PROCEDIMENTOS DE MONITORAMENTO DO FALANTE NA INTERAÇÃO SIMÉTRICA
Paulo de Tarso Galembeck (UEL)
Preliminares
Este trabalho expõe os procedimentos utilizados pelo falante em diálogos simétricos, com a finalidade de assegurar a eficácia comunicativa e prevenir reações desfavoráveis do interlocutor.
O trabalho compõe-se de duas partes: na primeira, é discutida a noção de monitoramento, ao passo que na segunda expõem-se os procedimentos de monitoramento, a partir de exemplos extraídos de diálogos entre dois informantes pertencentes aos arquivos do Projeto NURC/SP e publicados em Castilho e Preti (1987).
MONITORAMENTO
O diálogo simétrico é caracterizado pela alternância dos interlocutores nos papéis de falante e ouvinte. Esses papéis são necessariamente transitórios, e isso cria o que Preti & Urbano (1990) denominam “dinâmica inter-relacionada”. Essa dinâmica conduz ao emprego de “um sistema de práticas, convenções e regras de comportamento” (Goffman, 1981: 10), utilizadas com a finalidade de organizar o fluxo da mensagem e a participação dos interlocutores.
Uma das formas de participação dos interlocutores é o emprego dos sinais de monitoramento da própria fala ou da fala de outro interlocutor. O uso desses sinais decorre de uma das características da língua falada, o planejamento local, que leva à tomada de decisões no curso da construção do discurso. No diálogo simétrico, a presença do(s) outro(s) interlocutor(es) torna essa característica ainda mais evidente, e leva a um acompanhamento contínuo da própria fala e da fala e das atitudes das demais interlocutores, de modo que se redirecionar a fala de acordo com as atitudes do momento.
Na conversação, a fiscalização de nossas palavras e da fala dos outros interlocutores constitui uma constante. Assim, o falante determina os sinais (né?, não eh?, certo?, entendem?), que não estão ligadas ao desenvolvimento do tópico, mas são empregados com o sentido de testar a reação dos ouvintes. Com essa mesma finalidade, o falante emprega procedimentos discursivos variados, como aqueles a que Castilho (1996) denomina atividades de reconstrução (correções, paráfrases) e de desconstrução (inserções parentéticas).
O ouvinte, por sua vez, não é um mero espectador, mas procura demonstrar que está engajado na construção do diálogo e fiscaliza as palavras do seu interlocutor. Para tanto, o ouvinte emite determinados sinais que orientam o falante e sinalizam para a continuidade da fala ou o abandono da mesma. Citem-se, a esse respeito, as palavras de Marcuschi (1986: 16): “o ouvinte orienta e monitora seu interlocutor, retro-alimentando com informações cognitivas relevantes”.
O monitoramento consiste na fiscalização que cada interactante do diálogo exerce sobre o seu parceiro, no sentido de direcionar e regulamentar a conversação. Há dois tipos de monitoramento: o do falante, que monitora o ouvinte; o do ouvinte, que monitora o falante. Cabe acrescentar que, com referência ao falante, existe ainda o automonitoramento, responsável pela busca da melhor forma de expressão e da adequação pragmática.
MONITORAMENTO DO FALANTE
Dentro da dinâmica do diálogo, o ouvinte tem consciência de que necessita exercer uma dupla atividade de monitoramento: o monitoramento da própria fala (automonitoramento do falante) e o das atitudes e reações do ouvinte. No automonitoramento, o falante emprega procedimentos discursivos variados (paráfrases, correções, inserções parentéticas), como forma de certificar-se de que sua fala será compreendida e sua auto-imagem pública não sairá “arranhada”. Já no monitoramento ao ouvinte, busca o falante utilizar-se de procedimentos que lhe assegurem de que o canal de comunicação continua aberto.
Automonitoramento do Falante
O falante tem consciência de que a sua posição é sempre vulnerável, já que ele pode, a qualquer momento, sofrer objeções ou ser interrompido pelo seu parceiro conversacional. Por esse motivo, ele busca monitorar a própria fala, com a finalidade de certificar-se de que está sendo suficientemente claro, e explicativo, que, ademais, o conteúdo de sua fala tem pertinência e relevância em relação ao contexto que se cria (ou se recria) no decurso da própria interação. Além disso, o falante procura resguardar a própria face, prevenindo-se contra a formulação de dúvidas e objeções, sobretudo quando o assunto tratado é de natureza polêmica.
