FAZER TEMPO
Marcia dos Santos Machado Vieira (UFRJ)
Considerações iniciais
Este artigo focaliza um dos empregos do verbo fazer delimitados em pesquisa sobre o comportamento multifuncional desse item lexical (cf. Machado Vieira, 2001): o de marcador de tempo cronológico em estruturas como “fazer + expressão temporal” e “fazer + expressão temporal + que”. Por exemplo:
“Sábado quinze dias eu amassei. Faz agora sábado quinze dias eu amassei [pão].” (PE oral, CRPC-Lisboa, inq. “Amassar e Cozer”[pão], l. 161) [1]
“Não faz muito tempo que, no Passeio Publico, outra herma foi erguida a Olegario Mariano. (...) A posteridade tem sido, no Brasil, muito avara em premiar as grandes, as nobres existências.” (PB escrito, JB, 05/01/1940, “De corpo presente...”, p. 5)
Extensão de uso semi-gramaticalizada do verbo predicador fazer, fazer impessoal opera sobre sintagmas nominais com sentido cronológico para a indicação do somatório de tempo a partir de dois pontos (inicial e final) ou para a localização de um evento no eixo temporal. Uma análise de fazer nesse tipo de estrutura suscita questões referentes a aspectos como: (a) as alterações semânticas e sintáticas de fazer em relação ao sentido básico que tem como verbo predicador; (b) a categoria funcional a que pertence fazer impessoal; (c) a relação entre aspectos semânticos e aspectos sintáticos e sua categorização – como a ordem dos sintagmas (oracionais ou sub-oracionais) que integram a construção, a natureza deles, a presença/ausência de determinados elementos sintáticos (do conector “que” ou da preposição “desde”).
Para o tratamento desses aspectos, examina-se uma amostra de enunciados com fazer coletados em amostras do Português Brasileiro e do Português Europeu, com base em orientações da Teoria da Gramática Funcional (S. Dik, 1997), parâmetros relacionados ao processo de gramaticalização (Hopper, 1991) e algumas descrições sobre o assunto (Toral, 1992; Fernández, 1999; Soriano & Baylín, 1999; Bechara,1999).
O verbo predicador fazer
O verbo predicador pleno fazer requer dois argumentos nucleares, que se manifestam como termos Sujeito e Objeto.
"(...) tabatinga é um material que eles usa pra fazer tijolo... tijolos... mistura com o barro pra fazer tijolo né?" (PB oral, APERJ, MAC110C)
Constrói uma predicação que condensa as noções de ação e causalidade, pois envolve: um participante AGENTE – entidade animada controladora, ou conceptualizada como tal, que determina se um certo estado de coisas ocorrerá ou não (no exemplo 3, “eles”); e um participante META/EFEITO inanimado e controlado, ou assim conceptualizado, que muda de estado/condição ou passa a existir (no exemplo, “tijolo(s)”), sob a ação do agente sobre este ou sobre a matéria-prima com que ele constitui a meta (“tabatinga com o barro”, no exemplo). O evento ativo/causativo implicado por fazer é, então, [+ controlado] e [+ dinâmico] e pauta-se nas seguintes propriedades: intencionalidade (o agente objetiva alguma mudança no estado da meta), responsabilidade (o agente é o responsável pela mudança, a fonte de energia da ação), controle (o agente controla a ação), manipulação do estado físico ou da condição da meta (alteração física efetiva).
Essa configuração do nível básico de categorização de fazer é a que envolve participantes do mundo referencial, possui a estrutura prototipicamente atribuída à predicação transitiva e representa a acepção estabelecida em primeiro lugar por lexicógrafos e outros estudiosos.
Existem, também, exemplos com fazer nos quais não transparece, plenamente, o significado apresentado anteriormente, apesar de o verbo manter a sintaxe transitiva da construção básica e funcionar como verbo predicador. Fazer ocorre, nesses casos, como uma espécie de “substituto” de predicado verbal específico. Seu conteúdo semântico é variável e só pode ser recuperado mediante informações textuais e/ou situacionais. Evidenciam o caráter plurissignificativo do verbo predicador não-pleno fazer os dados:
“(...) um motor DCM-WM num barco que anda bem... ele faz oito... nove milha por hora” (PB oral, APERJ, MAC171B) [@ percorre]
“então tem um lugar no ( ) que é o SENAC... eles ( ) ... eles fazem um curso profissionalizante né... então pra garçom... (PB oral, NURC, AC020) [@ freqüentam; organizam; oferecem]
O segundo enunciado ilustra uma ocorrência de fazer cuja interpretação depende do conhecimento da situação discursiva: o referente do pronome “eles” é “professores” ou “coordenadores do curso”, e o significado desse verbo corresponde a “preparar, elaborar, organizar ou oferecer”; se o referente fosse “alunos”, o verbo já corresponderia a “freqüentar, assistir a”.
