Budapeste
espelhamento, simulacro e metaficção
Marillia Raeder Auar Oliveira (UERJ)
Nenhuma verdade é, portanto, mais certa, mais absoluta, mais evidente do que esta: tudo o que existe, existe apenas para o pensamento...
(Schopenhauer)
Um livro cuja quarta capa é o espelho da primeira capa. Nesta, “Budapeste”. Naquela, “Budapest”, e as letras todas ao contrário. À primeira vista, as letras contidas no verso parecem até uma outra língua. Na capa do livro, o nome de seu autor, “Chico Buarque”. No verso, o nome de seu autor, “Zsoze Kósta”. Estranhamento: quem é o autor de Budapeste? Autor e narrador (ou narradores) confundem-se.
Com o livro em mãos, já nos sentimos impelidos a penetrar os mistérios por detrás desse espelho inicial, por detrás desse convite ao sugerido e ao nebuloso. Um espelho que se apresenta mal intencionada armadilha criada pelo autor, e que será mantida ao longo de toda a narrativa, porque nem o autor, nem o narrador – e aparentemente nem o leitor – devem quebrar o efeito produzido pelo fenômeno do espelhamento.
Esse espelhamento inicial não se apresenta como tal simplesmente por ser o primeiro processo desse fenômeno anunciado. Ao contrário: é inicial mais pelo fato de introduzir o próprio efeito do espelhamento na construção estético-literária do romance. É um espelho já pronto a começar a desdobrar cada duplicidade da narrativa, mas sem nada nomear e sem tentar buscar a perfeição de imagens, mesmo porque as imagens-respostas dos espelhos são sempre invertidas, como, aliás, o próprio verso do livro.
Apresenta-se, no romance em questão, um narrador duplo, ou seja, um narrador que se divide em dois: José Costa, que vive no Rio de Janeiro, e o seu próprio simulacro, Zsoze Kósta, seduzido por Budapeste. José Costa é casado com Vânia, com quem tem um filho, Joaquinzinho; é sócio-proprietário da “Cunha & Costa Agência Cultural”, fundada junto com um amigo de infância. Na agência, José Costa trabalha como ghost writer, escreve discursos, romances e até autobiografias em nome de outras pessoas; ele se esconde atrás dessa sombra que se manifesta pelo fato de nunca assinar seus livros. Enquanto sua mulher trabalha em frente às câmeras, José Costa esconde-se atrás das palavras que não assume serem suas. Zsoze Kósta, a outra experimentação de si mesmo, foi seduzido pela língua húngara – foi literalmente desviado de seu caminho, traçando uma vida, uma outra vida paralela àquela que mantém no Rio de Janeiro: em Budapeste, relaciona-se com Kriska, que tem um filho; lá, na Hungria, atua também como ghost writer, escreve em nome de outras pessoas e participa de encontros de profissionais que atuam como ele, ou seja, está o tempo todo ligado a essa questão de línguas.
Podemos dizer que esses dois narradores são, na verdade, dois simulacros de narradores, ou seja, um duplo simulacro, uma vez que não podemos definir qual deles é mais verdadeiro ou menos “real”. Esse narrador duplo de si mesmo desdobra-se em dois sujeitos diferentes e se configura, nos dois casos, na escritura e na diferença[1], e, além disso, observamos sua transformação em seu próprio simulacro. Ainda na condição de dois simulacros, eles têm um peso muito parecido dentro da narrativa, em seus papéis de narrador e protagonista do romance, e estão presentes para mostrar esse fenômeno do simulacro, a partir da questão do espelhamento e das diversas representações de suas próprias vidas.
O próprio processo narrativo é alternado: o narrador se desdobra em dois para contar as histórias: uma hora é José Costa que está narrando e, logo em seguida, “lança a bola” para o outro narrador, ou, se quiserem, para o seu outro “eu”, Zsoze Kósta, que assume o desvio da narrativa e do enredo, passando a construir uma outra forma de narrar, uma outra história, e deixando o leitor cúmplice e refém da narrativa, sem jamais saber em qual narrador ou em qual simulacro de narrador deve confiar, ou mesmo se deve confiar em quem está contando as histórias. Podemos arriscar dizer que se trata de pequenas interrupções no texto que descosturam o fio da narrativa linear, perturbam momentaneamente o leitor, que “se ajusta na sua cadeira para acompanhar o novo processo narrativo conduzido pelo seu “outro” narrador.
