O DISCURSO DA INCLUSÃO

Elisa Mabel Vieira da Silva (UNITAU)

 

INTRODUÇÃO

Há algumas questões que inquietam os indivíduos em função de uma série de valores, dúvidas, problematizações que esses vivenciam e que os direcionam para busca constante de respostas.

Uma dessas questões que, neste momento, vem chamando a atenção de muitos é a questão da “inclusão”.

Estamos na era “includente”, incluir é a palavra de ordem na educação, na mídia, no mercado de trabalho, na sociedade de uma forma geral, o que deixa claro que todos admitem, sem que percebam, um grupo de pessoas a margem da sociedade, um grupo “diferente”, os “excluídos”, como se os primeiros fizessem parte de um outro bloco, daqueles “aceitos”, todos “inclusos”, “iguais”, “normais”.

Essa nova ordem do discurso suscita a investigação do discurso de alguns professores da rede pública de ensino, com o objetivo de analisar por que ora o discurso apresenta a inclusão como direito de todos os “portadores de necessidades especiais”, ora identifica-se tal discurso revestido por uma justificativa que tem como sustentação argumentativa a falta de preparo por parte de tais professores para trabalharem com esses alunos, até então, “excluídos”.

O estudo será desenvolvido à luz das teorias da Análise do Discurso de linha Francesa.

 

ANÁLISE DO DISCURSO

Histórico

No século XX, nos anos 60, tendo o discurso como seu principal objeto de pesquisa e opondo-se às análises conteudistas, surge a Análise do Discurso na França (doravante ADF). A ADF tinha por objetivo analisar um texto, buscando sua forma mais densa. Para ela, de acordo com Brandão (1998), era fundamental considerar o modo de funcionamento lingüístico-textual dos discursos além das diversas modalidades do exercício da língua num determinado contexto histórico-social de produção. Contudo, foram os estudos de Pêcheux que forneceram uma base teórico-metodológica para o desenvolvimento da ADF.

Sob a égide do estruturalismo, a conjuntura intelectual francesa propiciou uma articulação entre a lingüística, o marxismo e a psicanálise. A ADF era uma preocupação não só de lingüistas como de historiadores e de alguns psicólogos e, como tal, teve uma base interdisciplinar. Por ser a ADF o elemento que aliou o lingüístico ao sócio-histórico, faz-se mister destacar dois conceitos nucleares: o de ideologia e de discurso que serão tratados posteriormente.

Três fases da ADF foram elaboradas por Pêcheux em seu percurso de constituição.

No primeiro momento, explorou-se a noção de maquinaria discursiva estrutural. O processo de produção do discurso fora concebido como “uma máquina autodeterminante e fechada sobre si mesma, de tal modo que um sujeito-estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos” (Pêcheux,1997:311). Nesse momento encontra-se o sujeito assujeitado, suporte para a produção do discurso embora ele se veja produtor do seu discurso. Nessa fase, Pêcheux apresenta uma releitura de Saussure e coloca a langue como o objeto dos estudos lingüísticos, pensando em sua sistematicidade e em seu caráter social. Ele exclui a fala e afirma que há uma oposição entre língua e fala. A primeira é sistêmica e objetiva e a segunda concreta e variável, portanto subjetiva. Por pensar na língua como um sistema, Pêcheux acreditava poder descrevê-la; em suas próprias palavras, a língua “deixa de ser compreendida como tendo a função de exprimir sentido; ela se torna um objeto do qual uma ciência pode descrever o funcionamento” (Pêcheux, 1997: 62).

Há, nesse momento, um cruzamento da releitura de Saussure por Pêcheux com Marx, relido por Althusser, e Freud relido por Lacan.

Na segunda fase iniciou-se um estudo focado na heterogeneidade, pois Pêcheux (1983) considerou o princípio adotado na “análise automática” algo repetido e invariável. Incorporou-se, nesse momento, conceitos de formação discursiva e interdiscurso. A noção do conceito de formação discursiva (doravante FD), desestrutura o conceito de máquina estrutural fechada, visto que a FD, segundo Pêcheux, está sempre sendo “invadida”, por elementos que vêm de outro lugar, logo, não pode ser considerada um espaço estrutural fechado.

   Nesse quadro, Pêcheux refina a análise das relações entre língua, discurso, ideologia e sujeito e formula a teoria dos “dois esquecimentos”. No esquecimento um, o sujeito enuncia sob a ilusão de que é dono de seu discurso, criador absoluto dele, apaga tudo que remete ao exterior de sua formação discursiva. Já no esquecimento dois, o sujeito enuncia sob a ilusão de que o que formula tem apenas um sentido e de que tudo que for dito por ele será captado por seu interlocutor. Essa teoria dos dois esquecimentos, postulada por Pêcheux (1975/1988) será retomada, posteriormente, em um tópico que tratará exclusivamente desse tema.

