Medievalidade
ponte
da
Filologia
para
a Pós-Modernidade
Álvaro Alfredo Bragança
Júnior
(UFRJ)
LINGUAGEM E
PODER – UMA
INTRODUÇÃO
Talvez o
título de
deste
artigo pareça
extremamente
ambicioso a
partir de
um
ponto de
vista
essencialmente
sincrônico
nos
estudos da
linguagem.
Entretanto,
como
bem sabemos, quaisquer
mecanismos de
formulação da
linguagem –
seja
em
textos
orais
ou
escritos –
trazem
consigo
elementos e
estratégias
retóricas,
que,
em uma
visão
simplista, relacionam-se
com o
convencimento,
em
suma,
com o
poder das
palavras
em
persuadir
seu
ouvinte e /
ou
leitor. Se
partirmos
para a
etimologia de
discurso
como
oriunda de
“ação
de
correr
por
várias
partes,
de
tomar
direções
diversas;
movimentos,
modos,
tentativas,
meios
empregados”
(cf.
SARAIVA, 1910,
382) pensamos
que
sua
abrangência ao
campo
político
espelha
plenamente a
assertiva foucaultiana das
estruturas de
poder.
Devido a
isso, nossas
reflexões
pautam-se no
viés
medieval
como
elo
lingüístico-cultural
vital
para chegarmos
até a
Pós-Modernidade (sic),
onde se
discute
vivamente os
novos
rumos e
prumos de uma
sociedade
em
mudança
crescente e
que tem na
linguagem e
nas
línguas os
vértices deste
mundo
revolto. Algumas
palavras,
entretanto,
são
necessárias a
respeito do
tema
cultura,
para
que a
Idade
Média,
tanto
lingüística
quanto
historicamente, seja
passível de uma
proposta de
análise
discursiva.
PALAVRAS
INTERDISCIPLINARES
Especialmente
a
partir do
século XX
observa-se no
âmbito das
ciências
sociais e da
linguagem
um
maior
grau de
aproximação no
que se refere
à possibilidade de se
depreender e
apreender
aquilo
que
convencionamos
chamar de
real.
Como
símbolo de uma
construção
ideal,
mas ao
mesmo
tempo
empiricamente
passível de
datação, o
conceito “realidade”
permite diversas
formas de
entendimento
como
background
para a
formulação de
teorias
epistemológicas. Seja
qual for,
porém, a
abordagem
interpretativa,
qualquer
discurso
que afirme
ou negue o
real insere-se
dentro de uma
visão cultural
específica,
que norteia o
modus faciendi dos
discursos
científicos
específicos.
Nossa
esfera de
atuação
prende-se às
ciências
histórica e
literária e
em
que
medida
esse
processo cultural
operacionaliza
conjuntamente
o
fazer
literário e o
fato
histórico.
Para
tanto,
consideramos necessárias algumas
palavras
sobre
cultura.
Etimologicamente,
cultura
deriva-se do
verbo
latino
colere,
cuja
acepção
primordial
seria “cultivar”.
Portanto, o
cultivo de
determinada
área
associa-se metaforicamente ao
cuidado
com
algum
campo do
saber,
que
durante
gerações
frutifica, na
medida
em
que os
séculos
lhe atribuem
insumos de
variados
tipos,
configurando-lhe
posteriormente
um
novo
plano de
existência,
refletor de
um
determinado
período e inserido
dentro de uma
conjuntura
social. Uma
das
formas de
chegada a
esses
desdobramentos espaço-temporais é o
texto
escrito.
Tanto a
ciência
histórica
quanto a
Literatura, constituídas
enquanto
epistéme, trabalham
com
textos,
embora
com
objetivos
diferentes. A
uma
modelar
tentativa de se “documentar”
o
passado e o
presente de uma junta-se o
labor
essencialmente
estético da
outra. De
forma resumida, poderíamos
dizer
que ambas vêem
na
palavra
escrita uma
fonte de
criação e de
recriação de
um
dado
momento. Nesse
estágio, a
cultura e a
realidade indissociam-se.
Testemunho e
documento
apresentam
pontos de
convergência e
divergência
em
seus
procedimentos decodificadores do “real”.