Essas ligeiras interrupções no texto são quase imperceptíveis, uma vez que são estruturadas pelo autor de maneira muito delicada. Mas, no momento em que um narrador lança a bola para o outro, perde-se momentaneamente o juízo e perde-se algo, além disso. Há certa perturbação, ainda que inconsciente, por parte do leitor; daí o fato de “reajustar-se”, ou seja, desacomodar-se, sair de sua possível inércia inicial e passar a fazer parte da própria narrativa, junto com narradores e personagens. A partir de então, o leitor não pode mais se sentir fora do romance.
Colocar escritores, romancistas, ficcionistas dentro de uma ficção, no interior de um romance, é comprometer-se com uma arte auto-reflexiva, que, além de apontar para outros aspectos, aponta para si própria: está constantemente revendo seus pressupostos, se autoquestionando, ou seja, constituindo-se como uma arte auto-referente, que fala de si mesma, para depois tratar da trama, havendo, pois, diversas e alternadas encenações dentro de um mesmo espaço.
O autor do livro, Chico Buarque, compromete-se não somente com uma literatura auto-reflexiva, mas ao mesmo tempo crítica, quando compõe uma urdidura de enredo de tal forma que insere um tema atual dentro do seu romance: a questão dos ghost writers. Podemos dizer que Chico Buarque faz inclusive uma brincadeira quando coloca, na quarta capa do volume, ou, em outros termos, no espelho da capa, o nome Zsoze Kósta, como se esse outro sujeito fosse o autor do romance, e não o próprio Chico. Podemos pensar também que esse jogo, envolvendo espelhos, simulacros e desreferencialização, aponta para um outro questionamento: o livro em mãos, Budapeste, seria de fato o livro de dentro do romance? Não se pode ter certeza de coisa alguma, pode-se, no máximo, fazer suposições e interpretações. De qualquer forma, com a frase final do romance, temos a certeza de que o livro que temos em mãos e o livro de dentro do livro são os mesmos. Cito a referida última frase: “E a mulher amada, de quem eu já sorvera o leite, me deu de beber a água com que havia lavado sua blusa.” (BUARQUE, 2003: 174)
Fica explícito, ao longo da narrativa ficcional, um grande distúrbio de identidade, a qual o protagonista busca o tempo todo. Ele não sabe quem é nem quem quer ser. Nem se ele quer ser. Não sabe se quer viver no Rio ou em Budapeste, se quer a Vanda ou a Kriska, se quer um filho ou outro, se opta pela língua portuguesa ou pela húngara, e, finalmente, se quer ser um escritor anônimo ou um escritor conhecido. Esse narrador não sabe se vive na luz ou na sombra, performatizando experiências alternadas de celebridade e anonimato. São criados dois centros para o narrador, deixando o leitor em dúvida sobre qual seria o mais importante. E o leitor fica refém dos dois narradores, das duas imagens de narrador que têm um trabalho paralelo na construção da narrativa. E é através dessa perda de identidade, através das diversas fases de fragmentação desse narrador-protagonista, enfim, é através da anulação de sua identidade que o narrador envolve o leitor. Nesses momentos, o leitor torna-se uma presa fácil para o narrador, que percebe o receptor completamente fragilizado e perplexo com os constantes deslocamentos do protagonista, que já se anuncia como um eterno desajustado. Assim, é através da perda de identidade que, paradoxalmente, narrador e leitor podem se reconhecer.
Criar imagens equivale a criar universos possíveis ou virtualmente possíveis de representação, e o que se anuncia como fato importante a ser observado são as imagens da constante recriação desse narrador-personagem. Deste modo, fica impossível desficcionalizar a realidade, ou o que se supõe como real, nessa narrativa ficcional que não deixa o leitor em momento algum numa posição confortável. Junto com o narrador do romance, através de suas viagens entre Rio e Budapeste, fazemos, nós, receptores, toda uma viagem pelo repertório lingüístico desse personagem, que ora fala uma língua, ora outra; ora encontra-se diante de uma cultura, de um povo, ora diante de uma outra cultura completamente distinta.
