A COMPETÊNCIA LINGÜÍSTICA
A ORALIDADE EM AÇÃO

Carmen Elena das Chagas (UFF)

 

INTRODUÇÃO

Para falar, compreender e interagir com outras pessoas é preciso que o locutor/interlocutor tenha domínio da língua materna, que em discussão, é a Língua Portuguesa. Não basta conhecer seu léxico, é necessário também ter domínio de suas leis combinatórias, perceber a situação em que se dá a comunicação, isto é, ter consciência do seu contexto lingüístico.

Quando se detecta nas pistas de contextualização utilizadas por falantes/ ouvintes baixo envolvimento conversacional e, conseqüentemente, pouco sentido, é necessário um trabalho voltado para a prática da oralidade. Neste sentido o papel do professor e da escola é fundamental na intervenção das situações que desencadeiam problemas na oralidade dos alunos, como hesitação, paráfrase, repetição, correção e outros afins. “Qualquer percalço nessa trajetória pode significar uma interferência no desenvolvimento da linguagem, produzindo complicações na aprendizagem escolar.” (Gerber, 1986)

As dificuldades na expressão oral não são restringíveis a causas físicas ou psicológicas, nem a análises de conjunturas sociais apenas. É preciso compreendê-las a partir de um prisma multidimensional, que una fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos, percebidos dentro das articulações sociais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam fundamentos teóricos que servem de apoio aos professores para que possam desenvolver a oralidade dos alunos. “Tanto quanto a análise, as ações sobre problemas de aprendizagem devem inserir-se num movimento mais amplo de luta pela transformação da sociedade” (Scoz, 1996). Este tipo de questionamento reflete a tendência de se considerar a linguagem como foco de toda a atenção na análise da oralidade.

A organização do corpus deste trabalho foi obtido na gravação de fitas cassetes em conversas com situações de interação assimétricas face a face, onde 30 alunos, constituídos por 15 meninos e 15 meninas de faixa etária aproximada, do 9º ano de escolaridade (8ª série) do Ensino Fundamental da rede municipal, especificamente do CIEP Municipalizado 465 – Dr. Amílcar Pereira da Silva – Quissamã / RJ, puderam utilizar de turnos de fala que possibilitaram mostrar resultados satisfatórios e coerentes com o objetivo de análise da oralidade de cada um.

O entrevistador conduziu a entrevista de maneira descontraída, usando estratégias que incentivassem a fala fluente, ainda que dirigida, falando pouco e evitando interromper o falante.

As questões planejadas com o auxílio do roteiro da entrevista foram colocadas oportunamente e de maneira mais natural possível, com vocabulário e sintaxe adequados a cada situação.

A grande maioria dos sistemas de transcrição toma como ponto de referência o sistema ortográfico, independentemente da pronúncia efetiva. As decisões quanto ao que assinalar nas transcrições das entrevistas deste trabalho foram norteadas por perguntas relativas ao próprio material de estudo como: perguntas que envolvem a organização dos turnos conversacionais, a forma de planejamento do texto falado, a relação entre pares adjacentes e utilização de marcadores conversacionais.

Considerando estes fatos, a pesquisa demonstra sua relevância científico-social, ao analisar as questões que interferem na prática da linguagem oral, buscando identificar na fundamentação teórica, orientações pedagógicas aplicáveis à prática docente no sentido de facilitar a identificação dos problemas que mereçam acompanhamento multidisciplinar. Um ensino que não vise tão só a um sucesso escolar, mas à preparação de usuários da língua mais habilitados e instrumentalizados para a vida e que a competência lingüística seja um fator de inclusão social, sem discriminação de idade, de gênero ou de etnia.