Construções com marcador temporal fazer
Principais características
As construções com marcador temporal fazer caracterizam-se por expressarem um estado de coisas que não explicita um argumento agente/causa (causador ou produtor), uma estrutura que não tem sujeito gramatical[2]. Os traços de controle, agentividade (intencional ou acidental) são anulados. Apenas o efeito é explicitado.
Esse uso de fazer não admite todas as formas de flexão de pessoa e número: só ocorre na 3a pessoa e, segundo a norma culta padrão, no singular.
O sintagma nominal com valor temporal (Sntemporal) que se articula a fazer e se refere a “tempo cronológico” apresenta as seguintes características:
(i) tem como núcleo um substantivo que indica uma “medida de tempo” (por exemplo, dia, semana, mês, ano, década, século, tempo, instante) e que pode ser contável ou não-contável;
(ii) não pode ser substituídos por pronome átono correspondente (“Faz, este mês, dois meses que não chove. / *Só não os faz se acontecer um milagre!”);
(iii) pode ser anteposto (numa ordem mais marcada) ou posposto a fazer (“Muito tempo faz que não danço.” / “Faz muito tempo que não danço.”);
(iv) não ocorre com artigo definido; aparecerá artigo no caso (mais raro) de o substantivo que indica medida de tempo ser antecedente de uma relativa com fazer impessoal (“Pensava nos (muitos) meses que fazia que seu marido havia partido.” ou “Lembrava o tempo que fazia que ela não o via.”).
Assim, a referência a “transcurso de tempo” pode ocorrer mediante estruturas sintáticas distintas:
(a) fazer + SNtemporal + que + SO
“(...) Ainda este mês, em seu penúltimo dia, faz trinta e cinco anos que Patrocínio morreu (...)” (PB escrito, JB, 05/01/1940, “De corpo presente”)
(b) fazer + SNtemporal + SO ou SO + fazer + SNtemporal (mais comum, segundo estudiosos do tema)
“(...) Faz agora Sábado quinze dias eu amassei (pão) .”
Essas estruturas podem apresentar variantes no que tange à ordenação dos elementos lingüísticos (como se verifica, por exemplo, em Que Patrocínio morreu, faz trinta e cinco anos ou Eu amassei pão faz quinze dias). A elas, somam-se outras possibilidades combinatórias não-documentadas no corpus até então examinado:
(c) fazer + SNtemporal + desde que + SO
(...) Ainda este mês, em seu penúltimo dia, faz trinta e cinco anos desde que Patrocínio morreu (...)
A preposição “desde/de” indica o evento/estado de coisas que marca, no tempo, o ponto inicial a partir do qual se constata um determinado período de duração, estabelecendo-se uma contagem de tempo.
(d) fazer + SNtemporal + desde + SN
(...) Ainda este mês, em seu penúltimo dia, faz trinta e cinco anos da/desde a morte de Patrocínio (...)
(e) SN + fazer + SNtemporal + SV
A morte de Patrocínio faz trinta e cinco anos consta neste texto jornalístico (...)
Observe-se, ainda, que fazer pode ocorrer, num enunciado, apenas com o SNtemporal quando o interlocutor recupera, no discurso ou no contexto sócio-comunicativo, o estado de coisas ao qual a construção faz referência, como é o caso das respostas:
“– Você não estuda?! – Ih:::! Faz muito tempo!”
“– Já alugou a casa? – Faz mais de uma semana.”
Cogita-se que as possibilidades estruturais mencionadas anteriormente decorrem de variações semânticas, ainda que sutis. Soriano & Baylín (1999: 27.3.2, p. 1749) comentam, por exemplo, que alguns autores relacionam as estruturas (a) e (b) supracitadas a fatores do discurso: na primeira (com o conector “que”), a expressão temporal é a informação nova; enquanto, na segunda (sem “que”), <fazer + SN> anteposto introduz informação velha/conhecida. No entanto, nem sempre é exatamente isso que se verifica. A título de ilustração, pode-se citar o primeiro exemplo citado, em que a informação nova está justamente na idéia de tempo, em “faz agora sábado quinze dias” (o assunto já era “amassar e cozer pão”) e a estrutura escolhida foi a (b). Acredita-se que, em qualquer uma das duas estruturas, a expressão de transcurso de tempo (fazer + SNtemporal) poderá ter caráter de informação nova ou velha, a depender do contexto.