Para o automonitoramento, o falante emprega certos procedimentos incluídos por Castilho (1998) entre os procedimentos de reativação ou reformulação textual (paráfrases, repetições, correções) de desativação ou ruptura (inserções parentéticas, que constituem casos de ruptura tópica parcial).
Paráfrases
As paráfrases e as correções inserem-se entre os procedimentos de reativação ou reformulação, os quais representam uma volta ao que já foi dito.
Com o uso de paráfrases, o locutor retoma com nova formulação o que já foi dito:
(01) |
L1 |
uhn uhn... é que hoje:: dentro da nossa profissão ainda mais uma vez falando nela... até parece que sou emPOLGAdo por ela né? ((risos)) não acha?... o::... que com a empresa privada hoje em dia ela atende muito melhor entende?... que as entidades públicas... hoje em dia se ganha muito mais... então:: o:: órgãos públicos estão assim muito limitados em termos de... de números de de vagas para determinadas coisas... (NURC/SP 062, linhas 850-857) |
O segmento parafrástico (sublinhado com um traço) retoma e expande a matriz frástica (assinalada com um traço). Com esse recurso, o locutor explica e concretiza o enunciado anterior e, assim, cumpre uma função contextualizadora. Além disso, esse procedimento preserva a auto-imagem do falante, que, por meio dela, revela capacidade de discorrer sobre o assunto e previne-se contra possíveis objeções.
Correções
A paráfrase volta-se para o já dito e tem, pois, uma dimensão retrospectiva, enquanto a correção é prospectiva, já que representa a busca do falante pela melhor formulação discursiva. Essa prospecção pode efetuar-se no plano da expressão ou do conteúdo. Os exemplos a seguir ilustram a primeira dessas possibilidades:
(02) |
L2 |
é... trabalha junto ah à Secretaria dos Transportes... o meu caso... é junto a:: (na) na Procuradoria Fiscal... trabalhando junto com a Secretaria da Fazenda... e assim tem:: tem a Procuradoria de Assistência Judiciária... tem a na na promoção social tem::... em todas as em todas elas tem... agora o:: o:: a as... as melhores... são junto às assessorias (NURC/SP 360, linhas 827-833) |
(03) |
L2 |
e isso:: éh significa um aumento de vencimentos... e e:: além de que... da/dentro do aumento de vencimentos haveria... uma promoção de todo o pessoal que está agora... |
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L1 |
certo... |
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L2 |
(porque) o:: pessoal que está agora começa com vinte a:: vinte bê:: e assim vai indo [ |
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L1 |
Certo |
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L2 |
então todos esses... a partir de vinte a e vinte bê... que é o nível... atualmente mais baixo... ta? são os soldados rasos como a gente conta |
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L1 |
uhn... |
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L2 |
eles passariam para nível dois... |
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L1 |
certo |
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L2 |
e aí aí aí então a/ abri/a... abriria... mais vagas (NURC/SP 360, linhas 523-538) |
A correção no plano da expressão decorre da quase-simultaneidade que, no texto falado existe entre o planejamento e a realização. Nas ocorrências citadas, verifica-se uma atitude de tateamento em busca da formulação mais adequada. Comprovando esse tateamento, verifica-se que a correção, no plano da expressão, vem associada a marcas de hesitação ou o truncamento.
Na correção voltada para o conteúdo o locutor busca relativizar ou emendar o que disse como forma de prevenir-se de reações desfavoráveis de ouvinte.
(04) |
L2 |
ah:: não tem ah toda a parte eh praticamente toda a parte jurídica do Estado é feita... não espera aí espera apí ((risos)) já estou exagerando não é toda a parte jurídica... do Estado... mas todos::... mas a grande parte jurídica do Estado... como a e... to/ todo o ser/ todo serviço de advocacia do Estado... é feita por procuradores do Estado... (NURC/SP 360, linhas 806-812) |
A informante exerce o cargo de procuradora do Estado e sabe que o marido de sua interlocutora também o faz. Em vista disso, ela resolveu reformular o enunciado como forma de atenuar a afirmação anterior.
Ambos os casos de correção estão ligados à busca da formulação discursiva mais adequada, para que o falante não sofra interrupções ou ressalvas.
Inserções parentéticas.
As inserções parentéticas constituem desvios breves e parciais em relação ao tópico em andamento.
