologia
para se
chegar à
prova de
autenticidade de uma
obra.
Ou seja:
Não é
preciso
dizer
que a
história
literária se
serve
freqüentemente,
nas
suas
pesquisas, de
noções
lingüísticas.
Delas necessita
em todas as
investigações
concernentes
ao
estilo de
um
autor
ou de uma
época.
Em
relação aos
estilos
característicos
das diversas
épocas
ou
períodos da
literatura, é
bom
que se veja
livro de
Domício Proença
Filho,
inicialmente
destinado ao
ensino
básico,
mas
bastante
útil
nos
cursos de
Letras
(PROENÇA
FILHO, 1973).
As
questões
lingüísticas
são
particularmente
importantes
nas
discussões a
respeito da
autenticidade
das
obras de
atribuição
duvidosa,
como é o
caso das
Cartas
Chilenas,
cuja
atribuição de
autoria
só foi
resolvida
graças aos
estudos
estilísticos.
Quando
escasseiam as
provas
documentais,
tais
discussões
podem decidir-se
amiúde
por
considerações
de
ordem
lingüística: será
que o
vocabulário, a
sintaxe, o
estilo da
obra
duvidosa se
assemelham
mais
ou
menos aos das
obras
autênticas do
escritor
em
questão?
Mas a
importância da
Lingüística
em
história
literária
não se limita
a essa
espécie
de
problemas.
As
obras
de
arte
literária
são
obras
compostas
em
linguagem
humana;
o
desejo
de se
aproximar
delas o
mais
possível,
de alcançar-lhes a
própria
essência,
deu, nestes
últimos
tempos,
novo
impulso
à
análise
dos
textos
literários,
análise
cuja
base
é
lingüística;
não
é
mais
unicamente
para
compreender-lhes o
conteúdo
material,
mas
para
apreender-lhes as
bases
psicológicas, sociológicas, históricas e
sobretudo
estéticas,
que
se pratica
atualmente
a
análise
ou
explicação
de
textos.
(SILVA, 2004b: 99-100)
Segundo o historiador José Honório Rodrigues
([1957]: 491) “A
autenticidade deve
ser
empregada
para
expressar
somente a
idéia de
genuinidade,
não importando
absolutamente se a
fonte é
digna de
fé
ou
não”,
apesar de
ser
freqüentemente confundida
com a
idéia de
credibilidade.
De
fato, o
problema da
credibilidade
não está, necessariamente, ligado à
questão de
autenticidade,
pois,
embora se possa
admitir
que uma
fonte
espúria seja
indigna de
fé, a veracidade
ou
falsidade do
conteúdo dela
não é
critério
decisivo
para
decidir
sobre
sua
autenticidade.
O
certo é
que “a
genuinidade
ou
falsidade dos
documentos é
um dos
problemas
mais
importantes da
crítica”,
não
somente da
crítica
histórica,
como ressalta o
autor citado, e da
crítica
textual,
mas
também da
crítica
literária, da filosófica etc.
“A
condição
prévia de valorização de uma
fonte é a
segurança de
que
ela seja
realmente o
que parece
ser,
isto é, uma
fonte
autêntica” (RODRIGUES, [1957]: 491), o
que
leva os historiadores e os filólogos ao
maior
esforço
possível
para produzirem
edições confiáveis,
que representem, de
fato, o
que
seus
autores escreveram.
Por
isto, a
crítica de autoria (ou
de
atribuição)
toma
um
peso
tão
grande na
introdução aos
textos editados criticamente.
Mas
não
basta
isto. Remetendo-se ao Pe.
Charles de Smedt, José Honório Rodrigues lembra,
no
capítulo
sobre a “Crítica
Histórica”,
certo de
que
não
basta
que o
documento
histórico seja reproduzido,
mas
que
ele seja publicado de
forma
inteligível:
Lido o
documento,
verificada a
sua
autenticidade,
precisamos,
para a boa
inteligência do
texto,
recorrer à
filologia,
que vai
nos
facilitar a
compreensão do
sentido
exato do
testemunho. É
sabido
que
muitos
documentos,
pela
incorreção da
linguagem,
pela profusão
de
termos
desconhecidos
e
empregados
em
sentido
novo,
pela
ignorância da
parte do
autor de
regras
elementares de
flexão e
sintaxe,
ou
pela
confusão das
disposições,
de
detalhes
ou da
própria
frase exigem
estudos
filológicos
para a
própria
compreensão do
texto. (Cf.
