“RECOLHE A REDE PARA PROCURAR O ABRIGO
ORAÇÃO REDUZIDA?

Violeta Virginia Rodrigues (UFRJ)
Evelyn Cristina Marques dos Santos (UFRJ)
Mayara Neres Matos (UFRJ)

 

A visão tradicional

O presente trabalho tem como objetivo a análise e a comparação do tratamento dado às orações adverbiais reduzidas nas gramáticas tradicionais. Por meio deste procedimento, foi possível constatar que todos os gramáticos concordam que, para uma oração ser reduzida, ela deve ser introduzida por uma forma nominal. Sendo assim, as orações reduzidas diferem das desenvolvidas pelo fato de estas terem um elo de coesão explícito com sua oração principal. É possível, portanto, constatar, em Rocha Lima (2003: 262) que “as orações reduzidas (ou, noutra terminologia – implícitas) têm o verbo numa das formas infinitas ou nominais: o infinitivo, gerúndio, ou o particípio”. Bechara (2003), também, apresenta definição semelhante para estas orações e acrescenta que elas devem apresentar autonomia sintática dentro do enunciado.

O que motivou o interesse por tal tema foi a constatação de que, nessas gramáticas, há uma certa incoerência no que se refere às definições dadas às orações reduzidas e aos exemplos apresentados para ilustrá-las. Elas tratam as orações sublinhadas como em a) “Chegando, foi dormir”, b) “Ao chegar, foi dormir” e c) “Depois de chegar, foi dormir” da mesma forma, ou seja, as três são classificadas como reduzidas. No entanto, em sentido restrito, para uma oração ser reduzida, não pode haver nenhum conectivo entre ela e sua oração principal, como se verifica em (a). Já em (b) e (c), observa-se a presença de conectivos, a preposição “ao” e a locução prepositiva “depois de”, respectivamente.

Para melhor observar a ocorrência destes casos e verificar como se comportam, recorreu-se a um corpus coletado do Projeto VARPORT (Variedades do Português), em que se analisou um total de 657 inquéritos orais e escritos do século XX, dentre os quais 334 são do português brasileiro e 323 do português europeu.

O presente estudo integra-se ao projeto de pesquisa “Para uma descrição da língua padrão: o uso das conjunções subordinativas”, que investiga o comportamento dos conectores no âmbito das orações subordinadas adverbiais e que ainda se encontra em desenvolvimento.

Destaca-se que a análise das ocorrências encontradas baseou-se na perspectiva funcional-discursiva, utilizando, portanto, como suporte, os trabalhos de Decat (2001) e Neves (2003). Desta forma, ao classificar as orações encontradas, não se focalizou apenas o nível da sentença, mas se priorizou, também, a descrição delas no nível do discurso.

Decat (2001) afirma que uma cláusula adverbial tem, mais do que uma função gramatical, uma função discursiva, que orienta o interlocutor a um melhor entendimento da mensagem que se quer transmitir. A autora, ainda, esclarece que, em uma cláusula adverbial, o que decide o conteúdo semântico mais relevante de uma proposição é o contexto discursivo, esteja esta cláusula com conectivo conjuntivo ou justaposta, o que é o foco deste trabalho.

Neves (2003) atenta para a necessidade de se estender a análise das relações adverbiais para além da oração, ou seja, para o discurso. Sendo assim, a autora defende a incorporação da pragmática na gramática, o que irá possibilitar uma melhor organização do fluxo informacional.

No que se refere, especificamente, a ocorrência dos itens preposicionais como articuladores sintáticos, encontraram-se nos trabalhos de Barreto (1999) e Poggio (2002) informações relevantes que serão apresentadas ao longo deste trabalho.

Vejam-se os seguintes exemplos retirados do corpus:

Ex. 1: Infinitivo sem conectivo

“Estou aqui de passagem. Venho aqui visitar as meninas do turismo que são muito simpáticas”.  (OC-P-70-3F-003)


 

Ex. 2: Infinitivo com conectivo

Antes de dormir eu tomava café... café com pão... que minha avó me acostumou”.           (OC-B-9C-2M-001)

 

Ex. 3: Gerúndio sem conectivo

O Dr. Oscar Sayão, Presidente do Tiro da Academia de Commercio, usando da palavra, offereceu a festa ao 2º Tenente Lauro Loureiro de Souza”.                                                                              (E-B-91-JN-023)

 

Ex. 4: Gerúndio com conectivo

Em tendo uma certa idade, se a gente não os tira da mãe e do pai, vai os pais matam-nos com os bicos.”    (OP-P-70-2M-003)

