Língua falada: processos de
construção
Paulo de Tarso Galembeck (UEL)
Preliminares
Este texto apresenta
e discute os processos de construção da língua falada, a partir da proposta de Castilho
(2000), que menciona três processos dessa modalidade de exteriorização
lingüística:
a) Construção por ativação: processo central de
construção da língua falada (e também da escrita). Nesse item se tratará do
tópico (ou assunto) e suas propriedades, da construção do enunciado (unidades
discursivas) e dos marcadores conversacionais.
b) Construção por desativação: característica
da fala, representa uma volta ao já-dito, por meio da retomada (ou
reformulação) de porções do tópico ou do enunciador.
c) Construção por desativação: é representada
pelos truncamentos de palavras ou frases e pela ruptura total ou parcial do
tópico em andamento.
A exposição baseia-se
nos fragmentos a seguir, ambos extraídos do Inquérito 360 (D2 – diálogos entre
dois informantes), pertencente aos arquivos do Projeto NURC/SP, e publicado em
Castilho e Preti (1987):
(1) |
|
|
1 |
L1 |
... (uma) de
no::ve... e a outra de seis... |
|
Doc. |
a senhora...
procurou dar espaço de tempo entre um e Outro... |
|
L2 |
aconteceram ou
foram [ |
5 |
Doc. |
acontece/... |
|
L2 |
programados |
|
Doc. |
(isso)... faz
favor ( ) [ |
|
L1 |
a p/ a p/ é... a
programação... havia sido
planejada... mas não deu certo... ((risos)) |
10 |
L2 |
filhos da pílula
não? ((risos)) |
|
L1 |
não...
((risos)) |
|
L2 |
nem da tabela?
((risos)) |
|
L1 |
não justamente
porque a tabela não:: não deu certo é que::((risos))
vieram ao acaso |
15 |
L2 |
ahn ahn |
|
L1 |
e::nós havíamos
programado NOve ou dez filhos... não é? [ |
|
L2 |
(nossa que
chique) [ |
|
L1 |
então... |
20 |
L2 |
a sua família
é grande? |
|
L1 |
nós
somos::seis filhos |
|
L2 |
e a do marido? [ |
|
L1 |
e a do
marido... eram doze agora são onze... |
|
L2 |
ahn ahn [ |
25 |
L1 |
quer dizer
somos de famílias GRANdes e::... então ach/ acho que:;...
dado esse fator nos acostumamos a::muita gente |
|
L2 |
ahn ahn |
|
L1 |
e:: |
30 |
L2 |
e daí o entusiasmo
para NOve filhos... |
|
L1 |
exatamente
nove ou dez... [ |
|
L2 |
( ) |
|
L1 |
é e::mas...
depois diante das dificuldades de conseguir quem me
ajudasse... nó::s paramos no sexto filho... |
35 |
L2 |
ahn ahn |
|
L1 |
não é?... e...
estamos muito contentes e... |
|
L2 |
e dão muito
trabalho tem esses esses problemas de juventude
esses negócios( ) (não está
muito não idade né?) [ |
40 |
L1 |
não por
enquanto não porque... estão entrando na as mais velhas estão
entrando agora na adolescência e... [ |
|
L2 |
( ) |
45 |
L1 |
mas são muito
acomodadas... ainda não começaram assim...
aquela fase... chamada de... mais difícil de
crítica [ |
|
L2 |
(chamada mais
difícil) |
|
L1 |
né? |
|
L2 |
ahn ahn |
|
L1 |
ainda não...
felizmente (ainda não) começaram |
50 |
L2 |
( ) |
|
L1 |
agora... eu
acho que::... eu... espero não::ter problema com elas
porque... nós mantemos assim um diálogo bem aberto sabe? |
|
L2 |
uhn uhn |
55 |
L1 |
com as crianças...
então... esperamos que não::haja maiores
problemas |
|
L2 |
ahn ahn |
|
L1 |
com o avançar
dos anos... enfim... o futuro [ |
|
L2 |
(
) |
60 |
L1 |
pertence... |
|
L2 |
ah |
|
L1 |
a Deus e
não... a nós [ |
65 70 |
L2 |
( ) realmente deve ser uma
delicia ter uma família
gran/bem grande com bastante gente... eu sou filha
única... ah tenho um irmão de treze anos... mas gostaria
deMAIS de ter tido... mais irmãos... porque quando::...