SMEDT, 1883, 100).
Depois de
parafrasear Dilthey (1944: 288-287), afirmando
que “a
ciência
fundamental da
história é a
filologia
em
seu
sentido
formal,
como
estudo
científico das
linguagens
em
que se propala a
tradição, recopilação dos
testemunhos
humanos”,
reforça
seu
apreço
pela
filologia, lembrando
que
ela “investiga a
genuinidade dos
documentos e a
autenticidade dos
testemunhos, fornecendo-nos os
elementos de
convicção
sobre a
legitimidade da
nossa
interpretação...” (Op. cit., p. 475).
Do
ponto de
vista
jurídico,
autêntico é
aquilo a
que se pode
dar
fé
ou
que está
dentro das
formalidades
legais e é tido
como
legítimo e
verdadeiro, o
que
leva
grande
parte de
pessoas a
confundir
este
conceito
com o de
genuíno,
que é o
que
mais interessa ao filólogo, ao historiador etc.
Interpretando
Carraghan, José Honório Rodrigues apresenta o
seguinte
exemplo daquele
autor, demonstrando
com
simplicidade
que uma
obra
espúria,
isto é,
não
genuína,
não
autêntica, e
que pode
ser
fidedigna:
A, escrevendo
de
primeira
mão
sobre
acontecimentos
correntes,
pode
produzir uma
relação
acurada dos
mesmos e
digna de
fé,
embora seja
ela publicada
sob o
nome de B,
a
fim de
assegurar-lhe
caráter de
maior
autoridade.
Atribui-se
geralmente,
embora
erroneamente, o
livro a B,
e essa autoria pode
ser descrita
como
espúria e
não
autêntica,
visto
que o
autor a
quem se
atribui a
obra
não é o
verdadeiro
autor (CARRAGHAN,
1946: 170,
apud RODRIGUES, 1957: 491-492).
Isto
não é
tão
raro
como parece. As
traduções,
por
exemplo,
só
muito
recentemente passaram a
ser divulgadas
com as
informações de
crédito a
seus
executores e,
mesmo
assim,
nunca [ou
quase
nunca] trazem
informações
sobre as consultorias realizadas
para se
chegar à
forma alcançada.
Na
verdade,
isto ocorre
muito
mais
vezes do
que se imagina.
Por
exemplo:
Ninguém,
em
são
juízo, imagina
que o
presidente da
república,
qualquer
que seja o
grau de
sua
capacidade e
sapiência, seja
capaz de
redigir
todos os
discursos
que faz
sobre os
mais variados
campos do
saber e do
interesse
nacional e
internacional. No
entanto,
ninguém diz,
por
exemplo,
que acabou de
ouvir o
discurso do
Assessor do
Presidente.
Exemplifico
com o
caso do
regimento intitulado
Diretório
que se deve
observar nas
povoações dos
índios do
Pará e Maranhão,
enquanto
Sua
Majestade
não
mandar o
contrário,
dado
por Francisco Xavier de Mendonça Furtado
em 3 de
maio de 1757 e confirmado
por
Sua
Majestade
em 17 de
agosto de 1758,
com a
assinatura do
Marquês de
Pombal.
Esse
documento, da
maior
importância
para a
história da
imposição da
língua portuguesa aos
índios
brasileiros,
não foi
escrito
pelo
Governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado
porque,
como está comprovado
em
nossa
dissertação de
mestrado (SILVA, 1987) e
em outras publicações,
quem estava no
comando do
governo da
Capitania naquela
época e
que, de
fato, redigiu
esse
documento, foi o
Bispo D. Miguel de Bulhões,
que assumiu o
governo
interinamente,
enquanto o
governador estava
ocupado
com a
comissão da
demarcação dos
domínios portugueses.
Segundo o
Professor Leodegário, é a Diplomática
que se preocupa
com a
parte
gráfica de
um
documento (público
ou
privado),
pois examina
também os
seus
caracteres
externos,
como a
matéria escriptória ; os
instrumentos utilizados no
ato a
escrita; as
tintas e o
tipo de
letra; e os
padrões de
linguagem e a
própria
forma do
documento,
para
determinar a
autenticidade da
documentação analisada.