 

A LINGUAGEM

A linguagem oral

A linguagem expressa o indivíduo por seu caráter criativo e dinâmico, marca o meio social em que ele vive e a sua finalidade é a transmissão de cultura de indivíduo a indivíduo. Cada pessoa fala a sua maneira. Cada falante possui uma forma individual de se expressar. “Não há, na realidade, história de palavras, senão história dos homens.” (Silva Neto, 1970: 48)

A linguagem oral é a imagem de uma norma e varia conforme as pessoas. Isto ocorre, porque muitos fatores contribuem para esta modificação, como estados psíquicos, ascensão social ou situações novas, constituindo assim mais uma diferença do que uma semelhança da língua[1], pois através da linguagem oral, é que se formam “flashes” de uma determinada língua.

Entendendo a linguagem como forma de ação e que todo dizer é um fazer, passou-se a refletir sobre os diversos tipos de ações humanas que se realizam através da linguagem como os atos de fala, atos de discurso ou atos de linguagem.

Van Dijk, lingüista holandês, chama a atenção para o fato de que, em um texto, apesar de se realizarem diversos tipos de atos, há sempre um objetivo principal a ser atingido, para o qual concorrem todos os demais. Propõe, então, a noção de macroato, isto é, o ato global que se pretende realizar. É preciso, no entanto, observar que todo ato de fala é, ao mesmo tempo, locucionário (consiste na emissão de um conjunto de sons organizados de acordo com as regras da língua), ilocucionário (conjunto que possui uma determinada força de pergunta, de asserção, de ordem ou promessa) e perlocucionário (exerce certos efeitos sobre o interlocutor como convencê-lo, assustá-lo, agradá-lo, efeitos que podem realizar-se ou não) (Austin, apud Koch, 2004: 18 e 19), caso contrário não seria um ato de fala, pois sempre que se interage através da língua, profere-se um enunciado lingüístico dotado de certa força que irá produzir no interlocutor determinados efeitos ainda que não aqueles que o locutor tinha como objetivo. Assim a linguagem tem “sua própria maneira de se organizar, desenvolver e transmitir informação,o que permite que se a tome como fenômeno específico”. (Marcuschi, 1993: 4)

A linguagem oral deve ocupar um lugar de destaque no ensino da língua. O aluno já sabe falar quando chega à escola e domina, em sua essência, a gramática da língua. A fala influencia sobremaneira a escrita nos primeiros anos escolares, principalmente no que se refere à representação gráfica dos sons. A linguagem oral segundo Marcuschi:

Representa uma dupla proposta de trabalho: por uma lado trata-se de uma missão para a ciência lingüística que deveria dedicar-se à descrição da fala e, por outro lado, é um convite a que a escola amplie seu leque de atenção. (Marcuschi, 1993: 10)

Se é exato que falamos através de textos, isto é, se os discursos constituem de fato o objeto adequado da lingüística; se, de outra forma, admitimos que a linguagem oral é um meio de resolver os problemas que se apresentam constantemente na vida social, então a conversação pode ser considerada a forma de base de organização da atividade de linguagem, já que ela é a expressão da vida cotidiana, uma maneira interativa, inseparável da situação.

Desta forma é necessário pensar a linguagem como lugar de interação, de constituição das identidades das pessoas, de papéis de negociação de sentidos e de parceria. É necessário também encarar a linguagem, não apenas como representação do mundo e do pensamento, mas sim como forma de inter-ação social.

 

Diferenças entre a fala e a escrita

Ao tratar da fala e da escrita, é preciso lembrar que estamos vivenciando duas modalidades pertencentes ao mesmo sistema lingüístico: o sistema da Língua Portuguesa.

