A caracterização
do Discurso de Divulgação Científica
nos estudos discursivos

Angela Corrêa Ferreira Baalbaki (UFF)

 

Palavras iniciais

O presente estudo tem como propósito realizar uma breve inserção teórica sobre o tema Discurso de Divulgação Científica em trabalhos no campo dos estudos da linguagem. Por se tratar de um campo extenso, no qual as inúmeras teorias ora se complementam ora se confrontam, pode-se perceber a não constituição de um corpo uniforme. Pesquisas de diferentes orientações teóricas dedicam-se ao estudo do Discurso de Divulgação Científica (desde já abreviado DDC). De fato, com pressupostos diferenciados e formulações teóricas distintas, encontram-se diferentes concepções de DDC. O nosso objetivo específico é, portanto, evidenciar como essas diferentes caracterizações dialogam, caso isso ocorra, em uma área específica, a saber a Análise de Discurso de linha francesa (AD).

De forma a definir esse gênero discursivo, tomamos emprestado uma definição de Mortureux: trata-se da “re-enunciação de discursos-origem, elaborados por e para ‘especialistas’, em discurso destinados ao grande público” (apud Kreinz, 1999:15).Esta re-enunciação teria a função de condensar termos científicos específicos que se apresentam como obstáculos ao entendimento global do discurso-fonte. Em linhas gerais, podemos considerar que o discurso de divulgação busca propiciar ao leitor o contato com o universo científico, caracterizado por apresentar um discurso hermético, por meio de uma linguagem que lhe seja mais simples, familiar.

 

O discurso de divulgação científica
como uma atividade de reformulação

A divulgação científica, considerada como um processo de difusão de pesquisas e teorias em âmbito geral, pode ser caracterizada pela re-enunciação de um discurso-fonte (D1) elaborado por “especialistas” e destinado a seus pares em um discurso segundo (D2) reformulado por um divulgador e destinado ao “grande público”[1]. Nesta perspectiva, destacamos como principal eixo teórico, o trabalho de Authier-Revuz sobre divulgação científica.

Em linhas gerais, os estudos de Authier-Revuz (1990) fundamentam-se na noção bakthiniana de dialogismo, em uma abordagem que postula o discurso como produto de interdiscurso. Nesse sentido, Authier-Revuz realiza um trabalho consagrado ao estudo do discurso de divulgação sob a ótica da heterogeneidade mostrada.

Authier-Revuz aponta que a principal função destinada à divulgação é o estabelecimento da comunicação ciência-público, ou seja, é colocar de forma acessível ao público os novos conhecimentos resultantes das pesquisas científicas. A autora destaca que a divulgação está inserida em um conjunto mais amplo que compreende outros tipos de reformulação, como a tradução, o resumo, a resenha, os textos pedagógicos, etc. Contudo, o que a distingue das demais práticas de reformulação é a “(auto) representação do dialogismo, ou seja, ao mesmo tempo em que se faz a divulgação científica, mostra-se esse fazer.” (Zamboni, 1997:114)

Como a “língua” dos cientistas acaba por se tornar uma “língua estrangeira” para o grande público, há, no discurso de divulgação (DDC), uma prática de reformulação de um discurso-fonte (D1) por um discurso segundo (D2) _ em função de um leitor, “receptor” diferente daquele a quem se endereçava o discurso científico. Vale destacar que, no discurso de divulgação, o co-enunciador é um dos elementos que mais marca as condições de produção do DDC.

O discurso de divulgação científica é considerado um lugar privilegiado de reformulação explícita do discurso. Explícita porque mostra sistematicamente toda a maquinaria da reformulação; diferentemente, por exemplo, da atividade de tradução.

Segundo a autora, os DDC distinguem-se dos demais “gêneros” de reformulação exatamente pelo quadro da estrutura enunciativa _ o D1 não é apenas fonte, mas, sobretudo, o objeto mencionado de D2. Em tais discursos, funciona uma dupla estrutura enunciativa, na qual duas situações, dois cenários enunciativos ficam interligados: por um lado, os interlocutores (cientistas e seus pares) e o quadro enunciativo de D1 e, por outro, os interlocutores (divulgador e público em geral) e o quadro enunciativo de D2.

