As categorias morfossintáticas
e o gênero dos nomes
Dimar Silva de Deus (UNIPAULISTANA)
dimmar@gmail.com
Introdução
Em Morfologia, categoria é designativo de conjunto de propriedades que se associa a determinada parte do discurso, tais como Caso, Pessoa, Tempo, Modo, Aspecto, Voz, Gênero, Número etc.
A realização de uma categoria morfossintática depende de mecanismos diversos dentro de uma construção. No caso do gênero, esse mecanismo se assenta na concordância. É por ela que vamos, em português, evidenciar se determinado nome se insere em classes de nomes masculinos ou classes de nomes femininos.
Assim, ao analisarmos o nome dente, por exemplo, dizemos que é masculino, porque, inserindo-o em um SN, temos: [o dente claro]SN em que o artigo o e o adjetivo claro evidenciam que tal nome tem como inerente o gênero masculino, inserindo-o, portanto, na classe dos nomes masculinos da língua.
Através da concordância, o artigo o e o adjetivo claro corroboram para que não haja dúvidas de que esse nome (dente) é masculino, já que, em português, contextualmente, o artigo e o adjetivo que acompanham determinado nome, dentro de um SN, terão o número e o gênero do nome que funciona como núcleo do SN.
Neste artigo, tomaremos como base Anderson (1982, 1992 e 1997), que elenca as propriedades inerentes, as propriedades de concordância, as propriedades configuracionais ou relacionais e as propriedades de constituinte como suporte para realização de uma categoria morfossintática.
Realização morfossintática do gênero
Através da concordância, o artigo o e o adjetivo claro corroboram para que não haja dúvidas de que o nome dente é masculino, já que, em português, contextualmente, o artigo e o adjetivo que acompanham determinado nome, dentro de um SN, terão o número e o gênero do nome que funciona como núcleo do SN.
Assim, no que se refere ao gênero, o nome se comporta de modo diverso do adjetivo, pois é do nome a propriedade inerente de ser masculino ou feminino, que pode ser evidenciada através da concordância com os modificadores que aparecerem no SN.
Portanto, podemos dizer que o gênero dos nomes em português é uma categoria inerente, realizada morfossintaticamente, devido aos mecanismos sintáticos que se relacionam ao seu aparecimento.
No caso em tela, o adjetivo claro torna ainda mais visível o gênero do nome dente, que tem o gênero masculino inerente, mas que, dentro do SN do qual é núcleo, já havia sido anunciado pela presença do artigo o.
Anderson (1982, 1992 e 1997) elenca as propriedades que seguem para realização de uma categoria morfossintática. São elas: as propriedades inerentes, as propriedades de concordância, as propriedades configuracionais ou relacionais e as propriedades de constituinte. Em linhas gerais, diremos que:
as propriedades inerentes são aquelas que pertencem a cada palavra e estão acessíveis à sintaxe. É a propriedade pela qual é possível evidenciar as flexões, por exemplo;
as propriedades de concordância são aquelas que dependem de outras que se fazem presentes nalgum item da estrutura sintática. Existem o controlador da concordância e os elementos alvos da construção que com ele concordam. No caso do gênero, o nome é o controlador, uma vez que ele tem o gênero como propriedade inerente, e os elementos alvos são artigos, adjetivos e certos pronomes e numerais que se relacionam com o controlador do SN, assumindo o seu gênero;
as propriedades configuracionais ou relacionais são aquelas que têm uma direta dependência de sua posição em construções mais amplas e talvez de propriedades lexicais de outras palavras em tais construções e
as propriedades de constituinte são aquelas que podem realizar-se numa única palavra da estrutura, seja no núcleo, seja na primeira ou na última palavra do constituinte.
Ora, em relação ao gênero, percebemos que a generalização expressa que a maioria dos nomes não tem uma marca, dita flexional pela maioria das Gramáticas Normativas do português, ficando tal aspecto restrito a nomes que, de alguma forma, se refiram a sexo, como nos exemplos, menin-o, menin-a, gat-o, gat-a etc.