As línguas falada e escrita apresentam distinções porque diferem nos seus modos de aquisição, nas suas condições de produção, transmissão e recepção, nos meios através dos quais os elementos de estrutura são organizados. Esta distinção entre o oral e o escrito é a categoria “midiológica” mais antiga e mais solidamente ancorada na cultura segundo Maingueneau. Essa oposição refere-se aos suportes físicos: o oral se transmite por ondas sonoras e o gráfico, por signos inscritos em um suporte sólido. No oral o co-enunciador partilha o mesmo ambiente que o locutor, reage imediatamente à sua entonação, às suas atitudes. Não podendo percorrer a arquitetura do enunciado em seu conjunto, ele vai tomando conhecimento dele aos poucos e tem uma consciência muita vaga de sua estrutura. Já no escrito, o co-enunciador deve proceder a uma leitura pessoal. Ele pode impor seu modo de consumo, seu ritmo de apropriação, ler com rapidez que lhe convém ou interromper quando quiser. Ainda as distinções oral e escrito envolvem igualmente uma distinção entre enunciados dependentes e independentes do ambiente não verbal. No primeiro caso os enunciadores são dirigidos a um co-enunciador presente no mesmo ambiente físico do enunciador. No segundo os enunciados são concebidos em função de um destinatário que se encontra, talvez, em um outro ambiente.

Distinções de acordo com alguns autores:

Para Sapir (1921: 19) “A escrita é o símbolo visual da fala.”

Já Mattoso Câmara (1969: 11) diz que “a escrita decorre da fala e é secundária em referência a esta.”

Segundo Akinnaso (1982: 113) “a escrita é completa e irremediavelmente artificial, enquanto a fala é um processo natural, fazendo uso dos meios assim chamados de órgãos da fala.

Marcuschi (1993: 4-5) afirma que “as diferenças entre fala e escrita não se esgotam nem têm seu aspecto mais relevante no problema de representação física (grafia x som), já que entre a fala e a escrita medeiam processos de construção diversos.

 

Características da linguagem oral

O texto falado apresenta-se “em se fazendo”, isto é, em sua própria gênese, tendendo, pois, a pôr a nu o próprio processo de sua construção, apresentando assim uma sintaxe característica, sem deixar de ter como fundo, a sintaxe geral da língua. O texto falado emerge no próprio momento da interação: ele é o seu próprio rascunho. Além disso, em situações de interação face a face, o locutor não é o único responsável pela produção do seu discurso.. Como é a interação imediata que importa, ocorrem pressões de ordem pragmática que acabam por sobrepor-se às exigências da sintaxe. Isso quer dizer que o locutor, freqüentemente, vê-se obrigado a sacrificar a sintaxe em favor das necessidades da interação.


 

Organização geral da conversação

A conversação organiza-se em turnos, que consistem em cada intervenção de um dos participantes no decorrer da interação. Existem interação simétricas como as conversas do dia-a-dia, em que todos os participantes têm igual direito ao uso da palavra e interações assimétricas como entrevistas, palestras em que um dos parceiros detém o poder da palavra e a distribui de acordo com a sua vontade. Os interlocutores podem assumir o turno nos chamados espaços de transição que se caracterizam por determinadas marcas como silêncio ou pausas mais longas do detentor do turno.

 

Tópico discursivo

Durante uma interação, os parceiros têm sua atenção centrada em um ou vários assuntos. Tais assuntos são de certa forma delimitáveis no texto conversacional, embora freqüentemente, se passe de um assunto a outro, ao final de uma conversação, os participantes serão capazes de enumerar os principais tópicos abordados. Portanto, tópico é aquilo sobre o que se fala. Na seqüenciação linear dos tópicos ocorrem descontinuidades que parecem prejudicar a coerência do texto falado. Acontece, porém, que tais segmentos “intrusos” acabam encontrando seu lugar na organização hierárquica dos tópicos, de modo que a aparente incoerência desaparece.

 

Marcadores conversacionais

A expressão marcador serve para designar não só elementos verbais, mas também prosódicos[2] e não lingüísticos[3] que desempenham uma função interacional qualquer na fala.

É importante observar que os marcadores constituem um elemento na articulação de textos, encadeando-os de modo coeso. Eles asseguram não só o desenvolvimento continuado do discurso, mas também operam na organização do texto na medida em que funcionam para garantir a coesividade entre os tópicos que vão se apresentando verticalmente durante a elaboração do texto falado.

