O parágrafo ideal versus o parágrafo real: confrontando teoria e prática

Alexandre Xavier Lima (UFRJ)
Natália do Nascimento (UFRJ)
Ana Flávia L. M. Gerhardt (UFRJ)

 

Apresentação

Segundo Figueiredo (1999), parágrafo é um bloco de raciocínio progressivo. Cada parágrafo possui a idéia central ao redor da qual giram idéias complementares. Nota-se que essa visão de parágrafo baseia-se em Garcia (2006), que elaborou um estudo sistemático da constituição do texto a partir do parágrafo. Para esse autor, o “parágrafo é uma unidade de composição constituída por um ou mais de um período, em que se desenvolve determinada idéia central”.  

A história do parágrafo se confunde com a história da escrita, uma vez que aquela contribuiu decisivamente para o avanço dessa última (Cavalo & Chartier, 1998). Há indícios, na cultura ocidental, que, desde o século IV a.C., já havia a noção de parágrafo. Naquele período, o parágrafo era uma linha horizontal que dividia os tópicos nos papiros e, mais adiante, a partir do séc XIII d. C., o parágrafo passou a ser um sinal de pontuação representado por C, o que indicava início de um capítulo. Até chegar à concepção baseada na sintaxe (Torreira, 1993), que encontramos um resquício em Garcia.  

Geralmente as gramáticas tradicionais, quando abordam o assunto, tratam o parágrafo como pontuação, resgatando as suas origens, mas um pouco distante da realidade em que esse elemento funciona – recurso que delimita as idéias do texto e permite ao leitor acompanhar os estágios de desenvolvimento.  

Os manuais de redação e os livros sobre o assunto costumam defender o ensino de um parágrafo tido como Padrão. Segundo Garcia, o parágrafo-padrão é aquele se estrutura em três partes: introdução, desenvolvimento e conclusão. A introdução, conhecida como tópico frasal, expressa rapidamente a idéia núcleo; o desenvolvimento explana tal idéia e a conclusão fecha o raciocínio.

Das três partes que compõem o parágrafo, o tópico frasal[1] tem função importante para a eficiência do parágrafo. Segundo Garcia, é constituído por um ou dois períodos e encerra, de modo conciso, a idéia-nucleo do parágrafo. Sua estrutura decorre de um processo de raciocínio dedutivo, ou seja, de uma apresentação geral para um quadro particular. O tópico frasal garante a unidade com as demais partes e a objetividade com aquilo que deve ser expresso.  

No entanto, o parágrafo-padrão é um ideal e, por isso, nem sempre é uma realidade. Torreira (1993) critica duramente a tripartição defendida por Garcia, alegando que esse é intransigente com as variações. Valendo-se unicamente de escritores de maior mérito, Torreira cita inclusive Magda Soares, ao enfatizar que nem todos os parágrafos obedecem à estruturação padrão.  

Diante dessas colocações, este trabalho objetiva verificar as formas de assimilação da idéia de parágrafo padrão pelos alunos do curso de redação do CLAC – UFRJ, tanto no que diz respeito ao que eles pensam sobre o parágrafo, quanto no desenvolvimento das suas habilidades efetivas de composição de um parágrafo padrão.  

 

A incidência de tópicos frasais

O ensino do parágrafo-padrão se justificaria pela freqüência de seu aparecimento, constatada em pesquisa. Segundo Garcia, cerca de 60% dos textos possuem o tópico frasal. Dos 89 parágrafos que constituem o nosso corpus, 83,15% têm o tópico frasal em posição inicial, posição típica do parágrafo-padrão. Em relação aos 16,85% que não possuem o tópico frasal na posição canônica, temos que destacar o caso mais freqüente, parágrafos que são apenas formados pelo tópico frasal:  

É grande o número de pessoas, princi- | palmente o de alunos, que tem problemas | com a produção textual. (dado 0037)

Quando um redator se propoem em escrever um texto, ele | se depara com várias dificuldades e perigos para produção do seu texto como: clareza, ambiguidade, separação de parágrafo. (dado 0041)

Além disso, o redator tem que ter habilidade de | separar o assunto tratado, e facilitar então o entendimento | por parte do leitor. (dado 0041)

Nos exemplos, observamos que nem sempre o parágrafo é formado das três partes propostas por Garcia. Das três, a menos comum é a conclusão. O desenvolvimento é importante, pois explicita as informações do tópico frasal, porém, como observamos, em alguns casos, não aparecem. Entretanto, é difícil encontrar um parágrafo sem o tópico frasal. Os casos de tópicos frasais envolvendo todo o parágrafo corresponde a 66,66% das ocorrências atípicas. Há um único caso em que o tópico frasal aparece diluído no texto e três em que o tópico aparece no meio do parágrafo.  