O
que
talvez possa
uni-los é a
visão de uma “história
cultural”,
como a
proposta
por Chartrier
(1987:16-17) ao
definir o
objeto de
estudo desta
ciência:
identificar o
modo
como
em
diferentes
lugares
e
momentos
uma
determinada
realidade
social
é construída, pensada,
dada
a
ler. Uma
historicização da
obra
literária,
como afirmam
Pereira &
Chalhoub (1998:7) é pleiteada,
pois pode-se
através da
mesma,
após
sua
inserção
dentro do
movimento
social,
investigar as
suas
redes
de
interlocução
social,
destrinchar
não
a
sua
suposta
autonomia
em
relação
à
sociedade,
mas
sim
a
forma
como
constrói
ou
representa a
sua
relação
com
a
realidade
social
–
algo
que
faz
mesmo
ao
negar fazê-lo.
Tal
texto serve de
pretexto e
como
possível
patamar
para
contextualizar
micro-historicamente
um
certo
dado cultural.
Ao
definir as
relações
entre
cultura e
texto
literário,
Doris Bachmann-Medick (1996:10) afirma
que
Entender
cultura
como
texto
significa
delimitar
um
campo
comum,
que
somente pode
ser trabalhado
através de
questionamentos transdisciplinares: a
cultura é
um
campo,
que – de
forma
semelhante a
um
texto –
possibilita diversas
formas de
leitura. A
própria
atenção
direciona-se à
condensação de
significados
interpretativos
das
formas de
representação
cultural
como, do
mesmo
modo, às
estratégias
retóricas na
representação
das
culturas.
O
trabalho inter e
transdisciplinar
entre os
discursos
histórico e
literário, ao
se entrecruzarem, oferecem
um
campo de
visão
mais
amplo,
embora
não
único, de
um
determinado ”sujeito
cultural”,
coletivo
ou
não,
consciente
ou
não de
seu
papel
como
agente
transmissor de
informações
sobre
sua
geração.
Destarte, uma
ficcionalização da
História
não é o
nosso
objetivo,
mas
sim a
ficção
literária
historicamente
tratada
como
produto
cultural.
Se
até
agora
procuramos
discutir a
questão da
interseção epistemológica
entre
História e
Literatura, cabem
agora
alguns
questionamentos
sobre a
Medievalidade
vista
pela
Medievística,
cuja
definição
ora
proporemos.
MEDIEVÍSTICA –
ALGUNS
COMENTÁRIOS
Talvez a
ponte
lingüístico-histórica
para a
compreensão da
época
medieval possa
ser
melhor
vislumbrada
dentro do
universo
científico,
caso se
lance
mão dos
conhecimentos,
instrumentos e
objetivos da
Medievística.
Dentro do
sintagma
Germanistische Mediävistik,
que traduzimos
por
Medievística Germanística, definimos esta
ciência
como a
possibilidade do
trabalho
conjunto
entre o
social e o
literário
dentro do
universo da
Idade
Média. Poderíamos
questionar, a
princípio,
como uma
época
tão
distante da
nossa
poderia
contribuir
lingüisticamente
para o
entendimento
de
nosso
próprio
estado
atual.
Ora,
antes disto,
partamos
para uma
análise
macro-social.
Temas
como
globalização,
homogênese e
hegemonia,
com a
vitória de
um
modelo
político,
são
encontrados
em
abundância
entre os
séculos V e
XV. Se entendermos o
projeto
político da
Cristandade
ocidental,
por
um
lado, e
pela
expansão dos
ideais
trovadorescos,
pelo
outro,
deparamo-nos
com
um
estágio
primitivo de
inclusão mundial,
claramente
delimitado
pela
ótica da
teocracia
papal,
extremamente
forte
nos
séculos XII e
XIII.
No
léxico,
fonte de
estudos da
Filologia e da
Etimologia,
existem
termos
que comprovam
nossa
assertiva. Tomemos
como
exemplo as
palavras
corte,
cortesia,
cortes.
Atualmente,
por
definição
lexicográfica, entende-se a
segunda
como
maneiras
delicadas,
urbanidade,
civilidade,
polidez,
afabilidade...(Cf.
KOOGAN-HOUAISS, 1997, 449). A
origem do
conceito,
porém, é
eminentemente
medieval. A
vida na
corte, idealizada
nos
romances de
aventuras, nas
cantigas de
amor e de
amigo, serviu
de
base
para os
modos
comportamentais de
damas,
senhores
feudais e
cavaleiros.
Estes
últimos,
instados à militia Christi, viam-se representados
em Iwein,
Parzival, Lancelot e assumiram, na
língua
portuguesa
um
novo
caráter,
tornaram-se
cavalheiros,
dominando os palafréns,
mas
reverenciando as
damas.