Há, desta forma, uma remissão explícita a um discurso primeiro, assim como no quadro global do discurso relatado, com menção da enunciação de D1 em D2.

A dupla estrutura enunciativa, constitutiva de toda reformulação sob forma do discurso relatado, reveste-se aqui, nos dois níveis, D1 e D2, de um caráter fortemente explícito. Lá onde o discurso científico dado pela fonte da DC produz uma dupla realização: D2 mostra a enunciação do D1 que ele pretende relatar, ao mesmo tempo em que se mostra em uma atividade de relato”. (Authier-Revuz,1998: 114)

No nível do fio do discurso, o DDC representa uma ação de colocar em contato dois discursos, uma vez que esse tipo de discurso é constituído pelo discurso científico e pelo discurso cotidiano, no próprio desenrolar da atividade por meio de um fio heterogêneo. É um trabalho pelo e no discurso. Por estes dois discursos estarem sistematicamente em contato em um trabalho de reformulação, várias operações possibilitam a passagem de um discurso a outro, sendo as principais a justaposição de dois discursos por recurso de colocação em equivalência[2] (equivalência metalingüística) e o emprego de signos de “distância metalíngüística marcada sobre o outro.

Os textos de divulgação científica são marcados pela intensa passagem de um texto a outro. É este contínuo retorno da relação interior/exterior que marca a alteridade do DDC – ora a palavra científica é designada como um corpo estrangeiro em relação à “língua” do receptor, ora o contrário, as palavras familiares suscitam um distanciamento da “língua científica”. Desta forma, a maquinaria visível das operações no fio do discurso é interpretada por Authier-Revuz como manifestações da heterogeneidade mostrada.


 

O discurso de divulgação científica
como um jogo de interpretações

A presente seção tem como propósito apresentar a caraterização do DDC tal como foi conceituado por Orlandi (2001, 2005) e por Grigoletto (2005). A proposta desenvolvida por Orlandi salienta o deslocamento do DDC do aspecto da reformulação para a questão do efeito-leitor.

Diferentemente de Authier-Revuz (1998), Orlandi considera o DDC como um “jogo complexo de interpretação”[3] ; não se tratando, para a autora, de tradução, uma vez que a divulgação relaciona diferentes formas de discurso na mesma língua. São, portanto, “discursividades diferentes”. Desta forma, o jornalista/divulgador não traduz o discurso científico para o jornalístico, ele trabalha no entremeio desses dois discursos. Conforme nos diz Orlandi, “o jornalista lê em um discurso e diz em outro” (2001:23). Entende-se que ocorre um duplo movimento de interpretação neste jogo interpretativo complexo.

Vai haver uma interpretação de uma ordem de discurso que se deve produzir um lugar de interpretação em outra ordem de discurso. Isso vai constituir efeitos de sentidos que são próprios ao que se denomina de divulgação científica. Produz-se aí uma versão. A divulgação científica é uma versão da ciência. (Orlandi, 2005: 134).

A forma específica de autoria produzida pelo DDC, entendido como uma versão (textualização jornalística do discurso científico), imputa novos gestos de interpretação, os quais constituem um determinado efeito-leitor. O efeito leitor do DDC constitui-se de um fato discursivo particular, o de produzir um deslocamento: passa-se da metalinguagem para a terminologia científica (Orlandi, 2001).