Com o resultado ao assaltos às verbas públicas, temos : hospitais | públicos ridiculamente equipados, escolas caindo aos pedaços (literalmente), | funcionários públicos insatisfeitos por condições de trabalho precárias e salários atrasados, e por fim uma população debilitada, que contribui | regularmente com o governo e que não pode usufruir dos direitos que possui. (dado 0035)

Considerando tais fatores poderíamos precipitadamente julgar que | a balança pendeu para o lado que desfavore a prática da es- | crita entretanto ainda cabe lembrar que cada autor é um artista e ao visualisar o produto de seu esforço obtém prazer, o prazer de ser compreendido, de poder alcançar lugares aonde a voz não | se faz ouvir, de mexer com a emoção de outrem... visto isso | a balança torna a se mexer. (dado 0061)

 

A preocupação com a forma

Analisamos parágrafos elaborados por alunos de redação do CLAC[2], tentando relacionar a sua produção às informações teóricas a respeito de sua constituição. O corpus é formado de 89 parágrafos elaborados ao longo do curso ministrado no 1º semestre de 2006 em que a temática central era a construção do parágrafo. Nota-se que a preocupação do aluno em seguir tal estrutura geralmente escamoteia o principal problema que muitos apresentam em seus textos, que é a coesão textual. Ou seja, o aluno até consegue elaborar as partes, mas não consegue estabelecer a ligação lingüística e extralingüística entre elas, pois a forma, que é a expressão do conteúdo, acaba ganhando maior atenção em detrimento àquilo que deveria ser expresso (conteúdo), como podemos observar no parágrafo abaixo:  

| Para produzir um texto, temos que tomar cuidados de diversos pe | rigos que nos preocupam entre eles a gramática, | na qual aparecem muitas palavras que fica- | mos com muito medo de expor na re- | dação pelo fato dessa palavra não estar | escrita corretamente e pelo fato da pa- | lavra não estar escrita corretamente | poderá ter consequências negativas | na qual poderemos ser eliminados | em algum concurso público. || Também tem o fato da concor- | dancia, onde muitos erram bastan- | te numa prova discurssiva. (dado 0023)

Na verdade, são dois parágrafos delimitados pelas duas barras. A respeito da divisão dos parágrafos, o aluno foi feliz, pois seguiu a orientação de que o parágrafo é um bloco de raciocínio delimitado. O problema é que não houve uma ligação eficiente entre os dois parágrafos, além de não haver entre eles uma proporcionalidade, uma vez que o segundo tem um pouco mais de uma linha. Os dois parágrafos tratam das dificuldades para se produzir um texto. Segundo o autor, os problemas mais significativos seriam a ortografia e a concordância. Mas, ao analisarmos o seu texto, verificamos que os problemas são de outra ordem. Como já mencionamos anteriormente, a grande dificuldade em produzir um parágrafo é a coesão textual. No primeiro parágrafo do aluno, percebemos vários problemas na ligação das frases, como, por exemplo, de regência: [temos que tomar cuidados de diversos pe | rigos]- o melhor seria [temos que tomar cuidado com os diversos perigos].  

Se os monitores têm consciência crítica do material e da conseqüência de seu uso, como explicar esse “desvio”? O problema não está em ensinar as formas, mas como elas são assimiladas. Chomsky (1980), em um artigo sobre a capacidade cognitiva, afirma que, baseando-se em Russel, “interpretamos a experiência de determinada maneira em função das características específicas de nosso espírito”, ou seja, cada um entende, a sua maneira, aquilo que lhe foi ensinado. O fato dos alunos enfatizarem a forma nos leva a afirmar que os seus espíritos estão condicionados por certas cobranças do meio social em que a forma tem mais importância do que o conteúdo.  

No parágrafo que analisamos acima, o redator deixou transparecer o que motivava a sua preocupação (a ortografia e a concordância). Seu espírito está condicionado por um meio em que as pessoas são eliminadas em concurso público pelo fato de não dominarem a norma padrão.  

Como acabamos de dizer, ensinar o parágrafo-padrão não é problema. Não podemos ser tão inflexíveis à idéia de um parágrafo-padrão como Torreira, pois até Garcia reconhece que pode haver diferentes tipos de estruturação, dependendo da natureza do assunto. Portanto, esse autor reconhece que o conteúdo é decisivo para a forma do parágrafo.  

Se o problema dos alunos era a inversão dos valores forma X conteúdo, fizemos com que os alunos usassem a forma para refletir o conteúdo – produção textual – a fim de que tomassem consciência do processo de produção textual que não se limita apenas na estrutura introdução-desenvolvimento-conclusão, mas também na progressão de sentido que requer um texto.  

 

Aliando teoria e prática

Como o nosso título enfatizou, o nosso trabalho é confrontar teoria e prática a fim de que estejam integradas. A respeito disso, uma aluna produziu o parágrafo que se segue, refletindo sobre esse problema:  

Produzir um texto dissertativo é um problema para | muitos indivíduos, principalmente se estes estiverem em | fase escolar. A diferença entre a teoria e prática no mo- | mento de se produzir um texto é a principal dificuldade | apresentada. Tais problemas são resolvidos com o ensino | da elaboração de planejamento e a prática da revisão | textual ao término da dissertação. (dado 008)

A aluna, seguindo a proposta de pensar sobre o conteúdo que está aprendendo, nos oferece uma importante informação, a qual destacamos no texto. Um redator precisa superar a distância entre teoria (associada ao ideal de produção) e prática. Para resolver o problema, sugere o uso do planejamento e da revisão, o que é proposto no curso de redação do CLAC.  