As inserções parentéticas que mais nitidamente denotam a função de monitoramento são as que explicitam e contextualizam informações do texto, as que previnem objeções e pedidos de opiniões pessoais. Inserções dos dois primeiros tipos são exemplificadas pelo exemplo a seguir:
(05) |
L2 |
uma amiga minha que faz medicina e ela vai sempre para o Xingu... no campus avançado da da Paulista né? - - ... ela estava contando do::... de como que funciona o cacique da tribo que algumas vezes também é o pajé... e::... ele é simplesmente o cara que caça mais... mais esforçado lá o que dá duro tal... então quem não está a fim de dar duro... fica numa posição inferior mas isso é muito assim natural... e o camarada que:: que tem alguma necessidade - - aí você vai entrar em por que ele tem essa necessidade mas enfim - -... que quer:: sobressair então chega um determinado dia ele diz “olha eu vou caçar... quem vem comigo e quem vem ajudar fazer a caçada” não seu o que tem ritual parará... e ele lidera né?... de uma certa forma mas é bem assim em função do trabalho a mais que ele realiza que ele tem uma:: uma posição superior |
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L1 |
e os filhinhos dele... são considerados superiores ou não? |
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L2 |
não aí eu já não sei já não entrei::... porque lá es/ éh:: tem os kren-akarore não seu mais o que mas |
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L1 |
kren-akarore |
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L2 |
são::... tribos assim que têm mais ou menos a mesma estrutura... todos no ano... Alto Xingu eu acho Baixo não sei... e:: aí eu não entrei ((ruídos)) se tem algum privilégio (...) (NURC/SP 360, linhas 732-755) |
A primeira ocorrência está voltada para a contextualização de informações por meio delas, a informante procura explicar que está aludindo ao campus avançado da Escola Paulista de Medicina no Parque Indígena do Xingu. As duas outras, por sua vez, destinam-se a prevenir possíveis dúvidas ou objeções do interlocutor.
No próximo exemplo, as ocorrências representam opiniões que reforçam o que foi dito:
(06) |
L1 |
(no momento) que falta uma peça que a... o esquema vai evoluindo... sempre e arranjando peças... criando peças novas vão distribuindo funções... necessárias... quer dizer ele pode estar num esquema de funcionamento... de interdependência muito grande... e que não pode TER::... eliminado alguma peça... dele |
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L2 |
Uhn uhn |
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L1 |
Mas se por algum motivo alguma hora eliminar:: oSistema inteiro... pifa né? |
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L2 |
((ri)) acho que sim né? |
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L1 |
será que esse daí não é o perigo lá que o... Nostradamus falou para o ano dois mil?... ele falou que a... vinha um novo... anticristo... você pode interpretar o anticristo como digamos... um novo... entre parênteses computador... um novo sistema né?... de funcionamento... a coisa está tão... complicada e tão... certo? ele vai reduzindo cada função... para máximo de eficiência... mas fica com uma interde/ interdependência muito grande... hora que... você cortar... o movimento... pifa tudo né? (NURC/SP 360, linhas 954-974) |
Em ambas as inserções, o informante manifesta uma opinião e, por não se sentir segura, solicita a aprovação de L2 (né?, certo?).
Os marcadores de envolvimento do ouvinte são representados por expressões formadas por verbos de valor sensorial (veja que, você vê, observe que), geralmente colocadas à testa do enunciado:
(07) |
L1 |
é porque você veja o seguinte antigamente [ |
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L2 |
Você tem ahn |
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L1 |
não se conseguiria matar:: população... de repente (aosaos montoeiras) de::... matava uns dois mil... mas matava matava um por dia né? |
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L2 |
Agora a bomba atômica [ |
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L1 |
Então pelo menos sobravam (alguns) suspeitos de bruxa né? que sempre ia existir alguém que não era suspeito de bruxa... acima de qualquer suspeita |
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L2 |
ahn ahn |
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L1 |
agora por exemplo bomba atômica não... não seleciona bruxa de não bruxa... só que eles fizeram uma experiência localizada que::... não esbodegou muita gente né?... analogamente em vez de fazer isso podia ter tido uma guerra entre dois países muito fortes... então um soltava a bomba... fa/ “está soltando eu também solto”... então era simultâneo... então havia um colapso grande... (NURC/SP 343, linhas 1542-1557) |
Marcadores e procedimentos de atenuação.
Os marcadores e procedimentos de atenuação são empregados com a finalidade de diminuir a força ilocutória do enunciado e, assim, resguardar a auto-imagem (face) do falante:
(08) |
L1 |
(L1 e L2 estão a discorrer das respectivas rotinas diárias de trabalho.) dizem né? – você vê – dentro da profissão do vendedor... a coisa mais difícil é você manter realmente o indivíduo... éh Oito horas em contato direto com os clientes... uma coisa realmente difícil... (NURC/SP 062, linhas 231-234) |
O assunto é polêmico, e o locutor procura resguardar-se com o emprego do marcador dizem. Com ele, protege-se de possíveis objeções, já que desloca a afirmação do campo meramente pessoal para a esfera do senso comum.
