A SEMIOLINGÜÍSTA & CRÍTICA GENÉTICA –
CONSTRIBUIÇÕES
PARA A PRODUÇÃO TEXTUAL SIGNIFICATIVA
Cláudia J.G. Lemos (UNICS, VIZIVALI e SEED/PR)
Helena Mª Guareschi (UNICS, VIZIVALI
e SEED/PR)
INTRODUÇÃO
A escola tem como uma de suas finalidades
principais ensinar o aluno a ler e a escrever. No
entanto, a prática pedagógica tem revelado, um
resultado improdutivo em relação à proficiência lingüística dos alunos e à sua
capacidade criativa. Observa-se que os discentes não têm, de forma geral,
competência para interagir em seu meio/ interlocuções em que mostrem conhecer/compreender/ interpretar o mundo.
Essa
“incompetência” do aluno aponta para uma necessidade urgente da mudança de
postura do professor, principalmente, quanto ao seu aperfeiçoamento – que tem
sido pouco ou praticamente nenhum – e para a qualidade questionável não só das
atividades de produção textual, como também da avaliação e das situações de
produção. Conforme UCHÔA (1991: 64)
(...) todos sabemos que a dificuldade de escrever não é só
de nossos alunos e dos vestibulandos, é da sociedade de modo
geral – universitários, portadores de diplomas de curso superior:
médicos, engenheiros, professores de português... (estes últimos, em geral,
redigem muito pouco, às vezes só as questões de prova que organizam!)
O problema do ensino superficial, no que
diz respeito à produção textual, pode também estar no conceito equivocado que a
escola transmite do processo de significação da escrita, como se essa não tivesse
outra função que a de preencher um espaço em branco em papéis, ou de reproduzir
conhecimentos há muito estigmatizados.
Ainda, segundo
Uchôa (op. cit, p. 64-65),
Esvazia-se o sentido
da escrita, ou seja, o esforço de uma reflexão pessoalizada dirigida a um
interlocutor virtual, de sorte que a utilização da escrita não responderia,
quase sempre, a nenhum interesse de atuação sobre o leitor. É esperável, desta
maneira, que o aluno não queira ou não goste de escrever, porque a escola não
parece interessada em saber o que ele pensa ou sente. Assim, não se escrevem
textos na escola, em que o aluno diz a sua palavra nas redações, que não
representam o produto de uma reflexão ou uma tentativa de, usando a modalidade
escrita, estabelecer uma interlocução com um determinado leitor. Ele está
devolvendo, por escrito, o que a escola lhe disse, na
forma como a escola lhe disse. Anula-se, pois, o aluno e nasce,
como bem acentua certo lingüista brasileiro [Geraldi], o aluno-função. Eis a
redação.
Assim, o que os
estabelecimentos de ensino têm ofertado, nas aulas de LP, são estratégias
(dicas) para o preenchimento de uma folha em branco, um molde já pré-existente
(esqueletos), transformando a produção escrita
Compreender a distância que separa o texto que produzimos
de outros textos produzidos por outros só torna a
diferença uma forma de silenciamento quando tais textos são vistos como modelos
a seguir, e não como resultados de trabalhos penosos de construção que deveriam
funcionar para todos nós como horizontes e não como modelares. Repeti-los em
nada os lisonjeia. Tê-los em mente pode nos ajudar a julgar a relevância de
nossos textos.
As aulas de L.
P., podem e devem oportunizar inúmeras propostas de
atividades que possibilitem a produção de textos e a produção de sentidos. Assim, a escola estará contribuindo
para a formação de sujeitos autônomos, capazes
de agir sobre a sociedade em que vivem, sujeitos com
identidade e criticidade.
Dessa maneira,
acreditamos que produzir texto, um
produto construído pelo aluno – revelador de suas palavras e de sua visão de mundo – pode e deve significar a
capacidade de transformar a realidade.