Em
língua alemã,
temos o
mesmo
par
semântico,
Reiter e Ritter.
Fazer a
corte,
cortejar uma
jovem
ainda
são ouvidas no
nosso
dia-a-dia do
século XXI, o
que confere às
expressões o
status
de
fonte de
instrução e de
verdade.
Através da
língua,
veiculada
então
pelos
textos
literários,
temos a possibilidade de
depreender
conceitos
que se
transformaram historicamente
até
chegar aos
dias
atuais.
PALAVRAS E
TEXTOS
DO
LATIM À
IDADE
MÉDIA
GERMÂNICA
COMENTÁRIOS
Toda
época
histórica
deixa
marcas,
vestígios dos
homens
que a
vivenciaram e
dentre
eles os
monumentos
lingüísticos.
Se iniciarmos
nosso excurso
na
época de Roma, ao
terminar a
fase de
existência
política do
Império
Romano do
Ocidente,
restaram
entre as
ruínas das
construções
romanas as
estruturas
bem solidificadas da
língua de
Roma. Citando BUNSE (1983: 40-42) verificamos a
incidência de
termos
latinos
que,
paulatinamente,
foram absorvidos
pelo
idioma
germânico-comum e
posteriormente
tomou
sua
forma no
alemão
moderno.
À
guisa de
exemplificação podemos
citar os
seguintes
empréstimos
lexicais:
Empréstimos
no
campo
da
vida
militar
lat. pilum – Pfeil, “seta”;
lat.
campus
– Kampf, “luta”.
Em
português
presente na
expressão “guardar
o
campo”;
lat. palus – Pfahl, “estaca”,
lat. (via)
strata – Strasse, “rua”,
lat. milia – Meile, “milha”.
Empréstimos
no
campo
do
comércio,
meios
de
transporte
e
profissões
lat. caupo – kaufen, “comprar”;
lat. pondus – Pfund, “meio
quilo,
libra”;
lat. corbis – Korb, “cesta”;
lat. saccus – Sack, “saco,
saca”;
lat. molina – Mühle, “moinho”.
Empréstimos
no
campo
da
administração
e do
direito
lat. teloneum – Zoll, “alfândega”;
lat. telonarius – Zöllner, “empregado
da
alfândega”;
lat. census – Zins, “juro”;
lat. carcer – Kerker, “cárcere”;
lat. catena – Kette, “cadeia,
corrente”.
Empréstimos
no
campo
da
construção
lat. calcem – Kalk, “cal”;
lat. camera – Kammer, “câmara,
quarto”;
lat. cellarium – Keller, “porão”;
lat. fenestra – Fenster, “janela”;
lat. murus – Mauer, “muro”.
Empréstimos
no
campo
da
jardinagem
e da
fruticultura
lat. fructus – Frucht, “fruta”;
lat. caseus – Käse, “queijo”;
lat. cucurbita – Kürbis, “abóbora”;
lat. ceresia – Kirsche, “cereja”;
lat. (fructum) persicum - persica –
Pfirsich, “pêssego”.
Empréstimos
no
campo
do
mobiliário
doméstico,
do
vestuário
e da
preparação
de
alimentos
lat. scrinium – Schrein, “cofre,
escrínio”;
lat. coxinus – Kissen, “almofada”;
lat. speculum – Spiegel, “espelho”;
lat. scamillus – Schemel, “escabelo”;
lat. scutella – Schüssel, “travessa”.
O
novo
habitat
da
Germânia,
usos e
costumes
daquelas
tribos
também
deixaram
indeléveis
marcas no
vocabulário de variadas
línguas
românicas.
Também a
língua de
César incorporou ao
seu
léxico
alguns
elementos dos
povos da
margem
leste do Reno.
Citamos
alces,
proveniente do
germânico
Elche, “alce”;
uri,
em
alemão Auerochs, “auroque”;
sapo,
em
germânico,
em
alemão Seife, “sabonete”;
glêsum,
em
alemão
moderno
Glas, “vidro”,
mas
nos
tempos
idos, “âmbar”;
ganta
em
germânico,
em
alemão Gans, “ganso”.