 

Divisão das atividades do texto oral

As atividades do texto oral podem ser divididas em:

A)De formulação stricto sensu ou fluentes – quando o locutor não encontra problemas de processamento e linearização;

B)De formulação lato sensu ou disfluentes – quando o locutor encontra problemas de formulação e deve resolvê-los;

As situações que desencadeiam problemas e que serão aqui examinadas são:

 

Hesitação

São tidas como um tipo de problema que é captado durante sua formulação / linearização caracterizando-se por seu aspecto prospectivo, já que tem como objetivo algo que vem depois. Para Marcuschi (1995) a hesitação é “dificuldade cognitivo / verbal localizado na estrutura sintagmática”

 

Paráfrase

A paráfrase é uma atividade de reformulação pela qual se restaura bem ou mal, na totalidade ou em partes, fielmente ou não, o conteúdo de um texto-fonte, num texto derivado. A paráfrase tem a função de garantir a intercompreensão e é diferente das demais atividades através da criatividade.

 

Repetição

O texto oral é produzido passo a passo e é uma criação coletiva dos interlocutores. As repetições conduzem à produção de segmentos inteiros duas ou mais vezes, motivados por fatores de ordem interacional, cognitiva ou textual.

 

Correção

A correção desempenha papel importante entre os processos de construção do texto e corresponde à produção de um enunciado lingüístico que reformula um anterior. A correção é um claro processo de formulação retrospectiva.

Ao produzir um enunciado, o locutor realiza uma atividade intencional. Desta forma, formular um texto não é só planejá-lo, mas realizá-lo através de atividades que estruturem e organizem os enunciados de um texto e o esforço que o locutor faz para produzi-los é que marca a sua fala.

 

A variável gênero / sexo

Todos sabemos que as línguas modificam com o tempo. De fato, as mudanças lingüísticas normalmente se processam de maneira gradual em várias dimensões. Nos eixos sociais, por exemplo, os falantes mais velhos costumam preservar mais as formas antigas, o que pode acontecer também com as pessoas mais escolarizadas, ou das camadas da população que tenham mais prestígio social, ou ainda de grupos sociais que sofrem pressão social normalizadora, a exemplo do sexo feminino de maneira geral, ou das pessoas que exercem atividades sócio-econômicas que exigem uma boa apresentação.

Ao estudar a língua em uso numa comunidade, defrontamo-nos com a realidade da variação. Coletando dados em situações reais de comunicação, a teoria da variação lingüística capta exemplares da língua em uso num contexto social e pode dirigir, assim, seu foco de interesse imediato para esses condicionamentos externos

A primeira referência à correlação entre variação lingüística e o fator gênero / sexo se encontra em Fischer (1958), em um estudo intitulado Influências sociais na escolha de variantes lingüísticas.

As diferenças mais evidentes entre a fala de homens e mulheres se situam no plano lexical. A análise da dimensão social da variação e da mudança lingüística não pode ignorar, no entanto, que a maior ou menor ocorrência de certas variantes, principalmente daquelas que envolvem o binômio forma padrão x forma não-padrão e o processo de implementação de mudanças estejam associados ao gênero / sexo do falante e à forma de construção social dos papéis masculino e feminino.

Diversos outros estudos puderam confirmar a constatação de Fischer que gênero / sexo pode ser um grupo de fatores significativo para processos variáveis de diferentes níveis e mostra um padrão muito regular em que as mulheres demonstram maior preferência pelas variantes lingüísticas mais prestigiadas socialmente.

Ainda outros estudos sobre estes processos variáveis do Português apontam para o que poderíamos chamar de uma maior consciência feminina do status social das formas lingüísticas.

As análises de conversação espontâneas têm permitido mostrar diferenças significativas na forma como mulheres e homens conduzem a interação verbal. Enquanto as mulheres orientam sua conversação de uma forma mais solidária, que busca o envolvimento do interlocutor, os homens tendem a manifestar um estilo mais independente e uma postura que garanta seu prestígio.