A teoria Semiolingüística de Análise do
Discurso oferece um considerável arcabouço teórico para o desenvolvimento do
trabalho de produção escrita nas salas de aulas
A TEORIA SEMIOLINGÜÍSTICA
A teoria
Semiolingüística – de linha francesa
– de Análise do Discurso, defendida por Patrick Charaudeau origina-se numa
visão psico-sócio-lingüística, fundamenta-se
nas idéias de Bakhtin, desenvolvidas principalmente em duas linhas de pesquisa,
a francesa (Benveniste, Greimas, Barthes etc.) e a anglo-saxônica (Grice,
Austin, Searle etc.). Charaudeau (1995b: 98), assim define Semiolingüística:
Sémio-, vem de sémiosis,
lembrando que a construção do sentido e a sua configuração se fazem através de
uma relação forma-sentido (em diferentes sistemas semiológicos), sob a
responsabilidade de um sujeito de intencionalidade, ou seja, um sujeito que
tem, em sua mente, um projeto visando influenciar alguém: tal projeto está
encaixado no mundo social no qual vivem e circulam os sujeitos-comunicantes; lingüística, lembrando que essa forma de
ação pretendida pelo sujeito-comunicante é principalmente constituída de uma
matéria “linguageira” – a das línguas naturais – que, pelo fato de sua dupla
articulação, da particularidade combinatória de suas unidades
(sintagmático-paradigmática, em vários níveis: palavra / frase / texto), impõe
um processo de semiotização do mundo diferente do de outras linguagens.
Para que
aconteça a semiotização do mundo é
necessário um duplo processo:
O processo de transformação, que parte de
um “mundo a significar”, transforma-o em “mundo significado” sob a ação de um
sujeito falante; e o processo de transação, que faz desse “mundo significado”
um objeto de troca com o outro sujeito falante, desempenha o papel do
destinatário.
Esses processos se realizam por métodos diferentes, no entanto,
aproximam-se devido ao (P.P.) Princípio da Pertinência, que exige um saber
partilhado, construído no fim da realização do processo de transformação. Já o processo de transação depende da
intercompreensão entre os parceiros da linguagem.
O homem é um ser social
por natureza, assim, enquanto sujeito-comunicante reproduz a voz social de uma
dada comunidade, porém o lado psico-sócio-situacional lhe permite também sua
individualidade. Não apenas o individual, não apenas o coletivo: uma união dos
dois.
Dessa forma, como diz Charaudeau (1995a: 101) todo ato de linguagem carrega
em si uma intencionalidade, está
inserido em determinada situação e é
portador de um propósito de mundo. O ato de linguagem é produzido pelas
circunstâncias sociais do discurso e sua realização leva em conta o que está
explícito e o que está implícito na linguagem no ato de comunicação.
Existe assim, a urgência de explicitar não só as implicações e
diferenças entre texto e discurso, como também entre sentido de língua e
sentido de discurso, bem como, entre compreensão e interpretação.
Uma produção de texto,
vista fora de suas circunstâncias de produção, é portadora de sentido aberto,
plural, transparente, testemunha de múltiplas vozes; neste caso, estamos
realizando um discurso – a “discursividade”. Já um texto, visto em relação às
circunstâncias que o produziram, é portador de sentido plural, mais organizado,
ordenado, domesticado pela projeção de fala; neste caso, estamos realizando o
texto – a “textualidade”. Como sabemos, esses conceitos estão enraizados não só
na intencionalidade, mas também, como na situação do ato de linguagem.
A Semiolingüística trabalha com os cruzamentos compreender e
interpretar – sentido de língua e sentido de discurso – num jogo dialógico, no
qual a decodificação e a atividade inferencial caminham juntas num processo
interacional, pois o sujeito-individual sofre, naturalmente, influência do
sujeito-coletivo-social. Esses sujeitos: individual / coletivo passam, assim, a construir o sentido articulando as mais
diversas competências.
Charaudeau (2001) propõe
uma definição de competência que se relaciona com questões didáticas.
Em seu uso comum, competência baseia-se
no sucesso da linguagem cotidiana:
uma pessoa tem a capacidade de fazer algo em um determinado setor, com uma
função definida; “uma mescla de saber-fazer com um conhecimento” (op. cit,
p. 9). A partir desse conceito, o autor passa a caracterizar as várias
competências de linguagem.