Na terceira fase, período de 1980 a 1983, Pêcheux aproxima-se das teses foucaultianas. Ele se aproxima de historiadores tais como Guilhaumau, Maldidier e Courtine e faz uma síntese que circunda as propostas da ADF e as teses de Foucault.

Nesse período, Pêcheux (1983) faz uma reflexão sobre o discurso como estrutura ou acontecimento. O fato é discutido de várias formas: a primeira diz respeito em tomar um enunciado e trabalhar a partir dele; a segunda, trataria de uma questão filosófica e a terceira, seria seguir a tradição francesa da ADF. O autor opta por trabalhar entrecruzando o acontecimento, a estrutura e a análise como interpretação.

 

Ideologia a partir de Altusser

Para a ADF o conceito de ideologia a partir de Althusser em sua obra Ideologia e os aparelhos ideológicos do estado (1970) é de relevância central. O autor trabalha com a teoria na qual apresenta a estrutura e o funcionamento da ideologia a partir de duas teses, uma negativa e outra positiva.

A primeira aborda a representação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência. Ele afirma que o que é refletido na representação do imaginária do mundo, o que se encontra na ideologia são as condições de existência dos homens, de seu mundo real.

...não são as suas condições reais de existência, seu mundo real que os ‘homens’ ‘se representam’ na ideologia, o que é nelas representado é, antes de mais nada, a sua relação com as condições reais de existência (Althusser, 1992:.87)

Na segunda tese, o autor defende a idéia de que a ideologia tem uma existência material, afinal, parte do pressuposto de que uma ideologia sempre se faz presente ou existe em um dos aparelhos ideológicos do Estado (Igreja, Família, Direito, Escola) e em suas práticas. Esta existência é material, existência esta, segundo o autor, manifesta de diversas formas “todas enraizadas em última instância na matéria ‘física’”. (Althusser, 1918/1992). Com isso, há o reconhecimento de que as idéias de um sujeito se dão em função de seus atos. Chega-se, então, à conclusão de ser a existência da ideologia algo material, pois ela se dá ou é materializada nos atos concretos.

Além dessas duas teses, Althusser (1992: 93), postula que “a ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos”. Para ele, a ideologia age de modo a recrutar sujeitos dentre os indivíduos ou a transformar indivíduos em sujeitos.

 

Discurso

Foucault (1969) entende discurso como uma dispersão. Para o autor, à AD cabe descrever essa dispersão por meio de regras que tenham a condição de determinar a formação dos discursos.

Tais “regras de formação”, assim denominadas por Foucault, são apresentadas sempre como um sistema de relações entre os objetos, tipos enunciativos, conceitos e estratégias. Elas caracterizam a “formação discursiva” em sua forma singular e também oportunizam a transição da passagem da dispersão para a regularidade. Essa regularidade é alcançada por meio da análise dos enunciados que compõem a formação discursiva.

Para Foulcault (1969: 49) “um discurso é um conjunto de enunciados que tem seus princípios de regularidade em uma mesma formação discursiva”. O autor confronta enunciado com frase e proposição, de modo a conceber o enunciado como sendo a unidade elementar, básica formadora do discurso. Assim, o discurso seria como um conjunto de enunciados pertencentes a uma mesma formação discursiva.

Apesar de Foucault não enfocar o discurso enquanto problema lingüístico e deixar essa tarefa para os lingüistas, suas idéias foram de muita relevância para a AD.

Manguenau (1976) define discurso como resultado da articulação de uma pluralidade mais ou menos grande de estruturação transfrástica em função das condições de produção. Para o autor, a relação entre língua e fala cede lugar a uma outra relação que é a relação entre língua e discurso, e esse lugar é ocupado pelo modo de existência histórico-social da linguagem.

Pêcheux (1990: 82) adota o termo “discurso” esclarecendo se tratar de efeitos de sentido e não necessariamente de “transmissão” como no esquema “informacional” (derivado de teorias da comunicação: “emissor-mensagem-receptor”) e que fora desenvolvido por Jakobson (1963). A partir daí Pêcheux (1990: 82) diz que A e B não podem ser simplesmente organismos em contato, mas “lugares determinados na estrutura de uma formação social”.