O fato de as mulheres se revelarem lingüisticamente mais conservadoras ou mais orientadas para variantes de prestígio em algumas comunidades de fala pode ser, em grande parte, resultado de um processo diferenciado de socialização de homens e mulheres e da dinâmica de mobilidade social que caracteriza cada comunidade. O que se pode generalizar, pelo momento, é a maior sensibilidade feminina ao prestígio social atribuído pela comunidade às variantes lingüísticas.

Para explicar a regularidade da correlação entre processos variáveis e o gênero / sexo, Trudgill (1974) acredita na hipótese de que os homens, diferentemente das mulheres, atribuem um prestígio encoberto às formas lingüísticas. Se um indivíduo deseja integrar um grupo, deve compartilhar, além das suas atitudes e valores, a linguagem característica desse grupo. Mas não raro, as mulheres tendem a liderar processos de mudança lingüística, estando muitas vezes, uma geração à frente dos homens. Tal tendência delineia-se no estudo de Labov (1966).

Quando se trata de implementar na língua uma forma socialmente prestigiada, as mulheres preferem assumir a liderança da mudança. Ao contrário, quando se trata de forma socialmente desprestigiada, as mulheres são mais conservadoras e os homens tomam a liderança do processo.

Na sociedade, com a diminuição das fronteiras entre papéis masculinos e femininos.

O domínio maior ou menor do registro culto da língua depende destas muitas variáveis. Entre essas se destacam aqui o compartilhamento da experiências, a consciência do grau de prestígio atribuído a cada participante do processo interativo e o esforço de cada interlocutor em dar conta das tarefas comunicativas de modo a garantir êxito nos contextos em que quer ser protagonista.

 

PESQUISA DE CAMPO

A linguagem é um processo mental de manifestação do pensamento e de natureza essencialmente consciente, significativa e orientada para o contato interpessoal. Assim as atividades que o locutor realiza para estruturar o seu texto de modo que possa ser compreendido pelo interlocutor podem ser denominadas atividades de formação textual. A formulação de um texto por parte do locutor pode ocorrer de maneira fluente – stricto sensu, isto é, sem dificuldades ou tropeços, ou de maneira disfluente – lato sensu, em caso contrário.

Analisando a linguagem oral de 30 alunos do 9º ano de escolaridade, pôde-se observar por parte de alguns alunos uma dificuldade extrema em se expressar. Neste caso, as falas são pequenas, com tom de voz baixo e em poucos turnos, onde os falantes respondem estritamente o necessário e não conseguem iniciar o turno ou o tópico discursivo.


 

Análises stricto e lato sensu

A formulação stricto sensu é, portanto, aquela em que o falante constrói seu enunciado sem maiores tropeços.

Observe os exemplos a seguir[4]:

F 1[5] : “eu me senti abandonado e me senti deixado para trás”

F 2: “eu acho que o que pode ser feito é você procurar conhecer primeiro a pessoa para depois falar dela”

F 22: “eu já fui agressiva, mas depois que todo mundo se afastou, eu parei de ser agressiva”

F 4: “agressivo eu não sou, ainda bem e graças a Deus”

Nos exemplos acima, os falantes organizaram seu pensamento utilizando de elementos de coesão e coerência. A posse de turno aconteceu de forma espontânea e com poucas pausas.

Na formulação lato sensu o locutor enfrenta dificuldades de processamento textual. Às vezes os problemas são detectados após a enunciação de um segmento, dando origem às atividades de reconstrução.

Percebe-se isto nos exemplos abaixo.