Na competência situacional, privilegiam-se a identidade, a finalidade, o propósito e a situação social dos
atos de linguagem;
A competência discursiva fundamenta-se em três estratégias –
enunciativa (relação Eu / Tu); enunciatória (os modos de organização do
discurso – descritivo, narrativo e argumentativo) e semântica (valor
referencial e social dos signos – remete ao contexto compartilhado e ao
conhecimento comum);
Por fim, a competência semiolingüística, em que “todo
sujeito que se comunica pode manipular ou reconhecer a forma / função dos
signos, as regras de combinação forma / sentido” (op. cit., p. 17), de acordo com a situação e os modos de organização do discurso.
Nessa competência, é necessária uma adequação da formalização do texto
com uma determinada intenção, abrangendo
três níveis:
– um
saber-fazer em torno de composição de
textos (um sistema de coesão e de coerência interna e externa);
– um
saber-fazer em termos de construção gramatical
(construções ativas e passivas, uso de conectores e
demais categorias gramaticais);
– um saber-fazer relativo ao
uso adequado dos vocábulos (adequação ao léxico). “Toda competência é o
resultado de uma sábia mescla do saber-fazer prático com o conhecimento de uma área” (op. cit., p. 18).
Cabe à escola
formar o aluno “competente” nesses três níveis.
A teoria
Semiolingüística, baseia-se na interlocução e seu contexto imediato; essa interlocução
é desenvolvida por parceiros de troca linguageira, que estabelecem um contrato
entre quatro sujeitos – o Eu-comunicante (Euc)
e o Tu-interpretante (Tui),
desdobrando-se, respectivamente,
A
Semiolingüística mostra que todo ato
de linguagem – seja ele falado ou escrito – é uma representação comandada pelos
sujeitos externos e considera esse ato de linguagem como resultante de um
“jogo”. No jogo dos implícitos, há uma combinação entre o mundo do Dizer e o do Fazer, revelando-se assim o sentido do texto.
Vale ressaltar a necessidade não só de
que o aluno chegue ao sentido de discurso, extrapole as palavras do texto,
lance mão do mundo social-coletivo, mas, sobretudo, a de que seja um sujeito
individual diante de suas ações interativas.
Na produção de
um texto, deve-se levar em conta dados relativos à organização do texto e dados
relativos à situação de interlocução na qual se incluem o texto e seu produtor.
Observemos agora, as reflexões realizadas pela crítica genética, no que tange a
produção de texto.
A CRÍTICA GENÉTICA
Os estudos teóricos ainda são incipientes quanto à
preocupação com o processo criativo enquanto interlocutor da produção escrita.
Em vista disso, o propósito deste trabalho que a muito vem sendo desvelado, é a
investigação dos horizontes de escrita que são analisados no contexto
lingüístico que norteia a prática da produção escrita, do processo criativo, do
processo inacabado.
Independentemente de sua natureza – exercício escolar
ou criação literária em processo – todo manuscrito traz marcas, notadamente em suas
rasuras, do modo de relação entre o sujeito, a língua
e o sentido. Vários autores têm mostrado que o manuscrito tem uma materialidade
proteiforme e a rasura um caráter paradoxal.
Uma materialidade tal, que cada página do “manuscrito
de trabalho” apresenta sua forma e semiótica próprias,
e porta os traços de um ato, de uma enunciação em marcha, de uma criação se
fazendo, com seus avanços e seus bloqueios, seus acréscimos e seus riscos, suas
pulsões desenfreadas e suas reparações, seus relances e suas hesitações, seus
excessos e suas falhas, seus gastos e suas perdas.
A Crítica Genética apresenta um novo olhar sobre o
processo inacabado da escrita que se fixa nos
rascunhos, textos publicados ou na obra, e se põem em movimento sobre o
manuscrito ou sobre os esboços. Além disso, a Crítica Genética revoluciona
certas noções da própria Crítica Literária. Enfim, a Crítica Genética traz uma
nova bagagem útil à interpretação, que encontra nos manuscritos fonte mais
segura para o estudo de qualquer rascunho, e que permite uma interpretação mais
certeira e/ou fiel ao trabalho do escritor.