No exemplo a seguir, o resguardo é efetuado por meio de marcadores conversacionais que denotam incerteza ou imprecisão.
(09) |
L2 |
o teu conhecimento especializado não dá para... só atinge uma área muito limitada e não dá... ah eu não sei... acho que:: eu... sabe... aí eu acho que o... não mudou muita coisa... se você pen- sar... assim numa época em que... por exemplo... o trabalho era bem artesanal... então você tinha o sapateiro... o:: ((tosse)) (cocheiro) não sei quê não sei quê né? ... acho que a especializa- cão veio com... com a diferenciação humana (...) (NURC/SP 343, linhas 933-942) |
Neste trabalho, adota-se a tipologia dos marcadores exposta por Rosa (1992), e adotada, com modificações, por Galembeck (1999).
Monitoramento ao Ouvinte
No item anterior, já foi discutido o fato de que a posição do falante é sempre vulnerável, pois ele pode sofrer “ataques” e perder o turno. Um dos procedimentos para neutralizar esses “ataques” e permitir ao ouvinte concluir sua fala é o emprego de duas espécies de marcadores conversacionais: aqueles que têm por função manter o canal aberto e os que envolvem o ouvinte.
Os marcadores cuja função mais relevante é manter o canal aberto são representados por certas expressões (sabe?, entende?, certo?, não é?, né?):
(10) |
L2 |
certo... e que que você acha dessa polui/ poluição que tanto falam... que vão controlar vão fazer isso vão criar a área metropolitana o que que você acha? |
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L1 |
Estão control/ controlando a poluição do ar agora né?... ((riu)) é:: o avanço da tecnologia né? provavelmente deve ter descoberto aí... éh:: qualquer técnica que vai:: ajudar a::... controlar essa poluição do ar... |
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L2 |
você vê né? o mundo quer que nós conversemos a...Amazônia para controlar a poluição mundial – que que você acha disso aí? |
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L1 |
não entendi bem a pergunta... |
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L2 |
o mundo aí o:: naquela::... última exposiçã que houve agora aí... – nosso Ministro do Interior foi representando - - eles não querem que devastem as áreas amazônicas... devido às:: vastas florestas tudo por causa da poluição... você acha que seria justo nós conservarmos aquilo o::u |
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L1 |
precisa manter o oxigênio do mundo né?... ((risos)) |
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L2 |
e nós é que deveríamos conservar?... que que você acha? O pessoal todo mundo cortou progrediu... |
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L1 |
sei lá estão falando muito nisso viu? Poluição do ar agora é:: |
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L2 |
é tema do momento né? |
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L1 |
é a moda mesmo... (NURC/SP 062, linhas 176-199) |
Marcadores desse tipo são denominados marcadores de busca de aprovação discursiva. Com o seu emprego, o falante procura certificar-se de que está sendo entendido e – por ser o tema polêmico – suas idéias estão sendo entendido e – por ser o tema polêmico – suas idéias estão sendo aceitas. O falante procura, assim, uma sinalização positiva para dar continuidade à própria fala, por isso esses marcadores exercem a função subsidiária de sustentar a fala e propiciar a continuidade do turno. Acrescente-se que de entoação ascendente (própria de interrogações reforça o valor fático destes marcadores).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, P. e LEVINSON, S. Universal in language usage: politeness phenomena. In Goody, E. D. (ed.) Questions and politeness – strategies in social interaction. Cambridge: Cambridge V. Press, 1978, p. 56-310.
CASTILHO, Ataliba Teixeira de. A língua falada no ensino de português. São Paulo: Contexto, 1998.
GOFFMAN, E. Forms of Talk. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1981.
HILGERT, José Gaston. A paráfrase. Tese de doutoramento, inédita, 1989.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 1986.
PRETI, Dino (orgs.). A linguagem falada culta na cidade de São Paulo. v. II – Diálogos entre dois informantes. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESA, 1987.
PRETI, Dino e URBANO, Hudinilson. Sobreposição numa perspectiva psicocultural e interacional. In: PRETI, D. e URBANO, H. (orgs.). A linguagem falada culta na cidade de São Paulo. v. IV – Estudos. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP, 1990, p. 99-140.