F 3: “com o grupo assim, aconteceu de eu tá sentado no sofá, minha mãe lá dentro. Meu filho vem cá fazer isso aqui, eu desligadão ::: teve uma vez também que uma pessoa tava no meio do jogo, o técnico teve que entrar dentro da quadra pra mostrar o lugar de tão desligado que ele tava. Tava num lugar e era pra estar em outro”

F 5: “têm vários tipos de alimentar o ser humano. Também têm outros tipos de alimentação como::: posso falar também::: estudo, alimentação, o principal é a alimentação”

F 17: “eu levei uma vaia, não gostei não. Dedo-duro, não gostei, coisa que eu não sou não, dona”

F 24: “esse papel aqui meu é muito coisa...” (não concluiu)

Nestes exemplos ocorre a presença de muitos marcadores conversacionais e também de muitas pausas.[6]

F 14: “agitada. Meio. Concordo. Não muito. Não gostei muito, não. Eu não gosto de ver ninguém parado, não”

F 8: “eu, eu achei estranho, porque ficar quieto... (não deu mais para ouvir e entender)

F 29: “não::: achei legal ::::”

De acordo com a explicitação acima, pode-se demonstrar esta divisão na tabela e no gráfico abaixo.

 

Tabela 1 – Organização

 

Fluentes/strictu

Disfluentes/lato

Total

Nº de alunos

11

19

30

%

37 %

63 %

100 %

 

Obs. 1: Na amostra analisada, observa-se que há uma acentuada diferença no resultado das formulações fluentes para as disfluentes.

Obs. 2: É importante ressaltar que a formulação disfluente possui um percentual bem elevado 63 %.

 

Variação gênero / sexo

Conforme foi explicado no item 1.4 do Capítulo I, nesta amostra houve comprovação de que os falantes do sexo feminino possuem uma linguagem organizada de maneira cuidada e um vocabulário mais consistente, determinando assim uma maior facilidade na comunicação.

F 11: “está certo de que as pessoas não descobrem isso na gente, mas têm dias que eu não estou pra ninguém”

Já os falantes do sexo masculino procuram utilizar de uma linguagem menos politizada, já que em seu vocabulário há um número maior de gírias, as frases nem sempre são pronunciadas até o final, ficando subentendido o que ia ser dito e apresentam também tópicos discursivos próprios da realidade enquanto homens.

F 1: “se não tiver solução agora, vai ter depois, porque pô, quanto mais você pensa naquilo, cada hora tem uma pessoa pra falar”

F 10: “eu, eu não, porque têm muitas mulheres que têm o corpo bonito, mas não dão valor para o seu corpo:: mas o homem não tem nada a ver, pode ficar sem camisa”

F 24: “tem que saber se reparar ôxe”

TABELA 2 – GÊNERO / SEXO

GÊNERO MASCULINO                     GÊNERO FEMININO

Nº de alunos

%

Nº de alunos

%

Fluentes/strictu

05

35 %

06

40 %

Disfluentes/lato

10

65 %

09

60 %

Total

15

100 %

15

100 %

 

Obs. 1: Referindo-se à diferença gênero / sexo, constata-se que o gênero feminino possui maior facilidade de comunicação em relação ao gênero / sexo masculino na formulação fluente, isto ocorre devido a maior preocupação com o falar e com o cuidado com o vocabulário.

 

Formulações lato senso ou disfluentes

A apresentação dos dados desta pesquisa deter-se-á nos casos em que ocorrem formulações disfluentes, pois refletem um fato importante para o professor de língua materna na amostra analisada. Esta análise será feita a partir de exemplos, não havendo necessidade de tabelas e gráficos.

Dos 37 % de falantes com dificuldade lato sensu, pôde-se observar os itens como hesitação, paráfrase, repetição e correção.