com meu irmão eu já::já tinha curso universitário
já já tinha saído da faculdade quer dizer então não tem
quase que vantagem nenhuma não é?... eu queria então
uma família grande tínhamos pensa::do... numa família
maior mas depois do segundo... já deve estar todo mundo
tão desesperado que nós ((risos)) estamos
pensando... [ |
|
L1 |
( ) |
75 80 |
L2 |
é (pensamos)
seriamente em parar... depois disso ainda ti/tive
problemas de... saúde problemas de tireóide não sei quê::então o médico
está aconselhando a não ter mais... então nós
estamos pensando... estamos pensando não ofic/oficialmente
não está encerrado... mas de fato está porque::... o
endocrinologista proibiu terminantemente que eu tenha
mais filhos... [ |
|
L1 |
( ) |
85 |
L2 |
inclusive...
se eu tiver... ele disse que vai ser necessário... um aborto... então estamos
naquele negócio eh... como fazer::... se
faço operação::so o marido fa::z mas ele acha que::...
de jeito nenhum::((risos)) |
|
L1 |
precisa convencê-lo
não é? [ |
90 95 |
L2 |
é precisa
realmente estar convencido disso e ele é uma
coisa que não vai ser fácil convencer então desistimos...
eu pelo menos desisti não se toca mais no assunto... mas
realmente então está encerrado mas gostaríamos
demais de mais filhos... embora eu fique quase
biruta... ((risos)) porque é MUIto a gente vive de motorista o
dia inTEIRO mas o dia inTEIRO... uma corrida
BÁRbara e leva na escola ( ) e vai buscar... os dois estão na
escola de manhã –– porque eu trabalho de manhã –-...
então eu os levo para a escola... e vou trabalhar...
depois saio na hora de buscá-los... aí depois tem natação
segunda quarta e sexta... os dois... das duas |
|
|
(Inquérito NURC/SP, |
|
|
|
(2) |
|
|
|
Doc. |
e quando vocês
quiseram... escolher uma carreira... que as levou
escolher a carreira? |
1515 1520 |
L2 |
a minha eu
acho... eu não tenho certeza para julgar mas eu acho
que fui incutida... meu pai... foi o um::... era militar:; mas
a vocação dele era ter sido... advogado então ele
vivia dizendo isso... e eu tenho a impressão eu não posso
dizer porque é difícil... para a gente dizer porque de
jeito nenhum ele falou “você vai fazer isso”... nunca... mas
eu acho que ele falava tanto tanto tanto e eu o
admirava muito... eu tenho a impressão que foi... por causa
disto embora minha meta fosse Itamarati eu sempre... |
|
Doc. |
Diplomacia |
1525 1530 |
L2 |
pensei mas::... depois...
por uma série de circunstâncias ... não foi
possível... mas::então a a minha meta teria sido
diplomacia... mas eu acho que Direito particularmente
foi incutido por ele... principalmente foi porque ele
dizia que depois eu teria condições eu não... quer dizer a
pessoa teria ele sempre:: |
|
L1 |
(você) ( ) [ |
|
L2 |
era sempre
impessoal... o negócio né? [ |
|
L1 |
uhn |
1535 |
L2 |
a pessoa teria
condições... porque naquele altura... a escolha era sempre...
ah Direito Engenharia Medicina... |
|
L1 |
exatamente [ |
|
L2 |
só era uma das
três não existia::toda essa gama que existe
agora... não é? |
|
L1 |
tanta abertura [ |
1540 |
L2 |
(era uma) |
|
L1 |
né? [ |
|
L2 |
Era uma das três
então ele diz/ ele achava que essa a que Teria mais
possibilida::de de di/ de diversificação Depois... e
quando as outras eram mais específicas... né? |
1545 |
L1 |
certo |
|
L2 |
um médico era
só médico o engenheiro era só engenheiro ... pelo menos
naquela altura... e então::eu acho que fui
incutida por ele... e::e e não e não fiz o resto por minha
causa... aí foi... |
1550 |
L1 |
foram
circunstâncias que não favoreceram... |
1555 |
L2 |
foi circunstâncias
que não favoreceram que eu não::... não consegui
no Itamarati... ( ) não não consegui não... nem cheguei a
tentar... acrescido do fato que que aí depois soube que para
mulher era muito difícil que eles quase não admitiam era dificílimo
et cetera et cetera... e aí faltou ânimo para
tentar para valer... eu acho que aí se eu tivesse tentado teria
conseguido mas realmente faltou ânimo faltou
interesse... ((risos)) os interesses começaram... a se:: [ |
|
L1 |
( ) |
1560 |
L2 |
diversificar
também né? e a gente acaba desistindo e a gente
acaba desistindo... e você por que que você fez? |
1565 1570 1575 1580 1585 1590 1595 |
L1 |
porque... eu
fiz o curso normal... porque eu havia perdido o meu pai fazia::ah
no no primeiro colegial... e::eu precisava...