Talvez a questão da escolha da estrutura esteja relacionada, na verdade, não ao caráter novo ou velho da informação, mas à perspectiva de apresentação do transcurso de tempo: a referência cronológica é enfatizada ou não. Supõe-se, por exemplo, que a diferença entre “Faz dois anos que conheci João”, “Faz dois anos conheci João” e “Conheci João faz dois anos” consista no fato de, nos dois primeiros exemplos, a circunstância temporal estar em destaque no discurso e, no último, não. Nesse sentido, entende-se que o falante pode contar com duas estruturas para pôr a expressão de tempo decorrido em destaque: (1) a estrutura Fazer SNtemporal que e (2) a estrutura Fazer SNtemporal anteposto. Para apreender melhor esse fenômeno seria interessante estudá-lo em termos prosódicos.
Categorização funcional
O uso impessoal de fazer e os sintagmas a ele relacionados são tratados de modo distinto pelos estudiosos do tema.
Segundo Toral (1992: 112) e Soriano & Baylín (1999: 1749), alguns consideram fazer “elemento introdutor de frases temporais” com função semelhante à de uma preposição (“desde”) que rege um SN, tendo o conjunto (fazer + SN) valor de “complemento temporal”. Toral (1992: 37-38) também comenta que há autores que defendem a análise do “que” como completivo, mas com valor de complemento circunstancial de acontecimento (por exemplo, “Faz dez dias que chegou” – “dez dias” = objeto direto e “que chegou” = circunstancial de acontecimento que pode ser substituído por “de sua chegada”); há outros que analisam o “que” como relativo cujo antecedente seria um segmento temporal elíptico que, por ser também temporal como o “implemento”, propiciaria confusão (por exemplo, “Faz dez dias (desde o momento em) que chegou”); há ainda os que consideram que (a) a proposição introduzida por “que” teria um valor adjetivo e (b) esse “que” (relativo) teria por antecedente o complemento direto de fazer e, assim, poderia ser interpretado como “desde que” por conta do valor temporal que o seu antecedente lhe cederia.
De acordo com Bechara (1999: 504), o que introdutor da oração que se segue à construção fazer + expressão temporal pode ser interpretado como (a) introdutor de oração subordinada adverbial temporal (interpretação mais comum), (b) introdutor de oração subordinada subjetiva e (c) palavra memorativa que “relembra, na oração principal, a partir de que fato se faz alusão ao tempo na oração subordinada anterior” (justaposta). Cita, ainda, autores que indicam para o caso um processo de gramaticalização: a construção fazer + expressão temporal é entendida simplesmente como “adjunto adverbial de tempo”. A posição do gramático é a de que, depois do verbo fazer com sentido temporal, o transpositor que (ao que tudo indica, primitivamente integrante) assumiu, pela proximidade com a expressão temporal, a idéia de tempo e se aproximou do valor de desde que ou quando.
Este papel repetidor do relativo que parece estar presente em construções do tipo há (faz) dias (meses, anos, tempo, etc), em que já não temos um advérbio, mas substantivo cujo significado léxico aponta para o campo das expressões denotadoras de espaço ou percurso de tempo:
Há dias que não vejo,
em que também, pelo sentido, o relativo equivale a quando. Bechara, 1999: 325)
Toral (1992: 38) já interpreta fazer (i) como núcleo de uma oração que funciona como “aditamento” sem nenhum tipo de índice funcional (sem transpositor) ou (ii) como núcleo de uma oração principal que se relaciona a uma oração subordinada introduzida por um “que Completivo” – um “que” transpositor da oração que introduz a categoria substantiva. Observa que uma oração como “Faz duas horas que ela viajou” pode ser parafraseada por “Faz duas horas de/desde sua viagem”. A autora substitui a oração transposta pelo “que Completivo” por um SP para pôr em relevo a categoria dessa oração, que ela considera um “aditamento”. Assim, para ela, fazer, nesse tipo de estrutura (seguido da conjunção “que”), tem implícita a preposição “desde” (indica o tempo transcorrido desde um momento concreto). Propõe, então, os seguintes esquemas sintáticos básicos para as construções com o predicador fazer com referência a “tempo cronológico”:
(1) “Fazer” + substantivo cronológico
Núcleo verbal Implemento
(2) “Fazer” + substantivo cronológico + “que-completivo”
Seu vínculo com a categoria de verbo predicador pauta-se em parâmetros, tais como: (a) a relação de complementação entre o SN com referência temporal e fazer[3]; e (b) a possibilidade de parentesco semântico entre fazer impessoal temporal e certas ocorrências de fazer pessoal com referência a operações aritméticas (“Amanhã Joanita faz/completa dezoito anos amanhã”)[4].