 

Ex. 5: Particípio sem conectivo

Terminada esta parte da festa, deu-se inicio à parte esportiva”.            (E-B-91-JN-023)

Observa-se que os exemplos 2 e 4 diferem dos demais por não serem introduzidos diretamente por uma forma nominal. Por esse motivo, estas orações não podem ser consideradas reduzidas, uma vez que há a presença da locução prepositiva “antes de” e da preposição “em”; por outro lado, elas não são desenvolvidas, pois o verbo não está flexionado. Sendo assim, optou-se por chamar as orações que têm o verbo não-flexionado, mas que são iniciadas por um conector, de orações justapostas com conectivo, adaptando-se, assim, à proposta de Decat (2001).

Com a coleta/análise dos dados, foi possível detectar que, dentre as três formas nominais do verbo, foram as de infinitivo que favoreceram uma alta produtividade de ocorrências junto a conectivos (preposição ou locução prepositiva) - como podemos ver no quadro a seguir – por esse motivo, optou-se por estudá-las.


 

Quadro I:
Distribuição das formas nominais do verbo
quanto à presença/ausência de um conectivo

Forma nominal

Ausência de conectivo

Presença de conectivo

1. Infinitivo

452 (95%)

20 (5%)

2. Gerúndio

7 (5%)

161 (95%)

3. Particípio

0 (0%)

17 (100%)

A fim de identificar o papel que um conector exerce nas orações reduzidas e desenvolvidas, observou-se, de acordo com Cunha & Cintra (2002), que somente estas podem ser introduzidas por um nexo subordinativo.

No entanto, conforme ilustra o quadro acima, há uma relação de dependência entre a oração justaposta com elo prepositivo e sua matriz. Isso ocorre, primeiramente, porque apresentam uma relação subordinante/subordinado e, por esse motivo, é considerada oração subordinada. Em segundo lugar, porque a preposição/locução prepositiva, assim como a conjunção, pressupõe um encaixe.

Por esse motivo, buscou-se, ainda, justificar o aparecimento de um articulador sintático prepositivo nas relações adverbiais que apresentam forma nominal infinitiva, visto que articulam um período composto relativo a tais orações.

 

Preposições como articuladores sintáticos

De acordo com Cunha & Cintra (2002), preposições são palavras invariáveis que relacionam dois termos de uma mesma oração, sendo o primeiro deles (antecedente) completado ou explicado pelo segundo (conseqüente). Do mesmo modo, Câmara Jr. (1976) considera que as preposições, apesar de serem conectivos subordinativos, estabelecem uma relação entre vocábulos e não funcionam como articuladores sentenciais.

No entanto, conforme afirma Poggio (2002), a preposição pode ser vocabular ou oracional, a depender do contexto. Assim, se ela relaciona vocábulos, é uma preposição lato sensu e, ao estabelecer relações em cláusulas, é uma conjunção subordinativa lato sensu.

Barreto (1999) afirma ainda que, desde o latim corrente, a preposição é um elemento principal na constituição de conjunções. Devido a essa consideração, conclui-se, sincronicamente, que elas desempenham as mesmas funções (conectivos).

Para exemplificar essa análise, listam-se abaixo cláusulas do PB e do PE nas modalidades oral e escrita:

Ex.1: Por ter regressado e ter reassumido o comando da escola técnica do exército, apresentou-se ao Ministro de Guerra, o General Emílio Franklin Rodrigues”.                                                       (E-B-92-JN-021)

Ex.2: “Vende... muitas pessoa aparece aqui pra comprar o peixe”.          (OP-90-B-1m-007)

Ex.3: “Austin está na moda porque é o carro que melhor obedece às mãos delicadas das senhoras sem lhes causar aborrecimentos com avarias importunos”.                                                      (E-P-93-JA-006)

Ex.4: “O anônimo epistológrafo (...), ao confessar-se publicamente admirador e partidário das corridas de touro, gravemente ofendeu os da parte contrária”.                                                               (E-P-92-JE-005)

A partir desses exemplos, nota-se que essas orações apresentam um nexo subordinativo de um termo subordinante em relação a um subordinado cuja ligação é estabelecida por um articulador sintático prepositivo. Este, por sua vez, conecta essas cláusulas de modo a assumir um valor conjuntivo de relacionar sentenças, cuja função é uma extensão daquela inicialmente proposta, a de manter relações com vocábulos.