O processo discursivo, do ponto de vista da significação, apresenta três momentos inseparáveis: o da constituição, o da formulação e o da circulação. Por conseguinte, no DDC, os três concorrem na produção de sentidos. Os dois discursos, o científico e o jornalístico, do ponto de vista da constituição, são diferentes e, do ponto de vista da formulação, são postos em relação. A relação entre a constituição e formulação, o jornalista/divulgador realiza uma prática complexa, pois toma um discurso constituído em uma ordem e o formula em outra, mantendo, contudo, efeitos de cientificidade. Ou melhor, a ciência, em seu lugar próprio, é produzida como conhecimento, quando se trata do DDC, a ciência desloca-se para a informação. Tal deslocamento indica que ocorre a produção de informação e não de conhecimento. Informa-se o que a ciência faz, mas não se faz ciência. “Não é o discurso ‘da’, é o discurso ‘sobre’ (Orlandi, 2001: 27)

Neste deslocamento, não há um “transporte”[4]de sentidos de um discurso há outro, como também não há soma de sentidos, tampouco substituição. Trata-se de transferência de sentidos: o que significava na ordem do discurso da ciência, desliza para produzir outros efeitos de sentido na ordem do DDC (sem que haja equivalência entre eles). Há um deslizamento, o qual vai produzir outros efeitos de sentido, efeitos metafóricos são produzidos.

O jornalista apropria-se da metalinguagem do discurso e desloca-a para o espaço discursivo do DDC, (re)formulando o dizer da ciência (metalinguagem da ciência), através de uma terminologia própria, de forma que o torne acessível ao leitor. Logo, o deslocamento se dá em virtude do efeito-leitor. O DDC pode ser considerado – pelo ponto de vista da circulação – como uma versão do texto científico, no qual a metalinguagem cede lugar para a terminologia (termos seguidos da explicação do tipo “isso significa x”).

O que seria numa formulação científica, pela sua metalinguagem específica, significado na direção da produção da ciência é deslocado para uma terminologia que permite que a ciência circule, que se entre assim em um “processo de transmissão”(Orlandi, 2001: 27)

Orlandi, ao retomar a noção de encenação tratada por Maingueneau (1987), afirma que a relação intrínseca com o discurso científico é encenada no DDC. Mas como se dá tal encenação? O DDC, por meio da textualização jornalística, organiza os sentidos de modo a manter um efeito de ciência. Este efeito é produzido na colocação em contato de termos do senso-comum e da ciência. Os vários processos (descrições, sinônimos, equivalências, etc.) deixam de forma visível, no fio do discurso, o processo de re-tomada do discurso científico, parte da encenação que dá credibilidade ao DC. A leitura de textos de DDC é marcada por menções ( do tipo “segundo x”), as quais encenam a fala do cientista para o leitor do DDC. Fala-se do lugar do outro. Encena-se, desta forma, a ausência de buracos como se o leitor estivesse em relação direta com a voz da ciência, na posição daquele que ouve o próprio cientista, com não houvesse relações mediando esse processo, ou seja, “se há no real dessa discursividade uma distância irrecorrigível, há também um mecanismo pelo qual o sujeito leitor é levado a ‘sentir’ que essa distância foi suturada, pela encenação ”(Orlandi, 2001: 26).

A proposta de Orlandi, como foi dito no início da seção é o deslocamento do aspecto da reformulação, que tem por objetivo tornar acessível ao público os resultados de pesquisas científicas, para a questão do efeito-leitor. Qual seria a razão deste deslocamento? Devemos lembrar que o leitor da ciência exerce uma importante função nesta prática discursiva, já que garante o efeito da exterioridade da ciência. A ciência não está só lá onde é produzida, ela circula pelo social.

O segundo trabalho a que nos referimos é o de Grigoletto (2005). Uma importante constatação teórica do trabalho da referida autora é a caracterização atribuída ao DDC, entendido como um “espaço discursivo intervalar”, no qual se entrecruzam diferentes sujeitos, diferentes ordens de saberes, diferentes vozes são mobilizadas.

Para entendermos essa caracterização do DDC, devemos trilhar o mesmo caminho travado por Grigoletto. A autora interroga-se sobre a caracterização do DDC, partindo de noções já desenvolvidas na área: seria este um discurso de reformulação do discurso científico ou um discurso novo? E conclui que se trata de um discurso que não está na ordem da ruptura, nem somente na ordem da (re)formulação. Ele está na ordem do deslocamento, visto que se mantém o efeito de ressonância do discurso da ciência.