Portanto, a
ciência diplomática fornece à
crítica
textual
subsídios
preciosos,
sobretudo no
que se refere à
determinação da
autenticidade de
um
texto. (Cf. AZEVEDO
FILHO, 2004: 26)
Diante de
um
manuscrito a
ser editado,
portanto, é
básico o
recurso à
Paleografia, à
Diplomática e à Codicologia,
para a
sua
exata
descrição e
completo
estudo de
todos os
seus
aspectos
materiais.
Ou seja:
deve-se
analisar, num
manuscrito,
quando e
como foi
feito, a
matéria
escriptória usada, o
tipo de
letra e a
autenticidade
do
códice,
como
elementos de
investigação
preliminar. (Idem,p.
27)
Numa
evidência
indisfarçável
do
entendimento
de
Filologia
como
Crítica
Textual, Maria
Luísa Fernández Miazzi esclarece
que a
tarefa do
editor
crítico se
destina a
chegar à
máxima
autenticidade
do
texto
publicado.
O
Professor Leodegário lembra
que, na
edição
crítica,
nem
sempre é
fácil o
estabelecimento
seguro do
texto
autêntico.
Realmente,
quando há
variantes
alternativas,
ressalvada a
hipótese de
qualquer
variante do
autor, é
lógico
que
apenas uma
delas deve
ser
autêntica,
ficando a
escolha
por
conta do
juízo
crítico do
editor,
que deverá
recorrer ao usus
scribendi do
escritor e da
época e ao
critério da
lectio difficilior
para
proceder a uma adequada
seleção. No
caso, fala-se
de
variantes
adiáforas
ou
igualmente
admissíveis, abrindo-se a recensio,
já
que a
escolha de uma
determinada
variante
não pode
obedecer ao
critério
externo
ou
automático. E
isso se
estende,
naturalmente,
aos
casos de
três
ou
mais
variantes
adiáforas[8],
sendo a
tradição[9]
ternária
ou
múltipla.
(AZEVEDO
FILHO, 2004:
55)
Segundo o
Professor Ruy Magalhães de Araujo,
que define a
crítica
textual
como a “ciência e a
arte de
reconstrução de
um
texto”,
cujo “ponto
culminante é a publicação da
edição
crítica”, o
seu
primeiro
objetivo, relacionado numa
lista de
vários
outros, é “investigar a
autenticidade dos
textos” (ARAUJO, 1999: 342).
Mais
adiante, no
mesmo
artigo, o
Professor Ruy
ainda
ensina
que,
entre as
tarefas da
crítica
textual cabe
...examinar
e
provar a fidedignidade e
a
autenticidade
dos
textos:
autor,
época,
fatores de
ordem
histórico-social,
jurídica,
política,
econômica,
ideológica,
religiosa,
econômica etc.
Os
textos podem
ser:
autógrafos
ou
autênticos –
de autoria comprovada;
apócrifos: de
falsa
procedência
ou de
fonte
duvidosa;
apógrafos: copiados e
não assinados
(Idem,
p. 345).
Referindo-me
à
crítica
textual no
passado (SILVA, 2004: 44), transcrevo o
que
ensina Antônio Houaiss,
em
que fica
clara a
preocupação
com a
autenticidade
desde os
primeiros
editores
críticos:
As
mais antigas
edições
críticas, ao
menos no
âmbito da
cultura
européia,
são as dos
poetas
gregos
pré-helenísticos,
feitas
pelos
críticos
alexandrinos,
Zenóddoto, Aristófanes de Bizâncio,
Aristarco.
Seus
trabalhos
incidiram preferentemente
sobre os
poemas
homéricos,
com
textos
não anotados,
mas
acompanhados de
signos
que exprimiam
dúvida
quanto à
autenticidade
da
tradição
ou
que remetiam
ao
comentário,
comentário
que encerrava
indicações
sobre os
manuscritos de
que os
críticos se
haviam servido e
sobre as
lições
que haviam
adotado. A recensio se fazia
segundo
critérios
internos, as
emendas
não eram
acolhidas no
texto, a
tendência
era
puramente
conservadora;
entretanto, os
versos
reconhecidos
como
não
autênticos
eram transcritos no
texto,
embora
com
signos
indicativos de
não
autenticidade.