Nesse processo de espelhamento, vão se desdobrando as duplicidades da narrativa: dois simulacros de narradores; duas mulheres, uma em cada cidade; duas crianças, irmãs gêmeas, Vanda e Vanessa; duas línguas; duas culturas; duas cidades, Rio de Janeiro e Budapeste, e esta última divida em duas: Buda e Pest, cortada pelo rio Danúbio, que, por sua vez, também se bifurca. O referente real assim é cortado a todo instante, sendo criada uma nova realidade no momento da construção técnica do romance.
Chico Buarque expõe de maneira sutilmente sugerida e, principalmente, ficcionalizada, o que significa escrever e ler: parece que não passam de encenações, de performances. E junto a esses narradores performáticos vamos caminhando e desvendando caminhos nessa travessia metalingüística aparente no texto, que já se anuncia na primeira linha do romance, quando o narrador diz que “devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira”.
Ao falar de Budapeste, devemos também falar de desreferencialização, que é uma das palavras-chave na narrativa deste romance. Em um dado momento o narrador diz que a cidade de Budapeste é cinza, outra hora, a cidade é amarela; num momento o rio Danúbio é negro, num outro momento, verde, e ele só é azul, ironicamente, no mapa, ou seja, não há uma referência única para a maioria das coisas. Conforme nos diz Garcia-Roza (2003), “a delícia (e a malícia) de Budapeste está em nos mostrar que não há duplo para a realidade...”, porque tudo é ficção, ou melhor, é uma ficção que manipula o “real” e cria referencialidades próprias, cortando o fio que a liga a referentes já dados.
Mas o que muito importa é que a própria narrativa cria artifícios para desmentir o que ela mesma já afirmou. É uma estratégia narrativa de cortar os fios das certezas o tempo todo: fica difícil decidir qual é a realidade, nesse jogo preenchido por indecidibilidades. Tudo é e não é realidade: a verdade que nós temos são imagens, e não a realidade propriamente dita, e, como já se sabe, por trás de toda e qualquer imagem há sempre um conjunto de perdas ou mortes. É como se José Costa perdesse Budapeste quando partisse para o Rio e vice-versa. É como se um narrador sumisse em meio à neblina, favorecendo o aparecimento do outro. Há uma realidade que não se deixa aprisionar. Há sempre um como se.
Ainda como exemplificação, se o ex-marido da Kriska foi capaz de escrever melhor que o próprio José Costa seu romance autobiográfico, uma questão deve ser levada em conta: para onde vão as referências reais? Elas são criadas, as referências. Essa literatura não tem o menor compromisso com referentes já dados, com o que já foi dito; tudo que a liga à referencialidades reais é desfeito. Tudo é e não é ao mesmo tempo, ou tudo pode ser, tudo pode não ser.
Budapeste inscreve-se num tipo de literatura tipicamente performática: a performance está muito nítida ao percebermos que há um compromisso com os parâmetros possíveis na atualidade, ao encontrarmos, inseridas no enredo, questões críticas atuais, como a questão da perda da identidade e a questão dos ghost writers. As introspecções psicológicas não pesam no romance, até porque o narrador tem essa incapacidade de permanecer o mesmo: ele precisa alternar, ser ele mesmo e o outro, já que não consegue fazer com que seus desejos durem muito, e, refletidos num abismo dele próprio, aparecem seus desejos: uma verdadeira armadilha ou até uma traição.
Em suas viagens de Budapeste ao Rio e vice-versa, José Costa faz inclusive uma viagem de si mesmo, da sua autoridade de autor, que não cessa nunca: há sempre um movimento de fuga. O fato de ele ter tanta ojeriza a assinar os seus próprios livros e de somente viajar embriagado por vinho e remédios já é um movimento de fuga e ao mesmo tempo o movimento de quem está buscando sua identidade.