 

Hesitação

F 16: “oh, que, esse falador, todo mundo fala que eu sou muito faladora”

F 13: “e::: eu ajudo. Ah, mais ou menos. Agora foi uma coisa bem esquisita, porque chamou de preguiçoso, eu::: fazer muitas coisas”

F 10: “a de amarelo e a de vermelho é que, é que

F 6: “eu achei muito estranho, mas, mas , na verdade, eu sou meio desligado em algumas aulas, mas também sou responsável”

F 28: “amigos ::: nós precisamos de amigos”

Estes falantes procuram utilizar de marcadores conversacionais como os grifados acima para alongar as palavras, outros fazem pausas (:::), hesitam até encontrarem um termo desejado ou um objetivo como afirma Chafe (1985,078) “a fala não é uma matéria de regurgitação de materiais já estocados na mente em forma lingüística, mas é um ato criativo, relacionando dois meios, pensamento e linguagem que não são isomórficos, mas requerem ajustes e reajustes mútuos.”

 

Paráfrase

Veja esta relação nos trechos a seguir:

F 8: “eu acho ::: eu sou falador, um pouquinho, pode ser”

F 7: “e se esse papel aqui não tem nada a ver, é não tem nada a ver comigo não. Sou responsável pelas algumas coisas”

Observa-se nos exemplos acima que os falantes estão retomando o enunciado anterior para reconstruir o sentido da afirmação.

 

Repetição

Considere os exemplos:

F 5: “tem vários tipos de alimentar o ser humano. Também tem outros tipos de alimentação como ::: posso falar também ::: estudo, alimentação, o principal é a alimentação”

F 3: “as qualidades na frente, porque cada um vai ver suas qualidades e os defeitos atrás, então você está vendo os defeitos dos outros, mas não está vendo o seu. Você bota defeito em todo mundo, mas não conhece o seu”

Nestes segmentos F 5 e F 3 fazem uso da repetição dos termos “alimentação” e “defeitos” para dar continuidade ao tópico em desenvolvimento.

F 10: “as quietinhas que são ::: que gostam mais de se amostrar. Eu acho que as quietinhas são mais”

Neste outro exemplo o falante F 10 repete a expressão “as quietinhas” para reforçar e intensificar a sua opinião, porque quanto maior a quantidade de linguagem igual, em posição igual, maior o volume de informação.

 

Correção

O enunciado de F 13 é reformulado por uma pergunta de F 16 com a finalidade de garantir a intercompreensão, principal objetivo da correção e F 13 acaba fazendo a complementação do enunciado anterior.

F 13: “dona, eu não sou preguiçosa”

F 16: “você faz o que em casa”

F 13: “eu ajudo ::: ah mais ou menos, de vez em quando, quase sempre eu tenho preguiça de fazer algumas coisas”

F 7: “mais ou menos, mais para mais. Achava que era deficiente”

Neste exemplo F 7 acaba utilizando da correção para explicar melhor o grau de intensidade do seu enunciado.

As correções correspondem a um processo altamente interativo e colaborativo e, quando usadas apropriadamente, colocam-se como um dispositivo dinâmico em potencial da língua falada.

 

Os marcadores conversacionais

F 16: “daí quando eu começo eu não paro assim, mas é faladora, assim ::: no sentido assim ::: conversando com uma pessoa e ficar falando, contando, contando, assim ::: entendeu

F 26: “eu me senti triste, , além de ta mentido”

No exemplo de F 16, os marcadores conversacionais daí, assim, entendeu e são utilizados pelos locutores quando estes desejam progredir suas idéias por meio de séries cumulativas de unidades discursivas ligadas a um tópico. Este tipo de uso se efetiva particularmente através de encadeamento de ações, explicações, conclusões ou de avaliações.

 

CONCLUSÃO

A linguagem que o falante adquire desde que nasce possibilita-lhe um desempenho satisfatório em situações de comunicação oral ao entrar para a escola. Nas várias situações de comunicação de que participou, ele aprendeu que deve planejar a sua fala para que a mensagem seja compreendida pelo seu locutor. Essa vivência com o oral lhe garante, por exemplo, saber que há pelo menos um objetivo na emissão das mensagens – a comunicação.