Fala-se em deslocamento pois, o conhecimento que chega ao grande público está destituído das condições históricas e ideológicas do processo de produção do conhecimento científico. O DDC, em sua constituição, opera um trabalho de deslocamento, (re)formulando ou repetindo o dizer da ordem da ciência, sem que haja, no entanto, ruptura com o saber que é próprio da ciência. Ele funciona como um mediador do discurso científico e do cotidiano.

Contudo, a constituição do DDC na ordem do deslocamento põe em relação a estes dois (discurso científico e discurso cotidiano) um terceiro: o discurso da mídia. Deve-se lembrar que a mídia opera sentidos e atua na constituição dos discursos por ela veiculados. De acordo com Grigoletto, “é a mídia, em última instância, quem determina o que da ciência deve ser divulgado ao grande público, ou seja, o que é relevante para se transformar em notícia e vender”(2005: 258).

Este lugar, que tem suas fronteiras delineadas no entremeio da ciência, mídia e leitor, integra um espaço discursivo próprio, um espaço intervalar[5]. Com fronteira porosa, instável, o DC constitui-se numa zona de tensão entre a voz da ciência e do senso comum. Tal fronteira abriga intervalos que permitem o trabalho da alteridade.

Diferentemente do que diz Authier-Revuz (1998), Grigoletto não considera a atividade do DC como um trabalho de tradução[6], de colocação de termos em equivalência no fio do discurso, pois

Não se trata de tradução porque não se trabalha, necessariamente com duas línguas diferentes. Prefiro falar em (re)atualização do discurso da ciência. Assim, ao comentar o discurso científico, o jornalista (re)atualiza-o em outra ordem, a do senso comum, através de um gesto de interpretação. (Grigoletto, 2005: 39 – grifo da autora)

A autora afirma que o trabalho do jornalista científico é o resultado de um gesto de interpretação[7] do discurso da ciência e não apenas de tradução de um código e/ou de termos especializados. Ao produzir o discurso de divulgação científica, o jornalista desloca os saberes da ordem da ciência, como também recorta elementos da ordem do senso comum. O jornalista inscreve seu dizer no intervalo que há entre a ordem da ciência, da mídia e do leitor. Ao interpretar diferentes vozes no DDC, ao produzir um comentário, o jornalista representa mais uma voz nesse discurso, ele posiciona-se como mais uma voz que ressoa no DDC, e ao fazê-lo “produz um gesto de interpretação da ciência” (Grigoletto, 2005: 39).

Embora Grigoletto tenha se aproximado em diversos pontos de Orlandi – como, por exemplo, o deslocamento do DC das práticas de reformulação – também se afastou em outros. Orlandi (2001), como já foi comentado anteriormente, afirma que a divulgação científica é uma relação estabelecida entre duas formas de discurso – o científico e o jornalístico – em uma mesma língua. Grigoletto inclui uma terceira forma, o discurso do cotidiano, que representa o senso-comum e, portanto, o leitor. A autora não pressupõe que o jornalista leia o discurso científico e (re)diga no discurso jornalístico, pois considera que o jornalista muitas das vezes “lê” uma reformulação do discurso científico produzida pelo próprio cientista, a qual já pode apresentar marcas de vulgarização.

Um outro tema de afastamento entre as duas autoras refere-se à transferência. Grigoletto não concorda que se trata de “transferência de produção de um efeito metafórico e sim de um efeito de ressonância de significação, produzido por uma relação parafrástica” (Grigoletto, 2005: 53). A autora justifica seu ponto de vista atribuindo à transferência a idéia de transmissão de informação[8].

Após encontros e desencontros com autores, Grigoletto define o discurso de divulgação científica como “uma forma de relação parafrástica, inscrita num espaço discursivo intervalar, que opera com deslocamentos, sob a forma de comentário, tanto no nível da repetição quanto no nível da (re)formulação. Assim, o discurso da ciência vai ressoar sempre, seja via intradiscurso ou interdiscurso” (2005: 54).