Em suma, os geneticistas olharão os textos escritos de
uma outra maneira, já que seu objeto inclui os documentos originais, rascunhos
rasurados, que mostram o caminho percorrido na escrita, pelo próprio escritor.
Este procedimento pode ser útil para compreender o processo de criação de uma
obra, seja ela literária e célebre ou acadêmica e
quase anônima, como é o caso de dissertações de mestrado ou outro tipo de
escrito, mais classicamente alvo deste tipo de análise, como correspondências,
artigos e outros.
A Crítica Genética analisa o documento autógrafo –
documento vindo da própria mão do criador, antes de passar pelo processo de
publicação – para compreender no próprio movimento da escritura, os mecanismos
da produção, elucidar os caminhos seguidos pelo escritor e entender o processo
que presidiu o nascimento da obra.
Cecília Salles destaca:
Trata-se, portanto, de uma perspectiva que vê a criação
como um percurso direcionado por um projeto, inserido na continuidade do
processo. É a tensão entre projeto e processo, deixando aparente o ato criador
como um projeto em processo.
Tendo tido certo acesso aos estudos da Crítica
Genética, descobertos, fomos chegando aos demais autores e, progressivamente,
percebendo interfaces com outros autores mais tradicionais ou antigos, que
conhecera anteriormente, como Barthes, Eco, Smolka, Koch e outros, e a pergunta
seguinte foi se construindo: se no processo da produção de manuscritos se
exigem normas e uma série de requisitos, então, porque não usar os recursos da
Crítica Genética para entender melhor os meandros da escrita, desvendar-lhe os
mistérios e socializá-los, para que se possa conseguir mais eficácia e
criatividade na elaboração de textos? E ainda: por que a prática de examinar os
rascunhos não é trabalhada, ou é raramente trabalhada nas diversas instâncias
educacionais?
Essa prática pode vir a
ser um dos esteios para a construção de textos tidos como acabados, ao
contribuir para seu exame e estudo detalhado. Isso só será possível, à medida
que não se levem em consideração apenas os aspectos da norma culta (no sentido
de ter conhecimento e erudição) no momento da escrita, uma vez que o 'escritor'
tem uma experiência vivencial que lhe permite tecer uma rede de significados e
que, como afirma Koch "o sentido não está no texto, mas se constrói a
partir dele, no curso de uma interação". Uma leitura implica, portanto, a
construção de um sentido, entre tantos outros possíveis, e não do sentido, como
muitas vezes se pretende no âmbito escolar, sentido supostamente verdadeiro,
válido, correto ou único.
Com base nessas
considerações, buscamos alguns pressupostos para verificar quais são as
implicações das interações escritor/escritos na construção de sentido, no
momento da ação de escrever do locutor e do interlocutor. Isso, porque,
acredito que é na interação entre o autor e o seu próprio manuscrito, possível
a partir da materialização das suas idéias num suporte material, que elas podem
ser examinadas como se fossem de outrem, e uma nova possibilidade interativa se
instala, de si, consigo mesmo, proporcionada pelo ato
de escrever e seu resultante: o texto. Assim, se aprende ou se constrói o
conhecimento de uma maneira mais eficaz, pois a colaboração dinamiza a
aprendizagem e favorece a mudança e a criatividade.
Para conseguir dar
visibilidade aos recursos da Crítica Genética, e evidenciar o interesse da
educação em conhecê-los e utilizá-los, ampliando suas esferas de aplicação como
ferramenta de produção acadêmica, arquitetamos um
estudo de caso, com algumas características especiais, justamente por ser
atravessado pelos princípios do método de análise próprios da Crítica Genética,
que são bastante peculiares e originais.