ter uma ah optar por uma carreira pro/-- meu relógio
está atrapalhando a nossa –-... por uma carreira
profissionalizante... eu achei que as coisas dali para frente
seriam mais difíceis eu comecei o colegial... pensando... em
Medicina... e pensando em contar com o meu pai...
para... o custeio do estudo mas desde o momento em que
eu... o perdi eu:: preferi uma carreira profissionalizante...
um colegial profissionalizante para que eu tivesse
chance de já trabalhar assim... que formar não é? e:: daí
me empolguei pelo magistério lecionei algum tempo...
e::ao terminar o normal eu logo optei pela Pedagogia
que era um curso assim que dá uma cultura...
geral BOa não é?... ah o nosso curso foi... bem dado e
tudo mais e eu gostei... e não fiz outra:: outras
especializações dentro outras especializações não... outra:::não
segui outras carreiras ah::... que o curso de Pedagogia
daria possibilidade como o caso da Orientação
Educacional... que:: no quarto ano eu poderia ter feito... e
a Psicologia Clínica que::eu poderia ter
feito no quarto ano como opção... entre a licenciatura...
ou ou a licenciatura em Pedagogia ou a Psicologia
Clínica sem vestibular naquele tempo era... possível...
e::eu não fiz por falta de tempo porque eu me casei
no::tercei/ no no terceiro ano... de faculdade e daí logo
vieram as gêmeas e eu não::... não fiz... a Orientação
no quarto ano porque a carga horária era muito
grande... sabe? então eu... preferi terminar a Pedagogia e fiz
a licenciatura... mas éh e como::... ah:: formado em
Pedagogia eu não falo como pedagoga porque::eu
não::me considero... como formada em Pedagogia...
eu não usei o meu diploma porque eu não lecionei no
secundário sabe?... então daí o motivo de eu ter escolhido
Pedagogia... e gosto muito... da:: psicologia da
criança... do adolescente a psicologia em geral me
cativa sabe?... então... aí está o motivo pelo qual... eu
escolhi esse curso [ |
1600 |
Doc |
a senhora está com horário? |
|
|
(Inquérito NURC/SP, |
Construção
por ativação
Tópico discursivo
O tópico discursivo define-se genericamente como “aquilo
acerca de que se está falando” (BROWN e YULE, 1983). Embora possa parecer
óbvio, toda conversa tem um assunto e as pessoas só interagem porque têm algo a
dizer às outras, nem que sejam futilidades ou frases proferidas para preencher
o silêncio.
Na conversação, o tópico é construído
cooperativamente: o falante e o ouvinte participam igualmente da construção
dele, por meio de ações específicas (os processos de construção do tópico).
Nesse sentido, a conversação define-se como uma interação centrada: os
interlocutores centram-se no desenvolvimento de um tópico, que pode ser
definido previamente ou introduzido no decorrer da conversação.
A centração ou focalização é, justamente, a primeira
propriedade do tópico: os falantes falam acerca de algo que lhes é mutuamente
acessível e, para tanto, utilizam referentes explícitos ou inferíveis. A
centração norteia o tópico, de modo que à introdução de um novo tópico
corresponde uma nova centração.
O tópico possui outra propriedade relevante, a
organicidade, define-se como a relação entre tópicos sucessivos ligados a um
tópico mais abrangente ou supertópico (plano horizontal) e entre os tópicos
mais particulares ou localizados (subtópicos) com tópicos mais amplos (plano
vertical).