 

As heterogeneidades

Ao longo da breve apresentação, identificamos duas diferentes acepções para o discurso de divulgação científica. A primeira relaciona o DDC ao quadro das reformulações e a segunda o identifica como um “jogo de interpretações”. Tentando justificar as duas posições, trazemos a hipótese levantada por Martins (2005). Para a autora, a peculiaridade deste discurso seria sua qualidade heterogênea e, em conseqüência, a interpretação dada a esta qualidade marcaria a distinção entre as duas perspectivas.

Como foi apresentado, Authier-Revuz analisa o DDC no quadro da heterogeneidade enunciativa, uma vez que, para ela, esse discurso é o lugar privilegiado de um dialogismo mostrado, ou seja, é “a representação que um discurso dá, em si mesmo, de sua relação com o outro, do lugar que lhe dá explicitamente, designado na cadeia, por meio de marcas lingüísticas, pontos de heterogeneidade” (Authier-Revuz, 1999: 11). Segundo Martins (2005), a análise de Authier propõe que o discurso de divulgação científica seja entendido como “uma prática de reformulação, em que a heterogeneidade explícita lingüísticamente é o resultado de uma negociação do sujeito enunciador com a heterogeneidade constitutiva, na forma de denegação” (idem, p.20).

Já Orlandi e Grigoletto, analisariam – seguindo a proposta de Martins (2005) – o DDC no quadro da heterogeneidade discursiva. Devemos ressaltar que a hipótese de Martins fundamenta-se na proposta de Gallo (2001). Para a referida autora, a análise da heterogeneidade em um nível discursivo não envolve, necessariamente, uma negociação com a heterogeneidade constitutiva, pois, em seu entender, “a heterogeneidade no nível discursivo é permanente, sem ser denegada pelo sujeito. Ao contrário, o sujeito conta com ela para fazer sentido. Ou seja, o sentido se faz nela” (idem: 65).

Nesta perspectiva, a heterogeneidade discursiva constitui-se priorizando as posições de sujeito em Formações Discursivas[9]. O efeito de sentido é produzido por uma nova posição do sujeito, que surge no confronto entre diferentes ordens do discurso (no caso específico do DDC, o confronte ocorre entre o discurso da ciência e o discurso dos não cientistas). Nos dizeres de Martins (2005: 22),

A aceitação da heterogeneidade no DDC por parte do sujeito divulgador, que identifica o seu dizer com os dizeres do “outro cientista” e do “outro não cientista”, é entendida aqui a partir do confronto de formações discursivas (FD): a FD caracterizada pelo discurso da ciência e a FD caracterizada pelo discurso dos não cientistas, cujo resultado do confronto é uma nova posição de sujeito de um “discurso científico para uma comunidade de não cientistas”[...].

Em suma, para Martins, o sujeito divulgador, que se constitui pelo confronto das duas FDs, identifica seu dizer nos limites do dizer desses outros.

 

Algumas considerações

Chegamos ao ponto que, tradicionalmente, chama-se de conclusão. Não nos sentimos à vontade de falar, no momento, de considerações finais, sequer de conclusão, visto que, ao longo do trabalho, suscitaram mais questionamentos do que elaborações definitivas.

Observamos as várias vozes que atravessavam as diferentes caracterizações, os diálogos travados entre os autores. Diálogos que ora identificavam ora rejeitavam os dizeres. Na perspectiva da AD, na qual o discurso é concebido como produzido no e pelo interdiscurso, todo discurso é feito, inevitavelmente, no meio do já-dito de outros discursos. Evidenciamos que o discurso que “fala sobre” o DDC, também é constituído por uma dispersão de sujeitos e sentidos. Já vimos que, quando se fala de discurso de Divulgação Científica, não se fala da mesma posição ou de um mesmo sentido.