Dentre os vinte e um (21) conectivos encontrados no corpus utilizado, pretende-se apontar que preposições/locuções prepositivas foram mais recorrentes ao encabeçarem uma cláusula justaposta. Isso pode ser constatado no quadro a seguir:


 

Quadro II[1]:
Distribuição dos conectivos mais recorrentes na forma nominal de infinitivo

Elos Coesivos

Total de ocorrências

Para

282    (62,3%)

Ao

36      (8,0%)

Sem

33      (7,3%)

Por

31      (6,9%)

Depois de

14      (3,0%)

A

13      (2,9%)

A partir do quadro acima, ratifica-se a idéia de Poggio (2002:285) de que “algumas preposições estenderam seu uso da função inicial de relacionar vocábulos para a função conjuntiva de relacionar sentenças, fato que está documentado em latim e em português”. Há, portanto, um processo de sintaticização, ou seja, uma extensão funcional no uso das preposições. Ilustram esse processo as preposições para, sem, por, a, ao encontradas em nosso corpus (cf. Quadro II).

 

Considerações finais

Levando-se em conta que uma cláusula adverbial além de uma função gramatical tem uma função discursiva, considera-se que a combinação de orações envolve o aspecto da organização do discurso. É, pois, esse contexto discursivo que orienta o conteúdo semântico mais relevante de uma preposição/locução prepositiva na cláusula justaposta, foco deste trabalho. Por esse motivo, constatou-se que o aparecimento de articuladores sintáticos prepositivos em cláusulas que apresentaram uma forma nominal de infinitivo deu-se devido a um fator discursivo.

Assim, contrariando uma visão tradicional e estruturalista, essas preposições apresentam uma extensão de sentido e, apesar de serem conectivos subordinativos inicialmente de vocábulos, passam a subordinar também sentenças ao estabelecerem uma relação supra-oracional.

Diacronicamente, a preposição tem sido um elemento relevante na constituição de conjunções. Por esse motivo, é possível constatar que essas duas classes se imbricam ao desempenharem as mesmas funções, ou seja, a de conectivos. Assim, é compreensível que os articuladores sintáticos prepositivos funcionem como articuladores sentenciais ao lado das conjunções nas cláusulas que se apresentaram mais produtivas neste estudo, ou seja, as de infinitivo.

De fato, as orações subordinadas em a) “Chegando, foi dormir”, b) “Ao chegar, foi dormir” e c) “Depois de chegar, foi dormir”, não deveriam ser classificadas pela GT da mesma forma, pois, como foi apresentado ao longo deste trabalho, somente no primeiro período, há uma cláusula reduzida. Em sentido restrito, é o único que apresenta em uma de suas orações, uma forma nominal sem conectivo.

Para as orações com forma nominal e conectivos do segundo e terceiro períodos, há uma oração justaposta com conectivo, ou seja, uma cláusula que se junta à sua respectiva matriz a fim de envolver a organização do discurso.

Assim, há uma distinção funcional nas orações ditas reduzidas pela GT. Dever-se-ia, considerar, contudo, além de fatores estruturais, os funcional-discursivos e, assim, estabelecer essa distinção pertinente à língua em uso.

 

Referências bibliográficas

BARRETO, Therezinha Maria Mello. Gramaticalização das conjunções na história do português. Salvador: UFBa, 1999. Tese de Doutorado.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

CÂMARA JR, J. Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1976.

CUNHA. Celso F. da. & CINTRA, Luís F. L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

DECAT, Maria Beatriz N. A articulação hipotática adverbial no português em uso. In: DECAT, Maria Beatriz N. et al. Aspectos da gramática do português. Campinas: Mercado de Letras, 2001.

LIMA. Carlos H. da Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

NEVES, M. H. M. A extensão da análise dos elementos adverbiais para além da oração. In: Revista da ANPOLL, nº. 14, p.125-137. São Paulo, 2003.

POGGIO, Rosauta Maria G. Fagundes. Processos de gramaticalização de preposições do latim ao português. Salvador: EDUFBA, 2002.

RODRIGUES, Violeta Virginia. O uso das conjunções subordinativas na língua escrita padrão. In: BERNARDO, Sandra Pereira & CARDOSO, Vanda de (org.). Estudos da linguagem: Renovação e síntese. Anais do VIII congresso da ASSEL-RIO. Rio de Janeiro: Associação de Estudos da Linguagem do Rio de Janeiro, 1999.


 

[1] Na confecção deste quadro, não foram considerados os casos inferiores a 10 (dez) ocorrências por item.