(HOUAISS, 1983: I, 205),
Transcrevo, a
seguir, o
tópico 6.2 dos
Elementos de
Bibliologia, do
Professor Antônio Houaiss,
que
trata de “edições
críticas e
edições fiéis”,
que,
para os
objetivos de
nossa
proposta, têm o
mesmo
valor,
pois o
que
nos interessa,
em
princípio, é
que o
professor de
português e de
literaturas de
língua portuguesa tenham
em
mão
textos
que representem a
vontade de
seus
autores.
Eis o
que diz Antônio Houaiss, nas
páginas 273 e 274 do
primeiro
volume da
obra citada,
sobre
edições
críticas e
edições fiéis e
sobre
textos fiéis e
textos
fidedignos:
EDIÇÕES
CRÍTICAS E
EDIÇÕES FIÉIS
Nas
condições das
obras
escritas
depois do
século XVI, é
costume procurar-se uma
distinção
entre aquelas
que devam
ser editadas
com
fins
extralingüísticos daquelas
que o devam
com
fins
lingüísticos -
compreendendo-se neste
conceito (o
que
oponencialmente esclarece
aquele) as
obras
que,
além de
sua
mensagem
conceitual e
significativa,
estética
ou
estritamente
cognitiva,
são editadas
com
rigor
tal,
que
seus
elementos
constitutivos possam
servir de
fundamentação,
exemplificação, abonação e
sustentação de
fatos
lingüísticos e
de
hipóteses,
teorias e
doutrinas
filológicas.
Com
relação às
obras
anteriores ao
século XVI, a
distinção
parece
modernamente
ser
ociosa: as
dificuldades
críticas
que encerram
são de
tal
natureza
que,
em sendo o
seu
editor-crítico
um filólogo,
seu
texto deverá
ser
seguramente
bom
para
fins
extralingüísticos;
em sendo o
seu
editor-crítico
não filólogo,
será
ele possuído
de
espírito
científico
bastante
para
apelar
para o
concurso de
um filólogo.
Como,
porém, a
partir do
século
em
causa, o
acervo do
material
publicável
aumenta
progressivamente
de
monta,
bem pode
ocorrer
ou
que as
vantagens
comerciais
ou
que as
urgências da
documentação
exijam
sua publicação
sem a
prévia
constituição
do
texto
crítico.
Textos
fiéis e
textos
fidedignos
Ora, o
texto
crítico, o
texto
fiel, se
caracteriza
pelo
processo de
seu
estabelecimento
e de
sua motivação:
além da
recensão, do
estema, da
colação, da
interpretação,
encerra o
aparato
crítico,
sem
falar da
introdução,
em
que se fixam
os
critérios
gerais e
especiais,
em havendo-os.
Isso,
além do
rigor
científico
com
que é de
presumir seja
feito, é
trabalhoso,
moroso e,
pois,
dispendioso.
Economia e
urgência
podem,
por
conseguinte,
determinar
edições de
textos
posteriores ao
século XVI
em
que a
totalidade das
normas
ecdóticas
não seja
observada.
Quais
são aquelas
que podem
ser legitimamente
dispensadas,
sem
que,
contudo, cesse
a
validade
científica, a
fidedignidade da publicação? A
resposta é
alternativa:
a)
ou
bem se reproduz, ipsis
litteris, o
texto,
segundo a
estampação
fac-similar
(modernamente
ainda – e
por
muito
tempo –
justificável)
ou a
composição
diplomática (com
os
riscos e as
contra-indicações
já
vistas
para
este
último
critério),
b)
ou
bem se estabelece
um
texto
idôneo,
fidedigno,
porém
sem a
totalidade do
rigor ecdótico.
Tal
texto
idôneo,
fidedigno –
não
propriamente
crítico –,
deve basear-se
nos
seguintes
princípios:
1°) deve
ser calcado
sobre
um
único
exemplar-fonte –
que a
história
externa do
texto
determinará
pura e
simplesmente
como
base;
2°) deve
ter uma
indicação
prévia do
critério
que presidiu
ao
seu
estabelecimento,
critério
em
que se
porão de
manifesto
quais as
regras
ecdóticas
que foram
observadas e
quais deixaram
de o
ser;
3°) dispensará o
aparato
crítico
indicador de
variantes e
discrepâncias,
mas poderá
encerrar
um
sucedâneo
desse
aparato,
para o
fim
informativo
fundamental
que
orientar
sua
publicação,
com a
indicação, se
for o
caso, das
variantes de
formulação
que possam
dar
margem a
interpretação
diferente do
texto
estabelecido, do
ponto de
vista
conceitual e
nocional.