A
partir de uma
perspectiva
mais
moderna temos
a
seguinte
contribuição
lexical
germânica nas
novas
flores do
Lácio:
Militaria
1. werra – ptg. “guerra”,
francês
guerre;
2. helms – ptg. “elmo”,
espanhol “elmo”;
3. haribairgo – ptg. “albergue”,
italiano “albergo”;
4. strebn – ptg. “estribo”;
5. wardon – ptg. “guardar”,
espanhol “guardar”,
francês
garder.
Cores
1. falw –
francês
fauve; italiano falbo;
2. blaw –
francês
bleu; italiano biavo;
3. brun –
francês
brun; italiano bruno;
4.
gris
-
francês
gris;
italiano griggio;
5. blank –
francês
blanc; italiano bianco;
espanhol
blanco; ptg. “branco”.
Objetos
e
construção
1. bank –
francês
banc; italiano
banco(a);
espanhol, ptg.
“banco”;
2. stalla – ptg. “estala,
estaleiro”;
3. stakka –ptg. “estaca”;
4. frisk –
francês
frais; italiano,
espanhol e ptg.
“fresco”.
5. laubjo – italiano loggia;
espanhol
lonja;
francês
loge.
A
LITERATURA
EM
ALEMÃO
DA
ERA
CAROLÍNGIA
LATINA
Os
primórdios da
literatura alemã
com
base vocabular
latina
prendem-se à
segunda
metade do
século VIII,
onde
são
perceptíveis as
influências da
Regra de S.
Bento (fundação
de
mosteiros e
conventos)
como, no
ano de 724,
Reichenau,
em 744, Fulda
e
pela
aceitação
em 747 da
Regra de
São
Bento
pela
abadia
suíça de St.
Gallen.
Por
outro
lado, Carlos
Magno,
rei dos
francos,
ambicionava a
formação de
um
estado
universal e,
por
isso, procurou
submeter outras
tribos
germânicas a
seu
reino.
Convocou a
partir de 760 ao
palácio
real de Aachen
os
maiores
sábios de
então,
para,
sob a
orientação do
bispo Alcuíno
de Tours,
proceder à cristianização
das
tribos recém
subjugadas. O
futuro
imperador
tornou a
Igreja a
educadora dos
povos
germânicos.
Apesar de
sua
associação
com a
Igreja e
conseqüente
combate ao
paganismo
germânico,
Carlos
Magno
reconhecia o
legado
cultural proveniente destas
tradições
Como
prova disso, mandou
que se
compilassem as Antiquissima Carmina Barbarorum (As
mais antigas
canções dos
bárbaros).
Carlos
Magno
rodeou-se dos
maiores
sábios da
Cristandade e
demonstrou
especial
afeição
pela
astronomia e
pela
gramática, idealizando uma
gramática,
que se perdeu.
Em
latim se
escreveu a
literatura
pragmática. O
Abrogans,
dicionário
latino de
sinônimos, foi
elaborado
em Freising
por
volta de 765.
O Vocabularius St. Galli, de
pouco
tempo
depois, parece
ter sido redigido
em Fulda.
O
latim
era a
língua
especial de
cultura, daí a
confecção de
glossários e
dicionários.
Como
nome de
destaque da
época temos Hrabanus
Maurus (776-856),
abade do
convento de
Fulda. Preparou
livros
para a
prática do
ritual
cristão,
com a
finalidade de
cristianizar
temas
antigos,
aplicando-os à
realidade das
tribos
germânicas
ainda
não
suficientemente
bem cristianizadas.
Como
exemplos
textuais dessa
apropriação de
vocábulos
latinos
com
finalidades
culturais e catequéticas podemos
mencionar o
seguinte
excerto do
Vocabularius St. Galli,
em alamânico,
século VIII:
caput
– kaupit,
em
alemão Haupt, “cabeça”;
oculos –
algum,
em
alemão Augen, “olhos”;
nares – nasa,
em
alemão Nase, “nariz”;
os – mund,
em
alemão Mund, “boca”;
lingua –
zunga,
em
alemão
Zunge,
“língua”;
facies – wanga,
em
alemão Wange, “face”;
pilus – har,
em
alemão Haar, “cabelo”;
sanguis – plot,
em
alemão Blut, “sangue”;
prachia –
arma,
em
alemão Arme, “braços”;
manus – hant,
em
alemão Hand, “mão”.
É
bom notarmos
que o
latim da
época
era adaptado
ao
sistema
lingüístico do
Althochdeutsch,
língua
natural dos
copistas,
distanciando-se,
por
isso, dos
padrões
clássicos.