Nas situações em que um emissor e um receptor distintos interagem, temos situações de comunicação dialógica. Nessas situações, a língua funciona como instrumento de comunicação coletiva e social. Um ato de comunicação envolve, portanto, dois pólos alternantes: um “eu” e um “outro”. O falante sabe com quem está falando, pois os interlocutores estão presentes fisicamente. Isto não quer dizer que não possam ocorrer momentos de falar simultâneos ou superpostos, momentos de pausas e hesitações. Ocorrem também situações de correção e reparos do ato comunicativo. Embora a palavra seja essencial na comunicação verbal, na verdade, todo o corpo fala e comunica. Há ainda a possibilidade de outros meios como os táteis, olfativos e visuais que se fazem presentes em boa parte das situações de mensagens orais. Os interlocutores também podem utilizar-se de outros recursos não-verbais como gestos, e expressões faciais.

Ao estudar a língua em uso numa comunidade escolar, defrontamo-nos com a realidade da variação. Coletado os dados em situações reais de comunicação, buscaram-se exemplares da língua em uso num contexto social e pôde dirigir, assim, seu foco de interesse imediato para seus condicionamentos externos.

O domínio melhor ou pior da expressão oral dos falantes ocorreu de acordo com estas variáveis. Entre elas observam-se aqui a aquisição das experiências, a consciência do grau de prestígio atribuído a cada participante do processo interativo e a forma de cada interlocutor dar conta das tarefas comunicativas de modo a permitir performances satisfatórias nos contextos em que quer figurar. Isto justifica o resultado obtido na amostra analisada em relação aos 30 falantes do 9º ano de escolaridade, pois apresentaram um estágio diferente na forma de expressar o raciocínio através da linguagem oral. Importante é reconhecer que alguns falantes obtiveram um número considerável de baixa fluência em sua comunicação e mais necessário ainda é a escola, representada pela figura do professor, perceber que este problema detectado precisa de um trabalho específico e coerente para a mudança deste diagnóstico, realçando o papel social da linguagem enquanto fator fundamental de inclusão destes falantes na sociedade como cidadãos críticos e capazes de modificar a realidade a qual pertencem.

Com relação à influência crucial do gênero / sexo feminino nos primeiros estágios da aquisição da linguagem, observou-se uma maior sensibilidade nas mulheres em relação ao gênero / sexo masculino.A análise da correlação entre gênero / sexo e a variação lingüística tem de, necessariamente, fazer referência não só ao prestígio atribuído pela comunidade às variantes lingüísticas como também à forma de organização social desta comunidade de fala. Os padrões de correlação nesta pesquisa diferenciaram, porque mais do que diferenças biológicas e diferenças no processo de socialização, mais importante é o papel que comunidade atribui a homens e mulheres.

Desta forma, percebe-se que o aluno com dificuldade de expressão oral precisa participar de atividades que o leve a ter segurança ao expor suas idéias e pensamentos. E, na escola, com professores comprometidos, o falante terá a oportunidade de adquirir as habilidades e competências lingüísticas necessárias para resolver seus problemas de comunicação em toda e qualquer situação em eu tenha que atuar usando a língua.

Enfim, um tema tão complexo não permite ter sua amplitude atingida num só trabalho de pesquisa, sendo merecedor de novos estudos para que se possa esclarecer melhor como e quando são desenvolvidas as habilidades metalingüísticas e possa revelar quão flexível é o ato da comunicação.


 

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[1] Câmara Jr, (1969:  223). “sistema de sons vocais por que se processa numa comunidade humana o uso da linguagem.”

[2] Prosódicos abrangem os contornos entonacionais como tom de voz, ritmo, velocidade, alongamentos de vogais, etc.

[3] Não-lingüísticos são o riso, o olhar, a gesticulação e exercem uma função fundamental na interação face a face.

[4] Os exemplos em princípio podem parecer incoerentes, mas não o são, pois pertencem a um determinado contexto, não pertinente a esta análise.

[5] Leia-se F 1 como falante um. Os alunos serão apresentados através de números para preservar a identidade dos mesmos.

[6] O grifo nos exemplos é nosso.