Apertei o cinto, fechei os olhos, achei que não ia dormir nunca mais na vida, tomei um sonífero e o avião decolou. Cheguei o rosto à janela, estava tudo nublado, a pílula fazia efeito. (BUARQUE, 2003: 05)
Eu tinha tomado vinho, barbitúricos, o avião se atrasara em Frankfurt (...) (BUARQUE, 2003: 11)
A perplexidade desse narrador é explícita, ele nunca consegue permanecer no mesmo lugar. Ao contrário, ele sente, antes, necessidade de alternar sempre e de se auto-reconhecer em sua própria fragmentação, recebendo o consentimento do leitor em acompanhar seus deslocamentos, que podem até causar vertigens por essa movimentação contínua.
Essa questão do duplo, organizada como categoria estrutural da narrativa, leva à ambigüidade de um mundo duplo e, ao mesmo tempo, de um paradoxo: o paradoxo de conviver sem conflitos com a duplicidade. E como já falamos em narrador performático, devemos reconhecer que a própria encenação é o que permite a entrada em cena de diversos paradoxos, como, por exemplo, o paradoxo de um escritor anônimo que se esconde num escritor de sucesso. E esse jogo de duplicidades nasce dessa questão de o narrador o tempo todo passar para o leitor que os livros dos outros foram escritos por ele e, enquanto o livro dele foi escrito por outro. Há sempre um escritor que não quer aparecer, fazendo com que escritor e narrador se dupliquem, e tudo que esse narrador conta já está duplicado, a partir da duplicação inicial, a partir do jogo de esconde-esconde entre os escritores dos romances.
O narrador busca assim a sua identidade como autor e como personagem, o que constitui ao mesmo tempo um processo de busca da sua identidade literária, dentro da sua obsessão por essa questão de línguas. Observe-se ainda que é o atrito das suas linguagens que faz a crítica; justamente essa atividade de linguagem, de construção de um discurso em cima de um discurso outro, esse uso da linguagem para falar da própria linguagem, para falar das palavras, para falar da escritura é que constitui a metalinguagem em que se resolve o romance. Cito, a propósito Clarice Lispector:
Porque acontece que ele queria a palavra. Enquanto fosse quem era estaria preso à sua própria respiração à espera de que ela o unisse a si mesmo, vivendo com essa palavra na ponta da língua, com a compreensão quase por se revelar, nessa tensão que termina por se confundir com a vida, e que é ela própria, acontece que ele queria a palavra (Lispector, 1998).
Chico Buarque expõe em seu romance a intransitividade da literatura enquanto arte. Ele aponta, de maneira crítica, o desgaste de meios de produção artística tradicionais, em última instância, o desgaste da própria maneira de fazer arte, o desgaste da criatividade. É preciso criar algo novo, tanto na forma de fazer um texto, quanto na forma de receber esse mesmo texto: romper com estereótipos e fazer algo inédito, tal como propunha Roland Barthes em O Prazer do Texto (1976). E é o que faz Chico Buarque, através da sua literatura crítica e autocentrada: brinca com narradores, com espelhos, com sombra e luz, com performances, com referencialidades, com indecidibilidades; manipula enfim o leitor, criando uma teia cheia de armadilhas que o convidam a tentar penetrar nela, nessa teia, como se, no fundo, houvesse um mundo a ser desvendado. E tanto autor como narrador performatizam a criação dessas armadilhas compartilhadas pelo leitor.
Na condição de um romance cujo narrador é performático, são criadas referências produtivas na sua construção técnica: essas referências produtivas são as encenações, ou seja, as performances. O tempo todo o autor rompe com o real, criando novas referências, estabelecendo novos mundos, entre outros, entre tantos. A mimesis que cria referências produtivas é uma performance, é uma encenação: é a mimesis performática. Essas referências produtivas são muito mais simbólicas que reais, embora ainda tenham forte ligação com o real: são referências que manipulam as referências descritivas.