A
LITERATURA
EM
LÍNGUA
LATINA
ATÉ O
INÍCIO DA
POESIA
PALACIANA (c.
900 - c. 1170)
Entre os
séculos X e
XII houve a
retomada da
literatura
em
língua
latina nas
regiões de
língua alemã,
sob Otto I, o
Grande
(936-973,
fundador do
Sacro
Império
Romano-Germânico) e Otto III,
renovador das
culturas alemã
e
clássica.
Um dos
propagadores da
cultura
clássica
era o
irmão de Otto
I, Bruno,
Duque da
Lorena.
Sua
esposa,
Adelaide, e
sua
sobrinha,
Gerbig,
também
participaram da renovação do
panorama cultural da
época. A
última,
abadessa de Gandersheim,
incentiva a
obra de
Hroswitha.
Durante o
reinado dos
imperadores
otonianos há a
predominância
da
poesia
em
latim, sendo
que
este
mesmo
latim é, na
verdade, o
alemão traduzido ipsis
litteris,
porém
mantenedor da
sintaxe
original.
Em
latim temos,
como
mais
importantes do
período, os
seguintes
autores e
obras:
a) Walahfrid Strabo -
De
cultura
hortorum; Visio Wettini, a
primeira
visão do
inferno,
composta
em
forma de
poesia na
Idade
Média.
b) Notker Balbulus - Viveu
em Fulda.
Tradutor de
clássicos
latinos
para o AHD.
Introdutor das
seqüências
em
alemão. Escrevia
poesia
bilingüe, latim-AHD.
c) Hroswitha von Gandersheim -
freira
que escreveu
obras
dramáticas
em
língua
latina. É
considerada a
primeira
poetisa alemã (+ / - 935).
Sua
atividade
literária
situa-se
entre 955 e
970. Redigiu
lendas épicas,
lendas
dramatizadas e as
Gesta
Othonis.
Do
ponto de
vista da
epopéia, amais
significativa
obra
em
latim
escrita na
época foi Waltharius,
escrita
pelo
monge Ekkehard
de St. Gallen, uma
epopéia
latina,
que, na
verdade, se
trata de uma
readaptação da
lenda
germânica de
Walther,
irmão de
sangue de
Hagen,
que foge
com Hiltgunt
do
cativeiro
huno, levando
consigo
seus
tesouros,
provocando,
assim, a
cobiça de
Gunther,
que os
persegue auxiliado
por Hagen e
outros onze
heróis.
Chega o
momento da
luta,
que o
poeta
retrata
plena de
incidentes.
Hagen permanece afastado da
mesma,
quando
seu
sobrinho
Patafrid
tomba
mortalmente
ferido
por Walther.
Neste
momento, Hagen
resolve
intervir. Na
canção
germânica, a
solução seria a
morte de
ambos, o
que
não
agrada ao
monge
cristão do
século IX.
Este faz
com
que os
lutadores
feridos, Gunther, Hagen e Walther se reconciliem.
No
século
seguinte,
podemos
listar
como
principais
contribuições
em
latim
para o
espaço
lingüístico
alemão a
obras a
seguir:
a) Carmina Cantabrigiensia -
antologia de várias
criações
líricas,
contidas
em
um
manuscrito do
século
XI;
b) + / - 1020
Fecunda
ratis, de Egbert von Lüttich, uma
coleção de
máximas
sagradas e profanas;
c) + / - 1075 Carmen de bello saxonico,
um
poema
sobre a
guerra de
Henrique IV
contra os
saxões;
d) + / - 1050 Ruodlieb,
composta
por
um
monge
desconhecido,
talvez
oriundo do
mosteiro de Tegernsee, o
primeiro
romance
palaciano da
Idade
Média
em hexâmetros
leoninos.
Apresenta os
traços de
um
humanismo
cristão
cavalheiresco.
Com Henrique
II (1002-1024) impôs-se na Alemanha a
tendência
ascética de
influência cluniacense (abadia
de Cluny, fundada
em 910).
Em
língua
latina temos
hinos,
ladainhas e
orações,
pois a
poesia se
propõe a
interpretar a
realidade
passageira
pela
terra unicamente
como
negação do
mundo e
parábola da
eternidade. É
o
tempo da
negação do
mundo e o
imperador deve
realizar os
desígnios da
Igreja. O
papa Gregório
VII estabelece as
Cruzadas.
Em França,
Abelardo (1079-1142) e Bernardo de Clairvaux (1091-1153) influenciam a
vida
espiritual nas
regiões de
língua alemã.