Dito isso, pretende-se,
desse modo, que além dos resultados específicos alcançados em salas de aula,
abra espaço e aponte caminhos para a realização de novos estudos, que busquem
dar oportunidades e segurança ao escritor, no âmbito das produções,
contribuindo para o alargamento da compreensão do processo da produção escrita,
considerando-se os elementos relacionados ao contexto em que essas “criações”
estão inseridas.
A PRODUÇÃO, A AVALIAÇÃO
E A REESCRITURA DO TEXTO
Consideramos a
produção textual do ponto de partida de todo o processo ensino / aprendizagem
da língua, pois é no texto que a língua se revela em sua totalidade. Aprender a
escrever e, por conseguinte, a produzir textos é tarefa difícil e trabalhosa. Torna-se importante observar as funções da língua escrita,
que, segundo Carneiro (2001), são as seguintes:
função de
transferência
– motivada pela ausência do interlocutor no momento da enunciação, marca a
transferência da realização do ato comunicativo para um outro local ou para um
outro momento. Por exemplo, o poema Os
Lusíadas, escrito em 1570, faz com que Camões, seu autor, permaneça “vivo” até os dias de hoje.
função de
preservação
– consiste no armazenamento de informações. Por exemplo, a biblioteca.
função de
memorização
– de certo modo semelhante à função de preservação, com a diferença de que o
que se preserva é algo que se dirige ao momento presente. Por exemplo, as
agendas diárias.
função
sócio-político-cultural – enfatiza que há uma estreita relação entre língua escrita e
nacionalidade; as culturas preocupam-se em manter sua identidade cultural e
nacional por meio da preservação da própria língua. Por exemplo, no Brasil,
apesar de se empregar o idioma de Portugal, o brasileiro afirma sua
nacionalidade, muitas vezes, opondo-se à língua de além-mar, como no caso de
nossos autores retratando a nossa pátria.
função artística – mostra que a língua
escrita é o veículo das grandes obras da literatura universal. Por exemplo, o
conto de fadas A Bela Adormecida.
função de produção
de conhecimento – revela que a manutenção do prestígio da língua escrita se deve
fundamentalmente a essa função. Por exemplo, ao escrevermos, não estamos
expressando um pensamento já formado, mas o estamos formando à medida que
escrevemos.
Os “escritores”,
de uma forma geral, apresentam dificuldade de expressar o que querem dizer. De
acordo com Carneiro (op. cit, p. 12),
há algumas limitações nesse meio de expressão:
Em primeiro lugar porque o que um escritor tem a
comunicar é sempre um conteúdo particular, fruto de suas vivências (e não
apenas o registro de suas experiências) no mundo, enquanto a língua, que deve
expressar esse conteúdo individual, tem valor universal.
(...)
Em segundo lugar porque o conteúdo a ser expresso pelo
escritor é fruto de uma apreensão simultânea de vários valores, ou seja, tem
valor sintético, ao passo que a língua escrita, por expressar linearmente o
mundo, só pode representar a realidade do mundo de forma analítica.
Dessa forma, segundo o autor, para que um texto seja
bem escrito é necessário que a língua seja utilizada na direção da
individualidade e do sintetismo.
Para Carneiro (op. cit), escrever bem é:
(i) escrever de forma gramaticalmente
correta;
(ii) escrever
de forma culta e elaborada; e
(iii)
relacionar-se com a capacidade de bem pensar.
No primeiro
caso, observamos que nem sempre um texto gramaticalmente correto está bem
elaborado; já no segundo, sabemos que a utilização, ou não, da norma culta
deve-se adequar à situação de uso e, finalmente, no terceiro, notamos que a
relação – escrever bem / bem pensar – deve existir com a premissa de que a
linguagem interaja com o pensamento, produzindo-o e produzindo-se.
Todo texto
parte de uma intenção comunicativa que, para se realizar de forma adequada,
precisa estar de acordo com a situação geral em que se vai ocorrer: quem são os
interlocutores, qual a relação social entre eles, em que local acontece etc.,
acrescentando-se a esses elementos situacionais uma estratégia textual que
atinja, da maneira mais adequada possível, a finalidade do texto.