Observa-se assim que o narrador do romance, usando referências produtivas, constrói uma referencialidade mimética, que manipula todas as outras. Neste caso, a mimesis é entendida como criação de texto, como criação e criatividade, não como cópia da referencialidade. Perde-se, então, a noção de mimesis como cópia ou imitação do real, desfaz-se a interpretação errônea sobre esse conceito, contido na Poética, de Aristóteles, que perdurou por muito tempo. Cito uma passagem da Poética (ARISTÓTELES, 1966):
[...] não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta, por escreverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser postas em verso as obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser histórias, se fossem em verso o que eram em prosa), - diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder. Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta o particular. Por “referir-se ao universal” entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que, por liame de necessidade e verossimilhança, convém a tal natureza; e ao universal, assim entendido, visa a poesia, ainda que dê nomes aos seus personagens [...] (ARISTÓTELES, 1966: 50).
Entende-se, desta forma, que a mimesis deve ser concebida muito mais como criação literária do que como imitação de referentes apreendidos do mundo visível.
Ao falarmos de uma narrativa ficcional, nunca podemos pensar na ficção meramente como descrição referencial. O conceito de mimesis se liga a esse caminhar por entre referências que saem do mundo real, mas vai cortando as referências que o ligam a esse real. Essa literatura se alimenta da realidade para criar sua própria mimesis como criação imagética.
No último capítulo do livro, o narrador diz: “por sorte me restavam os sonhos...”. A propósito dessa questão dos sonhos, cabe uma citação de Bertrand Russell: “Eis-nos, agora, sós num deserto: podendo suceder, por conseqüência, que o mundo não passe de um mero sonho, e que nada exista, a não sermos nós.”
Russell levanta a hipótese de que é possível que tudo o que pensamos ver, ouvir e perceber através de qualquer dos nossos sentidos não passe de uma ilusão nossa. Aqui entra a ficção, para desconstruir o “real”, ou o que para nós parece ser real.
Não é necessário quebrar o espelho para tentar penetrá-lo. Ele se fragmentaria em tantos pedaços, desiguais e igualmente confusos, que ficaria mais difícil ainda decidir por qual pedaço começar a tentar penetrar. Seria mais difícil decidir qual o original e quais os outros pedaços formados a partir desse eleito como inicial. Portanto, não precisamos quebrar espelhos. Basta deixar a dúvida tal como está, em sua potencialidade, intacta, pelo menos aparentemente intacta, e nos resta apenas absorver as imagens que o espelho nos fornece e as respostas que as dúvidas implicam. Mesmo que as respostas não sejam perfeitas, mesmo que as imagens sejam menores, desiguais, invertidas.
O último lance de espelhamento, de duplicação final, é o fato de fazerem com José Costa o que ele fez com os outros a vida toda. O marido de Kriska escreve em nome dele seu romance autobiográfico. Ele começa o livro na sombra e termina em evidência, dentro da armadilha que ele pensava dominar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Poética. Porto Alegre: Globo, 1966.
BERNARDO, Gustavo. A ficção cética. São Paulo: Annablume, 2004.
BUARQUE, Chico. Budapeste. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
CHALHUB, Samira. A metalinguagem. São Paulo: Ática, 1986.
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1971.
LISPECTOR, Clarice. A maçã no escuro. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Garcia-Roza, Luiz Alfredo. O globo. “Segundo Caderno”, 14 de setembro de 2003.
PINTO, Sílvia Regina. Ficção de mão dupla. In: OLIVEIRA, Ana Lúcia M. de (org.). Linhas de fuga: Trânsitos ficcionais. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004.
[1] Jacques Derrida criou o conceito de différance (com “a”), para representar a noção de anterioridade à significação do signo, ou seja, o momento em que os significados se encontram ainda em seu caráter potencial de condensar as différences, as diferentes significações. Derrida articula os conceitos de escritura e diferença, tratando a escritura como uma demora, um adiamento, uma prorrogação. A partir de então, as fronteiras entre escritura e diferença não mais servem para separar, mas para agregar. Quaisquer fronteiras que existam transformam-se em um lugar de troca e de construção de identidade, no jogo entre o mesmo e o outro, que não somente se opõem, mas também se suplementam.