Por outro lado, a grande maioria dos nomes prescinde dessa marca dita flexional e o comum é o falante perceber o gênero, que é inerente nos nomes, pela anteposição do artigo, dentro do SN, como nos exemplos: [o dente]SN, [a ponte]SN, [a mesa] SN, [o artista] SN etc.
Podemos dizer que a palavra, neste caso, traz em si um mecanismo que a faz operar em sintonia com a sintaxe: é a palavra morfossintática ou palavra gramatical.
É pela palavra morfossintática que damos conta das relações existentes no vocabulário da língua como também da informação gramatical que carregam.
Portanto, se considerarmos as terminações -o, de menino e gato, ou -a, de menina e gata, exemplos elencados acima, tais informações ser-nos-iam dadas pela própria palavra como marcas flexionais de gênero. Essa é a postulação da maioria das gramáticas normativas. Entretanto, a par da palavra morfossintática, há de se considerar as propriedades morfossintáticas, pois um modo seguro de representar o conhecimento que o falante tem de sua língua é propor a interação dos vários níveis da representação gramatical. Podemos assim dizer que a Morfologia interage com todos os outros níveis de representação, inclusive com a Sintaxe, resultando, então, a palavra morfossintática. Ou seja, uma parte (ou subcomponente) da Morfologia, aquela que trata da derivação e da composição, interage com o léxico; outra, aquela que trata da combinação de radicais e propriedades morfossintáticas, interage com a Sintaxe.
Assim, podemos resumir: se a interação entre a Morfologia e o Léxico tem como resultado a derivação, da interface entre a Morfologia e a Sintaxe resultará a flexão, que é nosso material de trabalho nesta dissertação, e, como já firmáramos anteriormente, seguimos Anderson (1992) quando diz que “flexão é precisamente o domínio em que os sistemas de regras sintáticas e morfológicas interagem”. Dizemos, então, que disto resulta que um lexema é passível de combinar-se com as propriedades morfossintáticas.
Para Anderson, existem as variações que abrangem as classes de palavras como um todo e que completam uma palavra pela marcação de suas relações no interior de estruturas mais amplas. É, portanto, o caso da flexão.
Características morfológicas e sintáticas
A tradição gramatical greco-latina já elencava três características para as palavras: as características semânticas, as características morfológicas e as características sintáticas.
Interessam-nos, neste trabalho, as características morfológicas — dizem respeito às flexões nos nomes e nos verbos — e as características sintáticas — referem-se aos fenômenos ligados à concordância e à regência —, por estarmos postulando ser a designação de gênero nos nomes do português um fenômeno morfossintático, ou seja, o gênero, sendo inerente nos nomes do português, é evidenciado através de um mecanismo sintático.
Dixon (1997: 19) observa que, em inglês, o nome pode ser identificado pela co-ocorrência com o artigo, mas que no latim, língua que não possui, a rigor, artigos, a identificação se faz pelas marcas flexionais[1].
Essa observação é importante para nosso trabalho devido ao fato de que, no português, como no inglês, a maioria dos nomes se estampa na estrutura do SN pela co-ocorrência com o artigo. Tal fato nos interessa ainda mais quando postulamos que o gênero dos nomes no português, como já disséramos, apesar de ser uma característica inerente a cada um, prescindindo de uma marca flexional, pode ser evidenciado pela anteposição de um artigo.
E quando um adjetivo biforme se junta a um nome e assume as características gramaticais deste, através da concordância, evidencia-se, a partir dessa mesma concordância, o gênero do nome, que já se havia tornado nítido através da anteposição do artigo. Mais uma prova, portanto, da existência de um mecanismo morfossintático para a identificação do gênero dos nomes no português.
Como exemplo, tomemos dois nomes que não trazem as marcas flexionais (-o ou -a), comumente elencadas pelas gramáticas normativas como desinências de gênero. Tomemos então, para exemplificar a explicitação do gênero pela anteposição do artigo, acoplada à posposição do adjetivo, os nomes parede e dente.
Assim teremos:
[a parede amarela] SN e
[o dente amarelo] SN
Observando a maneira como se processou a concordância entre o nome parede e os determinantes a e amarela, e entre o nome dente e os determinantes o e amarelo, podemos afirmar que a concordância, de fato, é um modo seguro para expressar a categoria gramatical de gênero dos nomes.