Vale destacar,
que os alunos precisam perceber que escrever é, antes de tudo, um trabalho em
que eles se constituam como autores,
logo, de acordo com Geraldi (1995: 137),
para produzir um texto
...é preciso que: a) se tenha o que dizer; b) se tenha
uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se
tem a dizer; d) o locutor se constitua como
tal, enquanto sujeito que diz o que diz
para quem diz (...); e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c)
e (d).
Portanto, o
professor não só deve respeitar as experiências de vida de seus alunos, para
depois trabalhar a produção textual, como também atentar para a finalidade do
texto proposto. No entanto, muitas vezes, não é isso que ocorre. O aluno, por um
lado, é levado a escrever segundo a temática sugerida e o docente, por outro,
não aceita o que seu aluno escreveu, preocupando-se, apenas, com os erros
gramaticais. Então, opacifica-se o texto, pois não se valorizam as intenções do aluno ao trabalhar com a
linguagem.
De acordo com
Soares (2002) são três as perspectivas sob as quais os textos produzidos pelos
alunos podem ser avaliados:
A primeira
perspectiva está inserida na própria atividade de produção textual – quando os
alunos lêem e discutem os textos uns dos outros, quando a turma ouve a leitura
de textos e os analisa e os compara, quando um grupo de alunos seleciona o
melhor ou mais adequado texto do grupo para ser lido para a turma ou para
compor um mural etc. – ocorrendo no transcorrer do próprio processo de
interação pela mediação do texto escrito (fundamentando-se na
semiolingüística).
Em relação
à segunda e à terceira perspectivas, vale destacar que
nem sempre será necessário o professor avaliar individualmente todos os textos
produzidos pelos alunos. Há, também, outras formas de avaliação que apresentam
vantagens, sobretudo porque associam a avaliação à aprendizagem – o texto pode
ser revisto e reescrito ( de acordo com os preceitos
da Crítica Genética) pelo próprio aluno, em aula, sob a orientação do
professor, ou ainda, os alunos podem produzir um texto coletivamente sob a
mediação do docente, que acionará uma discussão sobre os aspectos textuais,
ortográficos e / ou morfossintáticos, analisando, discutindo e reescrevendo o
texto, progressivamente.
Verificamos, então, que o docente precisa ter
consciência da estreita relação entre texto e produção de sentido, entendendo
que as partes da aula de Língua Portuguesa – Gramática,
Leitura e Redação – precisam integrar-se numa mesma aula, numa abordagem
dinâmica e reflexiva, visto que só dessa maneira se conseguirá melhorar a
proficiência lingüística de seus alunos.
Assim, urge a
necessidade de mudança de postura do professor. É fundamental que ele se
conscientize de seu papel como formador de produtores autônomos de textos. Para isso, deve procurar meios para
desenvolver essa autonomia em seus alunos, apresentando-lhes as estratégias de
escrita, lendo / escrevendo, refletindo, criticando, ou seja, interagindo com
eles, considerando a autoria dos textos construídos por ele e por seus alunos.
Para isso, a produção escrita deve ser
contextualizada na experiência da vida do aluno, para que ele possa dizer as
suas palavras, produzir um texto, a partir de uma troca linguageira
estabelecida entre interlocutores e não apenas cumprir uma tarefa escolar
rotineira de redação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARNEIRO, Agostinho Dias. Redação em construção: a escrita do texto. São
Paulo: Moderna, 2001.
CHARAUDEAU, Patrick. De la competencia
social de comunicación a las competencias discursivas. In: Revista latinoamericana
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Editorial Latina, volume 1, número 1, agosto de 2001.
––––––. Les conditions de
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Análise do Discurso. Rio de Janeiro: CIAD / UFRJ,
––––––. Une analyse
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en
MARTINS, Maria Helena
(org.). Questões de linguagem. São
Paulo: Contexto, 1991.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins
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SOARES, Magda. Português – uma proposta para o letramento. São
Paulo: Moderna, 2002.
UCHÔA, Carlos Eduardo
Falcão. A lingüística e o ensino de
português. Caderno de Letras da UFF. [Niterói: 1991].