DIES IRAE
Nestor Dockhorn
Em minha exposição, apresentarei o hino litúrgico DIES IRAE. Serão apresentados os seguintes itens: texto, tradução, autor e época, gênero e estrutura formal poética, problemas de grafia, aspectos morfossintáticos, aspectos do conteúdo e vocabulário.
Texto e tradução
DIES IRAE
TEXTO Dies irae, dies illa,
Lacrimosa dies illa, Pie Iesu Domine, |
TRADUÇÃO Aquele dia, dia de ira,
Será cheio de lágrimas aquele dia, Senhor Jesus piedoso, |
Autor e Época
A maior parte dos estudiosos atribui a autoria do hino a Tomás de Celano, frade franciscano, contemporâneo de São Francisco de Assis. O hino seria, portanto, do século XIII, uma vez que Francisco de Assis morreu em 1226. Foram sugeridos outros nomes para sua autoria: São Gregório, o Grande (+604), São Bernardo de Clair- vaux (+1153), São Boaventura (+1274), Cardeal Mateus d´Acquasparta, (+1302), Inocêncio III (+1216), Cardeal Latino Orsini (+1296), Hymberto (+1277), Agustinho Biella (+1491), Felix Haemmerlein (+1457). É possível que esse último autor tenha acrescentado as três últimas estrofes do hino: realmente, elas têm uma estrutura poética diferente das outras.
Gênero literário e aspectos formais
do texto
O texto é um hino religioso da Igreja Católica Romana, que foi inserido no ritual da missa dos finados (in commemoratione omnium fidelium defunctorum). O termo técnico da liturgia para designá-lo é seqüência. Seu texto já aparece num missal manuscrito da época de 1253 a 1255. Esse manuscrito se encontra na Biblioteca Nazionale de Nápoles.
O ritmo é acentual; está baseado no acento da palavra e não na quantidade das sílabas. Corresponde à métrica de quatro pés troqueus (ou coreus – que seriam longa/breve). O troqueu consiste de um tempo forte e um tempo fraco. Em alguns versos, o acento do ritmo não coincide totalmente com o acento tônico: discussurus, rogaturus, ingemisco, absoluisti, lacrimosa, iudicandus.
Problemas de grafia
Não reproduzi a grafia do texto que encontrei. Isso, pelas seguintes razões. O texto foi escrito, provavelmente, no século XIII. Ora, nessa época, não haviam sido introduzidas as letras ramistas, que começaram a ser utilizadas a partir do século XVI, por influência de Pierre La Ramée. Nessa época, usavam-se ainda o u e o i . O problema de pronúncia é outro: tendo sido composto na Itália, por autor italiano, é provável que a pronúncia do latim já tivesse um sabor de italiano.
Estrutura morfossintática
A estrutura morfossintática praticamente corresponde à da variante culta.
Convém notar o uso dos particípios futuros: uenturus, futurus, respon- surus, dicturus, rogaturus. Também é empregada uma forma de verbo depo- ente: recordare.
O ablativo absoluto é empregado: teste Dauid; confutatis maledictis, flammis acribus addictis.
Nas orações temporais, aparece a conjunção cum, alternando com quando.
A forma recordare aparece seguida de quod.
Observamos que cada estrofe tem autonomia sintática. Aparecem orações subordinadas, como temporais, causais, relativas, mas não há períodos longos. A estrutura sintática é muito simples.
Conteúdo
Podemos dividir o hino em três partes: na primeira parte (estrofes 1 a 6) o autor apresenta uma descrição daquilo que – na visão cristã da época – será o Juízo Universal. Será um dia de ira, com a destruição do mundo, com o chamamento da trombeta que convoca os mortos para serem julgados. Haverá um livro que contém tudo e um juiz sentado em seu trono.
Na segunda parte (estrofes 7 a 17), o autor apresenta a sua situação nesse julgamento: por um lado, não pode apresentar um advogado; por outro lado, recorre à suplica. Motiva o seu pedido com várias razões: a salvação é dada gratuitamente; o réu é causa das andanças de Jesus na terra; o cansaço e os sofrimentos do juiz; a justiça do juiz; a vergonha do réu; o perdão dado a Maria e ao bandido (o bom ladrão); a benignidade do juiz; o pedido para ser posto entre as ovelhas e ser colocado no meio dos benditos; o coração contrito do réu.
Na terceira parte, o autor faz uma espécie de resumo de tudo, com um pedido, não para si, mas para o homem, em geral. A última estrofe faz um pedido para todos os defuntos.
É interessante observar que o autor mencione Davi juntamente com a Sibila. Sobre Davi, podemos dizer que no salmo 69 é feita alusão ao Livro da Vida. O profeta Daniel também faz alusão ao Livro dos Vivos e à ressurreição dos mortos (Dn, 12).
Sobre a Sibila, devemos saber que não havia uma única Sibila. A primeira pessoa que teve essa denominação chamava-se realmente Sibila e era filha do troiano Dárdano. As outras profetisas adotaram o nome de Sibila. Uma Sibila muito famosa foi a Sibila de Éritras (que alguns pensam ser a mesma de Cumas). Na Eneida há uma descrição do transe que ela costumava sofrer (Eneida, 6,42-51). Existiam os Livros Sibilinos, que foram queimados por Estilicão, no século IV d. C. Na Capela Sistina do Vaticano, a Sibila aparece ao lado dos profetas. Os Livros Sibilinos prediziam catástrofes.
Vocabulário
O termo saluus, usado na variante culta do latim, recebeu um significado especial na linguagem cristã e formou o verbo saluo, saluare.
O mesmo aconteceu com o termo iustus, que tem, no cristianismo, um significado especial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRANDÃO, J. Dicionário mítico-etimológico da mitologia e da religião romana. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1993.
CATHOLIC ENCYCLOPEDIA ON CD-ROM - Google.
ERNOUT, A., MEILLET, A. Dictionnaire étymologique de la langue latine. 4e. éd. Paris: Klincksieck, 1967.
HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica grega e latina. Trad. Mário da Gama Cury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.