Nos dois parágrafos seguintes, os autores apontam as possíveis causas da distância entre teoria e prática para os alunos:  

|| Passando pela primeira dificuldade que é escolher os | argumentos que serão utilizados na composição do parágrafo, | o escritor precisa se fazer entender pelo leitor | utilizando as técnicas de escrita da melhor maneira. | Esse primeiro problema depende apenas da criatividade, já | para elaborar um bom texto, de conhecimento e prática. | Finalmente, a maior dificuldade é a revisão posterior, | pois são tantas regras que algumas delas sempre passa despercebida. (dado 001)

Atualmente, a produção de texto é ensinada errôneamente, pois é pedido um esquema de redação | com muitas regras, que na maioria das vezes | são muito complicadas de serem seguidas. O planejamento tem a missão de organisar essas | regras e estabelecer uma linha de pensamento e | finalisamos com uma revisão para confirmarmos | a sua realização. (dado 0011)

No primeiro parágrafo, a escolha dos argumentos depende da criatividade e que o grande problema seria a revisão, pois são muitas regras a serem observadas. No segundo parágrafo, o problema são as regras de organização do texto. O planejamento seria uma maneira prática de depreender a estrutura do texto sem o excesso de regras para memorizar.  

Aprender ou aperfeiçoar a produção de texto através da reflexão desse mesmo assunto não pode, porém, limitar-se à estruturação externa do texto (introdução-desenvolvimento-conclusão). O desafio é observar a estrutura interna, percebendo-se, assim, a importância da coesão textual, como observou a aluna cujo parágrafo também transcrevemos:  

|| Um texto não é formado por sentenças soltas, | mas por sentenças que tenham ligação entre si for- | mando um só corpo estrutural. Para que estas | ligações ocorram a coesão textual é utilizada. | Os processos de coesão são quatro: referência, elipse, coesão lexical, e substituição. Utilizando estes meca- | nismos atribuímos ao texto o encadeamento semân- | tico entre as sentenças. (dado 0012)

Seguindo as orientações sobre coesão textual, presentes na apostila de Redação I do CLAC, a aluna sabe que dispõe de alguns mecanismos que interligam as frases, dando textualidade à sua produção.  

 

Conclusão

Por fim, o parágrafo a seguir, produzido por outra aluna, resume o esforço de um semestre de estudo de redação:  

Ao produzirmos um texto temos que | pensar que não escrevemos como | falamos. Precisamos organizar o texto | com introdução, desenvolvimento e conclu- | são. É necessário fazer um planejamento | para organizar a escrita, o texto precisa ter coesão e coerência para o leitor | entende-lô. Após escrever a revisão | é fundamental para o texto ser claro | e bem escrito. (dado 007)

Não queremos alunos mecanizados. Mesmo porque a mecanização não lhes serviria para nada, pois cada ato de escritura exigi-lhes uma nova postura. Queremos que os alunos utilizem todos os recursos que dispõem para construir não apenas um parágrafo, mas principalmente um texto real, fruto conciso e coerente com a funcionalidade que o seu redator lhe atribui.  

 

Referências Bibliográficas

ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005.

BOAVENTURA, Edivaldo. Como ordenar as idéias. 3ª ed., São Paulo: Ática, 1993.

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Manual de expressão oral e escrita. 8ª ed., Petrópolis: Vozes, 1985.

CAVALO, Guglielmo & CHARTIER, Roger. História da leitura no mundo ocidental. São Paulo: Ática, 1998.  

CEREJA, William Roberto & MAGALHÃES, Thereza Analia Cochar. Português: linguagens. Leitura, gramática e redação. 1ª ed. São Paulo: Atual, 1990. Vol. 3.  

CHOMSKY, Noam. Reflexões sobre a linguagem. São Paulo: Cultrix, 1980.  

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991.  

FEITOSA, Vera Cristina. Redação de textos científicos. 2ª ed. Campinas: Papirus, 1995.  

FIGUEIREDO, Luiz Carlos. A redação pelo parágrafo. Brasília: Unb, 1998.  

FIORIN, José Luiz & SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto. Leitura e redação. São Paulo: Ática, 1990.  

GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: FGV, 2006.  

INFANTE, Ulisses. Do texto ao texto. Curso prático de leitura e redação. São Paulo: Scipione, 1991.  

SANTANA, Luiz Claudio Machado de. Redação: cursinho, vestibular e concursos públicos. Rio de Janeiro: Crescer, s/d.  

TORREIRA, Ramon Quintela. O parágrafo e o texto. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado, UFRJ, 1993.  


 


 

[1] Para Figueiredo, Período Tópico. Outros autores chamarão de frase nuclear.

[2] Curso de Línguas Abertos às Comunidade – projeto de integração dos estudante de letras da UFRJ à comunidade local.