Em
nossa
atividade
editorial, o
que fazemos
em
relação à
obra de Gregório de
Matos,
com a
edição digitalizada do
códice Acensio-Cunha (da
Coleção
Professor
Celso
Ferreira da
Cunha,
que se
encontra na
Faculdade de
Letras da
Universidade
Federal do
Rio de
Janeiro)
em
reprodução escaneada
seguida da
edição diplomática no
mesmo CD-ROM, corresponde ao
primeiro
tipo de
edição.
A
edição da
obra de Alexandre Rodrigues
Ferreira
que estamos fazendo
pela Kapa
Editorial,
com uma
leitura diplomático-interpretativa, corresponde ao
segundo
tipo
edições fiéis e
textos
fidedignos descrito
acima (FERREIRA, 2002,
2003 e 2004).
Concluindo,
poderíamos
dizer
com o
Padre Antônio Vieira (1686: 141): “Não
basta
que as
coisas
que se dizem sejam
grandes, se
quem as diz
não é
grande.
Por
isso os
ditos
que alegamos se chamam
autoridades,
porque o
autor é o
que
lhe dá o
crédito e
lhe concilia o
respeito”.
Ora, se
não há
autenticidade
em
relação a
um
texto divulgado,
pouco importa o
que nele se informa,
porque
não se costuma
dar
crédito a
informações espúrias
ou falsas.
Um
lamentável,
mas
por
isto
importante
exemplo, foi a
ênfase
com
que o
Professor Castelar de
Carvalho demonstrou a
beleza de
estilo do
verso de Camões, utilizando a
seguinte
versão da
primeira
estrofe de
um dos
seus
mais
conhecidos
sonetos,
cujo
primeiro
quarteto se transcreve
abaixo.
O
brilhante estilicista, numa
sessão presidida
pelo
Professor Leodegário A. de Azevedo
Filho,
que
já demonstrou de
maneira dificilmente
contestável
que a
versão
autêntica do
texto é
outra, explica:
Na
prosódia,
por
exemplo, os
acentos de
altura e
intensidade
podem
apresentar
valor
afetivo,
como se
percebe na valorização
prosódica do
vocábulo
só no
célebre
soneto
Sete
anos
de
pastor, de Luís de
Camões:
Sete
anos de
pastor Jacó servia
Labão,
pai de Raquel,
serrana
bela;
Mas
não servia ao
pai, servia a
ela,
E a
ela
só /
por
prêmio pretendia.
Lido
com a
pausa
prosódico-semântica
acima
sugerida, o referido
vocábulo enfatiza
que
somente
ela, Raquel, a
insubstituível,
era o
prêmio pretendido
por Jacó, e
não
Lia,
sua irmã,
que Labão,
“usando de
cautela”,
tentara
impingir ao apaixonado
pastor. (CARVALHO,
2004: 60-61).
Como o
verso “E a
ela
só
por
prêmio pretendia”
não é a
versão
autêntica do
soneto,
mas a
leitura
em
que se
lê “E a
ela
por
soldada pretendia”,
como consta na
edição dos
Sonetos de Luís de Camões (AZEVEDO
FILHO, [2004]: 145), o
esforço do
Prezado
Professor de
nada valeu
para
provar o
valor estilístico da
obra de Camões e
nem foi Camões o
autor citado
por
ele,
pois o
verso é uma alteração de
seu
texto.
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já está
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Lucerna, 2004.
“Ampla
é a
tarefa
do filólogo. Cumpre-lhe, localizado o
texto,
classificar
as
cópias
existentes
com
base
nas
variantes
ou
lacunas,
para
fazer
o
levantamento
dos
dados
de
ordem
externa
e
interna,
com
vistas
à
sua
exegese
[ou
interpretação]
...
......................................................................................................................................................
Tendo
em
vista
conferir
ao
texto
sua
máxima
autenticidade,
(grifo
nosso)
eliminará o filólogo
criteriosamente
as
falhas,
servindo-se de
toda
sorte
de
ciências
auxiliares
da
filologia,
quais
a
história,
geografia,
arqueologia,
mitologia,
epigrafia, etc.” (MIAZZI, 1972: 16-17).