A partir disso, podemos referir que o artigo sofre flexão de gênero (além da flexão de número), sendo sempre o marca de masculino e sempre a marca de feminino.
Quanto aos nomes, como vimos postulando, tal marca flexional explícita é acidental e ocorre apenas para uma parcela dos nomes que designam seres animados, ou com algum status de sexo. Portanto, o gênero dos nomes no português é uma categoria inerente, realizada morfossintaticamente e evidenciada através da concordância no SN[2].
Assim, o artigo per si não pode constituir-se na palavra do enunciado, porque ele só tem razão de ser acompanhado de um nome. Disso deriva que esse elemento, o artigo, tem função primordial de evidenciar as relações gramaticais dentro de um sintagma.
Dizemos, então, que o artigo é um tipo de palavra que só tem um significado gramatical dentro de uma estrutura de formação em que se leva em conta a categorização morfossintática.
Conclusão
Podemos dizer que o nome determina o gênero das palavras do entorno do SN do qual é núcleo, pois o artigo e adjetivos, que eventualmente façam parte desse SN, são flexionalmente determinados pelo nome, que, na maior parte das vezes, não traz uma marca flexional. Nesse sentido, sugerimos que o mecanismo de gênero se assenta na concordância e é por ela que ele se evidencia em português.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSON, S. R. Where´s morphology. Linguistic Inquiry, v.13, 1982.
––––––. A-morphous morphology. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
––––––. Morphology and the architecture of grammar. Súmula das aulas do V Encontro de Estudos em Gramática Gerativa. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
COMBA, J. Gramática latina. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1991.
CORBETT, G. G. Gender. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
[1] Como no português, parece-nos que o gênero é também uma característica inerente aos nomes latinos. Comba (1991:20) não faz nenhuma referência a marcas flexionais diferenciadas de gênero, quando se refere aos nomes das várias declinações latinas. Assim, ao se referir aos nomes da segunda declinação, ele diz que "os substantivos masculinos e femininos da 2.ª declinação se flexionam como anulus, i (m)", em que m é igual a masculino. Na verdade, em se desconhecendo o gênero de um nome latino, é melhor consultar o dicionário, que, com certeza, trará uma anotação neste sentido. Somente para ilustrar, tomemos alguns exemplos latinos nos quais queremos mostrar que, de fato, nessa língua, a marca de gênero é característica inerente aos nomes, mas que pode ser evidenciada através da concordância com o adjetivo, por exemplo, segundo aquela regra que aprendemos nas aulas de Latim, que diz que o adjetivo concorda com o nome a que se refere em gênero, número e caso. Segundo Comba (1991: 41), "os adjetivos, chamados de 1.ª classe, declinam-se como anulus no masculino, como rosa no feminino, como bellum no neutro", assumindo, portanto, as desinências da 2.ª declinação para masculinos e neutros e da 1.ª declinação para os femininos. Exemplificando: [famula bona]SN (criada boa, com bona assumindo desinência da primeira declinação, por ser famula um nome feminino); [agricola sedulus]SN (agricultor laborioso, com sedulus assumindo desinência da segunda declinação, referente aos nomes masculinos, por ser agricola um nome masculino); [verbum ferum]SN (palavra feroz, com ferum asumindo desinência da segunda declinação referente aos nomes neutros, por ser verbum um nome neutro). Ou seja, não há desinências afixadas aos nomes latinos para designação de gênero, mas são afixadas aos nomes apenas as desinências habituais que definem o caso em questão (nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo), referente à função sintática que o nome assume no sintagma oracional.
2 Não estamos preocupados, neste trabalho, em discutir quais são os critérios utilizados para fixação do valor de gênero aos nomes do português, ou seja, por que tal nome é masculino e não feminino, enquanto outro é feminino e não masculino, ou por que a certos nomes está associado determinado valor de gênero e não outro. Em relação a isto, aconselhamos uma consulta a Corbett (1991), quando o autor trata dos critérios semânticos, formais, morfológicos e fonológicos na atribuição do valor de gênero aos nomes de várias línguas, inclusive o português.