A primeira caracterização foi norteada pelo ensejo do reconhecimento de reformulações aparentes por meio de instrumentos operacionais enunciativos. A segunda, sob orientação da perspectiva discursiva, os processos operacionais não recebem, via de regra, a mesma relevância. Não mais voltados para o quadro de reformulações, mas para o “jogo interpretativo” no entremeio dos discursos, os estudos de Orlandi e Grigoletto (resguardadas as devidas ressalvas) mobilizaram noções como autoria, efeito-leitor, posição-sujeito, formação discursiva, dentre outros. Observou-se que a distinção entre as duas caracterizações fundamenta-se na análise da heterogeneidade em nível enunciativo, por uma lado, e em nível discursivo, por outro.

Após passar por meandros teóricos, chegamos a uma conclusão: no discurso que “fala sobre” o discurso de Divulgação Científica, ainda há muito o que se divulgar.

 

Referências Bibliográficas

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––––––. A encenação da comunicação no discurso de divulgação científica. In: –––. Palavras incertas: as não-coincidências do dizer. Campinas: Unicamp, 1998.

––––––. Dialogismo e divulgação científica In: RUA n° 5. Revista do NUDECRI. Unicamp. Campinas, 1999.

GALLO, S. L. Autoria: questão enunciativa ou discursiva. In: Linguagem em (dis)curso, v.1,n.2, p.51-60, jan/jun, 2001.

GRIGOLETTO, E. O discurso de divulgação científica: um espaço discursivo intervalar. 2005. 267 f. Tese (Doutorado em Letras) Instituto de Letras, UFRGS, Rio Grande do Sul.

HORTA, J. Discurso de divulgação: descoberta entre a ciência e a não-Ciência. In: GUIMARÃES, E. (org.) Produção e circulação do conhecimento. v.1. Campinas: Pontes, 2001.

––––––. A divulgação científica no jornal: ciência e cotidiano. In. GUIMARÃES, E. (org) Produção e circulação do conhecimento. v. 2. Campinas: Pontes, 2003.

KREINZ, G. Divulgação, linguagem e ideologia. In: KREINZ, G. e PAVAN, C.(orgs.) Idealistas isolados: ensaios sobre divulgação científica. São Paulo: NJR/ECA/USP, 1999, 13-46.

MARTINS, M. F. Divulgação científica e a heterogeneidade discursiva. In: II Seminário de Estudos em Análise do Discurso. Rio Grande do Sul. UFRGS, 2005. 1 CD-ROM.

ORLANDI, E. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 2ª ed. Campinas: Pontes, 2000.

––––––. Divulgação científica e efeito-leitor: uma política social urbana. In: GUIMARÃES, E. (org.) v.1. Campinas: Pontes, 2001. Produção e circulação do conhecimento.

––––––. Linguagem, Ciência, Sociedade: o Jornalismo Científico. In: –––. Cidade dos Sentidos. Campinas: Pontes, 2004.

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ZAMBONI, L. Heterogeneidade e subjetividade no discurso de divulgação científica. 1997, 200f. Tese (Doutorado em Lingüística)- Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, Campinas.


 


 

[1] Conforme assinalado por Martins (2005), em nota de rodapé, preferimos denominar os leitores de divulgação científica como não-cientistas. Esta perspectiva também pode ser observada em Nunes (2001, 2003)

[2] Os mecanismos mais empregados são a incisa e o aposto.

[3] Ao jogo complexo de interpretação, Orlandi inclui o efeito-leitor.

[4] O “transporte” de um sentido de um discurso para outro resulta em perda, caricatura. (cf Orlandi, 2001).

[5] Cabe lembrar que o espaço intervalar não é homogêneo, tampouco livre de contradições.

[6] Para Grigoletto, a variedade lingüística[6] em que o discurso foi produzido não é relevante para os efeitos de sentido que ele produz. São as condições sócio-históricas e ideológicas que apontarão caminhos para interpretar os efeitos de sentido produzidos.

[7] Neste aspecto, a autora se aproxima de Orlandi, 2001.

[8] Acreditamos que a autora não se deteve na contraposição feita por Orlandi (2001) entre transferência e transporte.

[9] Formação Discursiva (FD) é entendida como “o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada numa conjuntura” (Pêcheux apud Grigoletto, 2005).