Chegaram
em nossas
mãos
aproximadamente setenta
poesias deste
período.
OS CARMINA BURANA – FLORILÉGIO
LATINO-ALEMÃO
Um dos
mais
importantes
monumenta
lingüísticos,
que
muito
bem traz as
marcas da
simbiose
latino-germânica,
entre a
culta Roma e a
bárbara
Germânia,
são os
famosos
Poemas
de Beuren.
Juntamente
com o
movimento
trovadoresco
de
procedência
provençal
chega às
cortes da
dinastia
Staufer
um
tipo de
produção
lírica,
que
tanto servirá
para
decantar o
sentimento
amoroso
refletido nas
estações do
ano
quanto
para
criticar, de
maneira
satírica,
porém
racional os
desvios da
autoridade
eclesiástica
em Roma
ou
em quaisquer
outras
partes do
orbis germanici. As
Canções de
Beuren, imortalizadas nas
partituras de
Carl Orff, apresentam ao
público
moderno a
ambiência
medieval de
vinho,
jogos,
amor,
folguedos,
contudo
sem
esquecer
também de
seu
papel
social de
críticas dos
costumes.
Esqueçamo-nos,
por
um
momento, dos
defeitos e
vícios de
eclesiásticos,
cavaleiros e
damas:
nossa
exemplificação,
fim de
viagem,
trata da
natureza,
que os
pretensos
clérigos
vagantes
conhecidos
pela rotulação
genérica de
goliardos
tão
bem sabiam
retratar.
Texto
em
latim
Texto
em
médio-alto-alemão
Aestas non apparuit Ich gesach den sumer nie,
praeteritis temporibus, daz er sô schône dûhte mich.
quae sic
clara fuerit.
mit manigen bluomen wol getân
Ornantur
prata floribus,
diu heide hât gezieret sich.
aves nunc in
silva canunt sanges ist der walt sô vol,
et canendo dulce garriunt. diu zît diu tuot den kleinen vogelen wol.
Tradução
O
verão
não se
mostrou
Nunca
tinha
visto
um
verão
em
tempos
passados,
que
me
impressionasse
tão
belamente,
assim
ele está
claro.
com muitas
formosas
flores ornado
os
prados estão
ornados de
flores, está o
prado enfeitado.
e
agora as
aves cantas
nos
bosques
O
bosque está
repleto de
cantos,
e ao
cantar trilam
docemente.
Esta
época traz aos
passarinhos
encantos.[2]
Aqui,
através do
paralelismo
vocal das
cantigas,
sente-se a
pujança do
verão,
fonte de
vida
para os
bosques e
para os
trovadores
travestidos
em
pequenos
passarinhos.
Nota-se
claramente
quase
que uma
versão
linear do
motivo no
carmen
em
médio-alto-alemão, o
que demonstra
sua
redação
literária na
língua
germânica.
Não se pode
olvidar,
porém,
dentro das
Canções
de Beuren a
presença de
elementos da
nobreza
medieval representados
pela
figuras da
donzela e do
cavaleiro.
Mesmo
em se tratando
de
um
tema
recorrente na
poesia dos
Minnesänger –
trovadores
em
solo
germânico –
são
poucos os
exemplos de
canções
bilíngües,
nos
quais
coexistem
lado a
lado
um
poema
em
latim,
língua dos
textos
sagrados e da
cultura de
base
eclesiástica,
e
outro
em
alemão,
língua
popular.
Fundem-se,
cada
vez
mais, os
estratos
lingüísticos
no
campo da
poesia:
Texto
em
latim
Texto
em
médio-alto-alemão
Floret silva nobilis Floret silva undique,
floribus et foliis. nah minne gesellen ist mir wê.
Ubi est antiquus Gruonet der walt allenthalben,
meus amicus?
Ah! wâ ist min geselle alse lange? Ah!
Hinc equitavit! er ist geriten hinnen,
Eia, quis
me amabit?
Ah! o wî, wer soll mich minnen? Ah!
Tradução
A
nobre
floresta
floresce A
floresta
floresce
por
todos os
lados,
com
flores e
folhas.
dói-me a
ausência de
meu
amigo.
Onde está
meu
antigo
A
floresta
verdeja
por
todos os
lados,
amigo?
Ah!
Onde está
meu
amigo há
tempos? Ah!
Ele
cavalgou!
Ele cavalgou,
Ai!