 

Formação discursiva e formação ideológica

Outro ponto também estudado pela AD diz respeito à formação ideológica e discursiva do sujeito.

Com base em Haroche et alii (1971:102) define-se, então, formação ideológica (doravante FI) como algo que:

Constitui um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem “individuais” nem “universais” mas se relacionam mais ou menos diretamente a posição de classe em conflito umas em relação às outras.

Já a formação discursiva (doravante FD) tem relação com a FI, pois “discurso é uma espécie pertencente ao gênero ideológico ... Os discursos são governados por formações ideológicas” ( Brandão, 2001: 38).

Na concepção de Pêcheux (1969/1993), o que pode ou deve ser dito é determinado pelas formações discursivas inseridas em uma formação ideológica numa conjuntura em que se deve levar em conta uma relação de classes.

“Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulando sob forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.)” (Pêcheux, 1995: 160)

A partir de leitura de Pêcheux, Foucault conceitua FD:

A formação discursiva é um conjunto de regras anônimas, históricas, determinadas no tempo e no espaço, que definem em uma época e para uma área social, econômica, geográfica ou lingüística dada as condições de exercício de função enunciativa. (Foucault,1969: 186.)

Esse conceito constitui um elemento de base para a AD por permitir ao analista do discurso a visão de vários elementos no funcionamento do discurso.

 

Sujeito

A AD concebe a perspectiva de um sujeito histórico; afinal, o sujeito fala de um determinado local e tempo.

À noção de sujeito histórico une-se uma outra muito importante a de “sujeito ideológico”. Esse sujeito representa em sua fala um tempo histórico e um espaço social.

“A linguagem não é mais evidência, transparência de sentido produzida por um sujeito uno, homogêneo, todo-poderoso. Ë um sujeito que divide o espaço discursivo com o outro.” (Brandão, 1991: 50)

A psicanálise entende o sujeito como um efeito de linguagem e busca suas formas de constituição, não numa “fala homogênea” e sim na diversidade deu uma “fala heterogênea que é conseqüência de um sujeito dividido”

O sujeito não é uma entidade homogênea, exterior à língua, que lhe serviria para “traduzir” em palavras um sentido do qual seria fonte consciente (Authier-Revuz 1982: 136 )

É importante destacar que linguagem heterogênea se refere, basicamente, ao fato de outras vozes marcarem as palavras, assim como é apresentado por Bakhtin (1979) em seu trabalho sobre polifonia em que explica que as vozes dos “outros-autores” anteriores, misturam-se à voz do sujeito explícito da enunciação.

Na AD, porém, há uma relação entre heterogeneidade com interdiscurso “exterior constitutivo que dá condições para a construção de qualquer discurso, num processo de reelaboração ininterrupta que comporta toda historicidade inscrita tanto na linguagem quanto nos processos discursivos.” (Saldivar, 2004: 2)

 

Os esquecimentos a partir de Pêcheux

Como já explanado, brevemente, em tópico anterior, segundo Pêcheux (1975/1988), o sujeito enuncia sob dois tipos de esquecimentos podem ser mencionados. O primeiro trata-se do esquecimento número um e o segundo esquecimento é denominado esquecimento número dois. O esquecimento número dois, para o autor, é da ordem enunciativa. Tal esquecimento produz nos indivíduos a impressão da realidade de pensamento de modo a entenderem que o que é dito só pode ser dito com aquelas palavras e daquela forma. Acredita-se em uma relação entre linguagem, pensamento e mundo. O esquecimento número dois é do tipo “pré-conscinete” ou “consciente”, pois o sujeito retoma o discurso de modo a explicitar a si mesmo o que foi dito. Aqui o sujeito tem a ilusão de que o discurso reflete o conhecimento objetivo que tem da realidade.

Para Pêcheux (1975/1988), o esquecimento número um recebe também a nomenclatura de esquecimento ideológico” e caracteriza-se pelo fato de o sujeito do discurso ter a ilusão de ser a origem do que diz quando na verdade, o que ocorre é a retomada de sentidos preexistentes.

 

Contradição

Neste trabalho, dar-se-á ênfase na contradição discutida a partir da perspectiva desconstrutiva.

Para (Foucault, op. cit.: 172-173) a contradição constitui “a fusão de uma unidade que se oculta ou que é ocultada” e ela deve, segundo as perspectivas tradicionais, ser eliminada de modo que restem apenas “contradições residuais- acidentes, faltas, falhas”.