O primeiro segmento apresentado tem por supertema
“Família” e apresenta as seguintes porções tópicas:
Tópico 1: |
“Tamanho da
família”. |
Subtópico 1: |
“Planejamento
familiar de L1”. (l. |
Subtópico 2: |
“Planejamento
familiar de L2”. (l. |
Tópico 2: |
“Tamanho da
família de origem”. |
Subtópico 3: |
“Tamanho da
família de L1”. (l. |
Subtópico 4: |
“Tamanho da
família de L2”. (l. |
|
|
Tópico 3: |
“Papel da
mulher casada”. (l. |
Subtópico 5: |
“Trabalho com
os filhos”. (segmento 3). |
Devido ao dinamismo da fala, verifica-se que não há
linearidade na seqüência dos subtópicos: o mesmo tópico pode corresponder a segmentos
que não são contíguos ou justapostos. No entanto, não há ruptura, uma vez que
os diversos subtópicos relacionam-se com o tópico genérico do trecho analisado.
A relação com o tópico genérico, aliás, caracteriza a construção do topcio como
um evento cooperativo.
No segundo fragmento, o supertópico é “profissão”, e
nele se ressaltará apenas o segmento “Preocupação com o horário” (l. 1565), o
qual constitui uma digressão, pois não se relaciona com o tópico em andamento.
Unidade discursiva
As unidades da língua escrita, as frases e os
parágrafos, não se aplicam à língua falada, pelos motivos expostos a seguir.
Inicialmente na LF não existem limites nítidos e precisos entre os enunciados
(ou frases), pois estes nem sempre se estruturam segundo os esquemas sintáticos
canônicos que caracterizam a LE padrão. Além disso, há que se considerar, na
definição das unidades da fala, a presença dos fenômenos característicos da
elocução formal espontânea (pausas, truncamentos, alongamentos). Finalmente,
não existe, na fala, a disposição visual característica escrita, na qual os
parágrafos são geralmente indicados por um adentramento (alínea) e as frases
têm o início assinalado por letra maiúscula e o término mais frequentemente por
ponto final.
Com a finalidade de superar esse problema, Castilho
(1989: 253) propõe o conceito de unidade discursiva (UD), assim entendida
O
segmento de texto caracterizado (i) semanticamente, por preservar a propriedade
de coerência temática da unidade maior, atendo-se como arranjo temático
secundário ao processamento de um subtema, e (ii) formalmente, por se compor de
um núcleo e duas margens, sendo facultativa a representação.
Cabe esclarecer que o termo unidade discursiva não
deve ser tomado no sentido das estruturas canônicas, que seguem padrões
previsíveis e definidos. Ao contrário, a UD é problemática, considerando não
apenas a falta dos referidos padrões, como também a ausência de limites
precisos entre as suas partes.
A UD é formada por três partes: o núcleo, elemento
essencial e obrigatório, contém o conteúdo proposicional (informação); a margem
direita que “aponta” o núcleo; a margem esquerda, voltada para o falante. As margens são facultativas e podem estar inseridas no
núcleo.
Na seqüência da exposição, são apresentados alguns exemplos
de unidades discursivas, divididas
(3) |
ME |
N |
ME |
I |
não justamente
porque |
2. é que::viveram
ao acaso (l. 13-14) |
Ø |
II |
e:: |
1. nós havíamos
programado NOve ou dez filhos (l. 16-17) |
não é? |
III |
ahn mas |
1. realmente deve
ser uma delícia ter uma família gran/ bem grande com bastante gente... 2. eu sou filha única... 3. tenho um irmão
de treze anos... 4. gostaria deMAIS
de ter tido... mais irmãos... (l. 63-66) |
|
IV |
porque quer dizer então |
1. quando::... com
meu irmão eu já::já tinha curso universitário 2. já já tinha
saído da faculdade 3. não tem vantagem
quase nenhuma (l. 66-69) |
não é? |
V |
eu acho mas eu acho que mas |
2. foi incutida 3. meu pai... foi o
um::... era militar:: (l. 1513-1515) |
|
Na seqüência da exposição, serão caracterizadas as
três partes que constituem a UD.
A. Núcleo (N)
O núcleo contém o conteúdo informacional e é formado
por uma frase (nominal ou verbal) ou por uma série delas. A complexidade do núcleo
varia muito, pois ele pode ser formado por uma única frase nominal ou por um
período razoavelmente bem estruturado. Essa complexidade depende do caráter
mais ou menos planejado do texto, do nível de formalidade e das características
do próprio falante. No caso dos exemplos citados, a estruturação do enunciado
aproxima-se da interação canônica, já que se trata de informantes cultos.