Uma hipótese de Toral (1992) para explicar o emprego impessoal temporal de fazer seria a de sua equivalência com o verbo haver causada por um processo de assimilação de propriedades deste. A autora menciona estudiosos que documentam o uso de “hacer” (fazer) em lugar de “haber” (haver) no espanhol associado ao seguinte parâmetro: especificação do momento preciso do término da duração de um estado de coisas. Assim, hacer seria preferencialmente empregado no caso de haver especificação do cômputo exato da referência temporal resultante de um somatório (Hoy hace quince dias que me envio la carta); já haber seria mais provável no caso de não haver tal especificação, de uma referência temporal imprecisa/vaga (Habrá cinco dias que me envió la carta)[5]. Outra explicação citada pela autora para o emprego de hacer em vez de haber seria a possibilidade de confusão de haber no presente do indicativo com a preposição a.
A possibilidade de relação entre o uso impessoal de fazer e a categoria de marcador causativo advém da nuança causativa que, de certo modo, ainda persiste em fazer. Segundo Giry-Schneider (1986), nas estruturas impessoais com referência temporal, fazer pode ser encarado como uma espécie de marcador causativo atípico que incide, na estrutura semântica, sobre cláusulas mínimas com verbo existencial “haver” ou “ter”, absorvendo-o na estruturação sintática.[6] Esse uso afasta-se, entretanto, da categoria de marcador causativo, entre outros motivos, porque se especializa na indicação de transcurso de tempo (e não na de causalidade) e não focaliza a relação entre evento-causador e evento-resultante, mas explicita apenas este. Além disso, fazer pressupõe semanticamente um argumento causa FORÇA (uma força da natureza) que não se explicita e que não tem caráter [+ animado] e [+ agentivo].
Sua caracterização como constituinte semi-gramaticalizado de expressão adverbial temporal (equivalente a “desde que (...), quando (...)”) baseia-se nestes indícios: (a) no fato de assumir com o SN temporal (que não tem comportamento de “objeto afetado”, como ocorre na estrutura de verbo predicador pleno) uma unidade sintático-semântica com um significado específico (de “ter passado um determinado lapso de tempo, desde certo fato”); (b) na configuração sintática relativamente fixa e previsível desse tipo de construção (“fazer + expressão nominal indicadora de período de tempo (+ que)”); (c) na mobilidade dessa estrutura no enunciado (Faz uma semana encontrei o livro/Encontrei o livro faz uma semana); (d) na possibilidade de substituição dessas estruturas por adjuntos adverbiais ou advérbios (Cheguei de viagem faz um mês/no mês passado/ontem); (e) no fato de fazer não admitir todas as formas de flexão de pessoa e número, ocorrendo na terceira pessoa e, de acordo com a norma culta padrão, no singular; e (e) na especialização semântica que revela (indicação de tempo decorrido); (f) no fato de fazer só poder ser substituído por um conjunto bastante limitado de verbos (ter e haver com comportamento semelhante) ou que que a ele se relacionem apenas semanticamente (“completar-se”, “perfazer”, “somar”).
Alguns outros aspectos examinados permitem mostrar o estatuto funcional híbrido do uso impessoal de fazer no continuum léxico-gramática, seu caráter semi-gramaticalizado.
(i) O emprego da preposição “desde” antes de fazer + SN temporal parece inaceitável e agramatical com o conteúdo lexical que ainda persiste em fazer (*Desde faz quinze dias eu amassei (pão); *Estou estudando desde faz dois meses). Já antes de haver + SN temporal é aceitável, a depender da informação veiculada (duração a partir de um ponto no tempo): Estou estudando desde há dois meses. Na função de expressar tempo decorrido, parece que fazer difere um pouco de haver: com fazer, a ênfase está na idéia do processo de “completar-se” um determinado período de tempo; e com haver sobressai a idéia de “existência” de certa duração de tempo ou certa localização no passado. Esse pode ser um indício de que fazer ainda não está tão gramaticalizado quanto haver impessoal em estruturas com referência cronológica.