Ainda sobre contradição cita-se (Foucault, 1971: 173)

Tal contradição, longe de ser aparência ou acidente do discurso, longe de ser aquilo de que é preciso libertá-lo para que ele libere, enfim, sua verdade aberta, constitui a própria lei de sua existência: é a partir dela que ele emerge; é ao mesmo tempo para traduzi-la que ele se põe a falar; é para fugir dela que, enquanto ela renasce sem cessar através dele, que ele continua e recomeça indefinidamente, é por ela estar sempre aquém dele e por ele jamais poder contorná-la inteiramente, que ele muda, metamorfosia, escapa de si mesmo em sua própria continuidade. A contradição funciona, então, ao longo do discurso, como princípio de sua historicidade.

Daí, pode-se entender a contradição como um elemento capaz de mostrar, na materialidade discursiva, o sujeito e de onde ele enuncia. Um aspecto bem relevante na contradição é o fato de o sujeito não ter controle sobre o que fala e, quando menos espera, ela aparece, desdizendo o que já havia sido dito.

 

A (EX)INCLUSÃO A PARTIR DOS PROFESSORES
DA REDE PÚBLICA DE ENSINO

Análise de corpus

Esta análise tem como componente básico o discurso de professores da rede pública de ensino, todos eles formados para trabalharem com alunos de classe regular, porém estão realizando uma atividade diversificada que é o trabalho com “portadores de necessidades especiais”.

Nenhum professor que atua com esses alunos “portadores de necessidades especiais” tem formação específica para a educação especial.

De acordo com os dados que serão demonstrados abaixo uma análise sob a égide da ADF será apresentada de modo a identificar se esses professores acreditam ou não na inclusão e se de fato a colocam em prática.

Algumas perguntas foram feitas aos professores de modo que opinassem sobre a inclusão e dissessem se acreditam ou não na inclusão da forma como tem sido proposta pelo governo.

E1 - P1: A inclusão na minha opinião é uma oportunidade para aqueles que apresentam uma “diferença na sociedade”. Ela será válida se todas as pessoas abraçarem com amor esta proposta que dá oportunidade para todos, apesar de não ter ambiente e nem profissionais preparados para assumir esta questão (infelizmente), mas com um pouco de boa vontade e amor eu acredito na inclusão.

Verifica-se neste excerto, primeiramente, a afirmação de que incluir é o ideal. No exemplo A inclusão na minha opinião é uma oportunidade para aqueles que apresentam uma “diferença na sociedade”. Ela será válida se todas as pessoas abraçarem com amor esta proposta que dá oportunidade para todos”, há uma distinção entre o sujeito “normal” e o “outro diferente”, estes precisam de um olhar diferenciado da sociedade, isto é, não lhes cabe mais ficarem excluídos; àqueles cabe fazer essa inclusão, mudar a atitude. Entretanto, o que encontramos logo adiante no discurso do professor é a contradição materializada pela locução conjuntiva “apesar de” .Observe-se como o P1 ao mesmo tempo que assume a inclusão como verdade afirma que ela não acontece porque não há preparo e nem ambientes propícios. Observe-se como logo em seguida ele se contradiz. Considerando-se que esses professores entrevistados foram todos formados para trabalharem em classes regulares, embora o façam, é compreensível que eles não se vejam preparados para trabalharem com alunos “portadores de necessidades especiais”. Há que se compreender que passam também a ocupar o lugar daqueles que incluem, isto é, dos professores de sala de recurso do município a quem cabe fazer valer a inclusão, daí a sua contradição. Essa contradição, portanto, tem origem na ocupação de dois lugares diferentes: o do professor de cursos regulares, ou seja, formado, preparado e legitimado para o trabalho com alunos “iguais” e o do professor que atua em sala de recurso, ou seja, trabalha para auxiliar pedagogicamente alunos “portadores de necessidades especiais”.

Um outro conceito trabalhado por Pêcheux que tem relevante importância para essa análise é o conceito dos esquecimentos. Verifica-se nesse dado o esquecimento número um que é de ordem inconsciente. O professor tem a ilusão de que o discurso da inclusão é dele, quando, no entanto, ele está reproduzindo um discurso de ordem ideológica que passa a ser uma regularidade nas falas dos demais professores entrevistados. Como exemplo do que fora exposto tem-se: “A inclusão na minha opinião é uma oportunidade para aqueles que apresentam uma ‘diferença na sociedade’”.

E1 P2: Legalmente a inclusão está sendo proposta de forma clara e bem respaldada, precisando de alguns ajustes. No entanto, na prática, o que eu percebo, é que muitos ainda não enxergaram sua necessidade e nem aceitaram sua viabilidade, além disso o amparo quanto recursos e formação profissional, ainda está muito aquém das necessidades.