Quem
me amará?
Ah! Ai!
Quem deverá
me
amar? Ah!
O
poema
em
alemão aparece
com o
primeiro
verso
em
latim, vertido
ipsis litteris
para o
idioma
germânico
dois
versos
depois. O
lamento da
dama,
saudosa da
partida do
cavaleiro
em
busca de
aventuras,
encerra-se
com o
topos
de
cunho
social da
lírica
palaciana de
então: o
dever de minne,
ou seja, o
vassálico
amor do
homem
diante de
sua
quase
que
inacessível
senhora!
Aqui confluem
a
natureza
idealizada da
tradição
greco-latina e
o
universo
feudal
medieval.
LATIM,
MÉDIO-ALTO-ALEMÃO,
PORTUGUÊS
MEDIEVAL
E A PÓS-MODERNIDADE – EXEMPLIFICAÇÕES
No
mosaico
lingüístico-cultural
que foi o
mundo
medieval, se tomarmos
como
ápice os
séculos XII e
XIII
devido a
razões de
ordem
sócio-histórica e político-econômica, verificaremos o
quanto o
léxico das
línguas
supra foi enriquecido
com
neologismos e
novas
matizes
semânticas.
Do
ponto de
vista da
Medievística, se pensarmos no vilanus
latino,
antes
mero
habitante de
uma villa,
propriedade de
abastados
patrícios,
deslocado
para o medievo, teremos o
vilão
como
um
senhor feudal,
normalmente
rigoroso
com
seus
servos. Do
mesmo
modo,
definitivamente
o rivalis à
época ciceroniana,
cujo
terreno
tinha muitas
vezes
como
divisor
um
rio, rivus,
transforma-se num
rival
daquele
que habita na
outra
margem daquele
rio, transcorridos
séculos.
No
plano
literário
medieval, o
coitado
de
amor padecia
pela
inacessibilidade
e
frieza da
dama e,
hoje
em
dia, a
coita
d’amor
anímica foi
geralmente
substituída
pelo
coito
simplesmente
físico.
Tomando
como
base o
germânico, o
latim
medieval e o
médio-alto-alemão[4],
dentre os
inúmeros
exemplos,
citamos
apenas
alguns:
Abbatissa – Äbtissin,
abadessa;
Aggravare – verschlimmern,
agravar;
Baccalarius – Baccalaureus,
bacharel;
Banca,Bank,
banca,
banco;
Burhmannus, Bürger,
habitante do
burgo;
Coppare, abschneiden,
capar;
Citrea – Zitrone,
limão;
Giga
(germânico),
Geige,
violino;
Hortalicium, Garten,
jardim;
Mortarium, Mörser,
morteiro;
Muta (germânico),
Maut,
alfândega,
pedágio;
Palus, Pfahl,
estaca;
Regalia,
Reichskleinodien,
regalias;
Salarium, Salzsteuer,
salário;
Suppa, Suppe,
sopa;
Tabardum, taphart (médio-alto-alemão),
tabardo;
Tripalium, Arbeit,
trabalho;
Unicornus, Einhorn,
unicórnio;
No
século XXI
assiste-se ao
domínio
incontestável
da
sociedade informatizada.
Neste
novo
campo do
saber
dominante
recorre-se às velhas
línguas
clássicas
para a
formação dos
neologismos. O
computator
agora é uma
máquina
com
teclado,
em
alemão Tastatur, de
tasten,
tocar,
premir,
onde se
deletam
palavras
não usadas.
Delenda Carthago
esse!
–
assim dizia
Catão há
séculos.
Como
visto, a
Antigüidade enriqueceu, formou o
léxico,
desenvolvido
pelas
gerações
medievais
até
chegar aos
dias
hodiernos.
PALAVRAS
FINAIS
Muito
mais
poderia
ser arrolado neste
nosso
roteiro de
viagem do
latim, do
alemão, de
considerações
sobre a
língua
portuguesa, começando na Roma
antiga,
passando
pela
Idade
Média e desembocando
em 2003. Se
nos ativermos
apenas à
Idade
Média, poderíamos
falar,
que a
maior
parte da
lírica
religiosa
em
regiões de
língua alemã
era
escrita
em
latim,
assim
como os
principais
tratados
culturais de
então.