B. Margem esquerda (ME)
A ME tem por função introduzir ou preparar a UD e,
assim, volta-se para a elaboração do conteúdo proposicional. Essa função
principal desdobra-se em várias subfunções, das quais algumas são mencionadas a
seguir:
B1. Afirmação ou negação:
(4) |
L2 |
realmente (l. 63-64) |
deve ser uma delicia
ter uma família gran/ bem grande com bastante gente (...) |
(5) |
L1 |
não por
enquanto não não porque... (l. 40-41) |
estão entrando
agora na as mais velhas estão entrando agora na adolescência e... |
B2. Coesão ou continuidade tópica:
(6) |
L2 |
depois
disso então (l. 75-79) |
ainda ti/ tive
problemas de... saúde problemas de tireóide o médico está
aconselhando a não ter mais (...) |
não sei que... |
Um subtipo de MEs de valor coesivo são as que
introduzem um novo subtópico.
B3. Manifestação de opinião
(7) |
L1 |
e dão muito trabalho tem esses esses problemas de
juventude esses negócios (l. 37-38) |
O marcador coesivo e introduz o subtópico
“trabalho com os filhos”.
(8) |
eu acho eu não
tenho certeza para julgar mas eu acho
que mas (l. 1513-1515) |
a minha... fui
incutida... meu pai... foi o um::... era militar:: a vocação dele
era ter sido... advogado |
B4. Planejamento
O falante busca ganhar tempo para preparar o que vai
ser dito:
(9) |
é e:;mas... (l. 33-34) |
depois diante
das dificuldades de conseguir quem me ajudasse... nó::s paramos no sexto
filho... |
C. Margem direita (MD)
A MD, menos freqüente que a ME, volta-se para o
ouvinte e é representada por:
C1. Marcadores de busca de aprovação discursiva
São certas expressões convencionalizadas, empregadas
para encerrar a unidade discursiva, ou mesmo o turno de fala (né?, certo?,
não é?, entende?). Esses marcadores são sempre proferidos com
entoação interrogativa:
(10) |
L1 |
precisa
convencê-lo (l. 87) |
não é? |
(11) |
L1 e |
gosto muito...
da:: psicologia da criança... do adolescente em geral a psicologia me cativa (l. 1596-1598) |
sabe? |
C2. Marcadores prosódicos
São representados pela entoação ascendente
(interrogativa) ou descendente declarativa. Em ambos os casos pode haver
pausas, indicadas por reticências:
(12) |
Doc. e (l. 1516-1517) |
cuida vocês quiseram...
escolher uma carreira... o que os levou escolher a carreira? |
|
(13) |
então (l. 1594-1594 |
daí o motivo
de eu ter escolhido pedagogia |
... |
C3. Pós-pensamentos (“Afterthoughts”)
Trata-se de um segmento produzido após um ponto de possível
encerramento da UD e representa um acréscimo ou uma observação paralela que o
falante julga importante inserir na conversação:
( ) |
(A informante
está a explicar os motivos pelos quais desistem da carreira diplomática.) |
||
L2 |
eu acho que mas (l. 1555-1560) |
(...) e aí
faltou ânimo para tentar para valer aí se eu
tivesse tentado teria conseguida realmente
faltou ânimo faltou interesse |
... ... ((risos)) os
interesses começam a se::diversificar também né? |
Construção por reativação: a
paráfrase
Fuchs (1982: 49 e 50) define paráfrase como
a transformação
progressiva do ‘mesmo’ (sentido idêntico) no ‘outro’ (sentido diferente). Para
redizer a ‘mesma’ coisa acaba-se por dizer ‘outra’ coisa no termo de um processo
contínuo de deformações negligenciáveis, imperceptíveis.
Beaugrande e Dressler (1981: 58) definem paráfrase de forma mais
sintética: “recorrência do conteúdo com
uma mudança de expressão”.
A paráfrase pode ser estudada a partir de uma série de
variáveis. Neste trabalho, focalizam-se três dessas variáveis, nas quais se
leva em conta a relação entre a matriz (M, assinalada com um traço) e (P, com
dois traços):
A1. Paráfrase adjacente
(14) |
(A informante
fala das próprias filhas) |
L1 |
(...) são
muito acomodadas... ainda não começaram
assim... aquela fase... chamada de... mais difícil de crítica (NURC/SP, |
A2. Paráfrase não-adjacente
(15) |
L2 |
(...) então
o médico está aconselhando a não ter mais... então nós estamos pensando...
estamos pensando não ofic/ oficialmente não está encerrado... mas de fato
está porque::... o endocrinologista proibiu
terminantemente que eu tenha mais filhos (NURC/SP, |
B. Dimensão de P em relação a M
B1. Paráfrase paralela
(16) |
M e P têm a
mesma dimensão sintático-semâtica. |
L2 |
pensei (NURC/SP, l.