Mais uma vez verifica-se bem caracterizada nas palavras: Legalmente a inclusão está sendo proposta de forma clara e bem respaldada contradição: agora, materializada com o conectivo “no entanto”, a professora alega que, na prática, a inclusão não acontece de forma adequada pelo fato de as pessoas não acreditarem nela e também em razão da falta de preparo dos profissionais da educação.

O imaginário que o entrevistado tem dos profissionais da educação e de si próprio_ afinal o sujeito do discurso, aqui, é um professor_ é o do professor que ainda não está preparado para trabalhar a inclusão além de também se colocar no lugar do sujeito que identifica a legislação da inclusão como pertinente e bem elaborada ou seja, não nega o discurso da ordem e evidencia uma regularidade que comprova o assujeitamento ideológico desses professores. Seus enunciados são emanados das ideologias que são forças sociais em luta, práticas inscritas em realidades materiais, em instituições e aparelhos ( Althusser, 1992).

É o esquecimento número um de Pêcheux que se evidencia também nesse discurso: como em outros casos, o professor tem a ilusão de que aquele discurso é exclusivamente dele o que é exposto em Legalmente a inclusão está sendo proposta de forma clara e bem respaldada, precisando de alguns ajustes. No entanto, na prática, o que eu percebo...

E3 P3: A inclusão é um direito, sou a favor da mesma. Acredito, mas percebo que na rede municipal está havendo uma integração e não inclusão, pois falta apoio pedagógico. As escolas em sua maioria não estão preparadas tanto na parte física como pessoal. Falta preparo por parte dos professores e pessoal de apoio, é preciso acreditar e realmente se preparar para que realmente haja a inclusão.

Observa-se que neste discurso, da mesma forma como P1 e P2, a questão da formação discursiva A inclusão é um direito, sou a favor da mesma e a contradição em

Acredito, mas percebo que na rede municipal está havendo uma integração e não inclusão, pois falta apoio pedagógico. As escolas em sua maioria não estão preparadas tanto na parte física como pessoal. Falta preparo por parte dos professores e pessoal de apoio, é preciso acreditar e realmente se preparar para que realmente haja a inclusão.

Novamente o imaginário do professor com relação aos lugares representados por ele: ora de professor com formação para trabalhar com a classe regular, ou seja, não está preparado para lidar com o “diferente”; ora o de professor de sala de recurso que pertence ao grupo dos que devem incluir e que não podem, de forma alguma, negar o discurso da inclusão.

A heterogeneidade se concretiza nos elementos citados acima, afinal P3 bem como P1 e P2 têm a ocupação de dois lugares. Observa-se também no discurso de P3 haver uma marca do conceito postulado por Pêcheux, dos esquecimentos, o chamado esquecimento número um, o qual mostra que o discurso foi marcado pelo fato de o professor entrevistado ter a ilusão de não estar reproduzindo nenhum discurso de natureza ideológica e sim algo dele próprio. Esse fato permite-nos observar que esse sujeito é determinado pelo discurso ideológico ( o discurso da inclusão), mas deixa aflorar o discurso do lugar de onde ele veio ( professor formado para trabalhar em classe regular com alunos ditos “normais”)

 

CONCLUSÃO

O jogo discursivo materializado no corpus permite identificar a reprodução do paradigma, instituído neste momento sócio-histórico, que é impossível negar a importância e a necessidade da “inclusão”, principalmente, os professores, educadores, pessoas que têm como objetivo maior preparar os alunos para serem cidadãos críticos. A lei foi regulamentada, a mídia veicula inúmeras propagandas, as campanhas estão sendo lançadas pelo governo e, no caso analisado, o que é mais importante, esses professores são os responsáveis por fazerem valer tudo isso, não caberia usar um discurso antagônico a partir do lugar que estão ocupando ( o de professores que devem trabalhar com o “portador de necessidades especiais” e incluí-los no grupo dos “normais”). O que eles não percebem é mesmo admitindo, a princípio, o direito e a necessidade da inclusão, negam esse discurso com contradições que foram analisadas e comprovadas nos dados e permite-nos concluir que a inclusão ainda não acontece na prática.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRANDÃO, Helena N. Introdução à análise do discurso. Campinas: UNICAMP, 1997.

FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Petrópolis: Vozes, 1971.

GREGOLIN, M.R. Foucault e Pêcheux na Análise do Discurso: diálogos e duelos. São Carlos: Clara Luz, 2004.

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