Filosofava-se, discutia-se
sobre a
organização do
mundo de
acordo
com as
palavras de
Deus,
calculava-se a
quantidade de
material
necessário
par a
construção de
novas
igrejas,
cantava-se, tocavam-se
instrumentos,
enfim,
praticavam-se as
artes
liberais
quase
que
exclusivamente
no sermo latinus medievalis. O
léxico do
alemão enriquecia-se
assim de
termos
que, plasmados
com os
séculos,
“germanizaram-se”, constituindo-se
desde essa
origem
em
base de uma
futura
identidade
nacional,
somente alcançada
sete
séculos
depois. A
língua
portuguesa
também
vivenciou
tais
processos,
como citados
sucintamente
ao
longo deste
trabalho. Vivemos na
época dos
mass
media, os
meios de
comunicação
em
massa,
que,
porém
ainda
não dispensam
os
livros,
que,
mais
que
nunca fazem
com
que os
homens sejam
semper libres
que aprendem
com os
libros.
Enfim,
tentamos
demonstrar
que a
Medievística resgata uma
parte do
legado
lexical da
Idade
Média perdia, empoeirada
em
palavras
tão
presentes
em
nosso
cotidiano,
mas
que
somente
com a
ajuda da
Filologia
deixam
transparecer
um
mundo,
afastado,
porém
intrinsecamente ligado a
nós.
Verbum sapienti sat est
(Anônimo)
Hominis ... mens discendo alitur et
cogitando (Cícero)
BIBLIOGRAFIA
BACHMANN-MEDICK, Doris. (Hrsg.) Kultur als Text
– die antropologische Wende in der Literaturwissenschaft. Frankfurt am Main:
Fischer, 1996.
BRAGANÇA
JÚNIOR, Álvaro
Alfredo. A
literatura
em
língua
alemã das
origens
ao Sturm und Drang –
tendências e
contingências,
elementos
histórico-culturais e
textos.
Rio de
Janeiro:
Serviço de
Fotocópias da
Faculdade de
Letras da
UFRJ, 1999.
Inédito.
––––––.
Considerações
sobre as
canções de
taberna dos Carmina Burana.
In:
BASTOS, Maria
Luíza Kopschitz &
GUERRA,
Beatriz Gomes. (Org.) Traditio /
Reconstrução.
Juiz de
Fora: UFJF /
ICHL / DLET, 1997. p. 121-134.
BRANDT, Rüdiger. Grundkurs
germanistische Mediävistik / Literaturwissenschaft. München: W. Fink 2000.
BUNSE, Heinrich A.W.
Iniciação
à
filologia
germânica.
Porto
Alegre:
Universidade
Federal do
Rio
Grande do
Sul, 1983.
CÉSAR, Caio Júlio.
Comentários
sobre
a
guerra
gálica.
Tradução de
Francisco Sotero dos
Reis.
Rio de
Janeiro:
Tecnoprint, 1967.
CHALHOUB, Sidney &
PEREIRA,
Leonardo Affonso de M. (Org.) A
História
contada:
capítulos
de
história
social
da
literatura no
Brasil.
Rio de
Janeiro:
Nova
Fronteira,
1998.
CHARTIER, Roger.
História
cultural:
entre
práticas
e
representações.
Lisboa: DIFEL, 1987.
HABEL, Edwin & GRÖBEL, Friedrich.
Mittellateinisches
Glossar.
2. Aufl.. Paderborn; München; Wien; Zürich: Schöningh, 1989.
KOOGAN, Abrahão & HOUAISS, Antônio.
Enciclopédia
e
dicionário
ilustrado.
Rio de
Janeiro:
Delta, 1997.
SARAIVA, F.R.
dos
Santos.
Novissimo diccionario latino-portuguez etymologico, prosodico, historico,
geographico, biographico, etc. 7ª ed.. Paris: Typographia Garnier
Irmãos, 1910.
TÁCITO, Caio
Cornélio. A
Germânia.
Tradução de
Adolfo
Casais
Monteiro. 2ª ed. Lisboa:
Inquérito, [s
/ d.].
-
Para
conferir
um
estudo
sobre as
canções de
taberna
em
médio-alto-alemão
nos
Carmina Burana veja-se BRAGANÇA
JÚNIOR,
Álvaro Alfredo.
Considerações
sobre
as
canções
de
taberna dos
Carmina Burana. In:
BASTOS,
Maria Luíza Kopschitz &
GUERRA,
Beatriz Gomes.(Org.) Traditio /
Reconstrução.
Juiz de
Fora: UFJF
/ ICHL / DLET, 1997. pp.121-134.