1524-1527) |
B2. Paráfrase expansiva
P expande M, com o acréscimo de informações e a menção
a exemplos:
(17) |
L2 |
(...) porque
é MUIto a gente vive de motorista o dia inTEIRO mas o dia inTEIRO... uma corrida BÁRbara e leva na escola ( ) e vai buscar...
os dois estão na escola de manhã (...) então eu os levo para a escola... e
vou trabalhar... depois saio na hora de buscá-los... aí depois tem natação
segunda quarta e sexta (...) (NURC/SP, |
B3. Paráfrase sintetizadora
P retoma M de forma sintética e abrangente.
(18) |
(A informante
explica por que escolheu o curso de Pedagogia.) |
|
|
L2 |
(...) e
gosto muito... da:;psicologia da criança... do adolescente a psicologia em
geral me cativa sabe?... então... aí está
o motivo pelo qual... eu escolhi esse curso (NURC/SP, |
Predominam na LF os casos de paráfrases autoparáfrases
adjacentes e expansivas. Isso mostra que a paráfrase está ligada à própria formulação
discursiva, e evidencia a preocupação de o falante monitorar a própria fala e
criar o contexto partilhado pelos interlocutores.
DESATIVAÇÃO
Esses procedimentos representam uma ruptura na
formulação do texto, e podem ser verificados tanto no plano da construção do
enunciado, como do tópico discursivo.
No plano da construção do enunciado, verificam-se
truncamentos de palavras ou frases:
(19) |
L1 |
(...) então ach/ acho que... (l. 25-26) |
(20) |
L1 |
agora... eu acho que::... eu... espero não::ter problema (l. 51-52) |
O truncamento está associado à busca da melhor
formulação discursiva, motivo pelo ele com freqüência se associa à correção.
No plano da construção do tópico, a desativação é assinalada
por dois fenômenos, a digressão e as inserções parentéticas. A digressão
constitui uma porção tópica que não se relaciona com o tópico em andamento ou,
de acordo com Jubran (1996: 411) é um segmento que se contrapõe um tópico
dominante. Um exemplo de digressão consta da linha 1565, e já foi comentado
anteriormente.
Os parênteses não constituem desvios tópicos, pois não
instauram uma nova centração. Jubran, n mesmo texto já citado, menciona quatro
“direções” das inserções parentéticas:
a.
Parênteses voltados
para o tópico: geralmente têm a função de esclarecimento ou explicitação acerca
do tópico.
(21) |
L1 |
(...) como é o caso da Orientação Educacional... que::no
quarto ano eu poderia ter feito (...) (l. 1580-1582) |
b.
Parênteses
voltados para o locutor: representam ressalvas ou opiniões pessoais.
(22) |
L2 |
(...) eu não tenho certeza para julgar (...) (l. 1513) |
c.
Parênteses
voltados para o ato discursivo: voltam-se para a formulação textual.
(23) |
L2 |
(...) não posso dizer porque é difícil (...) (l. 1517) |
d.
Parênteses
voltados para o ouvinte: reforçam ou comentam o que foi dito pelo locutor.
(24) |
L1 |
precisa convencê-lo não é? (l. 87) |
Referências bibliográficas
BEAUGRANDE, R. A. e DRESSLER, W.
U. Introduction to text linguistics.
BROWN, G. e YULE, G. Discourse Analysis.
CASTILHO, Ataliba Teixeira de. A língua falada no ensino de português.
São Paulo: Contexto, 1998.
–––––– e PRETI, Dino (orgs.). A linguagem falada culta na cidade de São
Paulo. v. II. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP, 1987.
FUCHS, Catherine. La paraphrase. Paris: PUF, 1982.
JUBRAN, C. C. A. S. “Para uma descrição textual interativa das funções
de parentetização”. In: KATO, M.
(org.). Gramática do português falado. v. V. Campinas: UNICAMP/FAPESP,
[s/d.?], p. 339-354.
URBANO, Hudinilson. “Marcadores conversacionais”. In: PRETI, Dino (org.). Análise de textos orais. São
Paulo: Humanitas, 2003, p. 81-101.