(ii) As duas interpretações do sintagma oracional introduzido por “que” (substantiva subjetiva e adverbial, a depender do contexto) revelam, na verdade, a relação de “parentesco” existente entre essas construções impessoais com fazer e as construções pessoais em que fazer tem a acepção de “completar”, “perfazer”, “somar”, “ter”.
Joana faz dez anos amanhã.
Faz dez anos amanhã que Joana nasceu(/esse fato).
Joana nasceu(/esse acontecimento) faz dez anos.
As estruturas distintas decorrem da possibilidade de apresentar-se o estado de coisas de três perspectivas: (1) a partir do ser que completa/perfaz/tem um dado período de existência – Joana faz dez anos amanhã; (2) a partir de um acontecimento ou evento/estado de coisas cujo ponto inicial é localizado no eixo temporal ou cuja duração é estabelecida até o momento da enunciação, com a possibilidade de indicação do ponto final de referência da contagem de tempo – Joana nasceu(/esse acontecimento) faz dez anos; ou (3) a partir do próprio somatório de tempo decorrido desde um evento/estado de coisas, com a demarcação do(s) ponto(s) de referência desse somatório (inicial e/ou final) – Faz dez anos amanhã que Joana nasceu(/esse fato).
(iii) O conector que antecede essa oração também demonstra um comportamento “flutuante”: entre conector de caráter neutro (como uma conjunção integrante) e conector com valor temporal (como uma conjunção adverbial temporal). Sua função precípua é a de marcar a subordinação. Seu significado parece tão “apagado” que é até possível recorrer-se a uma preposição (como “desde”) para precisar/reforçar seu valor.
Ao ter suas propriedades de verbo predicador minimizadas, fazer renova-se semântica e gramaticalmente, assumindo função de marcar referência temporal. O verbo impessoal fazer atua, então, como um elemento funcional com propriedades que o relacionam às categorias de verbo predicador e elemento gramaticalizado (constituinte gramatical de expressão adverbial). Apresenta-se como uma extensão de uso mais próxima ao pólo lexical do continuum de gramaticalização de verbo predicador a verbo instrumental.
Para compreender melhor o estatuto de fazer nas construções em que ele sinaliza referência a tempo cronológico, é importante pesquisar construções com outros verbos que tenham emprego afim (“haver”, “ter” e “ir”). Essa proposta de investigação já está contemplada num dos subprojetos do Projeto de Pesquisa PREDICAR, “Formação e expressão de predicados complexos: polifuncionalidade verbal”, em desenvolvimento na UFRJ.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
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TORAL, Marta Pérez. Sintaxis histórica funcional del español. El verbo "hacer" como impersonal. Universidad de Oviedo: Servicio de Publicaciones, 1992.
[1] Indicam-se as fontes dos exemplos com as seguintes informações: (a) o arquivo sonoro e o número do inquérito (no caso de corpus oral); (b) o título do periódico, a data de publicação e o título do artigo (no de corpus escrito); (c) a variedade do Português (PB – brasileira; PE – européia).
[2] Vale lembrar que há línguas em que se preenche com uma partícula a posição de sujeito nesse tipo de construção (It rains; ou Il pleut/Il fait chaud). Cunha & Cintra (1985: 274-275) já fazem alusão ao fato na língua portuguesa: “Na linguagem popular ou popularizante de Portugal aparece por vezes um pronome ele expletivo, que funciona como sujeito gramatical de um verbo impessoal, à semelhança do francês il (il y a).” Segundo Mateus et alii (2003: 283), “em variedades dialectais mais conservadoras podem ocorrer sujeitos expletivos com verbos impessoais como em Ele choveu toda a noite.”
[3] À pergunta “Faz muito tempo/quanto tempo que Pedro publicou o livro?” é pertinente uma resposta em que haja somente o SN temporal, como “Uns três meses”.
[4] O sintagma nominal cronológico (“dezoito anos”) representaria o tempo resultante de uma soma. Logo, entende-se que fazer pode ser substituído por outros verbos predicadores tais como “completar(-se)”, “perfazer”, “somar”.
[5] Um estudo diacrônico das relações entre o uso impessoal cronológico de fazer e o de haver no português propiciaria mais subsídios para a explicação da motivação semântica de fazer.
[6] Por exemplo: “(...) Faz agora sábado quinze dias eu amassei.”
{ (Arg1: um fenômeno natural: Æ)Força FAZ/causa [haverv (Arg2: período de tempo decorrido: QUINZE DIAS/TRINTA E CINCO ANOS)]Meta }Predicação |